Capítulo 42

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Aquele domingo foi bem tranquilo na casa da minha tia. O Vinícius acordou primeiro que eu, claro, e já não estava na cama quando eu acordei. As coisas aconteceram de forma muito semelhante à manhã do meu primeiro domingo lá. A única diferença era que, dessa vez, eu estava ali por vontade própria, então eu me senti muito melhor quando cheguei na cozinha e vi minha tia e o Vinícius sentados lá.

Vinícius: Você dorme primeiro que eu, e acorda depois?

Felipe: Pois é. - Falei sonolento. - É que o sono tava bom.

Vinícius: Que bom, então. - Ele riu. - Bom dia!

Felipe: Bom dia, Vini. Bom dia, tia!

Izaura: Bom dia, querido. Eu perguntaria se você dormiu bem, mas você já respondeu. - Ela brincou.

Felipe: É… - Falei rindo.

Izaura: O que vocês vão fazer hoje?

O Vinícius e eu nos entreolhamos, ele sorriu e eu falei: A mesma coisa que fazemos todos os finais de semana…

Isso arrancou uma risadinha do Vini, mas deixou minha tia sem entender muito bem o que estava acontecendo ali. Um costume que adquirimos ao longo do tempo que passamos juntos foi perguntar a mesma coisa que minha tia havia acabado de perguntar. E então, o outro respondia: “A mesma coisa que fazemos todos os finais de semana, tentar conquistar o mundo”. É uma brincadeira idiota, que pode parecer muito sem graça. Na verdade, era uma referência à um desenho animado que o Vinícius adorava quando era mais novo. No final das contas, nós achávamos engraçado.

O próprio Vinícius explicou a “brincadeira”, minha tia a achou estranha, e, pelo jeito, sem graça. Mas não me incomodei.

Izaura: Fê, eu não quero me meter no que não é da minha conta, mas o que houve lá?

Olhei em seus olhos por alguns instantes, respirei fundo, eu sempre detestei ter que explicar uma mesma coisa diversas vezes. Mas não demonstrei estar incomodado, ela poderia entender mal.

Felipe: Eu fiz uma pressão psicológica na cabeça do meu pai. - brinquei - ele acabou aceitando.

Izaura: E quanto ao Nícolas?

Felipe: Terminamos. - falei com uma certa naturalidade.

Izaura: Mesmo? Nossa, sinto muito.

Felipe: Tá tudo bem… Na hora eu fiquei com um pouco de raiva, mas passou.

Ela franziu a testa.

Izaura: Simples assim?

Felipe: Acho que eu já tava em dúvida sobre esse relacionamento há um tempo… Aí, quando cheguei na casa do Nícolas na sexta de noite, a recepção dele foi tão fria… Depois, quando conversamos, ele foi um grande babaca, insensível, pareceu se achar o senhor da Terra.

O Vinícius riu na parte do “senhor da Terra”.

Izaura: Então foi ele quem terminou?

Felipe: A iniciativa foi dele… Eu acabei concordando.

Izaura: Ele te criticou muito?

Felipe: Um pouco… Mas nem é esse o problema, ele foi um grosso, insensível, falou como se eu fosse uma pedra, sem sentimento nenhum.

Izaura: E você não tá chateado?

Felipe: Deveria estar, tia?

Olhei rapidamente o Vinícius, ele parecia satisfeito com o que estava ouvindo.

Izaura: Ué, se ele foi tão insensível, acho que sim. - ela riu.

Felipe: Eu saí de lá bem chateado, sim… Só que… - sem querer, meus olhos desviaram da minha tia para a mão do Vinícius sobre a mesa, e então voltaram para minha tia - Acho que eu já tava preparado pra isso… Então não foi tão difícil superar.

Izaura: Entendo.

Vinícius: Ele foi um babaca, não merece que você fique andando por aí chateado.

Me espantei com o que ele disse.

Izaura: Vinícius!

Ele desviou o olhar, eu fiquei olhando-o por alguns segundos, realmente surpreso. Ele me olhou rapidamente, mas desviou o olhar quando nossos olhos se encontraram. Minha tia acabou mudando de assunto.

Passamos o resto do domingo em casa, não quisemos sair. Nem tínhamos para onde ir, então ficamos conversando, assistindo TV, olhando coisas idiotas na internet, e fazendo qualquer outra coisa para passar o tempo, desde que fosse juntos.

Na segunda de manhã, o Vinícius me acordou. Ele sentou-se no canto da minha cama e deu uma chacoalhada no meu ombro. Abri os olhos devagar e sorri quando o vi.

Felipe: Bom dia.

Vinícius: Bom dia, moço. Dormiu bem?

Felipe: Dormi sim, e você?

Vinícius: Muito bem! - Pelo jeito como ele falou, pude perceber que estava sorrindo, mas a luz do quarto estava apagada, então eu não pude ver.

Vinícius: Levanta, dorminhoco. - Ele disse se levantando.

Felipe: Pronto, levantei… - Falei me sentando logo depois que ele acendeu a luz.

Vinícius: É melhor se arrumar, não queremos perder hora.

Felipe: É, já vou. - Falei me levantando junto com ele.

O Vinícius já tinha tomado um banho e vestido o uniforme da escola. Então fui tomar um banho também, eu precisava ser rápido, não tinha tempo pra enrolar nesse banho. Enfim, me vesti no banheiro mesmo e voltei ao quarto, calcei os tênis e pus meu celular no bolso, em seguida fui à cozinha tomar café, o Vinícius já estava lá.

Não podíamos nem sentar com calma para conversar, bater papo, tinha que ser rápido: comer, beber leite, escovar os dentes, pegar o material e sair de casa.

Eu achei que aquela manhã seria muito demorada, mas ela passou muito rapidamente. As primeiras aulas voaram, e logo o sinal para o intervalo tocou. Achei que ficaríamos na sala, como costumávamos faze, mas todos se levantaram, e eu fui junto.

Saímos no pátio da escola e nos sentamos na arquibancada da quadra esportiva, onde havia cobertura e, por consequência, sombra.

Letícia: Tem alguém que parece mais animado. - Ela disse olhando pra mim.

Troquei um olhar com o Vinícius, assim como fazia a cada comentário sobre meu comportamento ou aparência.

Felipe: Eu? - Perguntei só pra enrolar.

Letícia: É. - Ela riu. - Até sexta feira você era sério, quieto, parecia ter mil preocupações....Mas só hoje você deu mais risada com o Pedro e com o Vinícius do que em todos os outros dias.

Felipe: É que eu tava com uns problemas na família, mas agora tá tudo resolvido. - Falei sem pensar muito.

Letícia: Que bom! - Ela sorriu.

Ficamos em silêncio um pouco, olhei em volta e vi vários alunos conversando, comendo, mexendo no celular.

Vinícius: Eu preciso ir ao banheiro. - Ele disse me olhando.

Letícia: O Felipe fica. - Ela disse em protesto. - Podem desgrudar um pouco! Eu cuido dele pra você, fica tranquilo. - Completou num tom estranho.

Ele riu e saiu dizendo que não ia demorar.

Letícia: Esse seu primo não te deixa sozinho nem por um minuto?

Felipe: Só na hora do banho. - Brinquei.

Pedro: Que bom. - Ele brincou, mas ninguém riu.

Eu queria ficar sozinho com a Letícia só por um minuto, eu queria conversar com ela sobre uma coisa que estava voltando a me incomodar. Mas eu não podia falar sobre isso com o Pedro e o Carlos ali, de plateia.

Observei o Vinícius voltando, a Letícia acompanhou meu olhar, e depois me olhou de novo, olhei-a nos olhos, e então o Vinícius sentou-se ao meu lado.

Vinícius: Voltei.

Letícia: Fê? - Ela disse pegando o celular do bolso.

Felipe: Oi.

Letícia: Me passa seu número? Pra gente conversar…

Falei meu número para ela, que salvou e disse que me enviava uma mensagem depois, para eu salvar o número dela.

O intervalo acabou logo, e voltamos para a sala. O resto da manhã também passou bem rapidamente, nada de extraordinário aconteceu, nenhum comentário pelos professores, nenhuma conversa interessante, apenas prestamos atenção nas aulas, em silêncio.

Depois da última aula, eu arrumei meu material e esperei o Vinícius terminar de arrumar o dele. Os outros não nos esperaram porque tinham que pegar ônibus, não podiam arriscar perder o horário.

Vinícius: Tem algo te incomodando? Ficou tão quieto depois do intervalo…

Felipe: Não, tá tudo bem… só fiquei quieto, sei lá. Nada de errado.

Vinícius: Então tá. - Ele disse me olhando. - Se tiver algo errado, pode me falar.

Felipe: Não é nada, Vini. Acredita em mim!

Vinícius: Tem razão, eu acredito em você. - Ele sorriu.

Minha tia estava em casa quando chegamos, o almoço estava pronto, ela estava terminando de comer.

Vinícius: Oi, mãe! - Ele disse passando reto pela cozinha e correndo até o banheiro.

Izaura: Oi, queridos. Tudo bem? Como foi a aula?

Felipe: Tudo bem, só o Vinícius que está num relacionamento sério com o banheiro. - Brinquei.

Izaura: Número um ou dois?

Felipe: Não tive coragem de perguntar. - Dei risada.

Izaura: Tudo bem? - Ela perguntou quando ele voltou pra cozinha.

Vinícius: Tudo. Por que?

Minha tia terminou de comer, lavou seu prato e o deixou no escorredor. Eu levei minha mochila ao quarto, e quando voltei, ela se despediu de nós e voltou trabalhar.

Vinícius: Bom, vamos comer?

Felipe: É, vamos!

Meu celular vibrou enquanto comemos. Imaginei que devia ser a Letícia, o Vinícius estava tão empolgado falando sobre algumas coisas da escola, que nem percebeu.

Depois que comemos e deixamos a mesa e a pia organizadas, fomos até o quarto. Eu arrumei minha cama, não dava tempo de arrumar de manhã, e eu não gostava de passar o dia com a cama desarrumada.

Felipe: Que hora você acorda, hein? - Perguntei quando percebi que a cama dele já estava arrumada.

Vinícius: Uns trinta minutos antes que você. - Ele riu. - Tenho tempo de arrumar minha cama e tomar um banho…

Felipe: Caramba. Um dia eu ainda vou acordar primeiro.

Vinícius: Quem sabe. - Ele provocou.

Felipe: Vini?

Vinícius: Oi.

Felipe: É seu pai? - Apontei uma fotografia ao lado do computador. Eu não me lembrava dela ali.

Vinícius: É. Meu pai, minha mãe, e eu…

Na fotografia, o Vinícius ainda era um bebê, a Izaura estava quase a mesma, só o cabelo estava um pouco diferente, ela segurava o filho no colo e o pai dele estava em pé, ao lado dos dois, ele era bem diferente do que eu imaginava.

Vinícius: Você não lembra nada dele?

Felipe: Não, não lembro. Você parece muito com ele.

Vinícius: É, todo mundo fala isso. - Ele sorriu. - Minha mãe achou essa foto guardada durante a faxina de sábado. Eu peguei e coloquei aí.

Felipe: Entendi.

Vinícius: Mas e aí, preparado pra academia?

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-05-04 19:38:35
Maravilho continue assim.