capitulo 19 - Matheus X Arthur

Conto de GibGab como (Seguir)

Parte da série A cor da loucura

Sei que disse que iria me afastar um pouco deste conto, mas digitando o final do Capítulo, vi que ele tinha que ser postado. Até eu me surpreeendi com esse final. Ele é um pouco estranho porque é baseado em filmes alternativos e cults como The Nature of Nicholas e S. Darko - Um Conto de Donnie Darko. Esperem a surpresa ao final do capítulo. _________________________________________________

Foi muito estranho. Só acordei de manhã, em pé como um sonambulo. Nem estava tarde quando adormeci/desmaiei. Meus joelhos estavam dobrados. Quando me recomponho, desdobrando-os, sou surprendido com estalos doloridos. Essa é a parte normal. Matheus entrou no meu quarto de supetão, sem pedir licença. Um sorriso amigável, naquela situção, se saía tão irônico e descarado quanto o seu ato de estender a mão esperando um aperto de mãos como comprimento. Imaginei um buraco negro em sua mão pronto para me sugar.

— Leve o tempo que quiser para inventar um jeito idiota de me responder. O que está fazendo no meu quarto?

— Você sabe. Eu só quero saber se eu serei acusado de estupro.

— Já vi que não precisa pensar muito. Eu serei acusado de assassinato se não se mandar daqui.

— Seria divertido ver você tentar.

— Cansei de ouvir você repetir as mesmas palavras. Porque não consegue entender que a culpa disso tudo é sua? Pare de se meter na minha vida.

— Quem está se metendo na vida de quem? Você é que ficava me perseguindo. Você não é o único. Quer que eu seja sincero? Há muito o que fazer na escola. As garotas de lá sabem muito bem disso.

— Ah é? Isso soa bem estranho vindo de você, Ramos. Você não parece interessado em garotas. Não sei como não percebi que você e a Amanda não passavam de dois bons amigos alegres. Me diga se não gosta do que vê no vestiário masculino?

— Me diga você.

— Gosto tanto quanto o que vejo na sua irmã.

— Deixe a minha irmã fora disso!

— Eu deixaria, mas ela insiste tanto. Estou pensando em aceitar. O que acha?

— Muito bem, Rodriguinho. Eu quase caí nessa. Você está aprendendo,mas será preciso mais que isso para me fazer perder a calma — disse, em transição da raiva à alegria.

— Não somos iguais. A única coisa que aprendi com você foi como estragar a própria vida.

— Esse é um dom. Você teria que nascer com ele. Eu tenho o dom de estragar vidas. Isso inclui a minha. Sou eu que estrago a sua vida — seu astral sarcástico foi abaixando aos poucos.

— Você está certo, é mesmo você.

— Eu não quero mais fazer isso.

— Pode ir parando com isso! Está tentando me enganar outra vez.

— Não, eu já mudei minha opinião desde a última vez. Eu não sabia como contar isso. Eu não considerei a possibilidade de que meus planos não dessem certo.

— Você mudou de opinião? E como pensa agora? Saiba que não vou acreditar em nada do que disser.

— Não fique brincando com isso. Eu quero que saiba que quando chegar o dia certo, nós estaremos mais próximos ou distantes um do outro.

— Isso de novo? Espera! Disse próximos?

— Sim. Se isso continuar eu terei que aceitar.

— Sei... E isso significa...

— Você está tão longe de mim. Sei que você se interessa por outras pessoas. É estranho, porque, mesmo sentindo sua falta, antes eu achava que não precisava de você.Quero que você me ajude. Fique perto de mim.

— Eu sei porque está falando isso. Eu não sou tão esperto quanto você, mas já conheço você muito bem para saber que quer me enganar.

— Eu posso resolver isso de outra forma, mas seria muito arriscado. As pessoas poderiam me ver.

— Não parece muito óbvio, mas sei do que está falando.

— Você acha que sabe.

— Não, eu sei. Você tem um ego muito grande para isso. Não é você o mauricinho bonitinho dos olhos azuis?

— Você tem razão, eu sou bom demais para qualquer coisa suja que apareça. É por isso que quero que seja com você. Você é o menos sujo — ele se dividia entre rir e falar.

— Então eu estava certo. Você é cheio de truques. Porque não aprende um número que faça você mesmo desaparecer?

— Vocé não quer que eu vá embora. Está "louca" para que aconteça alguma coisa neste quarto.

— Louca, é? — eu disse indiferente.

— Esperava outra reação. Então no final das contas você não é tão violento assim.

— Você é masoquista, gosta de apanhar. Não estou aqui para te satisfazer.

— É sério, quero mesmo me afastar, mas se eu não conseguir, quero que fique ainda mais perto.

— É inacreditável que eu ainda tenha esperança em você. Eu pensei que tinha ficado tudo para trás. Por favor, vai embora. Eu não quero fazer isso agora — abri a porta.

— Eu estarei esperando. Você sabe que é o melhor para nós dois.

Me joguei na cama e fechei os olhos. Nem o barulho dos relâmpagos me tirava do transe. Entrei em um estado de pura meditação. Permaci pensativo e em repouso por mais de duas horas, e, ainda assim, não consegui pensar no que deveria ser feito. Senti que precisava de uma segunda opinião, de um conselho. É verdade, eu já havia perdido o hábito de visitar o Dr. Ramos. Ele passou a ser mais amargo a cada dia, porém realista. Eu tinha que cair na real. Mais uma vez precisei recorrer ao doutor.

— Olá.

— Você por aqui? Pensei que minha presença não fizesse mais diferença.

— Deixa disso. Eu preciso muito de você.

— Sim, eu sei. Eu sou muito conveniente quando o assunto é resolver seus problemas.

— Tá vendo só? Eu tento resolvê-los, mas só pioro a situação. Agora você está bravo comigo.

— Me desculpe por isso. Você me conhece e sabe que não sou um exemplo de simpatia.

— Vou esquecer isso porque to cansado.

— Você não vai me dizer qual é o problema?

— O de sempre.

— Matheus, é claro. Era de se esperar. Cuidado com ele.

— É, eu sei, mas dessa vez é diferente. Ele me fez uma proposta.

— Não me diga que...Não aceite de forma alguma. Você merece mais que isso.

— Eu não sei o que pensar, não sei como agir. Ele disse que só assim saberemos, saberemos o que somos de verdade.

— Você é gay e ele também é. Não há mais nada para saber. Você tem que encarar isso.

— Eu... Você... Deus! Você não me disse isso. Você não, caramba!

— Me perdoe por estar sendo tão duro, mas é a pura verdade.

— De qualquer forma, vim para pedir um conselho.

— Você tem mesmo dúvidas? E qual seria o motivo?

— Matheus não é o único em que penso e...

— Sei, sei, tem aquele seu amigo Arthur. Você já me falou.

— Não é só ele. Na hora não fez muita diferença e nem mexeu comigo, mas depois, não consegui parar de pensar no beijo.

— Minha nossa! Não me diga que também está apaixonado por minha sobrinha?

— Não digo porquê não tenho certeza.

— Puxa! Como você é fácil, heim. Também estou na sua lista? Posso entrar na fila? — ele disse de uma forma que pareceu bem e mal humorado ao mesmo tempo.

— Eu enfrentando um dilema e você aí fazendo piadas. Você não vai ganhar nenhum centavo escrevendo livros de piadas, disso eu tenho certeza.

— Minha intenção era acalmar as coisas por aqui. Você está muito nervoso.

— Como não ficar nervoso?

— Você quer minha opinião sincera?

— Por isso estou aqui.

— a verdade é que Matheus tem razão.

— Espera! Não foi você que praticamente me proibio de me aproximar dele?

— E continuo a dizer o mesmo. Não precisa ser com ele.

— O que você tem em mente?

— Antes falarei um pouco sobre outro assunto. Isso pode ajudá-lo. Podemos matar dois coelhos com uma cajadada só. Otem eu pude falar com Aretha, e mencionei você e meu sobrinho.

— Não, não, não é o meu tipo. Não me sentiria confortável com ela ou ele, sei lá.

— Você acha que pode se dar ao luxo de ser preconceituoso?

Vou fingir que não foi você que disse isso?

— Então continue.

— Otem eu consegui falar com Aretha. Tentei falar sobre o amigo do Fernando, mas ela não respondeu nehuma das minhas perguntas. O máximo que ouvi dela foi que não poderia dizer nada, pois a polícia associaria ela e seu pessoal a organização.

— Isso ajuda muito, quase tanto quanto pode atrapalhar.

— Não é bem assim, garotinho. Ela quis conversar comigo, mas quando expliquei que dois adolescentes confusos estavam metidos nisso, ela logo se interessou. Ela quer saber mais sobre você. Você é o único capaz de arrancar algo dela. Quero que tire até a última palavra da sua boca sobre esse comparça do Fernando.

— Vai se danar! Eu não vou me vender em troca de informações.

— Não pedi para Fazer isso. Ela não fará isso.

— E então? O que? Porque isso tudo?

— Eu nunca entendi. Ela fez o mesmo comigo. Eu fui muito jovem, mais jovem que você. Fui em busca de sexo. Havia um garoto mais velho que eu tinha me interessado. Ele morava perto da minha casa. Foi pura sorte, pois eu nem sabia que ele era gay. Resolvi segui-lo. Ele foi muito violento comigo. Aquela foi minha primeira vez. Mesmo ele sendo tão violento, eu ainda o seguia.

— E esse homem era Aretha?

— Claro que não. Aretha veio depois. Ela me mostrou que eu não precisava dele. Eu falei com ele e não recebi uma resposta muito positiva. Aretha disse que além de contar a seus pais, também contaria aos meus, e assim ele me deixou em paz. Ela não pediu sexo, não pediu dinheiro, nada em troca.

— É uma bela história. Pena que eu não esteja interessado em dar continuidade a ela. O que há com você? Você sempre me protegeu, e agora quer me arriscar desse jeito?

— Você estará seguro. Não é tão perigoso quanto parece. Você será um herói se completarmos nosso objetivo.

— Eu não sei.

— Você está sendo egoísta. Você me convenceu a entrar nessa. Disse que ajudaria muitas outras pessoas.

— Não só egoísta, irresponsável também. Você está certo. Esse passou a ser o meu dever. Não vou abandonar minha responsabilidade. Que horas tenho que estar lá?

— Você não sabe o orgulho que me dá m — disse, em sorriso choroso — Por volta das duas e meia. Boa sorte. Cuide-se, está bem?

— Não posso dizer que não estou com medo.

— Um cara assim tão corajoso como você? Você ficará bem.

— Obrigado por me fazer não desistir. Eu preciso. Tchau!

— Espere! Tome aqui – ele puxou dez notas de cem da carteira – É para você conhecer a senhora diversão. O dinheiro apresentará ela a você.

— Você está me ofendendo.

— Na verdade, esse é seu pretexto.

— O que?

— Eu disse que Aretha gostaria de falar com você, não disse que ela estará esperando por isso. Não é nada combinado. Por isso vai precisar de um pretexto. Leve o dinheiro, escolha um garoto e, se não quiser fazer, embebede-o e procure pela mandachuva do pedaço. Lembre-se, muito cuidado para não ferir seu ego. Ela é orgulhosa e convencida ao extremo.

— Certo, vou aceitar. Vou levar só pra ter um pretexto, como você diz.

— Sei...

— Tchau, até mais.

— vê se me dá uma boa notícia. Tchau.

Esperei a noite passar, depois, as horas. Nem consegui jantar direito. Tentei me distrair de várias formas. Como nada funcionava, coloquei a cabeça para fora da janela do quarto para respirar um pouco e me livrar da tensão. Avistei Matheus. Ele estava sentado do lado de fora, sem camisa e com o cabelo molhado. Tentei sair de fininho e sem dar as costas andando para trás, quando ele me chamou com um gesto. O melhor era ignorá-lo, pensei. Virei de costas e me sentei devagar, apoiando a cabeça na parede, abaixo da janela. Aquilo me fez pensar que se a noite já havia começado assim, eu deveria tomar cuidado com o que escondo debaixo da roupa.

Desci um pouco para ver TV. Como previsto, o tempo voou, na verdade, mais rápido do que eu esperava. Para mim a TV é um dos pontos fracos da impaciência e do tédio. Saí pela porta da frente, porque, caso alguém me visse saindo pelos fundos ou pela janela, isso levantaria suspeitas, principalmente a janela. Estava indo a pé mesmo, quando um belo carro vermelho parou perto de mim. Não dava para ver quem estava no carro. Fiz uma cara de "eu não to nem aí" para disfarçar o medo.

— E aí, playboyzinho? Não acha que está muito longe de casa?

— Não se meta. Isso não é da sua conta. Eu nem conheço você.

— Opa! Muita calma nessa hora. Está achando que sou o que? Um daqueles molestadores de crianças?

— Não sei se percebeu, eu não sou criança.

— Você ainda nem tem bigode, moleque. Vem cá. Não quer uma carona? Para onde você vai?

— Cai fora. Já disse que não conheço você.

— Eu? Eu sou o Johnny, o irmão do Matheus. Ele é seu amigo, não?

— Colegas e conhecidos. Seu irmão adora me trazer problemas

— Hum... Estranho, ele fala muito de você. Nem aquela garota, a Ana, fala tanto quanto ele. Eu já disse a ele para ter cuidado. Já ouvi falar que ser bixa dói muito — ele riu sozinho.

— Aquela garota? Ela não é sua irmã?

— Isso, essa mesma.

— Você não ia a algum lugar?

— Você prefere esperar o próximo maluco a oferecer?

— se os dois são malucos dá na mesma.

— Não, eu sou um maluco do bem.

— Ok, mas você vai me prometer que vai ficar de bico fechado. Você nunca me viu.

— Ouviu só, Tina? Ele está escapando do ninho da mama — disse ele a mulher sentada ao seu lado. Ela apenas ria.

Entrei no carro meio desconfiado. Nem Johnny, nem Tina falaram comigo. Eu pensei que seria eu a ignorá-los. Não era nada do que eu esperava. Johnny só sabia cantar e dançar com o rádio, fazendo graça para Tina. Era difícil orienta-lo, pois como se não bastasse as gracinhas que ele fazia no carro, ele ainda se distraia dentro dele. Para chegar ao meu destino tive que passar no mesmo lugar três vezes porque ele não acertava o caminho. Não pensei em sua reação quando chegacemos lá. Não Importa, pois a vergonha estaria por minha conta.

— Então é aqui?

— Sim — disse envergonhado.

— Hahaha... Boa sorte com as vadias e cuidado com os viadinhos. Aí tem mais bixa que mulher. Espero que tenha trazido grana e camisinha. As prostitutas tomarão cada centavo.

— Camisinha?

— Você esqueceu, certo? Não precisa se preocupar. Eu tenho de sobra aqui. Mas diz aí, minha irmã linda e virgem chorando por você e você aí pagando para ter alguns momentos com essas? Com toda sinceridade, se não fosse minha irmã, ela já não seria mais virgem. — Disse ele, sem se importar com a presença de Tina. Dei uma olhada e vi que ela caiu na gargalhada.

— Eu acho que já vou. Obrigado pela carona.

— Fugindo do assunto? Tá certo. Não se esqueça de usar camisinha — Ele apenas colocou as camisinhas no meu bolso de trás e eu já fiquei excitado.

— Não enche — disfarcei.

Johnny ficou um bom tempo com o carro parado, esperando que eu fizesse contato. Depois de ver que eu não iria me mexer enquanto ele não saísse dali, ele se foi. Caminhei olhando para o chão como se fosse a coisa mais linda do mundo. Alguns caras apontaram para mim, três garotas estavam cochichando e antes que um dos meninos descesse a causada, uma delas veio na minha direção.

— E aí, doçura, vamos nos divertir esta noite?

— Gay — foi o máximo que consegui falar. A vergonha era tremenda.

— Não brinca. Que desperdício. Você parece meio que em dúvida. Não acha melhor provar pra depois dizer se gostou ou não?

— Não é uma boa ideia.

— Está bem, como quiser, amor. Estarei esperando se resolver mudar de ideia.

Ela se juntou as outras garotas e riram todas juntas, o que fez um dos garotos ouvir e rir também. Era o cúmulo. Eu já estava dando meia-volta quando escutei alguém me chamar. Fiquei paralisado, só ouvindo o som de seus passos aumentar. Arrastei o pé direito, ele acelerou o passo; Fechei os olhos, ele parou atrás de mim; dei um passo para frente, ele segurou meu ombro. Não, não era preciso me puxar com violência, eu estava amedrontado demais para fazer esforço. O mais esperado era que eu me virasse, entretanto, não tive a oportunidade já que ele puxou meu braço, me deixando frente a frente com ele. Cabelos ruivos, corpo pequeno e magro — o mesmo garoto da última vez que estive lá. Ele realmente não era muito alto, então eu parecia um grandalhão perto dele. Para ficar mais evidente ele olha para meu rosto inclinando o seu para cima e colocando a mão na testa, fazendo parecer que estava tentando encobrir a luz para conseguir me ver melhor.

— O que está fazendo?

— Você é muito alto.

— Não, você é que é muito baixinho.

— Dói saber disso — ele parecia puxar estar tentando puxar algum assunto que não fosse sexo.

— Isso tá estranho.

— O que?

— Esse papo.

— É, geralmente sou mais direto, mas você parece nervoso.

— Vai em frente — o incentivei a ser natural.

— tudo bem, vamos dar um show. Tá afim?

— Aqui?

— Isso — ele deixou escapar uma risadinha baixa.

Comecei a tirar a calça devagar, tímido e, novamente, de cabeça baixa. Lembrei do que o Dr. Ramos me disse: Se eu não estivesse interessado em transar com qualquer um daqueles caras, o melhor era embebedar o que me abordar primeiro. No Exato momento em que ia abrindo a boca ele me diz algo primeiro.

— Hahaha Garotão, você não é tão tímido quanto parece. Eu estava brincando.

— Eu não acredito — senti meu sangue ferver.

— Isso, pode ficar irritado. Vai ser mais divertido assim. Não me importo em sair todo vermelho ou roxo.

— Você é estranho.

— Pode apostar.

— Olha, você tem razão, eu to muito nervoso. Que tal se bebermos um pouco? — Lembrei do plano e voltei a me concentrar.

— Boa ideia.

Entramos em um bar. Reparei que estava cheio de caras se agarrando e apenas uma garota que, olhando mais de perto, não era o que aparentava. Sentamos perto do balcão, ele pediu duas bebidas e disse para bebermos direto da garrafa. Ficamos por muito tempo nessa, eu conversando e fingindo que estava bebendo, e ele bebendo pra valer sem se embebedar.

— Isso aí que você tá bebendo não tem álcool, tem?

— Hahaha Pense duas vezes antes de chamar um garoto de programa para beber. Hoje em dia as pessoas não se arriscam tanto.

— Pode confiar em mim.

— Não, eu não posso. Sei o que está fazendo aqui. Não precisa se dar ao trabalho, porque ela já está esperando. Na Verdade, acho que deixei ela esperando demais.

— Isso não teve graça. Você me fez passar por tudo isso.

— Até que valeu a pena. Eu só não tive o que eu queria de verdade.

— Depois dessa é que não vai ter mesmo.

— Quer dizer que antes eu tinha chances?

— Chances de morrer estrangulado. Aliás, já ouvi isso antes.

— Vou fingir que é isso mesmo. Vamos logo.

Fomos até um lugar com cara de motel velho e abadonado, Com as luzes do andar de cima acesas. No instante em que entrei, senti um cheiro forte, se assemelhando a uma mistura de urina podre e criolina. Subi ao andar de cima e logo vi uma diferença tanto no odor quanto no ambiente. Aretha estava sentada com os pés recostados em uma mesa. Na hora lembrei de Tina, só que com um tom de pele um pouco mais escuro, mais velha e o rosto mais masculino, é claro.

— Ora, garoto, não fique aí parado olhando para minhas pernas, sente-se.

— Eu não estava olhan... Deixa pra lá.

— Veio para saber sobre Apolo, não veio?

— Sim.

— E o que o leva a querer saber sobre esse verme?

— Um amigo.

— Um amigo, é?

— Bem, talvez mais que um amigo.

— Como se chama?

— O que é isso? Eu não vim aqui pra falar de mim ou do meu amigo.

— Escute, criança. Está vendo esse corpo? Não é só uma ferramenta do prazer. Se falar desse jeito comigo de novo, você pode escolher entre ter a marca do meu sapato ou da minha mão tatuada na sua cara.

Eu não sabia o que dizer. Ninguém nunca me tratou daquela forma.

— Pode prosseguir, querido — ela fingiu não perceber o clima que provocou.

— Matheus, é o nome dele.

— O sobrinho do doutor. Ele já me disse alguma coisa sobre.

— Eu faço por ele porque sei que tudo que ele é agora vem disso.

— Não gosta do que ele se tornou ou do que ele é?

— Eu não sei. As vezes acho que eu gosto da adrenalina. Nós dois somos como brinquedos quebrados. Ele brinca comigo e eu acho que posso consertá-lo.

— Afinal, você veio até aqui — completa.

— Eu realmente não entendo. Ele é detestável. Não há como conviver com ele.

— Quer ouvir a coisa mais cafona do mundo?

— Desde que não seja sobre minha roupa — brinquei.

— Também é um horror, mas não é isso. O amor é estranho assim mesmo. Um cordeirinho Indefeso poderia amar um assustador lobo mau. Sabe aquele amor que você demora anos moldando para se apaixonar pela pessoa certa? É triste dizer que não chega nem perto, no entanto, só é possível saber a diferença quando se sente o verdadeiro. Você já deve ter perdido o sono e o jantar.

— Ele me preocupa.

— Então o rapaz deve ser sadio com "S" Maiúsculo — prositalmente me fez ficar vermelho com a intenção de acabar com o belo discurso que acabava de fazer.

— Onde quer chegar?

— Você sabe muito bem.

— Está indo além da conta. Eu não conheço você direito.

— Verá que logo logo estaremos tricotando juntas e falando dos rapazes.

— Juntos — corrigi.

— Está aceitando o meu convite?

— Claro que não. Além disso, tricor é coisa de...

— É muito machismo e preconceito para um mocinho tão delicadinho.

— Eu não sou delicadinho.

— Não estaria aqui se não fosse, e vê se tira os olhos das minhas pernas.

— Pela última vez, não estou olhando para suas pernas.

— Que tal se eu fingir que você não estava olhando para minhas pernas, você responde a minha pergunta e eu digo tudo que sei sobre o Apolo?

— Eu não estava... Ok.

— Agora me responda. O garoto manda bem ou não?

— Eu não sei. Eu nunca, nunca mesmo.

— Você nunca...

— Eu nunca fiz isso, nem com ele, nem com ninguém.

— Isso explica muita coisa.

— Que legal, dá pra ver de longe que sou um virgem bobão.

— Não é pra tanto. Sei que há coisas que você não vai me contar, então não vou insistir muito. Dei-me cá sua mão.

— Hum... Vamos passear de mãos dadas ou será que vai ler a minha mão? — disse, em um tom debochado.

— E não é que você acertou, quer dizer, não a parte de passearmos de mãos dadas, infelizmente. Vou ler a sua mão — Ela agarrou a minha mão e passou um tempo observando.

— E então, o que está vendo?

— O que acha que estou vendo?

— Nada ou, quem sabe, o futuro.

— Por pouco não acertou. Veja bem, se é verdade que o futuro está escrito na sua mão, tudo que estiver aqui é o seu destino. Não vê? Ler a mão é uma metáfora para dizer que seu destino está em suas mãos.

— Tudo isso só pra me fazer dormir com um cara.

— Eu posso ser uma vadia desgraçada ou um sodomita promiscuo, mas uma coisa que não me falta é estilo.

— Agora você pode falar daquele homem?

— Aquilo lá não é homem. Ele Veio aqui, porque por essas bandas não tem lei. Ele costumava vir aqui atrás de garotos mais novos, como o Jimmy (o garoto ruivo). Aquele garoto já se vendia com nove anos, e não só ele. Agora ele deve ter a sua idade.

— O doutor me disse que você comandava tudo por aqui. Você não pode fazer nada.

— Oh! Por favor! Eu não mando em nada por aqui. Eu tenho um acordo com alguns aqui, mais nada.

— Foi esse garoto que me deu o seu recado. Como explica isso?

— Ele me fez um favor. Que favor oque, eu paguei para que trouxesse você aqui. Eu precisava de alguém jovem e bonito para atraí-lo. Não aceito menores de idade. Isso pode dar problema. Ele está por conta própria.

— E esse Apolo? O que falava com Fernando?

— Falavam muito sobre mitologia. As vezes entravam alguns pervertidos iguais a ele. Eles sempre os recebiam bem. Tentavam atraí-los para seu clubinho particular.

— Só isso?

— O que vou dizer agora custará a minha vida. Assim como você, eles acreditavam que eu mandava nesse lugar e como consequência, nessas crianças. Na época em que eles botaram seus pés aqui, elas eram muitas, mas agora já não são mais crianças. Elas foram tiradas de orfanatos e jogadas na prostituição por alguns bobalhões que acabaram sendo presos.

— E o que aconteceu com as crianças?

— E por que essa informação custaria a sua vida?

— Você não estranha como essa cidade cresceu e ainda tem crescido tão rápido? Isso tudo é coisa daqueles que mandaram Fernando e Apolo até aqui. Só quem vem aqui são os tarados o suficiente para terem coragem. Há muitos boatos espalhados que dizem que esse bairro é mais perigoso do que realmente é.

— Ainda não entendi.

— Eu achei tudo muito esquisito. Fernando me disse que queria ajudar aquelas crianças comprando todas. Eu fingi ser a vilã malvada, porque estava curiosa. Eles me ofereceram muito dinheiro e me encheram de bajulação, até eu me decidir. Quando souberam que eu não era quem dizia ser, ficaram furiosos. Alguns amigos me avisaram que eles estavam aqui armados. Soube que após a prisão de Fernando, Apolo foi embora, provavelmente, para a Califórnia.

— Por que diz que ele foi para a Califórnia?

— Eles já me levaram ao apartamento que os dois dividiam. Lá eu encontrei o número de um hotel. Em breve Apolo voltará com mais amigos. Eu sei demais, por isso tenho os dias contados.

— É por isso que estou aqui, não é? Você quer tornar esse caso público.

— É necessário.

— Quer que eu arrisque a minha pele?

— Você estava certo, nós não nos conhecemos direito. Como posso ter compaixão por você suficientemente o bastante para superar a que tenho por todas aquelas crianças?

— Obrigado, você ajudou muito.

— Eu é que tenho que agradecer. Eu não viveria com a minha consciência.

— Antes de ir gostaria de lhe fazer uma pergunta. Por que Aretha?

— Aretha's café bar, era o melhor lugar para se estar. Era o primeiro filho da minha mãe. Ela que trabalhou tanto por mim e por aquele lugar. Ela ainda conseguiu pagar minha faculdade por um tempo. Depois que ela morreu de desgosto, eu tive que tentar me virar sozinha e me ferrei.

— Então você conhece a Helena.

— Aquela vadia teve sua parcela de culpa. O café estava perdendo os fregueses e o diferencial das bandas. A Última que sobrou era dessa fulaninha. Eu implorei a ela para que não se fosse, mas a piranha já tinha se decidido. O Café já estava a beira da falência e para completar a bixa aqui resolve sair do armário justo no mesmo na mesma época. Eu tive que gastar o resto do dinheiro para minha faculdade. Eu não sabia fazer mais nada, a não ser...

— imagino. Obrigado outra vez — estendi a mão tremula.

— Sua mão está tremendo. Tem alguma coisa a ver com Helena? Você a conhece?

— Não, é que meu pai já me falou dela e do lugar. Eu só estou com um pouco de frio.

— Ok, você tem que ir agora.

Tudo que eu tinha aprendido sobre Aretha era que ela era prova viva de que mudamos conforme as circunstâncias. Ela agia como líder, pois o fato de ter tido uma educação melhor a fazia pensar que era melhor. Os rumos que sua vida tomou a fizeram entender uma coisa que eu não, amor e sexo são duas coisas distintas. A primeira experiência sexual é só mesmo o que o próprio nome já diz, uma Experiência? Guardei essa pergunta dentro de mim até o momento certo.

Cheguei em casa cansado, sem me importar se ouviam ou não os meus pés se arrastarem por todo o percurso. Acho bem difícil caminhar direito em tal situação. Tinha um enorme volume debaixo das cobertas. Primeiro tive um pouco de medo, depois pensei "Victor, seu filho da puta folgado". Descobrindo o lençol vi a surpresa menos surpreendente do mundo, Matheus estava debaixo das cobertas nú como era de se esperar.

— Você de novo? Não estou surpreso.

— Não vem pra cama?

— Claro. Você não vai sair?

— Não.

— Então tá.

— Hum... Pelo visto, hoje você não vai disfarçar o desejo.

— Desejo de dormir.

— Planejei algo mais divertido que isto.

— Chega mais pra lá — o empurrei com as costas, tocando no seu ombro e com uma parte bem pequena em cima da barriga, quase nada.

— Está tentando me provocar? Achei que você me tiraria daqui a pontapés.

— Não, estou tentando dormir, e já disse que não vou te dar esse gostinho.

— Nós não vamos dormir esta noite.

— Me deixa dormir, Matheus. Você é pior que o Arthur — deixei escapar.

— O que você disse? — Acendeu-se a chama vermelha nos olhos.

— Não era para eu ter dito isso. Não é bem assim.

— Assim como? Você dormiu com um cara, e se fazia de difícil pra mim. Acha que está na condição de escolher? O que ele tem que eu não tenho?

— Já passou da sua hora.

— Eu vim aqui te dar mais uma chance. Você não merece esse esforço.

— A madrugada está acabando, eu preciso dormir e você não está afim de me deixar.

— Eu entendi, eu vou embora. Tem outras camas me esperando também. Aposto que aconteceu esta noite quando você saiu de casa, você e ele.

Confesso que tive muita vontade de rir quando ele disse " tem outras camas me esperando também". Lembrei das conversas bobas que tínhamos quando crianças. Sem nenhuma sombra de dúvida não é o tipo de coisa que Matheus, em sua versão adolescente, falaria. Por isso e pelo sono, que faziam tudo parecer surreal, pensei que se tratasse de um sonho. Imagine se esse tipo de diálogo entre nós possa ser real. Não tem lógica.

Ninguém interrompeu o meu sono, sendo assim, acordei muito tarde. Senti um peso impedindo que o lençol saísse do lugar, levantei a cabeça para ver do que se tratava. O que é isso? Café da manhã na cama? Levantei mais um pouco e...

— Matheus.

— Presente! — ele disse, sorridente — Bom dia, dorminhoco!

— O que está fazendo aqui, seu tarado pervertido.

— Desculpe, falou comigo? — seu rosto revelou o quanto estava confuso — Eu moro aqui.

— Desde quando?

— Desde o dia em que meus pais morreram.

— Seus pais morreram? Eu não sabia.

— Rodrigo, já faz dois anos. Vou ter que chamar a sua mãe.

Enquanto Matheus chamava minha mãe, corri para o espelho. Como eu pensei, a minha aparência não era a mesma do dia anterior, mais específicamente, meus cabelos, eles estavam maiores. Ouvi os dois chegando pelo corredor. Quando chegaram, eu já estava na cama, na mesma posição.

— Rodrigo, temos que ir a um lugar.

— Onde?

— Confie em mim. Eu sou a sua mãe.

— E eu tenho outra escolha?

Estávamos descendo a escada, quando, sem motivo aparente, os dois param. O ar quente entrou pela porta aberta, causando coceira e ardencia nos meus braços. Alguém susurrou nos meus ouvidos: feche os olho. Minha mãe tinha saído da condição de estátua humana e agora estava entrando na condição de uma suposta possessão. Mãos negras maiores que a minha cabeça foram aparecendo na janela, que parecia congelada de tão branca. Com todo o medo que tinha, ainda ousei perguntar a aparição na janela:

— Quem é? Quem está aí?

— Mais uma pergunta previsível dos homens da era contemporânea, no século XXI. Anote isso — ele parecia estar falando com outra pessoa — El Shaddai, Javé, Deus. Você pode escolher.

— Parabéns, é uma mentira muito bem contada — Interrompe o demônio incorporado em minha mãe.

— ah ha! Aí está você. Andei procurando você por milénios.

— Pare já com isso, Metatron. Eu sei que não é Javé. Tive minhas dúvidas porque a presença que senti dos dois é muito parecida.

— Estive a observando. Estes olhos veem tudo. Você esteve reunindo informações. Não me diga que não sabe qual o meu papel. Eu sou a voz de Deus e a mim cabe o dever de repassar as suas palavras como se fosse o próprio.

— Posso saber o que está acontecendo? O que é Metatron?

— Dizem que Metatron é o mais perto que se pode chegar de um segundo deus no céu. Pensei que papai fosse brincar com o brinquedo favorito.

— Sabemos o que está havendo. Estou aqui para vigiá-la.

— Sabe o que significa, Sr. Rodrigo? Significa que hoje eu e o Sr. Metatron vamos levar sua mente ao limite da dúvida.

— Torturar mentes assim é apenas um dos velhos truques do diabo. Será que você sabe fazer algo de novo, Lilith? Você também parecia perturbada quando expulsei você e o outro desta casa. O fato de ele usar aerosinese e não pirosinese ou telesinese me chamou a atenção.

— Como fazer para parar? Eu quero que pare. Tem que parar. Para, para, para por favor — o desespero tomou conta de mim.

— Depois de hoje acho que não terá problemas com o guarda-roupas.

Os meus gritos foram ficando cada vez mais altos, abafando todo o resto e em um piscar de olhos — literalmente — toda aquela cena se desfez. Procurei Matheus ao meu redor, ao invés disso, encontrei minha mãe aflita a me observar. O papel de parede estava descascando de tanto que me debati sobre a parede. Após levantar o próprio queixo, ouço sua voz em tom de seriedade:

— Rodrigo, temos que ir a um lugar.

— Eu já vi esse filme antes.

— É pro seu próprio bem.

— Onde vamos?

— Rodrigo!

— Onde vamos?

— Vamos ao psiquiatra.

— Você está me culpando por seus erros? Eu não sou louco. O Problema é que você é uma péssima mãe, a pior de todas.

— Não sabe o que está falando. Eu me sacrifico todos os dias, mais do que imagina.

— Falando sério, não me importo mais. Não vou me importar com nada do que fizer comigo. Eu sou mesmo um boneco de trapos para você.

— Isso não é verdade. Eu tenho me esforçado para realizar todos os seus desejos.

— Já pode me arrastar pelo chão.

— Eu nunca faria isso. Pare de agir como uma criança.

— Não estou agindo como uma criança, estou agindo como um louco. Não é o que sou?

— Não, não é o que você é. Estamos indo ao psiquiatra para garantir que você nunca seja.

— Sabe o que tem que fazer para impedir que eu fique louco? Mande embora aquele Matheus — falei me referindo ao vislumbre em que Matheus afirmação morar na mesma casa.

— Matheus ainda nem pôs os pés nesta casa hoje. Está vendo? Você precisa de ajuda.

— Não, não foi isso. Eu me confundi — disfarcei.

— Com ontem a noite? Ou melhor, na madrugada. Eu ouvi um barulho e vi quando ele saiu. O que ele veio fazer aqui? O que estavam fazendo? O que houve entre vocês?

— O que acha que fizemos? — bufei de raiva.

— Por Deus! Não, não foi o que quis dizer. Eu soube que algumas coisas atrapalharam a amizade de vocês. A principal delas é o ciúme.

— Mãe, não disse que Íamos ao psiquiatra?

— Agora está ansioso para ir? Só iremos depois que me responder uma coisa: É verdade que você e ele se apaixonaram pela mesma garota?

— De onde você tirou isso?

— Não importa. Me responda com sinceridade.

— É a mais pura mentira.

— Então me diga quem é Amanda.

— Ela? Ha ha ha.

— Do que está rindo?

— Não tem nada a ver.

— Então qual é o problema com aquele garoto?

— De uma forma ou de outra ele não gosta de mim.

— Deve ser um mal entendido.

— Ele me odeia. Eu tentei e não deu certo, pronto.

— É frustrante para mim. Só pode ser essa sua mudança de personalidade.

— Por que não vamos logo antes que você diga alguma coisa que me irrite. Tipo o que você acabou de falar.

— Eu sou obrigada a esquecer por enquanto.

Saímos de casa. Fui surpreendido com um belo carro esporte estacionado na frente de casa, o novo da minha mãe, que, por falar nisso, não podia pagar. Já não era sem tempo, partimos. Paramos em um "daqueles" prédios, do tipo que nunca vamos nos lembrar totalmente onde fica, pois já é um padrão monótono. Tudo lá dentro se dividia entre as cores: branco, bege e marrom. Não havia uma única alma, nem mesmo na sala de espera ou na recepção. Procuramos em todas as salas do andar, até que finalmente encontramos alguém. Desde muito tempo venho me interessando fisicamente por apenas dois garotos, porém tive que admitir que aquele homem ali sentado era realmente bonito. Para resumir, imagine um Matheus mais velho e com o cabelo escuro. Me aproximei devagar, enquanto ele estava distraído, tentando evitar um susto, além do que queria um tempo pra pensar no que falar, mas o efeito foi reverso.

— Nossa! Você me assustou. Desculpe, eu estava ocupado.

— É, eu percebi.

— Você deve ser o Rodrigo.

— Sim, sou eu. Como sabe? Quer dizer, você deve ter mais pacientes.

— Como sabe que sou o psiquiatra?

— Acho que deduzi.

— Você não é o único que pode fazer isso, sabia?

— Você que sabe — fiz uma breve pausa antes de falar.

— Não seja bobo — ele riu — Você foi o único que veio hoje. Eu Tive que vir correndo porque vi que tinha um horário marcado para hoje. Esse horário está errado, mas não tem problema.

— Então eu acho que já vou indo.

— De forma alguma. Chame sua mãe explique a ela e diga para esperar porque vou atendê-lo.

Tive que obedecer. Voltei imediatamente, sentei e esperei que ele terminasse de anotar algo. Eu já não via a hora de sair dali. A impaciência me venceu.

— Você não vai me atender?

— Nossa! Você me assustou. Desculpe, eu estava distraído.

— Vamos começar ou não?

— Sim, sim, vamos. Sua mãe me disse que a algum tempo ela recebeu a visita de um padre que disse que havia falado com ele sobre um tal demônio. É verdade?

— Era apenas um trabalho da escola. Você está perdendo o seu tempo.

— Hum, na Infância você teve problemas com visões que pertubavam sua mente.

— Eu era apenas uma criança. Estava brincando.

— E agora? Você também estava brincando? Você não é mais uma criança, não é verdade?

— Ok, meu nome é Rodrigo e sou um pirado.

— Você não é um pirado, mas se não se cuidar vai ser. Sabe o que dá em esquizofrenia com agressividade? Um pirado completo. Sua mãe também me falou do seu comportamento na escola. Qual é a sua finalidade? Porque, para mim, você está tentando disfarçar suas fraquezas usando a violência.

— Pra começo de conversa, eu nem queria estar aqui, então não espere que eu deixe que você escreva minha bibliografia.

— É melhor me escutar. Você é menor de idade, seu pai não está aqui, portanto, sua mãe tem total poder sobre você. Adivinhe. Um pouco desse poder foi cedido a mim. Você não sairá daqui enquanto não me disser algo que valha pena. Não pense que vou apenas lhe receitar algumas drogas e está tudo bem. Como acha que saberei se está progredindo?

— Você se cansará. Por que não me dá uma dessas pílulas para desequilibrados?

— De Jeito nenhum vou me apegar a hábitos convencionais.

— Que droga!

— Você já não tem motivos para se calar, não é?

— Sinceramente, eu não tenho nada a perder.

— E o que está esperando?

— Talvez um pouco mais de coragem. Eu não tenho coragem.

— Não há o que temer.

O silêncio foi se instalando aos poucos. Não pude ver outra solução para livrar daquela situação, se não, contar a verdade ou parte dela. Debati comigo mesmo. Será que era o seu dever ouvir tudo sem contar nada do que foi dito? Ele não é nenhum padre. Então o seu dever era relatar cada palavra a minha mãe? Eu era menor de idade.

— Vou contar o que aconteceu essa semana, falamos um pouco sobre isso e você me libera.

— Ótimo! Já é um bom começo.

— De uns tempos pra cá não tenho conseguido diferenciar o que é sonho e o que é realidade. Essa noite alguém me visitou? Não tenho tanta certeza. Lembro de ter acordado duas vezes. Em uma destas acordei em uma realidade diferente.

— Você disse que alguém o visitou.

— Eu tenho um problema que no começo não era nada, mas a minha insistência foi transformando em algo sério.

— Como assim? Seja mais específico.

— Nós não nos damos bem, é instinto.

— Depois falamos deste rapaz. E essa outra realidade de que fala?

— Não sei explicar.

— Fizemos um acordo.

— Acordos, acordos, acordos. Tudo se baseia nisso agora? — elevei o tom de voz.

— Nós ainda temos tempo.

Tudo o que fiz foi me calar pelo resto da seção. Ao final, ele receitou apenas um medicamento, avisando que seria o único por enquanto, algo como Flupentixol. Minha mãe tentou me perguntar o que aconteceu, eu tirei a chave da sua mão e liguei o carro. Um detalhe muito interessante era que eu não sabia dirigir. Ela acabou tendo que me ensinar, porque eu não tirava as mãos do volante. Cheguei em casa, corri pro quarto, entrei no banheiro e liguei o chuveiro, estando vestido. Eu devo ter alguma responsabilidade sobre a falta de água no mundo. Isso porque eu só comecei a tirar a roupa depois de dez minutos. Saindo do banho, lembrei que não tinha toalhas no banheiro, saí peladão e...

— Arthur, Caramba!!! Já tá de sacanagem. Vocês acham que podem entrar aqui quando bem entenderem?

— Vocês? Tem alguém mais no seu quarto?

— Deixa pra lá. Você não entende mesmo.

— Eu só quero pedir desculpas. Me deixa falar — ele veio na minha direção com os braços abertos.

— Não chega perto. Eu to nú, não tá vendo?

— Desculpa, desculpa por tudo.

— Você é um traidor. Eu só não te esgano porque não quero sujar minhas mãos.

— Eu só peço um pouco de confiança. Eu fiz isso para te proteger.

— Proteger do que? Você adora me fazer de bobo, isso sim.

— Por enquanto eu não posso falar. Cara, tanta coisa que você esconde de mim sem que eu exija uma resposta.

Arthur não pôde dizer mais nada, pois o grito de Victor me deu um ótimo pretexto. Vesti uma roupa qualquer e desci. Recebi a melhor notícia que poderia receber em um momento tão crítico: meu pai havia chegado, ou seja, já estava bem de saúde. Infelizmente eu não podia falar muito por conta do desgaste da viagem. Victor Conversou um pouco, depois me chamou. A porta estava aberta, então não precisei bater. Chorei ao vê-lo adormecido. Era como se uma tempestade de mil anos houvesse acabado. De uma hora pra outra toda raiva que eu sentia do mundo foi pelos ares. Valeu a pena, mesmo sem falar com ele. Me recompus, voltando ao quarto sem lembrar do Arthur.

— O que houve?

— Você ainda está aí? — Virei de costa para que ele não me visse enchugando o resto das lágrimas.

— O que aconteceu?

— Não é nada.

— Eu preciso ter certeza. Eu sei que pareço mais fraco que você, mas eu quero te proteger de tudo. Aos meus olhos é você que é o frágil como palha seca.

— Que poeta de merda — abri um sorriso, o mais largo que já tenha tido.

— Não foi tão ruim assim se com essa frase consegui comprar esse sorriso. Será que significa que estou perdoado?

— Por que não? Hoje a vida está me dando uma nova chance.

— Por que diz isso?

— Eu tenho meu pai e meu melhor amigo de volta.

— Melhor amigo? Eu não sou seu melhor amigo? Yuri é seu melhor amigo. Eu é que não quero ser.

— Como não?

— Quero ser mais que isso.

— Um irmão, então.

Com tudo aquilo para processar, me dei ao luxo de ser ingênuo, deixando que ele se aproximasse sem eu sequer perceber. Quando me dei conta, ele já estava com os braços envoltos em mim. Seu hálito agiu aquecendo meu rosto. E o bobo aqui paralisado como um tonto. Seus Lábios foram se encostando vagarosamente nos meus. Por um momento esqueci que existia outro cara. Como é mesmo o nome dele? Sua boca sugava a minha com leveza, até que senti sua língua invadi-la. Aos poucos fui me entregando, deixando de ver como um atrevimento.

Estava perdido no beijo, quando percebo uma mudança na iluminação do ambiente. Havia alguém bloqueando a porta, impedindo que a luz do corredor entre. Empurrei Arthur, derrubando-o no chão. Meu corpo gelou, me veio uma pontada no peito, um arrepio percorreu todo meu corpo. Por um lado fiquei aliviado por não ser alguém da minha família, mas, por outro, meu coração caiu quando vi quem ali parado. Matheus. Não havia o que explicar.

— Matheus, por favor.

— O que? Não quero atrapalhar o casal de bixas — Ele se foi. Eu fui impedido de com ele.

— Espera! — falou Arthur, segurando meu braço.

— Me solta! Eu tenho que ir atrás dele.

— Eu sei. Depois de ver como você ficou quando viu ele na porta, eu soube. Você me abandonaria? Eu só queria ter certeza de que você sente o mesmo que eu. Agora tenho certeza... Certeza de que você não sente.

— Arthur — meu queixo caiu.

— Não precisa falar nada — ele ficou quieto por alguns segundos — Eu vou ajudar a procurar.

— Obrigado — foi o melhor que consegui.

O primeiro lugar a procurar seria a casa dos vizinhos, o que quer dizer que eu voltaria a me encontrar com Ana. Tomei fôlego na estrada da casa. O som de seus risos pôs-me de recuo. Toquei a campainha seis vezes. Alguma coisa estava acontecendo. Mais risos femininos se juntaram ao dela. Já que ninguém abria, resolvi entrar. De cara esbarrei em Ana. Ela havia acabado de sair do banho e estava coberta apenas por uma toalha azul bebê. Com o esbarão a tolha acabou soltando um pouco, deixando seus seios a mostra. Teria caído completamente se eu não a tivesse segurado. A situação ficou assim: Ela quase nua e eu segurando seus seios.

— Rodrigo?

— Ana!

— Vá logo tirando a mão daí. Não sou esse tipo de garota. Eu nunca pensei que você fosse capaz — seu rosto corou.

— Me desculpa. Eu não quis. Juro que só estava tentando segurar a toalha — larguei seus peitos e me virei, esperando ela cobrir-se de novo — Já se cobriu?

— Já.

— Olha, eu não sou nenhum tarado. Foi tudo um mal-entendido.

— Eu acredito em você. O que veio fazer aqui?

— Queria falar com seu irmão. Aconteceu uma coisa e eu gostaria de explicar a ele.

— Irão falar da Amanda?

— Por que todo mundo acha que eu tenho ou quero alguma coisa com ela?

— Então é tudo mentira?

— E você ainda tem dúvidas?

— Graças a Deus! Quer dizer, graças a Deus, porque meu irmão não consegue esconder muito bem o amor que sente por ela.

— Onde ele está agora?

— Acho que ele disse algo sobre o lago.

— Eu estou indo. Tchau e obrigado pela informação.

— Tchau! Desculpa pela bagunça das meninas.

Já nas margens do lago, olhei pelos quatro cantos, e nada. Foi quando já estava indo embora que escutei uma voz semelhante a de Arthur, que dizia: "o que vai fazer?". Me aproximei do local de onde a voz, aparentemente, havia surgido. Uma grande dor de cabeça, uma tempestade de lava vinha sobre mim. Era inacreditável. Em que mundo aquilo era normal? Eles nunca se deram bem. Matheus aos beijos com Arthur?

___________________________

Por essa vocês não esperavam, não é?

Comentem, por favor.

Não há incentivo maior para que eu termine e volte a postar semanalmente do que os comentários.

Comentários

Há 4 comentários.

Por Salvatore em 2015-09-26 22:42:25
Como assim vc pôs Matheus e Arthur juntos, se beijando? Vc não quis fazer isso. Eu sei que não. O capitulo foi ótimo, eu adorei. Confesso que tudo o que eu queria era que Rodrigo tivesse aceito a chance que teve quando Matheus nu na cama dele. Se ele tem um mísero desejo por aquele homem, pq não se entregar logo aos caprichos dele? Por favor, faça com que Ro e Matheus voltem a fazer as pazes e que tudo dê certo entre eles. Ainda tenho esperança de qeu role muito sexo entre os dois kkk Esperando e tomare que você não demore um mês, como antes...
Por Sammy Fox em 2015-09-26 17:27:34
Comecei a ler hoje de manhã, sem dúvidas a melhor série do site, continue estou adorando :)
Por ChrisDiamond em 2015-09-26 09:53:56
Ai céus, como amei a sua série, por favor continue estou amando demais, sua escrita é ótima.
Por Henry Thorne em 2015-09-25 22:18:44
Criei uma conta só para dizer que amo sua estória, sério me cativou, me prendeu, e que final foi esse? Arthur e Matheus de casinho? Chocado, quero continuação, por favor!!!! Esperando ansioso, muita qualidade parabéns, muito sucesso e se não for pedir demais, que o próximo capítulo seja tão grande quanto esse ou maior, abraços e vou seguir sua estoŕia