capitulo 25 - Who is Kevin? - parte 02

Conto de GibGab como (Seguir)

Parte da série A cor da loucura

Gente, me perdoem por não poder responder aos comentários. Estou passando por um momento muito difícil. Nesses momentos sempre tive alguém para segurar minha mão e me fazer seguir em frente, um amigo. Mas onde estão todos eles agora? As pessoas não facilitam para mim. Pelo contrário. Elas só pioram tudo. Por algum motivo, isso me tira o ânimo para respondê-los. Sei que é difícil de entender. O problema é que não consigo pensar em nada além do que estou passando. Não quero respondê-los com frieza. O que eu posso dizer é um grande obrigado a todos, até os que não comentaram. Sem querer ser convencido, eu não sou o tipo de pessoa chata, sou uma das melhores pessoas para se conhecer. Eu não mereço. Kkkkkkkk.... Chega de tristeza e desse desabafo que sei que vou me arrepender.

______________________________________________________

POR KEVIN Ó RIAGÁIN

— eu ou você? Quem vai fazer?

— Fazer o que?

— Você sabe. Será melhor para ele.

— Está louco! Acha que sou um assassino.

— É para o bem do garoto. Se os loucos lá em cima souberem que ele está vivo irão voltar a maltrata-lo e você sabe que não podemos devolvê-lo à família.

Os dois continuaram o que estavam fazendo, me ignorando completamente por um tempo. Até o que parecia mais bondoso esbarrar em mim novamente passaram-se horas. Eu agonizava esperando a morte me poupar do fedor horrível que me rasgava as narinas. Devo tê-los impressionado com tanta resistência. Pedro, o mais simpatico, já não podia mais me ver gemendo e com o nariz sangrando. Ele então colocou uma mascara no meu rosto.

— Você pode guardar um segredo.

— No que está pensando?

— Você pode ou não pode?

— Depende. O que é?

— Você sabe que eu e minha esposa já tentamos ter um filho mais vezes do que posso contar. Nós já havíamos pensado na possibilidade da adoção e...

— Chega, chega, chega! Já estou entendendo onde você quer chegar. Você por acaso perdeu o juízo?

— O que essas pessoas fazem com essas crianças é desumano e nós ainda ajudamos.

— Não temos escolha. Como acha que irei sustentar minha família? Está afim de passar fome e deixar sua esposa morrer?

— Claro que não.

— Então pense duas vezes antes de levar este problema para casa.

— Ele é só um garoto.

— Um garoto que pode trazer problemas. Não lembra do que aconteceu com o cara do quarto andar que ajudou um deles a escapar? Ele foi dedurado, e, pode ter certeza de que sofreu muito antes de morrer.

— Você e eu somos amigos. Isso não é justo. Seria desleal.

— É porque sou seu amigo que não posso deixar que destrua sua vida. Sim, se você sair por aquela porta com esse garoto, não duvide, eu não vou ficar de boca fechada.

— Você seria capaz?

— Você mal o conhece. Essa sua reação exagerada me deixa de boca aberta. De uma hora para outra você tem essa ideia maluca de acolher esse estranho.

Pedro não pensou duas vezes e me pegou no colo, aguentando os leves cascudos que tentava lhe dar. Meu corpo perdeu o pouco do ânimo que lhe restara. Fui levado em um carrinho usado para transportar os fertilizantes até o estacionamento. Do estacionamento, ainda mantendo o disfarce em uma máscara de calma, partimos em um caminhão. O colega de Pedro não conseguiu cumprir a ameaça. Acho que por saber ou acreditar que ele não seria capaz, Pedro arriscou, não dando a mínima.

•••

Não acredito. Foram-se cinco meses com Pedro e sua esposa Alice, a qual vi uma mãe que não conseguia ver na minha. Eu nunca perguntava sobre minha família biológica. Tive vergonha de voltar e falar com meu pai. Com que cara eu o encararia e diria que não soube cuidar do meu irmão? Por isso me esforcei para bloquear tudo da minha mente.

Pedro era um sonhador que partiu na primeira chance que teve de viajar para os EUA. Ele tinha um negócio no Brasil que lhe rendia pouco, uma loja de artigos esportivos. Seu sonho era construir uma rede de lojas em sua cidade e expandi-la ao estado e ao país. Depois de cinco anos o negócio fracassou, o colocando nas beiradas da falência. Uma estranha oportunidade de emprego no exterior apareceu, ele aceitou sem fazer ideia do que era exatamente e das condições estabelecidas. Perdido em um lugar que não conhecia, ainda sem dinheiro, o pobre homem teve que aceitar. A única sorte que ele teve foi a de ter uma esposa poliglota.

Alice foi até a sua adolescência uma patricinha mimada, a filhinha do papai. Seu pai era mais um empresário rico que satisfazia todos os desejos de sua única filha. Ela foi educada para estar apta a herdar e administrar toda a fortuna de seu pai. Correto, satisfazia, pois um desejo ele não poderia realizar. Resumindo: Alice acabou fugindo com Pedro.

Com minha nova família vivi momentos que jamais poderiam ser esquecidos. Sei que eu deveria ter magoa de Pedro por ele não ter tentado procurar meus pais e também sabia que ele mentia quando dizia que já havia os procurado, mas pus minha gratidão acima de tudo, apesar de que não era justo eu agradecê-lo por ser egoísta em me tomar como filho.

•••

Era natal, por isso o brilho no meu olhar ao estender as mãos, as colocando para fora da janela. Eu admirava as luzes dos enfeites natalinos. Mamãe me chamou, a ceia já estava pronta e todos, menos eu, postos à mesa. Está com aquela família, digo, minha nova família e os amigos deles que eu também identificava como família, só me deu a certeza de que aquele era meu lugar. Foi por isso que quando tudo acabou eu soube que nem mesmo meu pai verdadeiro poderia preencher o vazio. Depois de esquecer os meus traumas, mais um golpe. Aquele dia de festas ainda prometia um desastre.

Naquela noite, sujeitos usando máscaras de gás e coletes a prova de balas invadiram a casa. Não sei ao certo de onde veio aquela fumaça que me deixava sonolento. Todos cairam largados sobre o piso de madeira, menos eu e papai. Papai se jogou na escada, rastejando até chegar no quarto. Pela vermelhidão em seu rosto, pude constatar que ele prendia a respiração. Minha visão se reduziu a uma pequena linha que ficava cada vez mais fina. Astes que ela podesse se fechar, vi meu pai Pedro descer da escada, usando uma máscara dos tempos em que trabalhava com o fertilizante macabro, e segurarando um objeto que não consegui identificar.

•••

Deus sabe lá onde eu me meti. Era um quarto branco, cheio de figuras de personagens infantis, com três ou duas outras crianças. Na minha frente um rosto familiar. Ele parecia detonado, completamente destruído. Em seus olhos, enormes manchas contornavam o vermelho que prevalecia antes de chegar ao amarelado. Pelo Visto, fazia tempo que ele não se barbeava.

— Filho, meu filho! Eu não acredito. Obrigado, meu Deus. Obrigado por me devolvê-lo.

— Não! Me solta! Vai embora. Você não é meu pai.

— Kevin, não está me reconhecendo? É o papai.

— Não, você não é meu pai.

— Filho...

Sim, eu já sei, meu pai não merecia tanto desprezo. Ele era tão compreensivo que me deixou falar com Pedro. Este já nem tinha mais esperanças. Pedro agora não passava de um homem abatido, esperando o anjo da morte chegar e o fazer pagar por seus pecados. Depois que adormeci, Pedro provocou seu próprio fim, apontando uma arma para um dos invasores. Era de se admirar que continuasse vivo.

— Meu garoto, você veio — acabou susurrando devido ao estado debilitado.

— Pedro...

— Pedro? Faz tempo que não me chama assim — a decepção estampava seu rosto — Sim, eu sei. Ele é um bom homem. Nunca se esqueça de que sempre pode contar com ele. E quanto a mim, você pode esquecer se quiser. Será até melhor para você. Quem quer lembrar de um homem tão covarde quanto eu? Mas saiba que minha alma levará sua lembrança comigo.

Ele se calou, ficou parado com a boca e os olhos abertos. O chamei com o pânico na voz. O alívio me amoleceu as pernas quando o vi voltando a respirar. Aguma coisa ainda tinha para falar.

— Encontre... — ele mal podia falar — Encontre Matheus.

Foi o que nunca saiu da minha memória.

Meu pai não teria me encontrado se não fosse a The Circle of Black Sparrow. A The Circle of Black Sparrow foi criada com interesses opostos aos loucos que me sequestraram. Ela nasceu de um membro de uma outra organização que existe desde o século XIX, pela qual é afiliada. Eles enganaram todos os responsáveis pela investigação para assumir o caso. Até criaram um falso programa de proteção a testemunhas para minha "família". Antes do programa nossa casa vivia cercado por eles.

Alice estava disposta a fazer de tudo para estar ao meu lado. Ela se mudou para a Irlanda, me visitou todos os dias em que estivemos lá. Nesses dias de calmaria, soube que minha mãe havia fugido com o pai de Rory, meu tio, irmão do meu pai. De tanto estar em casa, substituindo mamãe, entrando sem avisar, se sentindo em casa, Alice acabou ouvindo o que não devia, uma conversa entre um representante da The Circle of Black Sparrow e Papai. Na época eu não estranhei tanto ter permissão para estar presente na coversa, ainda mais intrigante que isso, o representante fazia questão de que estivesse. Hoje sei que era fundamental.

O resultado de tudo foi que soube quem era Matheus, Alice ameaçou levar a história a público se não fosse conosco, o representante finalmente contou quem eram eles na verdade, já que eles não mentiram apenas para a polícia. O que aconteceu foi isso: fomos levados a procurar, no Brasil, por um garoto chamado Matheus. Esse garoto teria informações que nos ajudaria a encontrar Rory. O SR. Ó Riagáin queria se redimir do descuido de ter nos deixado sozinhos e da desgraça de não ter nos encontrado a tempo de salvar a vida de Ryan, então a missão lhe interessava. Recebemos nomes falsos. Alice se passou por esposa do meu pai sem saber que depois de anos de convivencia os dois acabariam se apaixonando de verdade.

•••

Mais um país estranho. Os meus objetivos apontavam para o tal Matheus. Eu dependia dessa aproximação para encontrar Rory. Eu havia definitivamente mudado para a escola de Matheus. Agora já não tinha mais como voltar atrás. Até tinha, mas não seria fácil, não para mim. O único impasse era que não estaríamos na mesma sala. Isso me faria perder muito tempo. Eu seria um idiota se não admitisse que aquilo valeu a pena. Graças a aquele contratempo eu pude conhecer Rodrigo.

Mantive uma espécie de amor platônico por Rodrigo até antes de sequer falar com ele. Só pude conhece-lo de verdade através de Yuri, um moleque de olhos puxados e um sotaque também um pouco diferente. Yuri morou e aprendeu suas primeiras palavras no Japão. Ele havia nascido no Brasil, porém se mudou para o Japão um ano depois. Yuri cresceu mais familiarizado com o japonês, já que somente sua mãe falava o idioma em sua casa. Seu pai não se sentia confortável falando outro idioma em seu próprio país, era o que ele dizia, pois se sentia tão japonês quanto qualquer outro. Por isso o japa não estranhou tanto assim o meu sotaque. Só era preciso inventar que eu era de outro estado, e pronto.

O que nos uniu foi algo que me mostrou que meus dias naquela escola seriam pra lá de difíceis. Eu estava lá, me virando com aqueles óculos ridículos falsos quando um garoto muito sorridente se aproximou de mim. Ele simplesmente apontou para mim e disse: "Eu quero esse aqui", e uma infestação de idiotas apareceu. Os neandertais estúpidos me suspenderam pelos pés e mãos, e me levaram ao armário de vassouras. Lá eles começaram a tirar minha roupa, deixando apenas a cueca. Um deles trazia uma cadeira, um laço de embrulho para presente e uma corda. Entrei em pânico, esperando pelo pior, quando os moleques valentões me colocaram de quatro, com o peito no acento da cadeira e a cabeça presa no meio da dobra de uma barra de ferro, que dava a impressão de que eram duas barras, onde se apoiava a encosta da cadeira. Um lacinho foi amarrado na minha cintura. Eu fui deixado como lanchinho para o bixo papão do zelador.

Fiquei o resto das aulas naquela posição. Os garotos ainda voltaram para me ridicularizar ainda mais, convidando algumas meninas a assistir. Eu chorei, solucei, babei e até me engasguei com minha própria saliva. Em que lugar do mundo eu havia me metido? As crianças daquele país eram más como as de nenhum outro, pensei. Era um engano meu, pois não era só esse país. O mundo estava errado. Não quero ser moralista, no entanto, quem negaria algo tão evidente? Foi pela cultura do sexo que me envolvi na situação anterior e a seguinte. Naquele momento tomei a decisão de jamais expor o meu corpo a situações tão humilhantes. Ninguém mais iria pôr um dedo no meu corpo.

Meus planos foram por água abaixo quando ouvi a sua voz atravessar a porta. Pelo volume do som de sua voz, ele deveria estar encostado a porta. Ele reclamava de algo, de alguém, de Matheus. Não era só isso. Escutei meu novo nome sair de sua boca.

— Droga, droga! Era pra ter sido o Matheus. Quem é aquele tal de Arthur? Garoto esquisito. Que raiva!

Me esforcei um pouco para levantar a cadeira presa a mim. A posicionei com as costas de frente para a porta, também me pocionando com o rosto de frente para a porta. Só consegui ouvir alguns gemidos e suspiros de decepção. De tantos passos que se seguiram depois, não consegui identificar quais eram de Rodrigo. O corredor estava cheio de pessoas desesperadas para voltarem a suas casas.

Não demorou muito para me dar conta de que eu estava sozinho na escola. Eu ainda chorava baixinho, porém com todo aquele espaço vazio transformando qualquer barulhinho em um eco estrondoso, dava para escutar de muito longe. O zelador, que se preparava para guardar os materiais de limpeza, por algum motivo, parou quando encarou a porta. Seu longo suspiro me fez virar de costas, voltando a posição de antes. Arrastei a cadeira mais rápido do que a última vez. É claro que ele ouviu. Com toda bagunça que fiz já era de se esperar. A surpresa ficou pelo que ele fez em seguida.

— Oi... — ele disse, não obtendo minha resposta — Oi! — ele repetiu em um tom mais alto — Não precisa falar se não quiser, mas eu sei que você está aí. Eu posso entrar? — não respondi — Ok. Eu não vou rir de você ou qualquer outra coisa. Sei que você está envergonhado. Não é culpa sua. Vai deixar que eu entre?

— Por... Por favor, me ti-ra da-qui — as palavras quase não saiam da minha boca.

— Ok. Vou abrir.

A porta foi aberta. Senti todo o ar gelado daquele prédio, agora solitário, tocar o meu corpo. Mal consegui olhar nos olhos daquele homem idoso e com um olhar solidário.

— O que aqueles monstrinhos fizeram com você? Eu já vi os valentões mais velhos aprontando dessas, mas essas pequenas criaturas... O que há de errado com o mundo?

— Não quero ficar aqui — uma certa dificuldade em falar aquele idioma naquelas condições de desequilíbrio emocional era notável.

Era tanta confusão e choro que ainda não havia notado que não estávamos a sós. Atrás do zelador se escondia um lindo garotinho com traços asiáticos. Chega a ser hilário lembrar de como ele era tão... Ele era uma criança, então acho que pode-se dizer que era um tanto adorável ou, como dizem, fofo. Ele parecia ainda mais novo que eu. Não consegui encontrar um traço de timidez que o fizesse se esconder de mim. Fui tão indiscreto em demonstrar meu desconforto e minha distração com aquilo que ele teve que tentar falar comigo. O garoto estendeu sua mão para mim.

— Olha, vejam só. Parece que vocês serão grandes amigos. Você já fez até o loirinho parar de chorar — o zelador o interrompeu antes mesmo que ele podesse dirigir suas palavras a mim — Esse belo garotão samurai de olhos puxados se chama Yuri. Acabo de me lembrar de que você ainda não me disse o seu nome.

Kevin ou Arthur?

...

Yuri. Era o nome mais bonito para mim naquele momento. Ele me transmitia algo que Rodrigo não poderia. Estava longe de ser amor, quer dizer, era um tipo diferente de amor. Ele me fazia lembrar de Ryan. O meu pequeno estava na essência perseverante daquele menino. Desde já soube que seríamos como irmãos.

•••

Ryan, isto é, Yuri e eu já corriamos juntos pelo pátio da escola, já éramos melhores amigos. Foi também juntos que aprimoramos nosso português. Nós não éramos tão horríveis assim, entretanto, ainda restava alguns restigios de sotaque. Não falávamos de maneira desordenada confundindo os verbos e trocando a ordem dos substantivos com adjetivos, como certas celebridades estrangeiras faziam quando visitavam este país. Eu não me mantinha calado perto dele, porque tinha certeza de que ele não notaria muito bem o meu sotaque. Provavelmente ele achava que eu era de outra região. Nem com o zelador, que se tornou um avô para mim, eu me soltava. Com as outras pessoas eu me fazia de tímido e calado para não falar, incluindo Rodrigo.

O zelador se chamava Roberto e todos os dias levava Yuri para escola e o trazia de volta para casa, pois além de ser seu vizinho, Roberto testemunhou uma das pegadinhas idiotas dos garotos contra meu novo melhor amigo. O homem velho e cansado era tachado como pedófilo pelos garotos mais velhos do nono ao terceiro ano. Isso nunca havia afetado os mais novos até o ano passado. Até estranhei que recebendo tantos PRESENTES daqueles doentes mentais, ele não se pronunciasse aos pais ou a diretora. Ele achava que merecia aquilo, simples.

Roberto se culpava por não ter sido um bom pai. Ele perdeu sua filha para a aids. Muito jovem, a moça foi violentada por um homem que era considerado o melhor amigo de seu pai. Até chegou a engravidar e ter um filho igualmente soro positivo. Esse filho foi criado por Roberto, tendo dez anos de vida. Ele era divorciado por este mesmo motivo. Sua esposa via o garoto como uma lembrança terrível, ao contrário de seu marido, que o via como uma bênção mandada para preencher o vazio em seu coração. Inclusive, mesmo não fazendo sentido, a velhota insistiu em culpar outro rapaz.

•••

Em um dia comum de aulas como qualquer outro, eu estava prestes a entrar na escola, quando Yuri me pegou pela gola da camisa e me arrastou para um canto perto do muro. Ele estava sério e desconfiado, olhando para todos os lados.

— Está só? — ele começou a passar a mão em mim, em uma revista improvisada.

— Ei! Tira a mão daí.

— Está com escuta? — foi preciso mais essa gracinha para que eu me desse conta de que estava só brincando.

— Tá maluco?

— É só bobeira. Chega mais.

— O que? — perguntei sussurrando e bem próximo a ele. Eu já havia entendido parte da jogada.

— Tá vendo aqueles moleques? — apontou sem nenhuma descrição para um grupo de garotos, que, aliás, foram os mesmos das pegadinhas maldosas.

— Aqueles meninos não são legais. O que você quer com eles?

— Justiça.

— Justiça?

— É. Não sabe o que é justiça? Você já está muito grandinho, mocinho.

— Sei sim — menti. Naquele dia soube que eu não conhecia o português tão bem como imaginava.

— É o que vamos fazer. Aqueles panacas merecem uma lição.

— Eu não sei.

— Não sabe o que? Vai me deixar na mão?

— Papai disse para eu não me meter em confusão.

— Hum! Papai disse, papai disse — me imitava e fazia alguns gestos irritantes.

— Ei! Você não vai entrar! — gritei já dentro da escola. Yuri ficou com os olhos esbugalhados me vendo sumir na escola.

Tudo correu bem nas aulas, nem tanto. Era difícil prestar atenção às aulas quando algo mais interessante se apresentava tão perto de mim. Rodrigo tinha algumas manias que se materam desde aquela época até agora. Eu duvido muito que ele saiba do quanto essas manias o faziam tão charmoso. Eu poderia ter me dedicado menos aos estudos. SEM ESSA! Isso só me deu motivos de sobra para me esforçar ainda mais. Estive disposto a acompanhar o ritmo de Rodrigo, se ele repetice de ano, eu também repetiria só para continuar perto dele. No momento, Ro ia muito bem como aluno, o que me precionou a me tornar um dos nerds da escola. Bom, de aparência eu já era.

•••

Yuri estava nessa de recrutar alguns garotos da escola para sua vingança particular contra os valentões. Muito bobo, eu sei. Ele dizia que era para o bem de todos, e coisa e tal, mas eu sabia que era pessoal. Toda vez que eu tocava neste assunto ele exagerava e fazia um discurso emotivo. Embora transbordasse de impopularidade, Yuri ainda se dava ao luxo de escolher. Ninguém estava a sua altura, então vi nessa bobagem infantil uma oportunidade de me aproximar de Ro. Fiz uma propaganda e tanto do garoto.

— E que tal Rodrigo?

— Rodrigo? Quem é esse?

— É um garoto da nossa classe. A professora disse que ele é muito inteligente.

— Rodrigo, Rodrigo... Ah! Já sei, o cabeça de tigela.

— Cabeça de tigela? Por que chamamou ele assim?

— Ele tem um cabelo engraçado.

— Gosto do cabelo dele.

— Quer falar do cabelo do moleque?

— Desculpa!!!

— Estranho.

— O que acha?

— Ele é meio mauricinho e metido.

— Como sabe?

— Sei lá, só acho e pronto.

— Não é assim. Você vai ver.

— Chega! Depois eu penso nesse menino aí.

— Cabeça de tigela — resmunguei, repetindo baixinho e o reprovando.

•••

O japinha passou o primeiro semestre inteiro observando o possível novo amigo. Uma situação o pôs na condição de ter que arriscar.

Matheus se tornou o mais popular entre os mais novos. Seus olhos azuis convidavam todos a se juntarem ao seu círculo social. Os outros pirralhos também queriam ser como ele. Durante todo as aulas era explícito para toda a turma o quanto ele foi levado, pelos amigos, a maltratar Ro.

A professora mal disse bom dia e já nos passava um trabalho em grupo. O grupo teria que ter somente três componentes. A turminha de Matheus cochiva e ria no fundo da sala. Eu sabia o que aquilo significava. Fingi me espreguiçar. Ao abrir os braços, o lápis que estava na minha mão foi arremessado na direção dos garotos. Fui até o lápis, me abaixei e fui me erguendo devagar atento aos macacos pelados e Ro. Um dos garotos apontou para ele e disse:

— O viado? Aquele que vimos na casa do seu tio?

— Esse mesmo — Matheus falava friamente, sem nenhuma demonstração de piedade.

Aleitei Yuri do que estava prestes a acontecer. Ele ficou um tempo observando os dois até que tomasse uma decisão e resolvesse agir.

– Olá, chefe. Não quer fazer o trabalho comigo?

– Chefe, eu? Espera... Com você? Eu não...

— Ah! Vamos lá, Ro.

— Eu ia dizer que não sei.

— Como assim você não sabe? Nós não fazíamos sempre juntos? Você mora até mais perto de mim agora.

— Não mais. Já faz um tempo, eu acho.

— Mas é por causa das férias, não é?

— É porque agora ele vai fazer o trabalho comigo? – um garoto, que confesso, não havia notado antes, o interrompeu – comigo e com Arthur.

— tudo bem pra mim – ele estava visivelmente decepcionado, mas ainda tentou disfarçar.

Boa, Yuri! Aquele metido que procure outro para fazer de bobo. O Rodrigo agora é meu, quer dizer, nosso. Ele agora faz parte do NOSSO grupo.

— Olá, eu me chamo Yuri. Eu sei que não deve ter me notado, ninguém nota – ele sorriu amigávelmente.

— Olá, eu sou o Rodrigo, mas todo mundo... minha família me chama de Ro – Rodrigo retribuiu com um sorriso sem graça.

— Eu sei. Todo mundo aqui conhece você.

— Escuta, por que você disse aquilo?

— Aquilo o que? – ele se fez de desentendido.

— Você sabe, o Matheus.

— Ele não gosta de você, não como antes.

— Como antes?

— Ele era seu amigo, não era? – ele nem sequer esperou que Ro respondesse a pergunta – pode até parecer, mas acho que ele não quer voltar a ser seu amigo.

— Eu sei, mas o que eu queria saber não era isso – parece grosseiro, mas foi dito em um tom educado.

– Tudo bem, os novos amigos dele já fizeram isso comigo ano passado, com O Arthur nesse primeiro semestre e agora tentaram fazer com você.

— O que eles queriam fazer comigo?

— Ninguém sabe, é sempre diferente. Acontece pelo menos uma vez a cada dois meses, isso desde o ano passado. Tudo começou com brincadeiras bobas, mas deixa pra lá.

— O que eles fizeram com você?

— Deixa pra lá. Vamos na sua casa ainda hoje – esquivou-se, afastando suas lembranças.

— Não precisa dizer o que fizeram com você, mas eles já fizeram algo de ruim comigo também.

— Não deve ter sido muito sério, porque eles ainda estão atrás de você.

O começo. Dali em diante me vi tentado a falar com aquele garoto. O problema era o medo. Eu sabia que em um vacilo eu poderia colocar tudo a perder. Até agora meu disfarce estava indo muito bem. Por quê arriscar?

•••

O ano já estava acabando. É agora ou nunca. Não sou bobo nem nada. Já o peguei me olhando muitas vezes. Ele queria uma resposta vinda de mim. Cada vez que ele olhava para mim, eu sentia como se não fosse bem-vindo, como se fosse um objeto estranho no meio da normalidade, uma aberração. Isso me incomodava. Seu olhar era de curiosidade e não de admiração. Por essas e outras resolvi acabar com isso de uma vez por todas, mas parece que Matheus é uma espécie de médium desgraçado e satânico que prevê tudo e foi mais rápido.

Rodrigo entrava na sala quando um problema na mochila o fez parar na frente da porta. Aproveitei para tentar falar com ele sem a interferência de ninguém. Mais que merda! Matheus estava sentado na frente — o que já era de se estranhar — e quando passei por ele, o idiota me fez tropeçar e ainda jogou cola nas minhas costas, manchando meu uniforme. O pior era que todos estavam olhando e eu tive que fingir que acreditei na sua história de que, sem querer, deixou cair.

— Nossa, cara! Me perdoa, por favor. Foi mal. É melhor você correr. Essa mancha vai ficar feia.

— Tudo bem. Você tem razão — meus dentes superiores e inferiores se encontraram, esmagando uns aos outros de tanta raiva.

Fingi sair para limpar o estrago em meu uniforme. Fiquei na porta, observando Rodrigo se dirigir a Matheus. Ele trazia um sorriso esperançoso. Nada de muito bom viria a seguir.

— Oi. Posso sentar aqui hoje?

— O que pensa que está fazendo? Não pode nada.

— Mas eu pensei que... — algo o fez parar. Droga! Ele estava chorando e todos já haviam percebido.

— Você pensou o que? Que era um lesado como você? — debochou com aquela frieza que eu já havia me acostumado.

CONTINUA...

_______________________________________________________

Perdão pelos erros evidentes que o texto possa ter. Não tive tempo de fazer a revisão.

Comentários

Há 3 comentários.

Por leo lima em 2015-12-19 10:00:04
Caramba, esse conto eh incrível, MOS to meio decepcionado, por que pensei que a história se resolveria até o capítulo 25( fico triste quando tenho que esperar pelo resto do conto. Essa reviravolta do Kevin foi realmente inesperada. Mas por favor não reconta toda a história do ponto de vista dele não. Senão vai ficar muito longo. Desculpa falar, mas acho que o texto tem algumas pontas soltas( Aretha, as gêmeas desaparecidas( por que o Matheus tava com o vestido delas)). Mas o seu texto eh maravilhoso e não consigo parar de ler. Quero logo saber o final da história pra saber com quem o Rodrigo vai ficar. E a ana, ela ta bem?..... To ancioso pelo desfoxo final. Me explica por que o Kevin,Arthur ainda não falou com o Matheus. No comeco desse capítulo ele já criou uma antipatia pelo Matheus por causa do Rodrigo, mas ele não podia ter esquecido do rory . afinal foi por isso que ele veio pró Basil, então esse defarce dele foi um desperdício???....... Muito obrigado por esse conto maravilhoso.
Por Salvatore em 2015-12-17 00:35:07
Vc disse que eu veria como Ro foi um burro não é? Já estou sentindo isso. Continue GG. Tárea vendo como eu diminui a intimidade? Pois é.
Por Sammy Fox em 2015-12-16 12:13:55
Foi revelador demais kevin é arthur, veio para cá encontrar matheus e o mesmo se revelou um idiota, triste porém esperado, fiquei um pouco chocado isso, coitado do kevin :/ teve uma vida muito sofrida e ainda vai perder o yuri :/