Capítulo 51
Parte da série Tribulações
Quando finalmente o ônibus parou na rodoviária da minha cidade, eu cutuquei o Vinícius, pois ele parecia estar dormindo.
Felipe: Chegamos.
Olhei do lado de fora e vi minha mãe em pé nos esperando descer. Fiquei feliz em vê-la, eu já estava com saudades.
Esperamos aquele movimento no corredor do ônibus diminuir, e então levantamos e descemos. Acenei para minha mãe logo que pus os pés no chão, ela franziu a testa e sorriu acenando de volta.
Vinícius: Mais uma que aprovou a mudança.
Dei risada.
Felipe: Da outra vez foi uma tatuagem, agora foi o cabelo e a barba… Vão perguntar o que sua mãe coloca no leite.
Ele deu risada. Pegamos nossas malas ainda rindo e enfim fomos até minha mãe.
Laura: Meu Deus, hein, que gatão. - ela sorriu me beijando o rosto e logo depois cumprimentando o Vinícius com um beijo no rosto também.
Vinícius: Tá aprovado, tia? - ele riu.
Laura: É claro, desde que não tenha uma tatuagem nova.
Eles não se cansavam de tocar no assunto da tatuagem, já estava incomodando.
Felipe: Não, é só o cabelo e a barba mesmo. - falei sem graça.
Laura: Então tá aprovado. - ela disse olhando o Vinícius, mas referindo-se a mim - Tem um dedinho seu nisso?
Vinícius: Juro que não! - ele sorriu - Eu deixei o Fê sozinho no cabeleireiro e quando voltei ele já tava assim.
Minha mãe deu risada, ele pareceu um pouco desesperado para se explicar.
Felipe: E como estão as coisas aqui?
Ela deu uma risadinha engraçada.
Laura: Seu pai diz todos os dias que sente sua falta, a Bianca e a Angélica eu não vejo desde o dia que visitamos vocês… E o Nícolas… Ele te procurou em casa no domingo seguinte ao dia que te levamos de volta pra lá.
Felipe: Ué, o que ele queria?
Laura: Conversar… não sei. Dissemos que você quis voltar pra casa da sua tia. Ele não demonstrou reação nenhuma, só agradeceu e foi embora.
Não dei mais corda para esse assunto, eu não tinha mais nada com o Nícolas, e o Vinícius não ia gostar muito de saber que ele estava me procurando.
Izaura: Querem passar de algum lugar? - ela perguntou depois de algum tempo em silêncio.
Felipe: Por mim, não… Você quer, Vini?
Vinícius: Não, tranquilo. Não conheço nada por aqui. - ele riu.
Felipe: Mãe, tudo bem mesmo você ter faltado do serviço essa tarde? - perguntei entrando em casa.
Laura: Ah, sem problema, filho. eu tinha algumas horas para tirar. Não fugi do meu direito. - ela piscou - Bem vindo de volta.
Sorri e olhei para o Vinícius, logo atrás de mim.
Felipe: Bem vindo pela primeira vez.
Ele sorriu e minha mãe deu risada do jeito como falei. Levei o Vinícius até meu antigo quarto.
Felipe: Esse era meu quarto. - Respirei fundo. Estar ali não me trazia boas lembranças. Eu sempre me lembrava do dia em que meus pais me levaram embora.
Vinícius: Organizado, moço.
Felipe: Claro, eu não durmo aqui há alguns meses.
Ele deu risada.
Vinícius: Mas você é organizado, vai.
Acenei com a cabeça e agradeci o elogio.
Felipe: Pode deixar a mala em cima da cama. Depois a gente arruma uma cama pra você… No sofá.
Vinícius: Eu sou a visita, você tem que dormir no sofá e eu na cama!
Felipe: Acho que nós dois somos visitas. - Falei baixo, observando o quarto.
Vinícius: É desconfortável pra você?
Felipe: Um pouco.
Ele não respondeu nada, apenas ficou me observando até eu parar de viajar.
Felipe: Vem, vou te mostrar o resto da minha ex humilde residência.
Estávamos todos sentados à mesa da cozinha tomando café e comendo bolo quando meu pai chegou.
Edson: Opa, quem temos aqui? - ele fingiu não me reconhecer.
Felipe: Sem graça. - dei risada me levantando e abraçando-o.
Edson: Grande mudança, hein, ficou muito bom.
Felipe: Valeu, pai.
Edson: E o Senhor Vinícius? - ele disse apertando a mão do meu primo - Que bom que vieram, fiquei feliz quando o Felipe disse que queriam passar o fim de semana aqui.
Vinícius: Ah, imagina… Eu que agradeço por me receberem.
Meu pai riu.
Edson: Você é da família, rapaz, sempre vai ser bem vindo! - ele disse se sentando conosco e pegando uma xícara de café - E então, quais as novidades mais quentes?
Achei engraçada a forma como ele perguntou.
Felipe: Antes que você pergunte, não fizemos nenhuma tatuagem.
Edson: Isso é bom. - ele sorriu - E como estão lá? A escola, a academia? Tudo nos trilhos?
Felipe: Tudo no seu devido lugar.
Edson: Que bom. E a sua mãe, Vinícius? Está bem?
Vinícius: Está sim, tio. Ela tá quase ficando maluca com o cargo novo, mas ela supera.
Edson: Ah, virar chefe não é fácil! - ele sorriu - Mas ela dá conta, é a irmã mais inteligente.
O Vinícius sorriu e concordou apenas para provocar meu pai.
Laura: Vocês avisaram a Angélica e a Bianca que vinham?
Felipe: Sim, eu falei… Mas esqueci de mencionar o Vinícius. - mentira minha, na verdade eu queria fazer uma surpresa sobre o Vinícius.
Laura: Então vamos nos preparar para receber visitas. - ela brincou - Devem estar com saudades.
Felipe: Com certeza! - sorri olhando minha xícara.
Edson: E quando aconteceu essa mudança no visual?
Felipe: Hoje. - falei rindo. Fomos ao cabeleireiro de manhã… A Juliana me convenceu a mudar.
Edson: Juliana é a cabeleireira?
Fiz que sim com a cabeça.
Vinícius: Ela tenta te convencer a mudar o cabelo desde o primeiro dia que você foi lá, né?
Felipe: É. - concordei - Ela finalmente conseguiu.
Ele sorriu e meu pai voltou a fazer perguntas sobre a academia. Ele não podia ver meus braços, por eu estar com blusa, então percebi que ele queria saber se estava surtindo algum efeito. Fiquei um pouco tímido com o assunto.
Felipe: Por que tanto interesse, pai? - perguntei de forma descontraída, para ele não interpretar mal.
Edson: Ué, só quero saber. Eu sempre quis fazer academia, agora você está fazendo, acho que estou empolgado por você. - ele riu - E também quero que o Nícolas te veja e se arrependa do fundo da alma por ter terminado.
Felipe: Pai!
Ele riu.
Edson: Desculpa, brincadeira fora de hora.
Era estranho meu pai brincar com isso, logo ele, que fez tudo o que fez por causa da minha homossexualidade. Olhei rapidamente o Vinícius, ele estava rindo, mas seu olhar gritava de ciúmes.
O interfone tocou depois de alguns minutos de conversa com meu pai, troquei um olhar com minha mãe, eu tinha uma suspeita de quem seria. Me levantei da mesa e atendi.
Felipe: Pronto.
Bianca: Ah, eu conheço essa voz! Abre logo esse portão, menino!
Dei risada e destravei o portão, toquei o ombro do Vinícius e chamei para vir comigo. Saímos pela porta da sala e no meio do caminho a Bianca abriu o portão, eu gelei na hora, o Nícolas estava junto, por que ele tinha que ir junto? A Angélica também estava. Os três entraram e então olhei para trás, o Vinícius apareceu na porta, olhei novamente para a Bianca, ela pareceu gelar igual eu. Mas ela não parou, veio andando e me abraçou forte.
Bianca: Aí, que saudade! Como você tá lindo, esse cabelo, barba, nem parece você!
Dei risada.
Felipe: Também senti saudade! Que bom que você veio!
Bianca: Eu disse que viria! E você encorpou, dá pra sentir que ocupa mais espaço no meu abraço!
Dei risada, soltei-a e abracei a Angélica.
Felipe: É bom te ver, Angélica!
Angélica: Eu que o diga, de onde veio essa mudança toda? Gente…
Dei risada e então apertei a mão do Nícolas dizendo apenas “E aí, Nícolas”.
Bianca: Realmente, tá um gato. Eu pegaria.
Felipe: Idiota! - dei risada, tímido.
Bianca: Mas eu te digo de onde veio essa mudança. - Ela sussurrou olhando o Vinícius na porta.
Bianca: Oi, Vinícius!
Ele sorriu, mas senti um olhar tenso entre o Nícolas e ele. Eu deveria ter avisado a Bianca que o Vinícius viria, ou talvez não, talvez apenas o Nícolas devia ter a vergonha na cara de não aparecer ali.
Vinícius: E aí, Bianca. - ele disse se aproximando e beijando as duas no rosto.
Bianca: Não sabia que você viria. Poxa, que surpresa boa!
Vinícius: Pois é, tem muitas surpresas ainda.
E então ele encarou o Nícolas, fiquei um pouco tenso.
Felipe: Haam, Vinícius, esse é o Nícolas. Nícolas, esse é o Vinícius.
Os dois apertaram as mãos sem dizer muita coisa, foi engraçado ver a diferença de tamanho dos dois. Apesar do Vinícius não ser nenhum bombado fisiculturista, ele ainda tinha o dobro do tamanho do Nícolas.
Vinícius: Então você é o grande Nícolas?
Nícolas: É, sou eu. E você?
Vinícius: Vinícius, o Lipe acabou de dizer. - ele riu.
Nícolas: Ah sim, verdade.
Troquei um olhar com a Bianca.
Felipe: Entra, galera… Tá frio aqui.
Levei todos até a cozinha. Meus pais pareceram assustados ao ver o Nícolas ali. Mas nenhum deles tinha noção de que o Vinícius e eu estávamos “namorando”, nem mesmo a Bianca e a Angélica sabiam disso ainda.
Sentamos todos à mesa, o Vinícius sentou-se ao meu lado, e o Nícolas sentou-se do outro lado da mesa, junto aos meus pais.
Angélica: Aí, Laura, posso pegar uma xícara?
Laura: É claro, Angélica. Fica a vontade! Todos vocês.
Bianca: E aí, Fê, o que me diz dessa mudança no visual?
Felipe: Ah… - sorri - Foi por pura pressão da cabeleireira. - dei risada - Acabei deixando ela cortar do jeito que ela queria.
Bianca: Huum, isso foi pra agradar alguém?
Dei risada, senti meu rosto queimar.
Felipe: Talvez.
Evitei ao máximo olhar o Nícolas. Mantive meus olhos no Vinícius ou em qualquer outro na mesa.
Bianca: Legal. - ela sorriu e piscou pra mim. Eu não sabia ao certo se ela estava tentando fazer eu me reaproximar do Nícolas ou se ela ainda tinha esperanças no Vinícius.
Felipe: E aqui, como vão as coisas?
Bianca: Ah, o mesmo de sempre. Escola, tédio em casa de tarde, tédio em casa de noite.
Sorri.
Felipe: Nenhuma super história pra contar? E o Giovanni?
Não era o melhor tipo de assunto pra puxar com meus pais por perto, mas ignorei.
Bianca: Ah, tudo bem com ele. Tomou jeito agora.
Felipe: Finalmente, né. Se ele te trair de novo eu pego ele na rua. - brinquei.
Bianca: Eu te ajudo. Mas ele se arrependeu, senti muita sinceridade nele quando conversamos.
Felipe: Ah, que bom.
Nícolas: É, de vez em quando um casal pode voltar, mesmo que tenham se magoado. - ele disse de repente, quase mandei calar a boca.
A indireta bateu forte, bem no meio de todos ali na mesa.
Felipe: Nem sempre os dois querem. - tentei cortar.
Nícolas: De repente, se der uma chance.
Vinícius: Menos quando um deles encontra outro alguém e decide seguir em frente. - ele disse sério - Às vezes é melhor se conformar com a burrice que fez e seguir em frente, Nícolas. Mesmo que a perda tenha sido grande.
Felipe: Ainda bem que o Giovanni quis voltar, então. Significa que você é especial pra ele, né, Bianca? - tentei disfarçar o conflito entre Nícolas e Vinícius. Eu imaginei que um dia os dois se encontrariam, mas não na frente dos meus pais, muito menos imaginei aquele comportamento do Nícolas. Cutuquei o Vinícius com a perna, e ele pareceu se acalmar.
Bianca: É, eu gosto muito dele. - ela disse sem graça, acho que finalmente entendeu que agora havia algo entre o Vinícius e eu.
Nícolas: Bom, galera, eu tenho que encontrar minha mãe, até outra hora.
Ele se levantou da mesa e saiu sem destravar o portão. Meus pais não perceberam, ou fingiram não perceber, mas a Bianca me olhou com uma expressão que dizia: “putz, que merda”.
O Vinícius respirou fundo, me olhou e disse: Melhor ir falar com ele?
Me levantei e deixei a cozinha. Ouvi a Angélica e minha mãe tentando continuar com assuntos aleatórios.
Saí pela porta da sala e dei de cara com o Nícolas, acho que ele estava voltando para destrancar o portão.
Felipe: Nícolas…
Nícolas: Não fala comigo.
Coloquei a mão no peito dele e empurrei-o pra fora.
Felipe: “Não fala comigo”? Que direito você acha que tem de dizer isso? Se coloca no seu lugar, olha como VOCÊ falou comigo quando voltei da outra vez e te procurei! Você falou como se eu não tivesse sentimento nenhum, como se não se importasse com o que aquilo ia me causar. E agora você acha que pode vir até aqui e jogar indireta na frente de todo mundo me dizendo sobre voltar? Toma vergonha na sua cara! Me respeita.
Vinícius: Hey, olha o tom de voz! Tá dando pra ouvir lá de dentro. - ele disse saindo e parando atrás de mim.
O Nícolas ficou encarando o Vinícius, sem dizer nada.
Felipe: Qual o problema agora, Nícolas? - falei mais baixo - Já esqueceu do que você mesmo me disse da outra vez? Achou que ia voltar e encontrar tudo da forma como deixou?
Nícolas: Você já não sentia nada por mim aquele dia, né? Eu te perdi pra ele.
Vinícius: Ninguém aqui é prêmio pra um ganhar e o outro perder. O Felipe me deixou lá e voltou até você, acha que ele já não sentia nada por você? Você que agiu como um babaca por conta própria.
Felipe: Chega, é melhor você ir embora, Nícolas.
Nícolas: Eu agi como um babaca? - ele perguntou num tom irônico - Olha quem fala… Caiu de paraquedas nas nossas vidas e acha que sabe de algo… - ele disse dando um passo agressivo na direção do Vinícius, que estava atrás de mim.
O Vinícius não se mexeu, mas eu empurrei o Nícolas para trás outra vez.
Felipe: Vai embora, Nícolas.
Nícolas: Olha, se não tem nada entre vocês, me dá uma chance, deixa eu me explicar, vamos conversar?
Felipe: Eu não disse que não tem nada entre a gente. Por favor, vai pra casa, não tem nada pra você aqui.
Nícolas: Então tem? Você tá com ele?
Felipe: É, tô. Agora tchau. - sussurrei.
Nícolas: Pra quem não ligava pra bração e corpo definido, você tá de parabéns. - ele disse para mim, mas olhando o Vinícius.
Felipe: Não tô com ele por causa do corpo dele. - parei e bufei de raiva - Mas eu não te devo satisfação nenhuma, Nícolas. Vai embora!
Vinícius: O portão tá destrancado, Nícolas.
Ele fez uma cara feia para o Vinícius, e então se virou e foi embora. Senti a mão do Vinícius no meu ombro, me virei e nos encaramos por alguns segundos.
Felipe: Desculpa… eu não achei que ele teria a cara de pau de aparecer aqui…
Vinícius: Tá tudo bem, Lipe… - ele disse colocando a mão no meu ombro - mas a gente fala sobre ele depois… melhor voltarmos pra cozinha.
Felipe: É…
Ninguém fez nenhum comentário ou pergunta. Mas eu sabia que a Bianca e a Angélica iam me bombardear de perguntas quando estivéssemos a sós. Talvez meus pais também.