Capítulo 34

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

A semana passou voando! A cada dia que passava, eu sentia mais saudade do Nicolas. E também tinha mais certeza de que eu não o veria novamente tão cedo. Os dias eram todos uns iguais aos outros. Escola, casa, academia... Eu estava inteiro dolorido, braços, pernas, até a unha do dedão do pé parecia doer.

Durante o dia, os fios do telefone continuavam desaparecendo, e reaparecendo apenas no fim da tarde depois que chegávamos da academia, quando a Izaura já estava em casa há quase uma hora.

Na sexta feira da primeira semana, eu acordei um pouco mais animado. Afinal, era sexta! O Vinícius me acordou, como fez em todos os outros dias. Mas ele parecia um pouco desanimado. Ele estava sentado na beirada da minha cama quando abri os olhos, já estava de uniforme e vestia uma meia no pé.

Felipe: Que horas são? - perguntei assustado, imaginando que já estava atrasado.

Vinícius: Calma... São seis horas!

Felipe: Ah, achei que tava atrasado...

Vinícius: Confia em mim, não vou deixar você se atrasar... - Ele sorriu - Eu que acordei mais cedo que o normal.

Ele se levantou depois que terminou de por as meias e calçar o tênis. E então eu me sentei na cama por um instante, esfreguei os olhos, me espreguicei e depois fui tomar banho.

Na última aula, o pessoal começou a chamar o Vinícius pra sair de noite, comer pizza ou ir ao cinema. Me senti mal, eu não poderia acompanhá-lo, e ainda precisava de uma boa desculpa pra ficar trancado em casa ao invés de sair com eles. Depois de um tempo, eu ainda não tinha demonstrado vontade de sair, e o Vinícius me surpreendeu.

Vinícius: Desculpa, pessoal. É que os pais do Felipe virão em casa hoje de noite. Não podemos sair com vocês!

Foi pior ainda. Saber de repente que meus pais fariam uma visita era pior do que ter que inventar uma desculpa maluca pra não sair com o Vinícius de noite. Não falei nada, apenas concordei com o que ele tinha dito, e me desculpei pelo inconveniente. Claro que todos entenderam e não criticaram. Disseram que podíamos deixar pra outro dia, sem problemas!

Não falei sobre isso com o Vinícius a tarde. Nós almoçamos com minha tia, e ela também não mencionou nada sobre a visita dos meus pais. Eu estava começando a ficar com medo do que vinha por aí. Por que ela não me contou?

O Vinícius e eu arrumamos o nosso quarto na parte da tarde. Trocamos os lençóis, fronhas, limpamos em cima das mesas, com pano e até mesmo limpamos o chão. Segundo o Vinícius, ele fazia isso toda sexta feira no quarto, mas geralmente ele demorava muito mais tempo pra fazer sozinho e naquele dia, juntos, até que terminamos cedo. Ainda arrisquei brincar, dizer que nós rimos e bagunçamos mais do que organizamos alguma coisa. Ele concordou.

Quando terminamos, levamos as roupas sujas à lavanderia! Os fundos da casa me lembravam muito a casa do Nicolas, só não tinha piscina. Viajei por um momento, eu estava vendo o Nicolas em tudo! De repente, tudo se parecia com ele, com a casa dele ou com o que era dele. Apesar de passar o dia rindo e fazendo palhaçada com o Vinícius, eu já havia perdido as contas de quanto tempo passei chorando na cozinha de madrugada.

Aquela mágoa, angústia. O que mais me machucava era lembrar da discussão com meu pai! Todas as coisas ruins que ele me disse, a maneira como ele me ofendeu e disse que eu era uma vergonha. Isso tudo, além daquele aperto no peito, aquela tristeza, também conhecida como “saudade”.

Vinícius: Vai escovar os dentes?

Felipe: Vou... - Falei meio distraído.

Ele estava terminando de escovar os dentes. E espirrou um pouco de água em mim com a mão.

Vinícius: Depressão não!

Felipe: Não tô... - Falei com a mesma distração de antes, eu estava me corroendo por dentro.

Vinícius: Tá sim... - Ele jogou mais um pouco de água.

Felipe: Para, Nicolas! - Falei com pouca paciência.

Ele me encarou sério. Deu um sorrisinho no final, e fechou a torneira. Se virando pra ficar de frente pra mim, depois disso.

Vinícius: Meu nome é Vinícius.

Me dei conta do que tinha feito. Pensei numa desculpa pra dar, o que eu podia dizer? Quem era Nicolas e por que esse nome saiu da minha boca tão de repente? Seria mais uma mentira? Me senti um montinho de nada! O que eu estava fazendo? Não estava mais mentindo só pro Vinícius, estava começando a mentir pra mim mesmo!

Não me segurei, meus olhos encheram de lágrimas, tantas lágrimas que minha visão se embaçou. Fechei meus olhos e deixei as lágrimas caírem.

Senti duas mãos nos meus ombros, abri os olhos no mesmo momento, era o Vinicius, claro, ele me olhou nos olhos e me abraçou. Foi então que eu caí num choro do qual eu achei que não sairia mais. Ele ficou um bom tempo apenas abraçado comigo, sem falar nada! Agradeci muito por isso!

Felipe: Desculpa.

Vinicius: O que tá acontecendo, Fe?

Felipe: Nada, eu to bem... - Insisti, como um idiota tentando tapar o sol com a peneira.

Aos poucos ele me tirou do banheiro e me levou pro quarto. Me sentei na minha cama e ele fechou a porta.

Vinicius: Nada? - Ele perguntou indignado - E ainda fala que tá bem?

Eu não parava de enxugar os olhos.

Vinicius: Pára de segurar o choro! Deixa sair! Mas me conta o que tá acontecendo, pelo amor de Deus!

Encarei-o, ele parecia triste também.

Vinicius: Me diz porque não posso te tirar de casa? Me diz porque minha mãe desliga os telefones e a internet quando ela sai pra trabalhar? Me diz por que você levanta quase todas as noites e fica na cozinha chorando? - Ele fez uma pausa, eu olhei pra ele assustado, ele tinha percebido isso? - Me diz por que seus pais não ligaram nem mesmo uma única vez pra falar com você? Me diz por que você veio pra cá? Sem mais mentiras! Isso tá me corroendo por dentro!

Me deitei na cama, e o Vinícius se sentou próximo aos meus pés.

Vinicius: Me conta, Fe. Sabe que pode confiar em mim!

Felipe: Eu sou gay... - Comecei.

A expressão dele foi difícil de entender, ou melhor, impossível de entender.

Felipe: E esse ano pareceu chegar pra me testar. - Tentei brincar, mas eu mesmo não tive vontade de rir - No começo do ano eu conheci um garoto chamado Túlio. E tipo, talvez eu tenha dado muito na cara que eu tava a fim dele, e ele deixou que eu me aproximasse. Até que chegou um dia que ele me beijou. E tipo, eu fiquei empolgado. Marcamos de sair num sábado! Eu era tão idiota… acho que os dois tinham só a intenção de transar, não tinha relacionamento, não tinha afeto, nem nada…

Parei só pra analisar a expressão do Vinicius.

Felipe: E no sábado, quando nos encontramos... - Respirei fundo - Bom, antes disso, eu conheci quase ao mesmo tempo um garoto na escola.

Vinicius: Que é o tal Nicolas?

Felipe: Isso. Ele era muito fofo! E na sexta nós passamos o dia inteiro juntos! Até de noite! E nasceu um sentimento disso. Entende? Um sentimento de verdade, diferente do que era com Túlio, e eu não esperava por isso. Aí, no sábado quando me encontrei com o Túlio, não demorou muito pra ele começar a me beijar, e tentar tirar a roupa… mas eu resisti. Pra mim aquilo não parecia mais certo, e eu pensava no Nicolas...

Vinicius: Entendo...

Felipe: Mas quando ele viu que eu estava resistindo, tentando me livrar dele. Bom... - Parei de falar.

Vinicius: O que?

Felipe: Ele tentou me forçar a fazer...

O Vinicius pareceu se assustar um pouco.

Vinicius: Mas e aí?

Felipe: Com um pouco de esforço eu me livrei dele. E fui saindo de lá.

Vinicius: Onde vocês estavam?

Felipe: Na casa dele...

Vinicius: Caramba, hein. Seu doido!

Felipe: Mas ele acabou me deixando sair. Não sei o que ele viu, ou pensou...

Vinicius: Você teve sorte. Ele podia ter... enfim, você sabe!

Felipe: Mas o que importa é que meus pais viram uma mensagem antiga dele no meu celular. E tipo, fizeram uma guerra. Falaram um monte de coisas, me ofenderam, disseram que eu era um monte de coisas, como se nem me conhecessem pra saber que eu não sou assim...

Vinicius: O preconceito venceu...

Felipe: Infelizmente. E eles me obrigaram a arrumar uma namorada, me deixaram sem internet, sem celular. Me confinaram em casa. Só podia sair pra ir pra escola. - Fiz uma pausa pra pensar - No fim, uma amiga minha teve a maravilhosa ideia de fingirmos um namoro entre nós dois. Assim eu não precisava arrumar uma namorada de verdade e depois terminar com ela...

Vinicius: Entendi, pra não magoar ninguém...

Felipe: Exato. Só que um dia... num aniversário... brincando de verdade ou desafio, me perguntaram se era verdade que eu estava namorando a Angélica só pra disfarçar que eu era gay. E depois me desafiaram a beija-la...

Vinicius: Caramba. Pegaram no seu pé...

Felipe: É. Nós nos beijamos! E a Angélica sumiu de lá, se enfiou no banheiro e começou a chorar. Não consegui falar com ela, me tiraram de perto, e eu só falei com ela no outro dia. Tipo, ela tinha sentimentos por mim, e estava com medo de ficar sem mim… Eu não sei… Foi muito emocional…

Vinícius: Aff.

Felipe: Tentei dialogar, mas ela disse algumas coisas ofensivas e preconceituosas. Acabei deixando ela sozinha, e não conversamos mais até hoje. Ou melhor, não conversamos mais.

Vinicius: E o Nicolas?

Felipe: Ficamos juntos. Ele se declarou pra mim e nós começamos a namorar. Mas meus pais descobriram de novo, não sei como descobriram dessa vez. E então me mandaram pra cá de repente! Não avisei ninguém, não deixei bilhete e nem recado. Eu simplesmente sumi de lá, e estou ilhado aqui...

Vinicius: Talvez a Angélica tenha contado tudo, pra evitar que vocês fiquem juntos?

Felipe: Não! Ela pode ter dito muita coisa ruim, só que ela não faria uma coisa assim!

Vinicius: Talvez tenham visto mensagem no celular de novo?

Felipe: Não. Porque eu passei o sábado inteiro com o Nicolas, meu celular estava comigo! E quando eu cheguei em casa, minhas malas já estavam feitas, e meu pai já caiu em cima!

Vinicius: No sábado? Então no mesmo dia te trouxeram pra cá?

Felipe: Foi.

Vinicius: Foi de última hora… Por isso minha mãe só me contou de você quando eu cheguei de noite!

Felipe: Por isso mesmo! E quando você chegou, eu estava acordado, só que não queria saber do mundo!

Vinícius: Ah, e com razão. Depois da briga que você deve ter tido com seus pais...

Felipe: Dessa vez eu discuti, questionei e argumentei. Da outra vez eu aceitei tudo sem abrir a boca pra nada.

Vinícius: Você tá louco. Tem que argumentar, se defender, não pode se submeter assim, nem contra seus pais.

Felipe: É, mas não resolveu muito... - Falei chateado.

Vinícius: Sua mãe também é contra?

Felipe: Na primeira vez ela demonstrou ser! Mas dessa vez, ela pareceu triste, não falou nada, e meu pai me disse que não adiantava buscar socorro nela.

Vinícius: Talvez ela tenha repensado nas coisas.

Felipe: Talvez! Mas ainda assim ela não ficou do meu lado, ela só fez a vontade do meu pai! Outra vez!

Vinícius: Por que "outra vez"?

Felipe: Porque ela é assim! A vontade do meu pai é absoluta. Ela não contraria, ela não questiona, ela não pensa!

Vinícius: Assim fica complicado...

Felipe: Ela diz que é parte do casamento...

Vinícius: Uma ova! - Ele disse revoltado - Um relacionamento tem que ser igualitário, a vontade de um não é mais importante que a do outro!

Felipe: Fala isso pra minha mãe... - Falei olhando pra parede.

Vinícius: E por que minha mãe e você esconderam tudo isso de mim?

Felipe: Sua mãe disse que não contaria, deixaria que eu decidisse quando contar. E no começo, eu estava um pouco desconfortável com você...

Vinícius: É, eu percebia. Mesmo fazendo de tudo pra ganhar sua confiança e amizade.

Felipe: Enfim... - Interrompi o momento "melô" - É por isso que eu tô aqui!

Vinícius: Se arrepende de algo?

Felipe: Não!

Vinícius: De nada, nada?

Felipe: Me arrependo de não ter aproveitado melhor o tempo que fiquei com o Nicolas. Me arrependo principalmente de ter aceito tudo de cabeça baixa…

Vinícius: Ele nem imagina o que aconteceu?

Felipe: Bom… - respirei fundo - ele sabe porque na segunda feira de manhã eu pulei o muro e fui até a praça… Liguei pra ele do orelhão e nós pudemos conversar…

Vinícius: Pulou o muro??? - Ele pareceu achar engraçado - Esse Nícolas tem sorte… - Ele disse me olhando nos olhos - Mas você deveria ter me contado, eu teria te ajudado a falar com ele mais fácil…

Felipe: Eu não quero que sua mãe saiba que eu falei com ele, tá?

Vinícius: Nossa, cara. Minha mãe é contra?

Felipe: Homossexuais? Segundo o que ela diz, não. Mas ela não quer desafiar meu pai...

Vinicius: Quer dizer que ela vai manter as regras do castigo?

Fiz que sim com a cabeça.

Vinicius: Isso é ridículo, cara...

Quanto mais eu prestava atenção nas reações dele, mais eu ficava em dúvida a respeito de ele ser ou não ser gay.

Felipe: Infelizmente...

Vinícius: Eu vou conversar com minha mãe. Tentar convencer ela a conversar com seu pai, tentar argumentar com ele...

Felipe: Pode fazer isso. Eu te agradeço. Só que não vai adiantar... eu já vi que meu pai não vai mudar o que ele tem na cabeça.

Vinicius: Mas vou falar com minha mãe mesmo assim.

Felipe: Ok, então... Pode falar.

Vinicius: Quero te ajudar, cara... Você vai voltar pra casa!

Comentários

Há 5 comentários.

Por edward em 2017-04-12 15:00:39
Muito fofo esse Vinícius
Por Tyler Langdon em 2017-04-12 10:25:57
Eu acho que o Felipe ta muito bem onde está. Ta fora da casa dos pais, vai aprender muito e amadurecer bastante, no dia que voltat a enfrentar o pai vai ser firmeza. Depois que a companhia do vini é boa, não é um romance forçado e nem apressado. Enfim, está ótima a série. Posta outra hoje. Beijos 😘💕
Por Guerra21 em 2017-04-12 01:10:14
"Você vai voltar pra casa" Tristeza?.vontade de se ver livre? Desejo? Felicidade? Não sei ao certo qual a verdadeira intenção do Vini mais ele tem um ar meio desnorteado, imagine se rola um romance entre os dois? Minha nossa senhora dos primos que se pegam! Hahahaha, por enquanto o Vini é um aliado, quero ver quando ele começar a sentir ciúme e fazer com quê o Felipe se afaste do Nicolas. Até o proximo capítulo.
Por luan silva em 2017-04-11 23:13:08
Não agüento mais ver o Felipe nessa situação 😢 muito triste, espero q tudo se resolva logo.
Por Elizalva.c.s em 2017-04-11 22:48:44
Muito bom,amado tenho muita pena do Felipe,com pais assim ele nunca vai precisar de inimigos.😍😍😍😍😘😘😘