capitulo 14 - Dreams

Conto de GibGab como (Seguir)

Parte da série A cor da loucura

Estou sentindo falta dos comentários. Eu não mereço motivação? Kkkkk... comentem, eu agradeço.

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Eu poderia e queria deixar a castidade naquela noite, no entanto, eu me neguei a todas as suas propostas e investidas. Recusei os abraços, o carinho e os beijos. Tive medo que seus abraços me sufocassem, seu carinho se tornasse agressão e seus beijos sugassem minha alma. Aquela foi uma longa noite. Eu desejei estar perto dele, mas eu tinha medo do que pudesse acontecer. Eu lembro-me bem que antes só a sua imagem, seja um vulto ou semblante, já me causava mudanças, mudanças positivas. Eu acho que eu só desejava acreditar que estava melhorando, que não ouvia barulhos estranhos, que não via coisas onde não tinha, que ele estava me fazendo bem. Sabe o que fiz? Negando todo o meu desejo, tranquei a porta do meu quarto e, sem explicação, não voltei a falar com ele até o nascer do sol.

O aroma que vinha da cozinha me trouce mais que belas recordações, me trouce uma sensação de quase realidade virtual a uma viagem no tempo de volta à infância distante, a que menos conseguia me lembrar. Era doce, salgado, odores para gosto de paladares. Matheus me esperava com o café pronto e uma postura ensaiada. Eu não sei, ultimamente parece que todos agem de maneira diferente comigo, e ele não era uma exceção. Em seus olhos vi ternura e uma vontade de dar o carinho de que preciso e de que precisarei no futuro.

- Bom dia!

- Bom dia.

- Você parece desanimado. Não quero que fique desanimado.

- Eu só estou estranhando tudo isso.

- Cara, você disse que poderíamos ser amigos.

- Eu sei.

- Então me deixa ser. Se você deixar, eu prometo que voltarei a ser seu melhor-amigo.

- Você sempre foi o pior amigo.

- Você acha que eu não te fiz bem? Quer dizer, nem por um segundo?

- Eu acho que você me fez mal, nada mais.

- É isso? Eu te faço mal? É ruim estar perto de mim?

- Eu disse isso? Não é bem assim.

- Esqueça. Eu vou te fazer feliz, você vai ver.

- Essa é sua ultima chance. Eu prometo que vou ser menos brucutu como minha mãe diz.

- Sim, por favor.

Contamos piadas, assistimos TV, brincamos com jogos de tabuleiro e sairmos para passear de bicicleta. Eu estava tão nostálgico e feliz que demorei a perceber as arvores arrancadas e outras mudanças provocadas pela tempestade. Ele me lembrou de como era bom sair para pedalar e sentir a energia do vento e do sol. Os dias que virão, me farão esquecer daquele episódios e de todos os outros ruins da nossa vida, eu pensei.

- E então, vai admitir que está gostando?

- É, você não é tão ruim assim, Ramos.

- Espera até conhecer meus amigos.

- Eu já os conheço. São todos uns babacas inúteis.

- Você deveria passar mais tempo tentando conhecê-los ao invés de bater neles. Eles mudaram.

- Está louco? Essa é a minha diversão do dia.

- As pessoas estão ficando com medo de você.

- Eles deveriam me agradecer. Graças a mim, não há essa de o garoto mais popular da escola.

- Você tem um jeito engraçado de ver as coisas.

- Eu não preciso deles.

- E de quem você precisa? Daqueles incendiários?

- Não, eu preciso de um louco varrido como você.

- Uma vez meu pai me disse: se vai ironizar, lembre-se de que o efeito é até retardado, em um mundo que fazer o bem ou fazer o mal só depende de qual século você está.

- Não vou ouvir conselhos do seu pai. Ele é burro como uma porta.

- Tá certo, isso não foi legal.

- Podemos voltar para casa?

- Eu aceitei que você falasse até do meu pai. Porque você não faz um esforço? Eu só quero voltar a ser seu amigo.

- Eu sei disso e também sei que não tenho nenhum direito de afastar, porque eu acusei você de uma coisa que você não fez, mas tem outra coisa que me mantém longe.

- É sobre o que o seu irmão falou pra todos quando éramos crianças?

- Sim. Eu nunca deixei de ver essas coisas e acho que nunca vou deixar. Eu tenho medo de alguém se machucar.

- Rodrigo, na sua casa, foi você que fez aquilo?

- Não. O vento tava tão forte que algo voou e bateu na sua cabeça.

- Então foi assim que eu desmaiei? Faz sentido.

- Faz? Quer dizer, é claro que faz.

- Um furacão passou muito perto daqui. Você não viu no noticiário da manhã?

- Não. Interessante. Deve ter sido isso mesmo.

- Vamos parar de falar nisso. Eu quero leva-lo a um lugar.

- Onde?

- Quero que conheça uma família muito legal. Eu não estou conseguindo convencer você, mas eles convencerão.

- O que tem de especial nessa família?

- Pra falar a verdade, faz semanas desde a ultima visita á casa deles. Mas lembra do Dieguinho?

- Sim, lembro. Garoto legal.

- Pra começo de conversa, ele faz parte dessa família. A mãe do Diego, a Beatriz, foi minha professora de piano por muito tempo e...

- Poxa! Você nunca me disse que tocava piano.

- É porque eu não toco.

- Não toca? E a professora de piano?

- Eu quis dizer que não toco mais. Eu nunca me interessei por piano. Eu sempre quis tocar guitarra em uma banda de rock, mas minha mãe odeia rock e adora o som do piano. Ela queria que eu tocasse na igreja, mas eu fingia que não tava aprendendo.

- Tudo bem, eu vou.

- Vamos. Você vai gostar deles.

Fomos de bicicleta, passando ao lado do lago e chegando à uma área com um conjunto de pequenas casinhas brancas com a mesma arquitetura. Depois do conjunto, dobramos na esquerda e ficamos de frente com um campo com um gramado verde, e além dele, a Casa da família que Matheus tanto falava. Por ter tantos animais rurais, eu pensei que fosse uma fazenda, mas os animais domésticos também eram muitos. Entramos e Matheus me apresentou Beatriz e sua família.

- Rodrigo, essa é a Beatriz. Beatriz. Beatriz, esse é meu amigo Rodrigo.

- É um prazer em conhecê-lo, Rodrigo. É uma pena que esse não seja o momento adequado.

- Eu digo o mesmo, é um prazer. Mas o que houve?

- Desculpe, mas eu tenho que falar um minutinho a sós com o Matheus.

Matheus foi levado a um canto do corredor. Ela nem estava pensando direito, pois nem se deu conta de que, mesmo baixinho, da sala dava para ouvir tudo.

- Sobre o que se trata?

- Não. Estou farta. É melhor você mesmo ver. O Diego está no quarto.

- Vou vê-lo. O Ro vai me acompanhar.

- Seja como for, será melhor assim.

- Você está me assustando.

- Eu também estou assustada. Eu não sei como será a minha vida daqui pra frente. Eu não sei como será a vida do meu filho.

Coçando o pescoço de tanta ansiedade, ele voltou para a sala para levar-me ao quarto do menino. Em tão pouco tempo, seu pescoço já estava vermelho e aranhado. Atordoado, Matheus me puxa pela gola da camisa e parte corredor adentro. Chegamos até a porta do quarto de Diego. A própria obscuridade se escondia em seu rosto coberto de sombras pelo efeito da má iluminação. Precedendo à inúmeras cabeçadas na porta, ele gira a maçaneta, transbordando indisposição devido ao medo. Ao ouvir as batidas, Diego abre voz para nos permitir a entrada. O alivio de ver o seu rosto alegre, nos tirou o nervosismo e toda tensão criada segundos atrás.

- Matheus! - a sua voz fina e infantil harmonizou o quarto.

- Oi, Dieguinho. Como está?

- Sei lá. Você deveria ver.

- Ver o que?

- Aqui, debaixo do lençol.

Eu me orgulhava de ser tão durão, de não demonstrar sentimentos, de lidar com os problemas usando minha ignorância como se fosse qualidade, que tolice. Eu achava que aquilo era aguentar firme, mas um garotinho me ensinou o que era aguentar firme de verdade. Não sabe o que tinha debaixo do lençol? Eram os sonhos despedaçados de um garoto. Eu nunca mais veria o Diego correndo pelo campo, eu nunca mais veria ele correndo.

- Diego, o que é isso? - Matheus não se contém em derramar lagrimas.

- Eu também chorei quando vi.

- Pode me dizer como isso aconteceu - suas cordas vocais estremeceram e deixaram um tom rouco e vibrátil em sua voz, que quase não produziu som audível.

- Eu vi vocês dois. Você estava carregando o Rodrigo. Eu tentei seguir vocês, mas não consegui; era muito longe. Eu fui no outro dia, mas a floresta é muito grande. Eu não sabia o que fazer.

- O que aconteceu na floresta?

- Eu pisei em alguma coisa que explodiu.

- Mas o seu sonho era ser um jogador de futebol. Isso não pode ter acontecido com você.

- Tudo bem, eu já esqueci isso – ele parecia apenas sorridente antes de explodir de alegria – Minha namorada, ela veio e me fez parar de chorar – sua empolgação só nos deixava ainda mais comovidos.

- Então foi isso. E agora ela já sabe que é sua namorada? – seu choro se juntou ao riso.

- Porque isso é importante?

- Tá certo. Ela tem muita sorte.

- Por quê?

- como assim? Não é você o garoto mais legal dessa cidade.

- Eu não sei... Não, eu acho que é você.

Durante a conversa que ainda se prolongou por uma hora, eu não consegui falar nada. O amor fez com que aquele garoto perdesse menos do que poderia, pois além da perna, ele poderia ter perdido o coração. Ele era mesmo muito jovem, porem, já conhecia o amor. É difícil de decidir, mas no fim, para você, o amor vale mais que o sonho.

Quando já estávamos de saída, Beatriz nos parou para poder explicar o que de fato havia acontecido, mas antes de ouvi-la, eu pude gravar em minha mente uma das mais belas cenas que já presencie. A casa se encheu de garotos, todos sujos de areia e lama e um deles segurava uma bola de futebol; eram os mesmos garotos da ultima vez que tinha visto o Diego. Eles entraram no quarto e alguns segundos depois, pôde-se ouvir risadas deles e do próprio Diego. Era muito bom saber que, pelo menos, ele não estava sozinho.

Beatriz veio a nós. A primeira impressão de amargura desaparecia conforme eu entendia seus motivos. No começo ela não foi muito simpática comigo, mas agora ela estava disposta a tentar se redimir.

- Matheus e seu amigo Rodrigo, eu tenho que pedir desculpas por não ter agido de forma adequada. Eu fui muito mal-educada com vocês, mas, por favor, compreendam, essa uma é situação muito delicada.

- Não precisa pedir desculpas, Bia. Agora eu e o Ro entendemos.

- É, não tem sido fácil.

- Desculpe, mas, e as suas filhas?

- As duas viajaram com o pai. Ambas tem problemas cardíacos e não sabem o que aconteceu. Elas amam o irmão mais que tudo.

- Tem algumas coisas que eu não entendi. O que explodiu?

- Ele se perdeu na floresta, acabou na propriedade do coronel. Aquele homem é louco. Você sabia que ele colocou minas na parte da frente do terreno? Há muito tempo atrás, ele soube que alguns sem-terra estavam invadido as propriedades vizinhas. As autoridades explodiram as minas depois que um garotinho morreu, mas parece que sobrou uma.

- Tem alguma coisa que eu possa fazer?

- Não, não há. Você não teve culpa.

- Então eu já vou indo. Até mais.

- Até mais.

Porque? Porque? Poderia ter sido eu. Eu não teria nada a perder, mas ele... Ele perdeu os sonhos e a esperança. A culpa foi toda minha, e a troco de que? O Matheus não matou ninguém e um garotinho pagou pelo meu erro. Quando era criança, eu nem sequer imaginava o que era solidão. O Matheus sabia o que era solidão e era por isso que ele fazia de tudo para não voltar ao grande buraco escuro. Aquele garoto, aquele garoto também sabia o que era solidão, mas naquele dia, antes de perder sua perna, ele recebeu um presente: a amizade. Eu não sei se mudei a vida dele para o bem ou para o mal, mas o preço era caro demais pra mim.

Eu fui contando vírgulas e pingos nos "is" das placas e anúncios pelo caminho, tentando me distrair, tentando evitar a dor. O Matheus não conseguia esconder a decepção do seu fracasso em fazer eu me sentir melhor. Talvez eu tenha aprendido alguma coisa com aquela situação, ou melhor, eu aprendi alguma coisa com aquela situação.

- Me desculpa.

- Desculpar por quê?

- O objetivo não era esse. Você está sempre mal-humorado. Eu só queria que você se divertisse de uma forma simples. Eu queria que você deixasse de ter raiva de todo mundo.

- Bem, de qualquer forma... Funcionou.

- Mas eu não queria que você ficasse triste.

- Eu nunca estou feliz, você não percebeu?

- Quando você está com seus amigos, você é feliz.

- É verdade.

- Por que não ser ainda mais feliz?

- É o que eu quero.

- Esse é o meu acordo de paz.

- Eu aceito.

Paz? Com aquele garoto? Vai sonhando Rodrigo. No fim das contas, sua vida era mesmo um clipe de Rock n' Roll cheio de caras sendo espancados, sangue por todos os lados e muita blasfêmia. Seu sonho não é viver em paz, seu sonho é tê-lo em sua cama. Eu me auto-questiono, pois meu sonho não é tê-lo em minha cama, meu sonho é tê-lo ao meu lado, mesmo que seja apenas como amigo. Eu queria ser ainda mais louco para não ter que sentir o que sentia.

Voltamos para casa. Estava abrindo a porta, ouvi um barulho e olhei para cima, era o Arthur na janela. O Matheus ficou uma fera, entrou na casa e foi direto para o quarto correspondente à janela onde estava Arthur (o meu quarto). Ele o agarrou pela camisa e o jogou, direcionando sua cabeça para a cabeceira da cama. Eu tentei entrar no quarto, mas ele imediatamente trancou a porta, aproveitando que a chave já estava na porta.

- O que está fazendo aqui? Você estragou tudo!

- Você sabe que não confio em você - disse ele, quase soluçando e cuspindo sangue.

- Você está louco para morrer, não é?

- Você é louco. Eu não quero que se aproxime dele.

- Então você é o anjo da guarda dele? Se você é um anjo, eu posso me tornar um demônio para você.

- Então deveria começar indo para inferno.

- Olha pra você, não chega nem ao meu umbigo.

- Eu ainda não toquei em você. Pode acreditar, você vai sentir quando eu te chutar pra fora daqui.

- Pensei que você fosse o anjinho inocente. Aqui vai uma coisa para você se lembrar.

No momento ápice, a minha sorte interviu. A voz que, apesar de não gentil, para mim parecia; o timbre maternal, o primeiro que se ouve. Minha alma gritou por socorro telepaticamente, e, através das portas, seu grito de chamado me atendeu a ajuda: "Rodrigo, venha me receber! O que aconteceu com essa campainha?", disse ela, com a doçura de um búfalo selvagem.

Ao abrir a porta, imagine só o que, a cara de vergonha dos dois. Eu poderia esgana-los de tanta raiva. Eu mesmo me impedi de agarra-los pelo pescoço. Foi preciso muita sensatez, consciência e superioridade para não esmurra-los até a morte. Não, eu não fiz nada, não fiz nada até chegar á porta do quarto, porque depois... Um soco na cabeça de cada um.

Eu não entendi nada. Minha família havia voltado muito sedo. Dessa vez o papel de informar a má noticia ficou por conta do Victor. Victor não era muito bom nisso. Era impossível não olhar para suas veias saltadas, seu suor excessivo e suas mãos tremulas. Eu era um mais ou menos um reflexo do Victor, então eu o conhecia bastante para saber que ele não me traria novidades animadoras.

- O que houve, Victor?

- É só uma gripe, ok?

- Eu não quero meias palavras.

- O nosso pai está gripado, é só isso.

- Só isso? E todo esse nervosismo?

- Olha pirralho, eu já disse o que você precisava saber.

- Mas não disse a verdade.

- Por favor. Eu to muito cansado. Você nem me recebeu direito.

- Não pense que eu caí naquela historinha de falta de vitaminas ou sei lá o que.

- Continue tagarelando. Eu vou dormir.

- Você não vai a lugar nenhum.

- Eu já fiz tanto por você. Isso não é justo. Porque tem que ser eu?

- O que você fez por mim? Dizer a todos que eu sou um maluco esquisito?

- Se você soubesse o quanto tive que me calar por você.

- Não está falando sobre o bebê, está?

- De certo modo.

- Eu não estou pedindo muito. Eu mereço saber o que está acontecendo.

- Eu só fiquei preocupado porque ele está tossindo muito.

- O que é isso, Victor? Você prefere mentir?

- Não é nada disso.

- Eu não sou burro, sei que você está mentindo.

- É só uma gripe, eu já disse.

- Eu quero falar com o médico.

- Rodrigo...

- Eu quero falar com o médico!

- Está bem. Eu vou ligar pra ele, mas espero que esteja preparado. Eu não serei o culpado.

- Talvez a vida tenha feito eu sofrer tanto para me preparar.

- Não diga besteiras. Você ainda é uma criança e não sabe o que está dizendo.

- Dois anos, Victor; dois anos - um leve sorriso desgastado se fez em meu rosto.

- Dois anos - ele mostrou o mesmo tipo de sorriso, dando uma importância a aquelas duas palavras que, acreditava eu, era desnecessária.

A pouca disposição não era desculpa para o fracasso. Victor não conseguiu convencer o médico, mas eu não queria saber. O meu irmão sabia muito bem que ousadia era o meu forte. Ele temeu não conseguir trazer o médico, pois eu já havia cismado com essa historia e tudo o dizia que até o meio dia, eu já estaria na outra cidade, falando com o médico. Eu já sabia o que fazer ao primeiro sinal de negatividade.

- Desculpa, maninho. Eu tentei.

- Isso não vai ficar assim. Eu não aceito.

- Ah não, você não vai.

- Você pode ajudar, ir junto e garantir que eu esteja seguro, ou pode sair do meu caminho e me deixar ir sozinho.

- Esse seu jeito de tentar resolver as coisas, isso me lembra alguém.

- Você vem comigo ou não?

- Eu vou, mas veja lá o que está fazendo.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Salvatore em 2015-05-12 22:36:51
Meu Deus. Fiquei tão triste com a perda de Diego. Realmente foi trágico pra ele aquilo. Ah.... foi mau n ter comentado antes. Ando muito ocupado kkkk