Viver 5

Parte da série Viver

Jay olhou para Rafael surpreso. Não estava acreditando no que ouviu.

- Isto está fora de questão.

- Olha, você é meu irmão. Estou preocupado. Está visivelmente cansado, só sugeri isso para o seu bem, alias para o bem dos dois. Ele vai estar melhor cuidado e você vai poder seguir com sua vida normalmente.

- Eu não estou acreditando que você está dizendo isso.

- Jay...

- Não, Rafael. Disse interrompendo-o. Como eu disse isto esta fora de questão. Ele é meu amigo, não vou abandona-lo agora que ele mais precisa de mim.

- Não me entenda mal. Não estou pedindo para você abandona-lo. Só não acho justo você deixar a sua vida de lado para cuidar dele exclusivamente.

- Isso não vai acontecer. Olha só Rafael, não quero Me desentender com você, ta legal, vamos mudar de assunto.

- Ta, tudo bem. Disse Rafael levantando as mãos como que se rendendo. Como eu disse só fiquei preocupado com você.

- Não fique, estou bem.

- Certo. Você pelo menos tentou entrar em contato com alguém da família dele? Afinal isso é meio que uma obrigação da família, não sua.

- Ele não tem família. Os pais morreram num acidente de carro após se mudarem para cá. Filho único. Além do mais não considero cuidar do meu amigo em um momento de dificuldade como uma obrigação.

- Claro. Vamos mudar de assunto.

Falou Rafael lancando-lhe aquele olhar que Jay conhecia bem. Seu irmão não tinha se dado por satisfeito com o rumo da conversa e com certeza ia voltar ao assunto quando achasse oportuno. Jay respirou fundo tentando manter a calma.

-Como estão as coisas no escritório? Perguntou sem muito interesse.

- Estranhamente calmas por esses dias. Poucos casos. Somente casos de infidelidades conjugal.

-É bom ter uma semana calma as vezes.

- Não. Na verdade é meio monótono. Disse Rafael revirando os olhos.

- Sei. Você está entediado. Por isso veio aqui me atazanar? Perguntou Jay erguendo um sombrancelha.

- Credo, claro que não. Respondeu Rafael rindo.

Continuaram conversando amenidades por mais ou menos uns vinte minutos depois Rafael saiu alegando estar atrasado para o trabalho.

Após isso, Jay lavou a louça do café. Subiu para ver o Twiu. Ele continuava dormindo calmamente.

Decidiu que daria um banho nele agora. Twiu nunca tinha acordado durante os banhos. Depois do que tinha acontecido ontem, Jay dava graças a Deus.dessa vez não foi diferente. Terminou o banho, acomodou-o, saiu do quarto e ele não tinha acordado ainda.

Desceu para a sala deitou-se no sofá e adormeceu.

Acordou assustado. Olhou no relógio e já passava das duas da tarde.

Meu Deus, pensou, tinha dormido a manhã inteira.

Subiu a escada quase correndo. Abriu a porta do quarto com cuidado para não fazer muito barulho, e deu de cara com Twiu acordado, olhando para a parede ao lado como se aquilo fosse uma coisa muito interessante. Prendeu a respiração, sem saber o que fazer. Ainda estava meio abobalhado por ter acordado no susto. Não soube quanto tempo ficou ali parado, até que lembrou que precisa respirar e soltou o ar que estava segurando. Deve ter feito isso de uma forma ruidosa, pois imediatamente Twiu virou o rosto em sua direção. Jay viu, com uma pontinha de dor no coração, a mesma expressão de medo passar pelo seu rosto. Ficou parado, sem saber o que fazer. Deu um sorriso meio sem jeito. Mas não se aproximou. Apos alguns minutos, a expressão de medo foi substituída por um misto de curiosidade e apreensão. Era como se o rapaz não estivesse reconhecendo-o.

- Oi, espero não ter te assustado. Disse baixinho, dando alguns passos em sua direção.

- Acabei pegando no sono. Você está bem?

Silêncio. Pelos menos ele estava acordado, pensou. Tinha certeza que sim, deu um passo para o lado e o rapaz o acompanhou com os olhos. Sim. ele estava acordado e consciente. Andou em direção a cama devagar, e o rapaz continuou olhando-o como se ele fosse uma coisa exótica que estivesse vendo pela primeira vez. Era estranho.

- Faz tempo que você acordou?

Perguntou, parando a poucos centímetros dele. Twiu franziu o cenho e encolheu-se.

- Não, tudo bem, ta tudo bem, eu não vou machucar você. Afastou-se um pouco.

- Viu, tudo bem, você está seguro.

Podia ver a apreensão no rosto do rapaz.

- Você esta bem?

Nenhuma resposta.

- Você não sabe como fico feliz de ve-lo desperto.

Continuou falando baixinho, aproximou-se de novo, só para ver o rapaz se encolhendo mais uma vez.

-shh, tudo bem eu não vou machucar você. Eu sei que está com medo, mas não precisa, você esta seguro agora, ninguém vai te ferir mais. Eu prometo.

Twuu desviou o olhar.

- Você está com fome, quer comer alguma coisa? Perguntou, tentando prender a atenção do rapaz.

Este suspirou e virou o rosto para a parede.

Jay percebeu que ele não tinha "afundado", apenas tinha perdido o interesse ao que parecia.

Pensou por um minuto e decidiu deixa-lo quieto por um tempo. Tocar nele só iria assusta-lo, e isso era a última coisa que queria. Iria esperar.

- Vou estar lá embaixo se você precisar de alguma coisa, ta bom.

Desceu a escada e foi para a sala. Estava feliz por Twiu estar consciente, mas preocupado. Decidiu ligar para Brian, médico, amigo dele que estava atendendo o rapaz.

Este atendeu depois de dois toques.

-Alô, Jay como vai?

- Oi, Brian, tudo bem, estou atrapalhado?

- Não, Não, tudo bem, aconteceu alguma coisa? O Twiu ta bem?

- Está sim, eu acho. Ele acordou novo,só que hoje esta mais aleta.

-Nossa, isso é muito bom, não é? Como foi?

- É, sim, entrei no quarto e ele estava acordado, me olhou, me acompanhou com o olhar, estava prestando atenção em mim, estava assustado, mas eu creio que isso é normal, não é?

-Sim, é sim, infelizmente com o trauma e o estresse que ele passou, sentir medo de todos é comum. Mas pelo que você me falou ele está recobrando a consciência. Já esperávamos por isso. O estado catatônico em que ele se colocou é um meio de autodefesa. Para ele é mais seguro e mais fácil assim. Agora, provavelmente ele vai ficar acordado mais vezes. Não quer dizer que ele não vá "apagar" de novo, entende, é um processo lento.

- Sim eu compreendo. Mas hoje quando ele acordou, tive a impressão de que ele não me reconheceu, e ele também não disse uma única palavra.

- Como eu disse, ele passou por um trauma muito grande. As vezes, vítimas de Transtorno de estresse pós traumático, podem perder a memória temporariamente. Mas pode ter sido só uma impressão sua, teremos que observar isso para podermos ter certeza realmente. A fala também pode ser prejudicada nesses casos. Geralmente é uma questão temporária. Mas o tempo vai depender só dele.

- Sim, mas ele é forte, vai superar isso logo.

- Não tenho duvidas disso.

- Tudo bem, obrigado por me atender.

- Que isso, você sabe que pode ligar a hora que quiser. Só mais uma coisa, é bem provável que ele fique com alguma dificuldade de confiar nas pessoas por um tempo, também vai ter aversão ao contato físico. Por isso você deve reconquistar a confiança dele, sabe mostrar que ele está seguro e que pode contar com você, mas também deve dar espaço para ele, por que ele vai precisar.

- Certo, obrigado por tudo.

-À disposição. Tchau.

Jay desligou o telefone. Se segurou para não subir as escada e ver como Twiu estava. Brian estava certo, ele precisava de espaço. Jay daria todo o tempo que ele precisasse. Sendo assim, decidiu que esperaria pelo menos uma meia hora antes de subir de novo. Ficou ali pela sala tentando assistir TV. Desistiu quando nada prendeu sua atenção, então colocou algumas roupas para lavar e foi à cozinha, faria uma torta de maçã. Twiu adorava, ele também. Seria bom.

Depois de preparar a torta e colocar para assar, olhou para o relógio. Já tinha se passado quase uma hora. Tinha se distraído. Gostava muito de cozinhar. Fez um suco e um sanduiche, talvez Twiu estivesse com fome, talvez ele comesse alguma coisa. Foi até o quarto. Abriu a porta devagar. Twiu estava com os olhos fechados. Aproximou-se. Ele respirava calmamente, estava com o rosto sereno. Jay passou levemente a mao pelo seu rosto. Oa sentir o toque, Twiu franziu um pouco a testa e virou para o lado, mas continuou dormindo tranquilamente. Jay deu um sorriso. Ficava feliz de ve-lo dormir assim, num sono calmo. Deixou o suco e sanduíche na mesa de cabeceira e saiu do quarto. Era quase cinco e meia da tarde. Resolveu tomar um banho. Ia fazer o jantar e, já que estava tudo tranquilo, ia tentar dormir cedo. Estava realmente cansado. Uma boa e longa noite de sono seria bem vinda.