capitulo 01

Conto de GibGab como (Seguir)

Parte da série insanos até o fim

Lembro-me de ter visto o sangue escorrendo, mas não me lembro da dor; não havia dor, era algo diferente e ao mesmo tempo totalmente normal, talvez tenha sido o impacto, mas por um momento, eu achei que teria paz. Se toda a minha vida se passou pela minha cabeça? Não... e sim; pois o que muitos chamam de vida eu chamo de lixo inorgânico e, às vezes, orgânico. Mas por outro lado, também penso que a vida é feita de pessoas, pessoas importantes, eu quero dizer, aquelas que realmente importam, não estou falando de políticos ou diplomatas, estou falando de pessoas que tocam ou tocaram a nossa alma. Ele era o único, o único que conseguiu toca-la, então eu acho que sim, pois ele era a minha vida inteira e eu só conseguia pensar nele naquele momento. Ele era a minha vida e acho que também a morte (não só a minha).

Bem, desde que me lembro, eu sempre era o culpado de tudo “ah! o Ro fez isso, o Ro fez aquilo”, o Rodrigo era sempre o culpado, aliás, esse sou eu, o Rodrigo, o menino mais maluco da escola e do bairro. Eu não era assim, ou melhor, as pessoas não eram assim comigo. Eu tinha apenas dez anos e as pessoas do meu bairro eram quase como puritanos procurando uma bruxa pra queimar, porém, eles pareciam muito simpáticos ao primeiro ver. Tudo mudou quando eu conheci o Matheus, ele era lindo e inteligente, mas também era muito solitário e tímido. A verdade, é que só tive um contato com ele por muita insistência, porque ele parecia que me odiava e não queria ficar perto de mim e ele deixou isso bem claro, eu é que não quis acreditar.

A primeira vez que nos vimos foi quando o meu irmão Victor, que na época tinha 12 anos, tava tentando me ensinar alguns truques na bike. Depois de achar que ele tava tentando me matar, aproveitei que ele tava conversando com os amigos e resolvi me vingar. Minha mãe era muito pirada comigo e quem tinha que aguentar era o Victor, porque me deixar sozinho significava a morte. Enquanto Victor contava seus “contos de fadas eróticos” sobre ter “pego” a vizinha adolescente da casa ao direito lado da nossa, eu me mandei com a minha bike, parti pra rua e segui até passar por um beco onde ouço um barulho entre as latas de lixo. Eu me assustei, mas como uma vitima de filme de terror me dei ao trabalho de perguntar:

- quem é você? O que está fazendo ai?

- não te interessa? Vai embora, me deixe em paz – disse ele com uma voz alterada de choro.

- você está chorando. Você está bem?

- não, mas isso não é da sua conta. É melhor ir por que se não ir, eu vou te devorar – isso mesmo, ele disse que iria me devorar – eu já disse, eu sou monstro e vou arrancar sua perna com os dentes.

- você acha que sou burro, eu já tenho dez anos e tenho muita experiência – eu achava que já era adulto.

Eu me recusei a sair dali sem conhecê-lo, pois só de ter ouvido as suas besteiras algo já mexeu comigo. Eu me aproximei e me abaixei para tirar o lixo e ver quem estava ali, nesse exato momento eu fui impedido por seu choro que só aumentava. A única coisa que eu pensei foi em como ele me lembrava a mim mesmo e eu teria que trata-lo como eu gostaria de ser tratado, eu achava que o entendia de alguma forma. Não pude deixar de notar que atrás da pilha de lixo havia um liquido que não dava para ver direito, pois já era noite e até a água parecia negra com o reflexo do céu sendo iluminado pelas luzes das ruas da cidade. Eu estava curioso e pensei em ir verificar quando lembrei que ele já tinha me pedido pra ficar longe e eu não queria assusta-lo, então me concentrei em acalma-lo.

-olá, me desculpe. Eu me chamo Rodrigo, mas pode me chamar de Ro. Como você se chama?

-eu me cham... me chamo Matheus, você pode me chamar assim mesmo.

-olha, você pode confiar em mim. Você vive aqui?

-não, eu não sou lixo! Não sou lixo!

-calma, me desculpe, eu não quis dizer isso. Por favor, me deixa eu te ajudar.

-eu não sei, eu tenho vergonha.

-eu posso?

-tudo bem, você pode, mas me promete que não vai rir.

-tá bem, eu não vou rir.

Na hora até me perguntei o que teria de tão engraçado para eu rir, mas a pergunta sumiu da minha mente muito rápido. Lá estava eu tirando toda aquela sujeira de cima dele e ele nem se mexia até eu puxar sua mão e tira-lo de uma vez por todas dali. Quando ele saiu da pilha eu levei um susto, ele tinha o cabelo castanho claro meio loiro, tinha olhos azuis e era muito lindo, mas estava todo sujo cheio de aranhões e isso nem era o mais estranho, Matheus estava usando calcinha e sutiã, um sutiã preso com grampos de grampeador, porque não servia nele, além disso, a sua boca estava toda manchada de batom vermelho. Ele deu um meio sorriso com os olhos semiabertos e disse: “tudo bem, indiozinho?” depois disso ele se jogou nos meus braços, ele estava desmaiado, eu ouvi um barulho, olhei para trás e vi um policial fumando encostado na parede, não era um policial qualquer, era o delegado Sergio, um antigo amigo do meu pai. Ele olhou para mim, fez um gesto para eu me aproximar e disse sem demonstrar nenhuma expressão no rosto “ nós não vamos contar o que vimos, vamos?”, eu olhei para trás e vi que o liquido que eu já havia reparado era sangue, e mais, tinha um cadáver um pouco mais abaixo do lixo, podia-se ver a cabeça com seu rosto velho e barbado.

CONTINUA...

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