Capítulo 35

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Dei uma risada sem graça, eu deveria me sentir completamente feliz por ouvir aquilo?

Felipe: Tá querendo se livrar de mim logo?

Ele soltou todo o ar de uma vez, não entendi ao certo se estava zombando ou o quê.

Vinícius: Não mesmo… - ele disse me olhando fixamente - Eu só… você… Nícolas… Não sei… - ele se atrapalhou.

Felipe: Não entendi nada.

Vinícius: Você não quer ficar aqui… - ele disse com pouca animação - Mesmo que eu queira que você fique… acho que você não vai viver feliz aqui.

Me senti mal por ele… parecia que eu odiava estar ali com o Vinícius, com a Izaura, o que não era verdade.

Felipe: Você deve achar que eu odeio estar aqui…

Vinícius: E não odeia? Te mandaram pra cá contra sua vontade, pra te separar do seu namorado…

Felipe: Não odeio… - ele deu um leve sorriso quando falei isso - Eu gosto de você, da sua mãe… Viver aqui com vocês é incrível, muitas vezes eu me sinto em casa mesmo! Mas eu tô aqui pelo motivo errado… Tem dia que também me sinto um intruso nessa casa, meu pai me enfiou aqui e eu nem sei se sua mãe me queria aqui… Parece que sempre tô atrapalhando, dando mais gastos, atrapalhando, sujando…

Vinícius: Cala a boca! Nem tenta dizer de novo que você atrapalha, ou que ninguém te quer aqui… Muito menos que é um intruso! Você… não sabe de nada pra afirmar essas coisas!

Felipe: E o que eu preciso saber? É lógico que eu tô atrapalhando, fui trazido de última hora, ninguém me esperava…

Vinícius: Você acha que se eu não quisesse você aqui eu teria te recebido da forma que recebi? Para de ser idiota! Lembra da gente tomando café, eu te servia tudo, levantava pra pegar as coisas pra você, eu fazia tudo pra você!

“E ainda faz”, pensei.

Vinícius: Isso é atitude de quem não te quer aqui? Você nem imagina como eu me senti bem quando cheguei em casa e vi você, e soube que você ia morar aqui com a gente! E agora você me diz que precisa ir embora, e eu concordo fingindo que tá tudo bem pra mim, e isso eu posso aguentar, mas você não se atreva a dizer de novo que você é um estorvo aqui! Como se tudo o que eu faço por você não fosse nada! O que é que esse Nícolas tem que tudo o que eu faço fica tão insignificante pra você???

Minha cabeça ficou à mil. Aquela última pergunta dele foi o toque final pra me desnortear. Abri os olhos e encarei-o, eu não tinha ideia do que falar.

Felipe: Me desculpa… Eu… Minha intenção não é desprezar você, nem suas atitudes…

Vinícius: Tá tudo bem… Desculpa ter sido grosseiro… - Ele disse “coçando” os olhos.

Felipe: Tudo bem… Eu só não sei o que dizer…

Vinícius: Não precisa dizer nada… - Ele disse se levantando da minha cama e deitando na sua própria cama.

Aquele fim de semana passou devagar. O Vinicius se recusava a sair e me deixar em casa, não tínhamos internet e eu não tinha celular, resumindo nossas atividades naquele fim de semana: academia, televisão, e ajudamos a Izaura com a faxina no sábado.

A Suse, instrutora da academia, estava arrancando meu couro. Todos os dias ela pegava no meu pé com relação à minha alimentação, e ficava o tempo todo me observando, qualquer coisa que eu fizesse errado, até mesmo parar pra conversar com o Vinícius, ela já vinha encher o saco. Claro que de uma maneira amigável, descontraída.

Com o passar dos dias, meu corpo já não "travava" mais daquela maneira de antes. Eu estava me acostumando!

Com relação à Izaura, o Vinícius disse que ela estava torcendo pra que as coisas dessem certo, mas ela mesma disse que não podia fazer nada para intervir. Ainda assim, o Vinícius disse que continuaria pegando no pé dela pra que fizesse algo. Pois era inaceitável ela aceitar algo assim.

Vinícius: Percebi que você parou de levantar de madrugada e ficar chorando pela casa.

Felipe: Deve ser porque não tem mais lágrimas... - Brinquei.

Vinícius: Exagerado...

Felipe: Na verdade, estou mais conformado! Apesar da saudade não estar mais cabendo no peito, eu sei que cedo ou tarde eu vou voltar pra lá, reencontrar meus amigos, o Nicolas. Meus pais...

Vinícius: Volta e meia eles ligam pra minha mãe.

Felipe: Eu sei. Ela me contou! Me pediu pra conversar com eles uma hora...

Vinícius: Sério? E o que você disse?

Felipe: Falei que não...

Ele ficou quieto.

Felipe: Se eu sou uma vergonha, é melhor manter distância!

Vinícius: Você nem sabe como estão as coisas lá! Quem sabe falando com eles você consegue convencê-los a acabar com isso!

Felipe: Não vai ser fácil assim. Mesmo que eles estejam morrendo de saudade de mim, ainda não vão ter uma mudança tão radical na forma de pensar.

Vinícius: Mas você acha que eles podem mudar?

Felipe: Se eles se abrissem, se pensassem com mais razão. E se não deixassem o preconceito pensar por eles...

O Vinícius bocejou. Talvez o melhor fosse dormir. Estávamos deitados na minha cama, eu estava deitado normalmente, e ele estava deitado invertido, com travesseiros altos e a cabeça do lado dos meus pés (assim como os seus pés estavam ao lado da minha cabeça).

Felipe: Quer ir dormir?

Vinícius: Que horas são?

Felipe: Deve ser quase uma da manhã!

Vinícius: Tá cedo ainda. Amanhã é sábado...

Felipe: Mas você tá bocejando aí...

Vinícius: Só to tonto por causa do seu chulé...

Felipe: Besta! Você tá tonto porque é tonto mesmo...

Ele riu.

Vinícius: E o que vamos fazer esse fim de semana?

Felipe: A mesma coisa que fizemos nos outros fins de semana... - Dei risada. Mas ele não respondeu, e então eu achei melhor dizer o que eu pensava - Vinícius, sai com seus amigos um pouco! Eu fico aqui com sua mãe! Você não precisa se prender aqui também... Vai dar uma volta!

Vinícius: Não mesmo! Pra começar: eu tenho poucos amigos, e esses poucos amigos quase não saem. E depois: não vou deixar você sozinho aqui. Você não me deixaria!

Fiquei em silêncio, e então ele perguntou de uma maneira engraçada: "Não me deixaria, né?".

Felipe: Não! - Eu ri.

De repente ficamos em silêncio, eu comecei a ficar com sono também. Tentei pensar num assunto pra conversarmos, mas já não pensava em nada. Foi a primeira vez que o Vinícius e eu dormimos na mesma cama. Claro que dormimos um pra cada lado, como expliquei antes. Mas ainda assim, foi estranho acordar no dia seguinte e ver que ele ainda estava deitado ali.

Tomamos um café da manhã reforçado e fomos pra academia! Estávamos fazendo de manhã nos fins de semana. A Suse estava nos segurando duas horas por dia. O Vinícius ainda era aceitável, ele fazia há um bom tempo, mas eu tinha começado há cerca de um mês. Apesar de não entender muito, eu achava pouco tempo pra ela me puxar tanto como estava puxando.

Reclamei com o Vinícius enquanto voltávamos pra casa.

Vinícius: Ela puxa mesmo! - Ele riu - Mas você tem cara de quem pega forma fácil.

Felipe: Você acha?

Vinícius: Ah. Parece que sim. É difícil dizer porque nos vemos todo dia...

Felipe: Ah, nem pensei. Comecei a academia por começar. Nem levei muito a sério.

Vinícius: Mas gostou, né? Eu disse que ia gostar.

Felipe: É, foi legal me olhar no espelho depois de três dias e me achar gostosão... - Dei risada.

Ele riu.

Vinícius: É bem assim!

Felipe: Eu não quero ficar bombadão. Acho ridículo.

Vinícius: Eu também... - Ele deu uma risadinha - Mas é só conversar com a Suse e manter o treino adequado.

Felipe: Uhum...

Passamos andando em frente uma clínica de tatuagens... Tinha boa aparência por fora, eu sempre ficava olhando por alguns instantes as tatuagens no poster deles grudado no vidro do estabelecimento.

Vinícius: Já pensou em fazer uma?

Felipe: Já... Mas vai ficar só em pensamento mesmo... - Dei risada.

Vinícius: Por que?

Felipe: Ah, sei lá. Falta dinheiro e coragem...

Vinícius: Bobagem... - Ele riu.

Felipe: Você já pensou em fazer alguma?

Vinícius: Já! Nem sei o que, mas fazer qualquer coisa pequena...

Felipe: É, eu também, nada grande!

Vinícius: Minha mãe me mataria se eu chegasse com uma caveira na batata da perna.

Dei risada e continuamos andando. O assunto de tatuagens morreu ali.

E conforme o tempo passava, eu pensava mais e mais nas coisas. Nos meus pais, e em tudo o que ainda tinha que ser resolvido entre nós. Havia dias em que eu tinha uma vontade inexplicável de roubar alguns reais da minha tia, pular o muro e ir correndo pegar o ônibus pra minha cidade. E eu me sentia mesmo capaz de fazer isso, eu sentia como se não tivesse mais o que perder, o que não era bem assim, claro. Bastavam alguns minutos me acalmando e eu me convencia novamente de que era melhor esperar e resolver as coisas na hora certa, com calma, quando meus pais e eu estivéssemos prontos para resolver a situação de uma vez por todas.

Em uma das minhas crises de depressão e raiva, eu comecei a pensar em "saídas". Pensei novamente em arrumar dinheiro em algum lugar e pegar o primeiro ônibus pra minha cidade, mas isso seria rebelde demais, eu queria fazer as coisas de uma maneira pacífica com meus pais.

Nesse dia em que eu pensei sobre fugir, não consegui dormir. Eu me virava de um lado pra outro na cama, mas até mesmo o travesseiro parecia me incomodar. Me sentei na cama, olhei o Vinícius dormindo e me lembrei da primeira noite, quando me levantei e vi apenas uma sombra. Eu nem imaginava a pessoa maravilhosa que eu estava pra conhecer.

Apesar de saber que logo o Vinícius viria atrás de mim, eu me levantei e fui pra sala. Liguei a TV sem som e fiquei assistindo desenho que estava passando. Não tive crises de choro, nem pensamentos malucos, mas eu fiquei encarando a televisão como quem estava prestando atenção. E no fundo estava viajando...

Eu tinha um aperto no peito... Já não me lembrava mais do perfume do Nicolas, nem do seu abraço ou do seu beijo... Eu me sentia como se nem da sua voz eu me lembrasse mais.

Enquanto eu estava viajando nesses pensamentos, o Vinicius se sentou no outro sofá.

Vinicius: Fica mais divertido se você puder escutar o que estão falando na TV.

Felipe: Não to assistindo.

Vinicius: Achei que ia te encontrar chorando...

Felipe: Não. Só to sem sono...

Vinicius: Tem algo te incomodando?

Felipe: Não, Vini. É só o mesmo de sempre. Essa situação tá chegando no limite!

Vinicius: Vini? - Ele riu - Nunca me chamou assim.

Felipe: Ah, desculpa...

Vinicius: Não achei ruim... - Ele fez uma pausa - Mas então, por que você não dá um fim nisso?

Felipe: Como assim?

Vinicius: Decide o que você quer, chega nos seus pais e fala que vai ser assim. E você não vai desistir disso. Ou então faz o que eles querem e passa o resto da vida lamentando do jeito que você lamenta hoje!

Felipe: Meus pais não vão aceitar! Se eu forçar as coisas assim, eles vão me por pra fora de casa, no mínimo!

Vinicius: Felipe, para pra analisar! - Ele disse como se eu fosse um idiota.

Felipe: O que? - Perguntei pra confirmar que eu era.

Vinicius: Eles já te botaram pra fora de casa! Você não vê?

Meu estômago revirou.

Vinicius: Eles te mandaram pra cá e até agora não trocaram uma palavra com você! Se você não chegar e conversar, eles também não vão fazer isso!

Izaura: Vinicius! - Ela chamou da porta da sala. Provavelmente tinha acordado com nossa conversa, ouviu sobre o que estávamos falando e resolveu interferir.

Vinicius: O que, mãe? Vai falar que é mentira? Você mesma disse que não sabe o que vai ser deles!

Izaura: Nós não podemos interferir...

Vinicius: Como não? Eles mandaram o próprio filho embora, e nós vamos aceitar assim? Segurar ele aqui? Continuar mantendo ele trancado em casa até quando? Isso não tá certo! A gente precisa fazer alguma coisa!

Ela respirou fundo e me encarou.

Izaura: Fê, quem decide é você! São seus pais, é o seu namorado, sua vida. Seja qual for a sua decisão, eu vou te apoiar. Eu só não vou tomar uma iniciativa no seu lugar. - Ela fez uma pausa - E se seus pais te expulsarem de vez, saiba que você pode morar com a gente, de uns tempos pra cá você deixou de ser meu sobrinho e passou a ser meu filho.

O Vinícius olhou pra mim sorridente. Eu não sabia o que dizer...

Felipe: Obrigado, tia… Eu gosto muito mesmo de vocês!

Ela sorriu e disse: "agora vamos pra cama, os dois!".

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Felipe: Não devíamos estar fazendo isso... - sussurrei pra ele.

Vinícius: Relaxa... - Ele respondeu no mesmo tom de voz.

Era um sábado, completava dois meses e três semanas que eu estava ali. O Vinícius passou quatro dias de conversinha pra me convencer a fazer o que estávamos fazendo. Ele disse que nós dois faríamos juntos.

Felipe: Sua mãe vai nos matar quando souber que fizemos isso!

Vinícius: Não vai. Ela vai falar que nós vamos aprender quando enfrentarmos as consequências disso.

Eu fui o primeiro, quando o rapaz me chamou, eu quase saí correndo! Estava nervoso, sabia que aquilo não me traria nada de bom, mas o Vinícius queria de todo o jeito, e no fundo, eu achava legal também, mas não sabia se ficaria legal em mim!

Era um homem gordo, com pouco cabelo e os braços tatuados, ele tinha um crachá de identificação onde estava escrito "Valdemar".

Valdemar: Vai ser essa? - Ele disse me mostrando um esboço.

Felipe: Acho que sim... - Confirmei.

Valdemar: Tá nervoso? - Ele riu.

Felipe: Um pouco...

Estávamos a sós na sala, além do Vinícius, que observava sentado num canto.

Valdemar: Tá com medo dos pais?

Felipe: Não só dos pais...

Valdemar: É normal. Quase todos tem esse medo quando fazem a primeira tatuagem. - Ele disse preparando suas coisas - Tira a camisa pra eu começar.

Quando começou, eu estava nervoso demais, eu esperava uma dor insuportável, mas não era bem assim...

Valdemar: Agora não tem volta. - Ele riu depois de começar - E não é tudo o que dizem, viu? Ainda mais uma pequena como a sua...

Felipe: Você fala de que?

Valdemar: Muitas pessoas falam que uma tatuagem é o fim do mundo. Muitas empresas não te contratam por isso e tal... Mas não é bem assim, não.

Vinicius: E se nenhuma empresa aceitar, você pode ser tatuador.

Fiquei com medo da reação do Valdemar, mas pelo o que eu entendi, ele e o Vinicius já se conheciam e tinham uma certa liberdade pra brincar assim.

Valdemar: Exatamente! - Ele disse rindo alto - O Vinicius vai ser!

Vinicius: Não, vou ser engenheiro civil...

Valdemar: Isso aí. E por acaso alguém não vai confiar nos seus projetos só porque você tem uma tatuagem?

Vinicius: Não tem nada a ver...

Valdemar: Pois é. Lógico que empresas mais tradicionais e chatas embaçam mesmo com tatuagem. Mas hoje em dia já não tá bem assim...

Ele ficou um tempo em silêncio, depois disse brincando: "quem gosta de tatuagens são as menininhas".

Dei uma risadinha, mas não comentei nada, o Vinicius nem "risadinha" deu, ficou em silêncio total, apenas observando. As vezes eu olhava pra ele, e ele parecia estar altamente concentrado nos observando. Não sei se estava concentrado no Valdemar fazendo a tatuagem no meu braço, ou se estava olhando pro infinito e pensando em algo longe dali.

Depois de terminar a minha, ele passou uma pomada e cobriu o local... Depois me passou os cuidados que eu precisaria tomar nos próximos dias… Comecei a pensar na briga adicional que aconteceria por causa da tatuagem.

A do Vinícius era no ombro, eu não achei a dele muito bonita, mas disse pra ele que era, pois ele pareceu apaixonado por aquela. Era pequena, e tinha menos detalhes, fora que não dava uma volta no braço dele, então acabou sendo mais rápida que a minha.

Vinícius: Ficou massa a sua! - Ele disse quando estávamos voltando pra casa.

Felipe: Massa vai ser a discussão que essa tatuagem vai causar...

Ele riu.

Vinícius: Na verdade a minha mãe sabia que eu ia fazer uma. Ela só não sabia que seria hoje...

Felipe: E ela aprovava?

Vinícius: Ela não gostou da ideia... Mas disse exatamente aquilo que eu falei que ela diria. Que eu vou enfrentar as consequências no futuro.

Dei risada.

Felipe: Meus pais vão odiar...

Vinícius: Agora já foi! - Ele riu - E uma cirurgia pra remover é mais dolorosa e cara!

Felipe: Quanto ficou a tatuagem?

Vinícius: Nada, já falei que é presente...

Felipe: Quanto ficou, Vinícius?

Vinícius: É presente! - Ele riu - Relaxa, não ficou cara! Você escolheu uma simples...

Ergui a manga da blusa e encarei aquela coisa, eu estava empolgado, sempre tive vontade de fazer uma tatuagem, mas depois de fazer, fiquei apavorado.

Comentários

Há 5 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-04-16 11:46:10
Muito bom ansiosa por mais.😍😍😍😍😘😘😘😘😘
Por Guerra21 em 2017-04-13 11:35:36
Rola ou enrola? Esses dois estão saidinhos, o Vinicius é um lorde.
Por Ped🎶 em 2017-04-13 10:49:04
😍
Por luan silva em 2017-04-13 08:55:59
Muito amorzinho o Vinicius e a Izaura ❤️
Por edward em 2017-04-13 07:53:23
Kkkkkkk porque apavorado?