capitulo 15 - vultures and flamingos

Conto de GibGab como (Seguir)

Parte da série A cor da loucura

Não quero que levem as musicas aqui citadas como trilha sonora ou algo do tipo, pois são apenas referencias. A maioria dos capítulos, incluindo os primeiros, estão cheios de referencias musicais, artísticas etc. Eu cheguei exatamente na parte em que queria. Estava muito ansioso para chegar nessa fase da vida de Rodrigo, mas agora perdi o animo. Não aconteceu nada. Eu simplesmente fiquei triste sem motivo algum, mas eu não vou acabar com a série por causo disso, eu só acho que vou atrasar um pouquinho. Gastei a ultima gota de disposição nesse capitulo.

Obrigado, Salvatore .

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Meus poemas ridículos no porta luvas, ridículos de propósito; a lata de refrigerante usada, deixada perto do freio de mão; o cigarro de um milhão de dólares. Uma bela lataria, pintura sem nenhum aranhão, os vidros limpos, uma beleza mesmo, mas por dentro era uma bagunça só. Nem lembro mais a ultima vez que entrei naquele carro. Tudo o que pensei foi: Essa será a ultima vez que entro nesse carro. Victor estava dirigindo e eu não sei como passamos pela barreira. Eu fiquei tão entediado que minha mente decidiu tornar as coisas mais interessantes. Um bando de flamingos voou em plano baixo, batendo no vidro da janela e despencando no chão. Meu irmão assoviava enquanto dirigia e, apesar de saber que aquilo não era real, aquilo parecia humoradamente sádico. Pense bem, seu irmão um assassino de adoráveis flamingos rosa, na frente do volante, assoviando, com o radio tocando cool cat. O mais hilário era o som que os flamingos faziam quando batiam na janela e no asfalto, que lembrava muito angry birds. Ah não, não mesmo, meus risos não passariam despercebidos.

- Do que está rindo?

- Nada Haha...

- Isso não parece "nada".

- É, não parece.

- Algum maluco mostrou o traseiro pela janela do carro?

- Não! Porque disse isso? – disse com humor de "você estragou tudo, cara".

- haha sinto muito por ter te chateado. Você estava tão feliz. Não faça esse biquinho.

- Para com isso. Acha que está lindando com uma criança?

- Que tal me contar? Faz tempo que não vejo esse sorriso.

- Então... você acha que é meu pai?

- Não, eu só acho que cuido mais de você que seus pais.

- Eu me cuido sozinho.

- É claro, você é o super-man. Vamos, deixe de enrolação.

- Eu estava lembrando dos velhos tempos: o cigarro, os poemas.

- Sua mãe é louca, não ligue pra ela.

- Ela também é sua mãe.

- Sim, é o que dizem por ai, mas ela não dá a mínima pra mim.

- Ela é só diferente das outras mães. Não lembra do cigarro?

- Guardem esse cigarro, meninos. Quando ficar famosa, ele estará valendo um milhão de dólares - repete as palavras de nossa mãe - É muito convencida haha... E aqueles poemas. Aquilo era só pra irritar?

- Eu não tenho certeza haha...

- Opa! Chegamos.

- Eu não sei se estou pronto para descer.

- Então voltamos outra hora.

- Não. Esse é o momento.

Fiquei confuso. Achei que devêssemos parar em um hospital, ao invés disso, paramos ao lado de uma enorme casa com ares de começo século XX. Apesar de ser de um modelo aparentemente antiquado, a casa parecia bem conservada, o que me fez pensar: o salário de um médico é muito bom, mas será que é tão bom que consegue manter uma casa dessas? Para mim, Victor estava tentando me enganar, aquela não era a casa do médico, até porque, á essa hora ele estaria trabalhando e se isso pareceu obvio para mim, também seria para Victor.

Fomos recebidos pela esposa do médico, Dolores. Dolores era a típica senhora boasinha, do tipo que daria uma boa babá ou governanta. Seus cabelos tingidos de vermelho envolvidos na forma de coque, de forma alguma nos transmitia vulgaridade. Ela pediu amigavelmente para que tirássemos os sapatos e nos mandou entrar. Na sala, nada foi tão chamativo quanto o lustre, caracterizando um estilo requintado. Até a hora do almoço, passei com a cabeça giratória, rodeando as paredes, procurando algo que nem mesmo eu sabia o que era. Entre quadros e fotografias, havia uma que mereceu a minha atenção. Ao lado de uma representação de São Miguel arcanjo desferindo o ultimo golpe no diabo, havia uma foto de um grupo de seis pessoas e mais abaixo estava escrito: Centro de pesquisas médicas... Antes que terminasse de ler, Dona Dolores me interrompe, me convidando a me juntar a conversa com Victor:

- Essa casa é muito velha. Tem certeza que quer gastar seu tempo olhando para ela? É só uma velharia deixada pela minha família. Vamos, não seja tímido. Você ainda não disse nada. Quantos anos você tem, meu jovem?

- Me desculpe. Eu tenho quinze. Sua casa é muito bonita.

- Essa velharia? Sim, sim, é uma bela casa, mas não deixa de ser uma velharia. Eu só fico aqui porque é herança de meu falecido pai querido. E ainda dizem que é mal-assombrada.

- Sério?

- Não. Eu só queria assustar vocês um pouquinho. Mas uma vez, o nosso mordomo inglês, Albert, disse ter visto uma aparição flutuando pelos corredores. Infelizmente nós tivemos que mandar Albert para um hospício.

- Nossa! Eu não acredito nisso.

- E nem deveria. Nós nem tivemos um mordomo inglês. A verdade é que eu mesma tenho ouvido alguns sons estranhos pela casa.

- Deixa eu adivinhar, você está... bem, não está falando a verdade.

- Não, é verdade, eu juro.

- Isso é muito estranho. Você nunca pensou em mandar alguém investigar?

- Não foi preciso. Eram apenas ratos nos tubos de ventilação.

Tá legal, o que foi isso? Primeiro ela é uma senhora super doce e gentil, depois vira uma maluca? Fiquei uns cinco minutos segurando uma xícara de chá e observando-a. De qualquer jeito, Dona Dolores me serviu para vencer a ultima cartada de Victor, a impaciência. Eu aguentei firme e esperei o doutor chegar.

- Boa tarde. Espere. Temos visitas?

- Boa tarde. Esses garotos disseram que tem um assunto para discutir com você.

- Aguardem um pouquinho. Eu só vou tomar um banho e me trocar.

- O almoço já está pronto. Não se incomoda em tê-los como convidados ao almoço?

- É claro que não.

Por insistência, nos juntamos á mesa de jantar. Era estranho eles estarem tratando como antigos amigos dois desconhecidos. Durante boa parte do almoço, falamos em outras coisas. Eu tentei de toda forma falar sobre meu pai, mas não adiantava. O estranho foi que na hora que eu menos esperava, o próprio médico puxou conversa a respeito da saúde meu pai.

- Como vai seu pai, Rodrigo?

- Como assim? Então você sabe quem nós somos?

- É claro que sim. O seu pai sempre leva uma foto da família na carteira.

- Então não é preciso dizer o que viemos fazer aqui.

- Não, não é preciso.

- Por favor, só você pode nos dizer a verdade.

- Pelo que me consta, seu irmão sabe até demais. Porque não pergunta a ele?

- Você acha que não tentei. O máximo que consegui, foi que ele me trouxesse aqui. Você tem que me dizer a verdade. Eu preciso ouvir isso de você.

- Está exagerando, mas... Certo, certo. Eu vou ligar para seus pais e...

- Você não pode fazer isso. Isso não é justo. Eu não posso ter vindo aqui para nada.

- ...Vou ligar para seus pais e pedir para que sua mãe venha busca-los, enquanto isso, eu conto o que você precisa saber.

- Você faria isso? Não está brincando?

- Afinal, você veio até aqui, não veio?

- Eu não sei se isso é um motivo para ficar feliz.

- Com certeza não.

- Eu já esperava.

- vamos lá. A condição em que seu pai se encontrava o levou a isso. O estado de fraqueza de seu pai, fez com que as defesas do seu corpo também enfraquecessem.

- Está tentando me convencer de que é o mesmo problema de antes?

- Não. O que estou tentando dizer é que, com a baixa produção de anticorpos, o corpo fica mais vulnerável á varias doenças. A tuberculose é uma dessas doenças.

- Tuberculose?

- Eu sinto muito. Ele terá que ser internado.

- Isso é o melhor que conseguiu inventar?

- Eu não estou entendendo.

- Eu acredito que ele tenha muito mais que uma simples tuberculose.

- Simples tuberculose? A tuberculose pode ser mortal, você sabia?

- Sim, eu sei, mas seja lá o que ele tiver, eu tenho um pressentimento de que é algo mais grave.

- Agora chega! Quem é você para me questionar? Eu estudei muito para chegar até aqui. Fora daqui! - Gritou ele, apontando na direção da saída.

Tudo que me veio á cabeça foi: Até que ele é um bom ator. O normal seria eu me sentir humilhado e envergonhado, mas tudo que vi foi uma apresentação teatral decadente, e isso não me afetava. Me retirei da casa, entrei no carro e permaneci calado por toda a viagem de volta para casa. Derramei algumas lagrimas. Os flamingos deixaram os meus pensamentos e no lugar deles, milhares de abutres cercavam o carro e o cobriam até ficar completamente escuro. A estrada estava mais triste e tudo parecia se mover em câmera-lenta.

Em casa, ignorei minha mãe, subi ao quarto e o tranquei. Foram varias vezes, batendo uma, batendo duas, três e assim sucessivamente. Coloquei os fones de ouvidos, fechei os olhos, fingi que o mundo não existia. O guarda-roupa começou a se mexer. Assim que pus meus pés descalços no chão, senti um calor que me queimou as solas. Rapidamente voltei para a cama e retirei os fones de ouvidos. Com os ouvidos nus, pude ouvir o som das batidas e a voz de quem as fazia soarem. Destranquei a porta, pedi que entrasse.

- Matheus. Não sei se é uma boa hora.

- Por isso me mandou entrar?

- Sem sarcasmo, por favor. Agora não é o momento pra isso.

- Tem razão. Como você está?

- Não sei. Estou em duvida entre horrível e pior que isso.

- Não quer conversar?

- O que estamos fazendo agora? Mas você tem razão, eu não quero.

- A mesma pergunta serve para esse momento. Por isso me mandou entrar?

- Você fez tudo errado, mas nunca escondeu nada de mim. Você é diferente.

- Se não quer conversar, eu acho melhor ir embora.

- Ok.

- O que?

- Esperava ouvir outra coisa?

- Eu admito, esperava que você me impedisse.

- Eu preciso ficar sozinho.

- Você sabe que se quiser conversar, eu vou estar disponível.

Depois que Matheus se foi, eu logo voltei a por meus pés no chão para verificar se estava quente como antes. Como não tinha nada de errado com o chão, me deitei ali mesmo, e comecei a refletir sobre tudo. Minha mãe fez inúmeras tentativas de me fazer comer. Vi o tempo passar devagar, sem uma misera mudança sequer. Meu coração gritou demais. Eu não pude mais resistir á ir até sua casa. De tão longe, o cheiro de seu suor já me chamava. Na porta da frente, Ana já me esperava. Isso não era bom.

- Você não vai passar.

- Como? Porque não?

- Amanda está lá, e eu prometi distrair você.

- Não é uma boa ideia contar o plano antes.

- Eu não preciso de plano nenhum. Eu já sei o que fazer.

- Então você tem um "plano"?

- Droga! Será que dá pra ficar calado?

- Caramba! Você vai me bater? Eu só tava brincando.

- Eu quero que você me escute.

- É que agora não é uma boa hora.

- É a hora perfeita. Eu só estou um pouco nervosa.

- Você não entendeu. O problema não é você. Eu é que não to com clima pra isso.

- Eu não posso esperar. Você não sabe á quanto tempo eu espero por isso. Sabe, eu não sou boba; eu sei que sou atraente, mas eu estive me guardando. Não! Não é isso que eu queria dizer.

- Você está bem? Quer que eu volte outra hora?

- Não. Você vai ficar exatamente onde está.

- Olha, eu realmente preciso falar com seu irmão.

- Rodrigo, por favor. Eu sei que você também está nervoso. Não parece, mas eu tenho a impressão de que você nunca beijou ninguém.

- Ah não. Tá legal, como vou dizer isso?

- Não precisa falar nada.

Meu rosto estava fervendo, eu não conseguia respirar, minhas mãos e pés amoleceram. Eu não posso negar, aquele beijo mexeu comigo. Ela estava errada, ela não era a primeira pessoa a me beijar, mas era a primeira garota. Por alguns segundos, ela conseguiu me fazer duvidar de mim mesmo.

- O que você achou?

- Eu preciso falar com seu irmão.

- Rodrigo!

Não esperei prolongar suas palavras. Entrei na sala; subi ao quarto de Matheus, ele não estava; saí pelos fundos. Sabe o que de tudo era o pior? Os dois formavam a imagem de um belo casal, Matheus e Amanda. Fiquei de boca aberta, observando os dois se beijarem por quase um minuto. A minha esperança caiu por terra.

Decepcionado, voltei a me meter no ferro-velho. O sol já estava se pondo, meus ouvidos contemplaram a sonoridade em harmonia do ukulele. O ukulele é um instrumento de aparência semelhante ao de um cavaquinho, com o som um pouco mais grave que o de uma harpa, e muito usado em musicas típicas havaianas. Comecei a seguir a canção tocada com o ukulele.

- Arthur?

- Esse é o meu nome.

- sempre no mesmo lugar.

- Você também. O que o trás aqui, cavalheiro?

- Eu não to de bom humor.

- Eu já to acostumado. Já virou sua marca registrada.

- Eu estou cansado demais pra discutir sobre isso ou qualquer outra coisa.

- Eu já disse pra você esquecer.

- Se tiver algum remédio, me avise.

- Que tal musica e diversão?

- Você pode tentar.

Foi a primeira vez que ouvi o Arthur cantar. Era uma voz tradicionalmente masculina e, em contradição, delicada e suave, não tendo nada de voz adolescente. De uma hora pra outra, sua voz começou a mudar, estava rouca e desafinada. Ele me puxou e me levou até outros de seus carros velhos, abriu o porta-malas, e retirou duas caixas de cerveja.

- Não sei se você sabe, eu acho que sabe, deve saber, eu não bebo.

- E é por isso que continua de mal humor.

- Vai muito mais além disso.

- Eu já te apresentei á musica, agora só falta a diversão.

- Acho melhor você me dar o dobro de musica para compensar a diversão.

- Vamos lá. Esse é o próximo passo para você se tornar o meu malvado favorito.

- É. Quem liga para o que as outras pessoas pensam?

- É assim que eu gosto.

Eu fui atraído pelo perigo. Como sendo perigosos criamos nossa própria destruição? Tudo começou com uma garrafa de cerveja jogada em uma fogueira, quando nos demos conta, já estávamos botando fogo nos carros velhos e dançando enquanto explodiam. Não foi aquele tipo de romantismo à moda antiga em que você se prepara a vida inteira treinando no espelho, acaba com isso no cinema ou no banco de uma praça; foi safado, inesperado e... Muito perigoso. Eu já estava mesmo pedindo para ter sua boca colada à minha. O tom de cor claro de seus lábios me deixava louco. Ao beija-lo, ouvi sons de violinos, vi um arco-íris noturno, imaginei o céu tocando na terra.

se você diz esquecer, esquecer, esquecer! De longe sabe o significado dessa palavra. Esquecer não é ter as memórias completamente apagadas da mente, é ignora-las consciente ou inconscientemente. As memórias ruins nos permitem rever nossos erros para poder corrigi-los; já as boas, servem para nos confortar em momentos difíceis. Quando eu começar a amolecer, os abutres me lembrarão de que a vida é dura, os fracos serão deixados para trás. Os flamingos me dizem que ainda há beleza no mundo.

Comentários

Há 2 comentários.

Por Iki em 2015-12-03 04:11:17
Queria muito comentar no final, mas não posso deixar de escrever que das séries que já li essa é umas das melhores Parabéns, parabéns mesmo Ah amei está última frase muito me inspirou :)
Por Salvatore em 2015-05-20 20:28:29
Não sei o que dizer sobre esse final. Não é realmente uma boa definição de romantismo, mas esse lado perigoso de Arthur me serpreende. Porém o recente lado carinhoso de Matheus me fascina. Acho que deixei claro quem é meu casal favorito... Ou talvez não.