Capítulo 29

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Naquele momento eu não tinha mais raiva do mundo, nem dos meus pais, nem de ninguém. A única coisa que eu sentia era tristeza e solidão.

Quem soltou aquele abraço fui eu, quando já não tinha mais de onde tirar lágrima pra chorar, meus cílios pareciam estar grudados, meus olhos estavam inchados!

Izaura: Vamos entrar!

Ela me levou pra dentro, e me sentou na cadeira da cozinha. Eu devia estar pior que um zumbi.

Izaura: Vai lavar o rosto!

Fiz que não com a cabeça.

Ela suspirou.

Izaura: O que você fez?

Felipe: Meu pai não contou?

Izaura: Contou, mas eu conheço seu pai e quero ouvir a sua história. - Ela se sentou na minha frente, empurrando pra mim um copo de água com açúcar que eu nem tinha visto ela preparar.

Felipe: Eu sou homossexual, tia.

Izaura: Certo, é um começo. Continue!

Ela continuava falando num tom doce.

Felipe: Conheci um garoto no começo do ano, e trocamos algumas mensagens. - Falei me referindo ao Túlio - Meus pais descobriram e brigaram comigo, tiraram meu celular. Me obrigaram a arrumar uma namorada.

Izaura: E você arrumou?

Felipe: Arrumei uma de mentira. Uma amiga minha que sabia que eu era gay deu a ideia, e eu aceitei, por não ter outra opção.

Fiz uma pausa, resolvi dar um gole da água, mal não faria!

Izaura: Continue...

Felipe: Bom, nesse outro garoto, eu dei um fora nele, pra falar a verdade! Porque eu comecei a gostar de um colega da minha sala. Aí meus pais descobriram um tempo depois de eu ter dado um fora nele...

Izaura: Mas você já estava namorando esse outro garoto da sua sala?

Felipe: Não. Eu nem sabia se ele era gay ou não...

Izaura: E mesmo sem saber você deu o fora no garoto que você já sabia que era?

Fiz que sim com a cabeça.

Felipe: Um dia, me fizeram beijar a minha namorada pra provar que não era um namoro de mentira. Porque alguém espalhou a conversa de que eu estava namorando só pra esconder que eu era gay. Eu beijei ela, mas então ela saiu de perto, e quando procurei por ela, vi que ela estava chorando no banheiro...

Izaura: Ela estava gostando de verdade de você?

Fiz que sim com a cabeça.

Felipe: Conversamos no dia seguinte, ela disse algumas coisas bem ofensivas, sobre gays só pensarem em sexo e outras coisas. Me senti ofendido, ela foi muito preconceituosa naquele dia, nem parecia ela! E então não nos falamos mais depois disso… Durante esse gelo, o garoto da minha sala se aproximou mais de mim, e acabou se declarando...

Izaura: Sei.

Felipe: Estamos juntos desde então. Mas agora meus pais descobriram, não sei como, e fizeram isso.

Izaura: Brigaram muito com você?

Fiz que sim com a cabeça.

Izaura: Te julgaram como se não te conhecessem de verdade?

Uma lágrima caiu de repente, mais uma vez fiz que sim com a cabeça.

Izaura: Ai, querido. Dê um tempo aos seus pais...

Não respondi, apenas encarei o copo vazio.

Izaura: Eu sei que é difícil, nem sei o que te dizer...

Felipe: Não precisa dizer nada. Meus pais me despacharam, me trouxeram pra cá à força, o Nicolas nem sabe do que tá acontecendo, não pude avisar ele e agora ele está sozinho lá. Não sei o que meus pais vão fazer com relação a ele.

Izaura: Os pais do Nicolas sabem?

Felipe: A mãe dele sim, e ela sempre apoiou nós dois.

Izaura: Então não se preocupe, pois nada de mal vai acontecer com ele. Mães são anjos protetores...

Felipe: Duvido muito... - Falei pensando na minha, que se calou diante daquele absurdo - Mas agora eu nem sei quando vou me encontrar de novo com ele... e ele vai tentar falar comigo, vai me procurar, não vai encontrar, quem sabe o que meus pais vão falar pra ele? E se contarem uma mentira absurda e ele acreditar?

Izaura: Felipe! Se acalma! Se esse garoto gosta mesmo de você, ele não vai acreditar em nenhuma mentira que seu pai contar!

Encarei-a por um instante.

Felipe: Não sou uma decepção pra você?

Izaura: Claro que não, querido...

Fiquei em silêncio.

Izaura: Quer jantar?

Felipe: Já jantei. - Menti.

Izaura: Tem certeza? Não foi o que sua mãe me disse antes de ir...

Felipe: Não quero jantar, tia...

Izaura: Pelo menos come alguma coisa, que seja um pouquinho só!

Ela fez que sim com a cabeça, e eu acenei confirmando. Então ela se levantou e me serviu uma pizza, ou melhor o que sobrou da pizza.

Izaura: Perdão, é que eu ainda não sabia que você viria quando pedi. E como o Vinicius não está em casa, eu pedi só uma.

Fiquei em silêncio, peguei uma fatia da pizza e abocanhei um bom pedaço.

Izaura: Se lembra do Vinicius? Seu primo?

Felipe: Mais ou menos. Faz tempo que não vejo ele. - Falei sem empolgação.

Izaura: Ele está num passeio da escola. Só isso faz ele sair de casa!

Fiquei em silêncio. Agora eu teria um primo chato que não ia sair do meu pé.

Izaura: Eu não vou contar pra ele o verdadeiro motivo de você estar aqui, se você não quiser.

Felipe: Melhor dizer que eu to aqui porque meus pais querem que eu estude numa escola melhor. - A mentira mais clichê do mundo.

Izaura: Ok. Se um dia se sentir seguro pra contar pra ele a verdade, fique a vontade. Só não sei como ele vai reagir.

A última coisa que eu queria era um pirralho chato e preconceituoso me enchendo o saco o dia inteiro. Mas não falei isso pra minha tia.

Acabei comendo dois pedaços de pizza enquanto minha tia apenas me observava. Eu não estava com fome, então foi tudo o que eu comi.

Felipe: Onde posso dormir, tia?

Izaura: Já vai dormir?

Felipe: Vou…- Menti.

Izaura: Bom, você vai ter que dividir o quarto com o Vinícius, tem duas camas, não tenho outro quarto só pra você, querido, desculpa.

Respirei fundo, pensei em dormir no sofá mesmo, mas minha tia não deixaria, sem contar que eu pareceria chato demais por não querer dividir um quarto com o pirralho.

Ela se levantou da mesa e me levou até o quarto. Era um quarto grande, tinha duas camas, uma em cada canto do cômodo, um guarda-roupas grande, uma mesa com um computador e uma mesinha vazia ao lado do computador. As duas camas estavam arrumadas, tão bem arrumadas que era difícil dizer qual era a do Vinícius.

Izaura: A sua é essa aqui! - Ela apontou pra cama perto da janela.

Felipe: Obrigado, tia. Vou buscar as minhas malas na sala...

Izaura: Fica a vontade, querido...

Fui até a sala e peguei minhas coisas, tudo o que eu queria era deitar antes do meu primo chegar, não queria enfrentar mais um problema ainda naquela noite. Levei as malas pro quarto e larguei tudo ao pé da cama, levei um tempo procurando meu pijama no meio de todas as roupas. Troquei de roupa com pressa, fui ao banheiro escovar os dentes e depois procurei minha tia pela casa, encontrei-a no seu quarto, sentada na cama, parecia pensativa.

Ela me olhou quando apareci na porta.

Felipe: Vou deitar...

Izaura: Ok, querido. Eu ainda vou esperar o Vinícius chegar. Ele chega logo logo...

Felipe: Fala pra ele não se importar comigo. Pode acender a luz se precisar...

Izaura: Imagina, que isso! Durma sossegado!

Felipe: Obrigado, tia. Boa noite…

Eu parecia um morto falando.

Izaura: Boa noite, querido.

Encostei a porta do quarto e deitei na cama que seria minha a partir daquele momento... Claro que eu não estava com sono, só queria ficar quieto, na minha. Pensei em tanta coisa em tão pouco tempo! Comecei a imaginar o que eu faria a partir de então. Minha tia não me deixaria usar o telefone, nem a internet. Apesar de ela não ser contra minha homossexualidade, ela não iria contrariar as ordens do meu pai a meu respeito. Isso provavelmente geraria uma boa briga familiar.

E mesmo que eu fugisse dali. Escapasse, que dinheiro eu usaria pra voltar pra minha cidade e procurar o Nicolas?

Depois de tanto tempo pensando e pensando, eu ouvi conversas na sala. Não pude entender tudo porque tive a brilhante ideia de fechar a porta do quarto. Mas consegui entender que a Izaura estava explicando ao Vinícius que eu estava lá, e contando a mentira que combinamos. Eu não consegui entender nada do que ele sussurrava, mas era uma voz grossa. Me virei para a parede, ficando de costas pro resto do quarto, e pouco depois ouvi a porta do quarto se abrindo.

Izaura: Ele já dormiu. É o Felipe, não lembra dele?

Vinicius: Mais ou menos. Filho do tio Edson, né? - Disse uma voz grossa.

Izaura: Isso. Faz tempo que não nos víamos mesmo...

Vinicius: Um bom tempo... - Ele deu uma risadinha.

Izaura: Filho, seja amigo dele. Ele vai precisar de ajuda pra se adaptar direito aqui. Na escola, e até aqui em casa...

Vinicius: Claro, mãe...

Izaura: E como foi a viagem? - Ela perguntou fechando a porta, e ouvi as conversas ficando mais distantes. Deitei de barriga pra cima novamente e olhei pro lado, pra cama do Vinícius. Torcendo pra que ele realmente fosse legal.

Fiquei ali por um bom tempo. E quando ouvi a porta do quarto se abrindo de repente, eu apenas fechei os olhos do jeito que estava. Ouvi os passos do Vinícius, o barulho da sua cama quando ele se sentou nela. Fiquei constrangido, será que ele estava prestando atenção em mim?

O silêncio era tanto, que eu podia ouvir o menor dos barulhos. Desde ele tirando o tênis e colocando-os com cuidado no chão, até se levantando e mexendo no seu guarda roupas. E então ele saiu do quarto fechando a porta ao sair. Abri os olhos e olhei sua cama, não havia nada, apenas a leve marca de onde ele havia sentado. Me virei de costas novamente, provavelmente ele foi tomar banho naquele momento.

Achei que eu já teria pego no sono e dormido antes mesmo dele voltar, mas não. Ainda estava bem acordado quando a porta se abriu novamente e se fechou em seguida. Agora era certeza, ele ia deitar pra dormir. Eu estava ficando um pouco curioso sobre ele, quase não me lembrava da sua aparência, nem me lembrava das poucas vezes que interagi com ele de verdade.

Mas se eu me virasse, ele provavelmente perceberia que eu estava acordado, sem contar que eu corria o risco de ver o pirralho de cueca, ou mesmo pelado, e era a última coisa que eu queria.

Um cheiro de banho tomou conta do quarto, e então ele passou desodorante, e um cheiro fraco, mas ainda perceptível, tomou o lugar. Fiquei mais tranquilo quando ouvi ele deitando, respirando fundo e bocejando. O quarto então ficou em silêncio total! Vez ou outra eu ouvia o Vinícius se mexendo na cama... mas nada além disso. Eu nem mesmo me mexia, estava tão imóvel que talvez já estivesse ficando suspeito.

Perdi a noção do tempo, não sei mais se eram horas ou minutos que estavam se passando! Quando a insônia começou a me incomodar muito, e eu parei de ouvir o Vinícius se mexendo na cama, eu me virei devagar, me levantei e até olhei pra ele, mas estava muito escuro pra enxergar algo. Enfim, sai do quarto bem devagar, pra não acordar meu novo colega de quarto. E me vi num corredor grande e escuro. Peguei a direção da cozinha, sofri um pouco pra achar o interruptor, e quando finalmente acendi a luz, me sentei no mesmo lugar que me sentei pra conversar com minha tia. Abri a caixa de pizza, tinha um último pedaço! Peguei-o e dei uma bela mordida! Estava boa, apesar de estar fria.

Após a última mordida eu voltei a pensar na minha vida, me perguntar o que seria de mim agora. O que seria do Nicolas? Me lembrei do nosso dia juntos, de como eu acordei entusiasmado pra sair passear com ele, passar o dia juntos, conhecer mais o passado dele, o lugar onde ele vivia. E então eu conheci a Sabrina e a Isa, duas garotas um pouco doidas, mas amigas incríveis de se ter. E então estávamos almoçando juntos, eu estava buscando o Mc Flurry do Nicolas, e então ele estava tomando seu sorvete, todo sorridente, cheio de felicidade, como se ali fosse exatamente o lugar em que ele queria estar, e eu fosse a companhia que ele queria ter. Mas então, eu estava chorando de novo! Minhas mãos apertaram uma a outra, minha cabeça inclinada pra frente deixava as lágrimas escorrerem até a ponta do nariz e cair na mesa. Meus olhos estavam fechados com força, minha mente parou na imagem do Nicolas tomando sorvete e sorrindo, e a cada minuto eu chorava mais. Se eu soubesse que meus pais estavam me esperando com as minhas malas feitas, eu teria ido para a casa do Nicolas, pediria ajuda à Célia. Ou, talvez, nem mesmo voltaria pra minha cidade.

Eu não tinha ideia de onde eu ia parar assim, eu apenas estava cansado de precisar fingir ser algo que eu não era apenas para poder me encaixar. Cansei de segurar as lágrimas, e achei melhor deixar elas caírem.

Comentários

Há 4 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-03-26 15:38:01
😢😢😢😢😢😢😢😢
Por luan silva em 2017-03-25 09:32:30
Nossa que triste, já imagino o Nicolas indo procurar o Fê e os pais dele inventarem uma grande mentira e ele vai acreditar e ficar super mau..
Por edward em 2017-03-25 07:22:51
Nossa situação muito difícil pro Felipe ! Acho que agora o correto é ele esfriar a cabeça e tentar falar com Nicolas ! PS : Eu se fosse Felipe jamais olharia na cara do pai depois, jamais
Por Ped🎶 em 2017-03-24 22:38:29
Nossa tou amando a série😍😍😍😍😍😍😍😍😍 Parabéns pelo escritor🎉👏👏