Capítulo 43

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

O Vinícius não me deixava sozinho nem por um minuto, como sempre, nem na escola, nem em casa. Em nenhum momento eu ficava na sala assistindo TV enquanto ele estava no quarto fazendo tarefa. Fazíamos tudo juntos, TV, tarefa, até pra tirar aquele cochilo no meio do dia. E nós fazíamos tudo isso sem precisar combinar, era automático.

Combinamos de sair no sábado. Eu não precisei fugir dessa vez, eu podia (e queria) ir com eles. Combinamos de ir ao cinema, a Letícia, o Pedro, o Carlos e o Vinícius. Era estranho ver a Letícia, uma menina tão delicada, sozinha no meio de tantos garotos.

O primeiro sábado foi divertido, deu muito certo a turma. Tanto que, no segundo sábado, combinamos de sair outra vez, eu não hesitei, eu me divertia muito com eles!

O Vinícius me deixou tomar banho primeiro, então peguei minha toalha, minhas roupas pra me vestir no banheiro, e deixei o Vinícius no quarto.

Em pouco tempo, aquelas pessoas se tornaram grandes amigos, daqueles com os quais você pode confiar em qualquer situação. Ao longo da semana eu percebi que a Letícia estava muito mais próxima do Vinícius! Os dois conversavam como se soubessem muitos segredos um do outro. Isso me incomodava muito.

Quando voltei ao quarto, o Vinícius já estava com sua roupa separada, então no mesmo minuto que entrei no quarto, ele saiu. Fiquei um pouco preocupado, me perguntando se eu teria demorado demais. Mas fiquei mais tranquilo conforme o tempo passou e eu percebi que o Vinícius estava demorando mais que eu.

Fiquei sentado na sala com minha tia até o Vinícius aparecer lá.

Izaura: Olha que dois moços bonitos. - Ela brincou quando ele sentou-se ao meu lado.

Ele pareceu ficar envergonhado, sorriu e me olhou. Nossos olhares se encontraram, a maneira como ele me olhava era indecifrável.

Felipe: Daqui a pouco chegam. - Falei pra quebrar aquele clima.

Vinícius: É. - Ele falou olhando para a TV.

A Izaura se ofereceu no começo para nos levar. Mas o pai do Pedro se ofereceu para pegar todos nós, cada um em sua casa, e nos levar ao shopping, então acabamos deixando minha tia em paz!

Izaura: Vocês voltam tarde?

Vinícius: Boa pergunta. Acho que não muito. A não ser que resolvam pegar um cinema…

Izaura: Só pra saber. - Ela justificou.

Uma buzina alta chamou nossa atenção, provavelmente era o pai do Pedro. Pegamos nossas coisas, eu peguei dinheiro, que meu pai me enviou através da minha tia para que eu usasse nessas situações, peguei meu celular, me despedi da minha tia na sala, e fui para fora com o Vinícius.

Subimos os dois no banco de trás, pois na frente estava o Pedro. A única que já estava lá era a Letícia.

Letícia: Que isso, amigo? Tá arrasando!

Vinícius: Você também. - Ele disse sem graça.

Letícia: Não falei com você, Vinícius. Perdeu pro seu primo hoje.

Demos risada, agora eu estava sem graça! Cumprimentamos o Pedro e o seu pai, que parecia muito simpático e tranquilo. Eu não sabia seu nome, mas ouvi a Letícia chamá-lo de Antônio pouco depois de entrarmos no carro.

Antônio: Cabe mais um aí atrás? Ainda tem o Carlos!

Letícia: A gente faz caber! - Ela disse de um jeito engraçado.

Ele riu.

Antônio: Tem certeza? Posso levar vocês e voltar pegar ele.

Letícia: Se não couber aqui, a gente coloca ele no porta-malas.

Felipe: Coitado.

Antônio: Até que enfim alguém com sentimentos nessa turma. - Ele riu, se referindo a mim.

Letícia: Ainda não consegui corromper o Felipe. Mas vamos chegar lá. - Ela riu. A Letícia era uma pessoa completamente diferente fora da escola, eu até me assustava.

Antônio: Felipe, presta atenção onde você tá entrando, Felipe!

Pedro: O Felipe é primo do Vinícius, pai.

Antônio: Não vai na influência do seu primo, você tá perdido! - Ele continuou provocando.

Letícia: Tarde demais, Antônio! O Vinícius já até convenceu o Felipe a fazer uma tatuagem!

Antônio: Olha aí, sinto muito, Felipe! Eu tentei...

Eu não sabia o que falar, apenas conseguia dar risada do que falavam. Eu fiquei perdido no meio deles, pareciam um bando de loucos! Me sentia no meio de vários clones da Bianca.

Vinícius: Eu não convenci ninguém, o Felipe queria! - Ele falou pela primeira vez desde que entrou no carro.

Letícia: Olha só, ele falou! - O Vinícius mostrou a língua para ela. - Os dois estão muito quietos hoje, o que foi, brigaram?

Felipe: Não tem nada de errado com a gente.

Letícia: Sei… - Ela me encarou.

O Antônio parou o carro, imaginei que era a casa do Carlos! Buzinou duas vezes, três. Na quarta vez, o Carlos abriu o portão e saiu. Apesar dele ser magro e pequeno, seria difícil colocar mais um ali no meio.

Letícia: Entra ae, mano. - Ela gritou quando o Vinícius abriu a porta. E ele fez uma cara que dizia claramente “Cala a boca”. E então ela me cutucou e sussurrou. - Ele fica louco com isso, porque os pais dele ficam loucos só de imaginar ele saindo com pessoas que falam assim.

Felipe: Que falam assim?

Letícia: São muito preconceituosos com tudo. Conservadores, fechados… - Ela parou de falar quando o Carlos se aproximou mais do carro.

Carlos: Nossa, vai caber? - Ele disse parado do lado de fora.

Letícia: Apertadinho, mas cabe! - Senti uma malícia nessa expressão. Acho que não fui o único, o Pedro também coçou a cabeça e olhou pra baixo no banco da frente.

Espremi a Letícia contra a porta, assim como o Vinícius me espremeu contra a Letícia, e ele foi espremido entre o Carlos e mim.

Antônio: Todos acomodados?

Letícia: Vai, capitão! Velocidade da luz, ou vamos chegar lá mais finos que o Carlos!

Mais de um passageiro deu risada, não sei ao certo quais, meu eu fui um deles.

O Antônio nos deixou em frente ao shopping poucos minutos depois de sair da casa do Carlos. Foi um alívio sair daquele carro apertado, acho que nunca estive tão colado ao Vinícius antes.

Letícia: Da próxima vez, o Carlos vem andando!

Carlos: Não enche. - Ele riu.

Pedro: Melhor entrarmos logo. Lá dentro trocamos carinhos. - Ele disse olhando em volta.

Letícia: Vamos, então…

Vinícius: Cinema hoje de novo?

Letícia: Aí, não! A bagunça que vocês fizeram no sábado passado já foi suficiente pro mês inteiro! Não quero voltar naquele cinema tão cedo!

O Carlos deu risada.

Carlos: Foi divertido.

Letícia: Divertido deve ter sido pra faxineira limpar a fileira onde sentamos.

Pedro: A culpa foi sua, eu pedi pra você segurar a pipoca.

Letícia: É, idiota.

Seu tom de voz foi agressivo, imaginei que o Pedro fez alguma brincadeira envolvendo o saco de pipoca, e a Angélica não aprovou. Fiquei curioso, mas achei melhor não perguntar. Talvez fosse melhor perguntar ao Vinícius depois, talvez ele soubesse.

Entramos no shopping e, imediatamente, o Vinícius se colocou ao meu lado esquerdo, não me deixando “na ponta” do grupo, como se ele quisesse me proteger. Encarei-o, depois percebi que ele trocou um olhar com a Letícia.

Andamos um pouco pelo shopping, havia muita gente lá. Muitos jovens, amigos, namorados, pais e mães com seus filhos. Alguns meninos conseguiam prender minha atenção. O mais bonito que eu vi foi um rapaz pouco mais alto que eu, cabelo preto, raspado em volta e um pouco mais alto em cima, olhos puxados e pele queimada do sol. Geralmente eu não gostava daquele tipo de cabelo, mas o dele estava muito bem cortado, não estava comprido demais em cima, e nem raspado demais dos lados, estava bonito, pelo menos aos meus olhos. Mas então ele saiu do meu campo de visão, e eu me lembrei que era apenas um garoto no shopping.

Continuamos andando, o Carlos e o Pedro afastaram-se de nós depois de alguns minutos. Observei os dois enquanto se afastavam, tinham um comportamento estranho juntos.

Pensei que eu estava ficando maluco, pois a todo momento eu tinha a impressão de que o Vinícius e a Letícia se entreolhavam de uma maneira estranha, como se estivessem se comunicando a respeito de algo. Isso estava me deixando maluco.

Vinícius: Melhor irmos pra lá. - Ele disse me fazendo andar.

Olhei em volta e vi o Carlos e o Pedro saindo de uma loja de doces, estavam compartilhando um saquinho cheio de guloseimas, rindo juntos, pareciam empolgados. Eu nunca tinha percebido que os dois eram tão amigos. O Carlos ficou um pouco mais sério quando percebeu que eu os observava.

O Vinícius e a Letícia me levaram para a praça de alimentação, pegamos uma mesa mais ao centro, eu me larguei na cadeira e levei um tempo para processar o ambiente ao meu redor. Todos estavam observando um quiosque de uma sorveteria no meio da praça de alimentação.

Letícia: É muito da hora isso. - Ela disse ainda observando a sorveteria. Mas eu fiquei sem entender o que havia de tão especial ali.

Felipe: O que?

Letícia: Fica olhando!

Dois rapazes e duas moças faziam o atendimento no quiosque, observei o que aparentava ser mais velho, em uma mão ele tinha algo que parecia uma taça comum, na outra, ele tinha uma daquelas colheres de sorvete. Mas, quando eu menos esperava, ele lançou a bola de sorvete para o alto e pegou de novo com a colher, e repetiu várias vezes.

Felipe: Que doido. - Falei na hora.

Letícia: Nunca tinha visto?

Felipe: Não. - Dei risada.

Letícia: É uma franquia de sorveterias, parece. Os caras sabem chamar a atenção. - Ela brincou.

Fiquei observando-os tão atentamente que não percebi o Carlos e o Pedro sentando-se conosco. O outro rapaz que estava atendendo era muito bonito, tinha um tom de pele lindo, moreno bem claro, nariz pequeno, lindos lábios e queixo, pele impecável. Usava uma touca, então eu não pude reparar no seu cabelo. Ele não fez manobras tão chamativas quanto o outro, mas eu fiquei observando-o mesmo assim.

Me distraí tanto com a sorveteria e os malabarismos que esqueci dos meus amigos em volta.

Letícia: Hey, hora de comer! - Ela me cutucou. - Você tá distraído demais hoje!

Felipe: Desculpa, o que vão querer?

Pedro: Eu quero Mc Donalds.

Carlos: Eu também.

Letícia: Eu vou de Subway… - Ela riu.

Vinícius: Eu também prefiro Subway.

E então todos olharam pra mim, como se eu fosse desempatar a disputa.

Felipe: Por que vocês dois não pegam Mc, e vocês dois, Subway?

Letícia: Que ideia genial. - Ela zombou. - Você vai querer qual?

Felipe: Subway. - Falei sem graça.

Letícia: Tá… mas não dá pra levantar todos de uma vez, vamos acabar perdendo a mesa. - Ela sussurrou.

Vinícius: Os dois vão no Mc, e dois vão no Subway, um fica aqui guardando a mesa. - Ele disse me olhando.

Letícia: Boa. Mas já vamos pedir por todos, né? Porque olha aquela fila, não dá pra enfrentar duas vezes, não!

Felipe: Vão vocês dois no Subway, o Vinícius vai saber montar meu lanche.

Letícia: Awnt, que fofo. - Ela sorriu. - Tá, e um dos dois vai no Mc, ou os dois vão?

Pedro: Vamos nós dois, né? - Ele disse olhando pro Carlos.

Carlos: Ah, não vou deixar o Felipe aqui sozinho.

Felipe: Não se preocupa, pode ir. O Pedro sozinho não vai conseguir carregar duas bandejas.

Letícias: Nem nós dois vamos carregar três. - Ela disse quase brava.

Respirei fundo.

Felipe: Quando terminarem de pedir, façam sinal que eu vou lá buscar, provavelmente o Pedro e o Carlos já vão estar de volta.

Depois de falar isso, olhei outra vez o rapaz da sorveteria. Me assustei quando vi ele e sua amiga conversando, ela estava apontando pra nossa mesa, e ele deu um sorrisinho, mas disfarçaram quando encarei-os. Me perguntei se o meu olhar foi tão comprometedor assim.

Letícia: Aí, essas gambiarras pra não perder lugar. - Ela riu e se levantou.

Todos deixaram a mesa ao mesmo tempo, eu tentei segurar o Vinícius e dar dinheiro para ele pagar meu lanche, mas ele não aceitou de nenhum jeito. Acabei deixando ele ir, e então voltei a prestar atenção na sorveteria. O rapaz moreno já me olhava com uma certa frequência, talvez a amiga tenha alertado ele que eu o observava tão fixamente. Ele tinha um sorriso bonito e atraente. Mas eu não estava tão preso nisso.

Depois de alguns minutos olhando-o sem parar (coisa que também fiz sem considerar o que ele ia pensar), ele tirou o avental da sorveteria, falou algo com seu companheiro e deixou o quiosque. Saiu andando em direção ao banheiro e desapareceu entre a multidão.

Todos os outros na sorveteria estavam parados, não havia nenhum pedido para preparar. Olhei em direção ao Subway, e vi o Vinícius e a Letícia conversando, eu queria muito ter um ouvido capaz de escutar tudo o que estavam falando.

Me assustei quando alguém puxou a cadeira ao meu lado, na qual o Vinícius estava sentado. Olhei pro lado e vi o rapaz da sorveteria sentando-se, sorrindo pra mim. Fiquei muito inconformado, era muita cara de pau dele aparecer ali daquele jeito. Fiquei observando-o, que me deu a mão e disse: E aí.

Olhei pra sorveteria antes, a amiga dele parecia inconformada nos observando. “Que cara de pau”, pensei.

Felipe: E aí. - Apertei sua mão.

Ele sorriu novamente e disse: Meu nome é Rafael, prazer.

Felipe: Felipe.

Rafael: Prazer te conhecer, Felipe.

Felipe: Prazer é meu. - Falei encarando a Letícia. Ela estava de frente pra mim, mas ainda não tinha visto o Rafael sentado ali, o Vinícius estava de costas para mim.

Rafael: Achou divertida as brincadeiras?

Felipe: Bem chamativas. - Brinquei.

Rafael: É, né? - Ele riu. - É meu intervalo, se eu tô atrapalhando pode falar, eu vou embora… É só que te vi sozinho, e você tava olhando tanto lá pro quiosque…

Felipe: Não, tranquilo… Só tô esperando meus amigos pegarem comida, eu fiquei pra guardar a mesa.

Rafael: Entendi… - ele riu.

Nessa hora a Letícia viu o que estava acontecendo ali na mesa, arregalou os olhos e tocou o braço do Vinícius, que automaticamente olhou pra mesa também, eu desviei o olhar, fiquei envergonhado.

Felipe: Faz tempo que você faz isso? - Tentei me distrair.

Rafael: Não muito. - Ele tinha uma voz agradável. - Seus amigos foram embora?

Felipe: Não. Só foram fazer o pedido. - Insisti, ele não estava prestando atenção do que eu dizia?

Rafael: Ah tá. - Ele pareceu ficar sem graça. - Você tem quantos anos?

Felipe: 17, e você?

Rafael: Tenho 22.

Felipe: Ah tá. - Falei assustado, pensei que ele tinha 18, no máximo 19.

Rafael: Vai tomar um sorvete depois, né? Passa de lá, eu tenho certeza que você vai gostar.

Felipe: Aah. - Fiquei sem graça. - Vou pensar.

Rafael: Passa de lá, por favor! - Ele disse se levantando, ao mesmo tempo em que o Pedro e o Carlos se sentaram do outro lado. - Você vai gostar.

Felipe: Tá, eu passo. - Concordei só pra ele me deixar em paz.

Rafael: Valeu, vou te esperar. - E voltou ao quiosque.

Pedro: O que foi isso? - Ele pareceu assustado.

Ergui os ombros.

Felipe: Não faço ideia.

Olhei para o Vinícius na fila, ele estava me olhando sério, já não conversava com a Letícia. Então olhei para a sorveteria e o Rafael estava fazendo outro sorvete, achei meio bizarro, ele parecia estar cada vez mais ousado nas “brincadeiras” com sorvete. Seria muito bizarro ele usar aquilo para chamar minha atenção! Imaginei uma cena onde me perguntavam o que me fez ter interesse por ele, e eu respondendo: “Ele jogava uma bola de sorvete para cima como ninguém!”. Não estou desmerecendo o emprego dele, até porque ele parecia ser um bom rapaz, educado, dedicado e esforçado, e eu não sabia nada da sua vida para fazer uma crítica, eu só achei que ele precisaria de mais que uma bola de sorvete voadora para chamar minha atenção.

Depois de todas aquelas cenas, a amiga dele chamando a atenção dele para mim, ele vindo até a mesa, perguntando aquelas coisas, me pedindo pra pegar um sorvete depois, eu já não tinha dúvida sobre a intenção dele, mesmo sendo muito lento para entender essas coisas, já estava claro até mesmo para mim.

Me desliguei do mundo real por alguns minutos, apesar do Rafael ser muito bonito e parecer educado, eu não estava afim de ir até lá pegar um sorvete, em outras palavras, eu não queria me envolver com ele.

Acordei quando o Pedro me cutucou com o cotovelo, olhei pra ele, que apontou o Vinícius e a Letícia me chamando para ajudar a carregar as coisas.

Felipe: Já venho.

Levantei da mesa e vi o Rafael me observando enquanto eu me afastava. Peguei minha bandeja e me virei, mas vi o Vinícius já um pouco longe, só a Letícia estava me esperando. Fiquei me sentindo mal, eu estava deixando muito óbvio para os outros?

Letícia: O que foi aquilo? - Ela perguntou parecendo nervosa.

Felipe: Nada, ele saiu da sorveteria e veio ali sentar comigo.

Letícia: Assim... de repente?

Respirei fundo.

Felipe: Talvez ele tenha pensado que eu estava olhando pra ele o tempo todo…

Letícia: E estava?

Felipe: Claro que não! Digo, sim, mas era por causa do sorvete.

Letícia: Sei. - Ela disse num tom sacana. - Depois vamos conversar melhor… - Ela disse quando nos aproximamos da mesa.

Me sentei ao lado do Vinícius e troquei um olhar um pouco confuso com ele. Eu não entendi direito o que ele estava pensando, será que estava bravo por eu estar deixando os amigos dele desconfiados sobre mim?

Carlos: Parece que vamos tomar sorvete de graça depois… - Ele brincou. Mas eu não gostei muito, tive vontade de socar aquele lanche inteiro dentro da sua boca. Ninguém respondeu, só a Letícia deu uma risada meio forçada.

O clima na mesa ficou tenso, ninguém falava nada, eu não conseguia encarar a Letícia e nem mesmo o Vinícius, então eu ficava olhando em volta. Também evitei olhar a sorveteria de novo, mas em alguns momentos era automático.

Letícia: Vocês já começaram o trabalho de história? - Ela perguntou só pra quebrar aquele silêncio.

Felipe: Não, ainda nem começamos, e vocês?

Letícia: Também não. Eu não gosto de história, aí fico enrolando pra fazer. - Ela riu.

O trabalho era em duplas, a Letícia faria com a Carol, uma outra menina da nossa sala! Eu faria com o Vinícius, assim como todos os outros trabalhos. E o Pedro e o Carlos eram outra dupla!

Felipe: Vai ser pior se deixar tudo pra última hora!

Letícia: Eu sei. Mas ainda não me inspirei pra escrever tudo o que a professora pediu.

Carlos: Ninguém se inspirou, ninguém gosta daquela mulher, ela só fode com a gente.

Pedro: Isso é verdade, ela nunca colabora, parece que faz de propósito.

Carlos: Claro que faz! Com as outras salas ela é boazinha! Pergunta pro Júlio, a sala dele ama ela!

Vinícius: O problema é nossa sala, então. - Ele falou meio sério.

Carlos: Ela não gosta da nossa sala!

Pedro: Mas ela gosta do Felipe.

Carlos: Todo mundo gosta do Felipe. - Ele disse num tom de “Isso é óbvio”.

Felipe: Quê?

Carlos: Cara, todos os professores gostam de você. Não negue!

Felipe: Eu não fiz nada pra gostarem de mim assim. - Tentei cortar o assunto.

Pedro: A Ju também gosta.

Fechei os olhos por um segundo e pedi, em pensamento, para pararem com essas brincadeiras.

Letícia: A Juliana tá deixando o Fê de lado já…

Vinícius: Verdade… - Ele riu pela primeira vez desde que voltou pra mesa.

Por um tempo eu me esqueci do Rafael, nem olhei mais para a sorveteria, fiquei entretido com as conversas na mesa, que ficaram mais interessantes e divertidas com o passar do tempo.

Percebi que, de vem em quando, o Vinícius se inclinava para a frente, quase ficava em cima da mesa, eu não teria percebido se não fosse tão estranho, mas não perguntei qual era o problema, mas fiquei curioso quando olhei pra Letícia e vi ela sorrindo observando o Vinícius fazendo aquilo. Ela tinha alguma coisa com ele, a cada minuto eu tinha mais certeza disso! E, para a minha surpresa, pensar nisso me deixava com raiva!

Todos já tinham terminado de comer seus lanches, estávamos apenas sentados, conversando e rindo mais do que qualquer outra mesa na praça de alimentação. Mas, aos poucos, o assunto perdeu força, aquela empolgação começou a desaparecer conforme o silêncio crescia.

Letícia: Vamos dar uma volta? - Ela disse me olhando.

Olhei para o Vinícius, que estava encarando o próprio copo vazio.

Carlos: Não vai ter sorvete?

Jurei pra mim mesmo que se ele não calasse a boca, eu acabaria dando um sacode nele.

Letícia: Vai querer sorvete, Fê? Eu vou lá com você.

Não respondi, apenas olhei a sorveteria, estava muito mais movimentada agora, o Rafael me olhou na mesma hora, como em quase todos os momentos que olhei aquele lugar, isso me irritou um pouco.

E então ele fez um gesto, como se estivesse me desafiando a ir lá. Por um momento eu fiquei curioso, me senti tentado a ir lá e ver o que ele faria pra me convencer a dar meu número ou anotar o dele.

Letícia: Eu vou com você. - Senti como se o Vinícius fosse dizer isso, mas ela tomou a frente.

Levantamos da mesa e eu fui até a sorveteria, um pouco nervoso, tímido. O Rafael abriu um grande sorriso quando me viu chegando, e fez um sinal para que eu fosse por um lado mais vazio do quiosque.

Rafael: E aí, senhor Felipe. O que vai querer?

Dei risada e fiz um sinal apontando todos os outros clientes esperando atendimento. Mas ele fez um gesto de “Não ligo”, e piscou pra mim.

Felipe: Eu não sei. O que você sugere? - Falei achando aquela situação mais engraçada do que romântica.

Rafael: Posso fazer surpresa? - Ele me olhou sério.

Felipe: Pode, me surpreenda! - Desafiei, e a Letícia riu do meu lado.

Rafael: Seu amigo? - Ele perguntou a ela, que apenas confirmou com a cabeça. E então ele se afastou rindo e começou a fazer suas graças.

Seria legal se ele tivesse feito algo diferente, mas ele não fez nada que eu já não tinha visto no tempo que fiquei sentado observando-o. Eu não sei se o sorvete que ele fez tinha um nome especial no cardápio, se tinha, com certeza era algo com “chocolate” no nome, porque havia mais chocolate do que sorvete.

Percebi o Vinícius encostando ao meu lado, respirei fundo e o Rafael pareceu ficar sem graça quando o viu. Ele apenas me entregou o sorvete e me pediu pra esperar um minuto.

Logo ele me entregou a nota, agradeci e me despedi um pouco chateado, depois de fazer tanta graça, ele acabou não me pedindo telefone, nem passando o telefone dele. No final, aquilo tudo foi só mais uma ilusão da minha cabeça. Ele ficou com um sorriso bobo enquanto me afastei, o que achei estranho.

O Vinícius não falou nada sobre o Rafael até chegarmos em casa. O Antônio nos deixou no portão e esperou até entrarmos, eu estava com um certo medo do que o Vinícius tinha pensado de tudo aquilo. No final das contas eu não fui até a sorveteria por ter interesse no Rafael, eu apenas fiquei curioso, tive vontade de tentar, para ver a reação dele.

Vinícius: O que foi aquilo? - Ele finalmente perguntou quando já estávamos trocados e prontos pra dormir.

Me sentei na cama, ao lado do meu celular e do cupom que o Rafael me entregou, entre outras coisas que tirei do bolso da calça quando cheguei.

Felipe: Persuasão, venda. - Falei sem pensar.

Vinícius: Por que ele foi até a mesa?

Felipe: Vini… - Respirei fundo. - Eu fiquei observando enquanto ele atendia os outros, ele deve ter achado que eu tava olhando pra ele, sei lá. Talvez tenha sido só pra zombar.

Me lembrei da amiga dele apontando na minha direção e falando algo, talvez estivessem combinando a brincadeira pra me fazer de idiota.

Vinícius: Você se interessou por ele? - Ele perguntou um pouco sério. Me assustei com a pergunta.

Felipe: Não… ele é legal, bonito, mas só. - Falei sem pensar - Só fui pegar um sorvete porque a Letícia me levou… Se não eu nem teria ido.

Vinícius: Hum. - Ele disse se deitando.

Felipe: Desculpa.

Vinícius: Pelo que?

Felipe: Eu chamei a atenção dos seus amigos, acho que você não gostou disso.

Ele deu risada.

Vinícius: Não é isso.

Felipe: O que é, então?

Vinícius: Nada. Melhor a gente dormir.

Felipe: Hum, ok. Eu vou apagar a luz.

Vinícius: Tá bom. Boa noite, Fê, até amanhã.

Felipe: Boa noite, Vini. Até amanhã.

Me deitei na cama e respirei fundo, percebi o Vinícius se virando de costas para mim, talvez estivesse bravo e só não queria admitir pra não me deixar chateado.

Peguei o cupom que o Rafael me entregou e fiquei dobrando-o no escuro, sem enxergar. Aquele sorvete que estava muito gostoso, não dava pra negar, a Letícia provou e quase voltou buscar um pra ela, só não o fez por causa do tamanho da fila. Mas era isso que me incomodava, o Rafael até mesmo me passou na frente de vários outros que já estavam esperando há mais tempo que eu, ele teria feito isso se a sua única intenção fosse vender mais um sorvete? Talvez a presença do Vinícius tenha deixado o Rafael com medo de pedir meu número, ou de me passar o dele.

Por curiosidade, desdobrei o cupom fiscal e iluminei-o com a tela do celular. O nome do sorvete não tinha “chocolate” no meio, e o preço não foi tão doce quanto o sabor.

De repente, meus olhos se fixaram no nome do atendente, “Rafael”. O que me fez dar risada feito um bobo foi uma observação no rodapé do papel, escrita à caneta preta, com uma letra tão pequena e perfeita que eu quase não percebi que era escrita a mão.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-05-04 20:42:43
Fê já tá fazendo sucesso se o Vinícius demora outro gato vai chegar primeiro.😘😘😘😘