Capítulo 39

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

O Nícolas não veio atrás de mim, ninguém veio atrás de mim, e eu não queria que viessem. Fui andando sozinho, com raiva de mim mesmo, assustado com a frieza do Nícolas, e pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo. O Nícolas foi um pouco insensível com as palavras, mas no fundo eu também vinha me questionando sobre o que eu sentia por ele há um tempo.

Eu não estava totalmente arrependido de ter ido até ali, pois pude ao menos me acertar com meus pais, e ao menos acertei as coisas com o Nícolas também, mesmo que o resultado tenha sido diferente do esperado.

No começo da minha caminhada eu andei apressado, com passos largos e brutos. Mas aos poucos comecei a andar mais devagar, coloquei as mãos nos bolsos da calça e andei olhando mais para a Lua do que para a calçada. Era noite de lua cheia, apesar da cidade ser bem iluminada, ainda dava pra perceber a intensidade do seu brilho.

Cheguei em casa e me dei conta de que eu não tinha a chave, nem mesmo tinha um celular para ligar para meus pais. Tive que tocar o interfone, o que reforçou a minha sensação de não estar em casa. Minha mãe atendeu.

Felipe: Mãe, sou eu, pode abrir o portão pra mim, por favor?

Em poucos segundos ela abriu e apareceu um pouco espantada.

Laura: Quem te trouxe?

Felipe: Eu vim andando! - Falei entrando.

Laura: De noite? Sozinho?

Encarei meu pai na porta da sala, ele pareceu assustado também.

Felipe: Você conseguiu o que queria. - Falei para ele.

Edson: O que aconteceu?

Felipe: Nós terminamos, pode comemorar.

Passei por ele e fui reto até meu quarto.

Edson: Eu queria poder dizer algo… - Ele disse parando na porta do quarto - Mas acho que não existe um pedido de desculpas bom o bastante pra essa situação.

Felipe: Tá tudo bem, pai… Só tô nervoso, pode me deixar um pouco sozinho, por favor?

Ele concordou e fechou a porta do quarto. Eu tirei a roupa e me sentei no chão só de cueca, encostado na cama. Era estranho não ter a cama do Vinícius do outro lado, com ele me tacando um travesseiro por estar “com sintomas de depressão”.

Nem meu pai, nem minha mãe, entraram novamente no quarto para tentar conversar, eu não tinha celular para tentar falar com a Angélica ou com a Bianca… Eu continuava sozinho.

Tomei um banho e vesti apenas uma bermuda, mas não voltei ao quarto, me sentei na varanda de casa e fiquei observando o céu. Não havia nenhuma nuvem, apenas as estrelas e a Lua. Sempre gostei daquela brisa fresca da noite, era relaxante. Vez ou outra passava um carro na rua, eu ouvia o ronco do motor e via a luz do farol nas copas das árvores, mais altas que o muro de casa.

Se algum tempo antes eu me imaginasse naquela situação, provavelmente eu diria que ia chorar, mas eu não tive vontade. No fundo eu concordava com o Nícolas, aquilo tudo foi momentâneo, não foi forte o suficiente pra sobreviver ao que aconteceu. Eu comecei a perceber muito antes de deixar a casa da minha tia, mas por algum motivo eu me recusei a entender isso até a hora que falei com o Nícolas.

No sábado de manhã eu acordei cedo, apesar de ter dormido extremamente tarde na noite anterior, pois demorei pra conseguir dormir.

Levantei e me sentei à mesa com meus pais.

Edson: Caiu da cama, moço?

Tentei dar risada.

Felipe: Acordava cedo até de final de semana lá na tia Izaura.

Edson: Ué, por que?

Felipe: Era um costume deles, e eu acabei pegando…

Olhei a caixa de leite e o copo vazio na minha frente, com certeza o Vinícius já teria me servido se estivesse ali.

Edson: Filho, eu sinto muito pelo Nícolas… Eu tô me sentindo muito culpado…

Fiz que não com a cabeça, na intenção de fazê-lo parar de falar.

Felipe: Pai, eu quero voltar pra casa da tia.

Ele ficou me olhando sem reação, minha mãe pareceu tão assustada quanto ele. Talvez eu tenha dito muito de repente, eu deveria preparar o terreno antes de jogar algo tão complicado.

O interfone tocou quase no mesmo segundo, antes que meu pai pudesse retomar a consciência, minha mãe atendeu e olhou direto pra mim, e então deixou a cozinha para ir abrir o portão. Voltou sem seguida acompanhada da Bianca e da Angélica.

Edson: Hoje é o dia de acordar cedo? - Ele brincou com elas, mas senti uma pequena crítica por terem atrapalhado nossa conversa.

Bianca: Por que sumiu ontem? Achei que ia desaparecer de novo… - Ela perguntou sentando-se à mesa.

Respirei fundo.

Felipe: O Nícolas não contou?

Bianca: Não.

Angélica: O que? Vocês terminaram?

Fiz que sim com a cabeça.

Angélica: Sério?? Por que?

Felipe: Segundo o próprio Nícolas, o que existia entre a gente era algo passageiro, que passou depois desses meses. E também ele ficou um pouco magoado por eu não ligado nem nada nesse tempo.

Angélica: Nossa, ele não falou nada pra gente sobre isso…

Bianca: Falou pra mim…

Encarei-a.

Felipe: Ah é? - perguntei um pouco chateado.

Bianca: Desculpa, mas ele pediu pra guardar segredo… Eu tentei te avisar antes de você entrar ontem, Fê, mas você não entendeu a indireta.

Felipe: Tá tudo bem…

Bianca: Mas e você, como tá o coração?

Olhei um pouco para a mesa, só pra desviar o olhar e sorri.

Felipe: No fundo eu também já não tinha certeza sobre o Nícolas… Depois daquela conversa, não sobrou dúvida nenhuma.

Bianca: Tem alguém lá na outra cidade que meteu o dedinho nessa história?

Pensei no Vinícius, não foi ele que me fez deixar de sentir o que eu sentia pelo Nícolas, mas eu não podia mais negar pra mim mesmo que eu estava começando a criar sentimentos por ele.

Felipe: Não exatamente…

Bianca: Então tem alguém?

Felipe: Podemos conversar no meu quarto?

Bianca: Táá bom…

Saímos da cozinha, meus pais ficaram lá sem entender direito. Eu não queria falar sobre isso perto deles.

Bianca: E aí, o que é tão misterioso?

Felipe: Eu acho que eu vou voltar pra casa da minha tia…

As duas ficaram sem reação.

Angélica: Sério, você vai embora de novo? - ela perguntou triste.

Felipe: Eu não me sinto mais em casa aqui…

Bianca: Sei, as amigas de lá são melhores…

Felipe: Não, besta… Vocês sempre vão ser as melhores amigas que eu posso ter… Mas eu acho que ficou impossível continuar morando aqui agora… Meus pais, Nícolas, o pessoal da escola… Além disso, eu quero voltar pra lá, gosto de lá, entende?

Angélica: E com certeza tem algum gatinho lá que ganhou seu coração.

Dei risada.

Felipe: Um pouco disso é pelo meu primo… Sinto falta dele, e ele… - parei pra pensar se o que eu estava prestes a falar era verdade.

Bianca: Ele o que?

Felipe: Ele deve sentir minha falta também. Ele não queria que eu viesse embora, me disse isso várias vezes… Só me ajudou porque era o que eu queria.

Bianca: Tem um sentimento nascendo aí?

Desviei o olhar.

Felipe: Não quero pensar nisso agora.

Bianca: Mas tem?

Felipe: Talvez! E eu não quero ficar aqui enquanto ele tá lá sozinho, não quero mais ficar igual uma mosca morta aceitando tudo tão fácil, chega de me submeter tão fácil, eu vou atrás do que eu quero, eu quero voltar pra lá, e ponto final.

Bianca: Aawwnnn, nosso Fêzinho cresceu, Angélica! - Elas riram.

Felipe: Besta… - Dei risada.

Angélica: Eu acho que você tá certo, Fê… Você sempre se submeteu à vontade dos outros, principalmente dos seus pais, sempre deixou que pisassem em você… Tô muito feliz vendo que não vai mais ser assim.

Felipe: Obrigado, Angélica… - Parei de falar por um momento - Cara, eu senti tanta saudade. - Falei levantando da cama, onde me sentei logo que entrei no quarto.

Angélica e Bianca: Nós também, Fê!

Nos abraçamos e eu achei que não iam me soltar mais.

Felipe: Eu prometo que eu venho pra cá de vez em quando pra ver vocês! E vocês tentem ir pra lá de vez em quando!

Bianca: Combinado! E eu quero conhecer seu boy!

Felipe: Ele não é meu boy! - Dei risada.

Bianca: Ué, eu não citei nomes! Você que associou! Seu subconsciente tá bombando de amor pelo seu primo. - Ela riu.

Não respondi! Soltamos aquele abraço e sentamos no chão mesmo para conversar.

Angélica: Então você vai mesmo? É um fato?

Felipe: Bom, eu tava falando sobre isso com meu pai quando vocês chegaram… ele não teve tempo de responder. E ainda nem perguntei pra minha tia se posso voltar… - dei risada - Mas eu vou falar com ela ainda hoje…

Angélica: Pelo menos dessa vez vamos poder nos despedir direito!

Concordei com a cabeça.

Bianca: Você vai pra não voltar, né? - Ela perguntou triste - Disse até que não se sente mais em casa aqui…

Felipe: Pretendo voltar só pra visitar meus pais e vocês. Não pra morar…

Ela acenou com a cabeça.

Bianca: Bom… Vamos embora, Angélica? O rapaz aí tem muitas coisas pra resolver.

Felipe: Não querem ficar mais? Almoçar?

Bianca: Hoje não dá, Fê… Desculpa…

Felipe: Ah, tudo bem… Fica para a próxima!

Acompanhei as duas até o portão.

Angélica: A gente se vê de novo antes de você voltar pra lá?

Felipe: Eu não sei…

Angélica: Ah… então tchau, boa viagem e se cuida! - ela disse me abraçando - Só quero que saiba que estaremos sempre aqui pra quando você precisar!

Felipe: Obrigado, Angélica! Você é demais!

Angélica: Você que é…

E então ela se afastou.

Bianca: É… E esse é o fim dos três mosqueteiros… - Ela tentou sorrir - E tudo começou por causa de um boy.

Felipe: Não fiquem com raiva ou mágoa do Nícolas… Ele pode ser o mosqueteiro que vai ficar no meu lugar. - Tentei brincar.

A Bianca bufou como um boi bravo.

Bianca: Ninguém pode te substituir! - Ela me abraçou com força.

Retribuí seu abraço.

Felipe: Eu amo vocês, muito! Vão ser minhas melhores amigas pra sempre!

Quando finalmente voltei para dentro de casa, parei na porta da cozinha e encarei meus pais. Olhei meu pai nos olhos, eu percebi na hora que ele sabia o que eu ia falar. E então ele acenou com a cabeça.

Edson: O que eu fiz não tem volta, né?

Felipe: Não é isso, pai, por favor. É só que eu não vou me sentir bem aqui agora… Eu me afeiçoei muito à tia Izaura e ao Vinícius…

Edson: Eu espero que um dia você possa me perdoar, meu filho.

Felipe: Eu te perdoo, pai… - Finalmente pude falar com sinceridade - Não vou fazer isso por estar com raiva de vocês… - Falei esfregando os olhos - Me deixem pelo menos terminar os estudos lá com a tia Izaura… Com o Vinícius…

Ele fez que sim com a cabeça, e então esfregou os olhos. Minha mãe, que estava quieta até então, se aproximou e me abraçou com força.

Laura: Eu sinto muito por tudo o que aconteceu, meu amor… Eu queria que tivesse sido diferente!

Felipe: Me desculpa, mãe. - Abracei-a com força. - Eu queria muito ficar aqui com você, você não imagina a falta que você faz! E obrigado por me buscar, obrigado por não desistir de mim! Eu te amo, muito!

Laura: Eu também te amo, filho! Você tá crescendo! E com tudo o que aconteceu… - ela fez uma pausa - eu entendo que queira voltar pra casa da sua tia. Só vem visitar a gente de vez em quando, tá?

Felipe: Vocês podem ir pra lá também de vez em quando? Sempre que puderem!

Laura: É claro! - ela sorriu.

Quando ela me soltou e se afastou, meu pai se aproximou e me abraçou, ele estava chorando pra valer. Eu teria achado exagero, se não fosse toda a tensão sobre a nossa família nos últimos meses.

Edson: Te amo, meu filho.

Edson: Também te amo, pai!

Eu nunca tinha dito ao meu pai que o amava. Também nunca achei que seria capaz de perdoar tudo o que ele me disse, e o que fez… Mas, no final das contas, pude perdoar de coração, e a sensação foi melhor do que qualquer vingança que eu pudesse ter imaginado.

Comentários

Há 3 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-04-21 18:36:43
Amado apesar de tudo esse capítulo foi maravilhoso fiquei emocionada com essa despedida do Fê,o Nicolas foi um tremendo babaca,o Fê tem que ficar mesmo com o Vinícius pois ele sempre esteve do seu lado dando força.😘😘😘😘😘
Por luan silva em 2017-04-21 10:27:25
Confesso que estou super decepcionado com o Nicolas, mas até eu achei estranho o Fê voltando, ele parecia não se encaixar mais ai, talvez seja melhor ele voltar pro Vinicius.
Por Guerra21 em 2017-04-21 09:25:05
A vida nos dá Tanta Rasteira que quando ela não nos sufoca é como se fosse um oásis no deserto, imagino que a casa da Tia Isaura tenha sido um refúgio para o Felipe, ele pode encontrar no Vinicius e na Isaura uma escapatória dentro de seu inferno particular, essa é a vida, amoresbque bem é que vão, o Ncolas é um idiota tudo poderia ser diferente, só bastava ele ter um pouco de sensibilidade, acho que ele pode perder o Felipe pra sempre.