Capítulo 28

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Eu estava sem palavras, que merda estava acontecendo agora?

Meu olhar deixou meu pai e buscou a minha mãe, que estava atrás dele, mas o que eu vi me surpreendeu, minha mãe não estava com aquela expressão brava e irritada que estava da outra vez, ela parecia preocupada, com medo.

Meu pai percebeu que eu estava olhando pra ela, e se colocou na frente.

Edson: Não adianta buscar ajuda da sua mãe! Seu assunto é comigo! - Ele estava bufando de raiva, eu estava travado - Eu quero saber que porra de filho você é? Não basta quase me matar de vergonha uma vez, agora quer tentar de novo? Como espera que eu confie em você se você faz um negócio desses com seu pai?

Ele gritava pra mim, e então comecei a ficar com raiva de mim mesmo, quantas vezes eu tinha dito que enfrentaria meus pais? Que eu tentaria fazer com que eles enxergassem por outro lado? Quantas vezes eu tinha prometido ao Nicolas, nesses últimos dias, que estaríamos juntos pra sempre? E toda aquela conversa com a Sabrina no shopping? Porque eu era tão incapaz de cumprir essa promessa? Porque eu me sentia tão inútil frente a frente com o meu pai? Comecei a sentir tanta raiva de mim mesmo, que eu acabei tirando coragem de algum lugar.

Felipe: Vergonha? - Falei com a voz ainda trêmula - Vergonha você deveria ter se eu estivesse perdido aí pela rua, roubando, usando droga, até matando e estuprando! Agora, você fala que tem vergonha de mim? Pergunta que porra de filho eu sou? Eu sou só um filho que ajuda em casa, estuda, não dá trabalho em nada, não falta com educação com ninguém, não faz mal pra ninguém.

Edson: Só que tudo isso perde o valor perto do que você tá fazendo!!!

Felipe: E o que eu to fazendo? Fala! Tô gostando de outra pessoa do mesmo sexo, noooooossa, que absurdo!

Ele ficou quieto um minuto, minha mãe estava com os olhos lacrimejando atrás dele.

Felipe: Fala o que eu to fazendo de tão errado? To me prostituindo por acaso? To dando pra qualquer um que passa na esquina? Longe disso! Só to procurando ser feliz com alguém igual a mim! Da mesma maneira que você buscava ser feliz com garotas!

Edson: Não é a mesma coisa!!! - Ele falou alto.

Felipe: E o que é diferente? - Já falei com voz bem firme - Ah, já sei o que é diferente! - Falei num tom irônico - No fundo você só chegava nas meninas pra transar! Era tudo o que você pensava, e eu sei que é assim!

Edson: É lógico, isso é natural do homem! E vai dizer que você não pensa em sexo? Essa gente só pensa em sexo!

Quanto mais ele falava, mais nervoso eu ficava! Eu não me mexia, não gesticulava com as mãos, meus braços estavam quietos, as mãos estavam fechadas, como quem queria dar um soco, mas era pura raiva! Se eu as abrisse, seria possível perceber o quanto eu estava tremendo de raiva. A este ponto, eu tinha que respirar muito fundo, e pensar muito antes de falar, pra não perder o controle do que eu estava falando. E isso sem dar tempo do meu pai pensar numa resposta e começar a falar! Porque eu sabia que depois que isso acontecesse, eu não teria mais chance de falar nada!

Felipe: Se você realmente soubesse o que eu penso, se você soubesse o que eu sinto, não estaria fazendo isso! E se só pensar em sexo é o natural do homem, EU NÃO QUERO SER HOMEM! - Falei alto - Eu tô com o Nicolas, não por sexo, mas porque eu realmente gosto dele, quero fazer diferença na vida dele, quero compartilhar uma vida com ele!

Ele ficou quieto, parecia cada vez mais irritado.

Felipe: E só pra cabar com teu argumento ridículo e preconceituoso, tem todo esse tempo que to com ele, a gente ainda nem transou! Porque concordamos que não é o principal! Vai acontecer quando tiver que acontecer, pronto.

Não consegui entender a expressão dele, parecia dúvida, indecisão, misturados com raiva, minha mãe continuava à beira do choro, parada logo atrás do meu pai.

Edson: É porque não é natural! Homem com homem não dá certo! A própria natureza mostra isso, já viu algum animal gay? Eles sabem disso pelo próprio instinto, não precisa pensar pra entender!

Felipe: Você está fazendo isso muito bem. Sabe, essa parte de não pensar.

Eu estava ficando sem argumentos, comecei a entender que não adiantaria argumentar, nada do que eu dissesse faria diferença! Meu pai nunca mudaria sua forma de pensar, mesmo que fosse possível provar “por x+y” que eu "estava certo". Por começar a pensar assim, eu perdi a determinação, já não sabia mais o que estava falando e nem o que eu poderia falar mais, é como se eu estivesse gritando para uma lâmpada dizendo que ela deve acender! Não tinha jeito, e enfim me calei.

E então não poderia ser diferente, ele tomou o fio da meada.

Edson: Esse mundo tá perdido, pra onde você vai, você vê viado com viado, sapatão com sapatão! Tudo falta de vergonha na cara! E você fica por aí andando com más companhias que te influenciam pra ir pra esse lado, porque eu não te criei pra isso, Felipe!

Continuei em silêncio, eu já não conseguia raciocinar o que ele tinha dito e pensar numa resposta, apesar de saber que ele tinha dito um grande absurdo que não fazia sentido. Só tinha uma coisa, ou melhor, uma pessoa, que não saía da minha cabeça, o Nicolas, eu tinha que protegê-lo, eu precisava ficar com ele!

Eu não me importava, naquele momento, com o que eu faria a partir dali, com o que seria de mim, nem pra onde eu iria. Eu só sabia que não iria pra longe do Nicolas, de jeito nenhum. Olhei pra minha mãe e vi a primeira lágrima dela. Meu pai olhou rapidamente pra trás, respirou fundo, olhou de volta pra mim e falou.

Edson: Não tem discussão! Você vai passar um tempo na casa da sua tia!

Felipe: Tem discussão sim!

Edson: Não, não tem! - Ele disse alto - E você vai deixar seu celular comigo! - Ele estendeu a mão pra que eu entregasse meu celular. Fiquei com muita raiva, peguei meu celular do bolso, mas não dei um passo pra me aproximar do meu pai e entregar o celular pra ele, simplesmente joguei o aparelho e meu pai conseguiu pegar se inclinando pra frente, não faria diferença quebrar ou não.

Edson: Sem celular, sem internet! Da casa da sua tia você vai pra escola, e da escola você vai pra casa da sua tia! Vai passar um tempo longe desses amiguinhos pra se lembrar do que você realmente é!

Felipe: E você vai passar um tempo sem seu filho pra lembrar que eu continuo sendo o mesmo que eu era há dois anos atrás quando você se encheu de orgulho por eu ter recebido a medalha de melhor aluno na oitava série! Vai lembrar que eu sou o mesmo que ajudava a dona Isabel, nossa antiga vizinha, porque ela era idosa demais e não podia cuidar do próprio jardim! Espero que você se lembre de cada coisa boa que eu fiz na minha vida, e saiba que eu já era homossexual enquanto fazia aquilo tudo, enquanto te dava orgulho. Só porque sou homossexual não quer dizer que sou uma vergonha, não sou alguém sem caráter. Continuo sendo o mesmo. A única coisa que muda está na sua cabeça! Mas fica esperto, antes que perca seu filho pra sempre.

Mas todo aquele discurso pareceu não valer de nada. Meu pai bufou de raiva.

Edson: Se quiser, vá tomar banho, vou te levar pra lá ainda hoje... - Ele fechou a porta depois disso e me deixou sozinho no quarto. Abri os punhos e olhei pro chão. E de repente a única coisa que eu pensava era: "Por que?".

Comecei a andar de um lado pro outro no quarto, com raiva do mundo! Eu pensava em tudo o que tinha acabado de acontecer, repensava toda a discussão, e quando pensava numa boa resposta, sussurrava essa resposta pra mim mesmo. Parecia estar ficando louco! Porque tinha que ser tão difícil? Agora, que eu finalmente estava com o Nicolas, com um pensamento completamente diferente do que eu tinha com o Túlio, agora que minha vida estava do jeito que eu sempre quis que estivesse, estavam arrancando isso de mim! Cada vez eu ficava com mais e mais raiva, eu não queria chorar, só queria quebrar aquela porta, aquela janela, e ir pra junto do Nicolas, queria pelo menos avisá-lo do que estava acontecendo.

Olhei o computador, meu pai tinha arrancado o roteador e o cabo de energia, não tinha ponto telefônico no meu quarto, meu celular acabara de ser confiscado. Eu simplesmente não via uma saída.

Não sei quanto tempo fiquei naquele ataque que raiva, andando de um canto pro outro do quarto. Mas parei quando meu pai abriu a porta, me olhou friamente e disse: "leva suas malas pro carro. Vou te levar embora".

Como ele podia fazer isso? Me mandar pra longe desse jeito? Sem previsão de retorno? É como se ele não me quisesse por perto, como se estivesse se livrando de mim, jogando nas costas da minha tia. Não falei nada pra ele, apenas agarrei uma mala pela alça e passei por ele sem olhar na sua cara.

Enfiei a mala no porta-malas do carro, busquei as outras duas e soquei de qualquer jeito junto com a outra... Depois bati a tampa do porta-malas com força e me enfiei no banco traseiro do carro, mesmo sem saber se minha mãe também iria.

Edson: Não vai na frente?

Felipe: Não! Assim você já se acostuma a ficar sozinho... - Não sei de que raios veio essa fala. Eu simplesmente soltei, sem pensar duas vezes. Logo ele subiu no carro, e minha mãe subiu junto.

Desde aquele momento eu sabia, eu tinha certeza, de que eu nunca me perdoaria por ter entrado no carro tão facilmente. A cidade da minha tia ficava mais ou menos uns 200 km da nossa, e em nenhuma parte do caminho eu abri a boca pra falar com eles. Tão pouco eles falaram comigo, nem mesmo falaram entre si! Foram quase duas horas de viagem num silêncio total. Eu não olhava pra frente, apenas olhava pela janela, pensando que as coisas não iam acabar assim, não mesmo! Com certeza eu daria um jeito e voltaria atrás do futuro que eu queria pra mim, voltaria pro Nicolas! Acho que eu nunca cheguei tão perto da loucura como naquele dia.

Quando entramos na cidade meu estômago já estava revirando. Ele parecia estar se corroendo. Até que estacionamos em frente a casa da minha tia, fazia tempo que eu não a via. Chamava-se Izaura, irmã mais nova do meu pai, viúva, tinha um filho mais ou menos da minha idade! Normalmente eu me incomodaria de conviver com eles, mas naquele momento eu queria que eles se fodessem. O garoto eu tinha visto duas vezes na vida, e a última já tinha sido há muito tempo. Acho que há uns sete ou oito anos, ou mais! Eu já não tinha certeza se seu nome era Igor ou Vinícius, mas não preciso dizer que não me importava.

Eu fui o primeiro a descer do carro, mas fiquei parado, encarando o muro alto e o portão fechado da casa. Eles com certeza tinham reformado a casa desde a última vez que eu estive lá, pois eu me lembrava de um murinho merreba e um portão de grade aberta.

Meu pai tomou a frente e tocou a campainha. Depois abriu o porta-malas e assoviou pra mim! Encarei-o, que apontou as malas, e eu dei-lhe as costas, não olhei mais até que minha tia abriu o portão.

Sua expressão era confusa, ela estava do mesmo jeito que eu me lembrava, baixa, cabelos crespos, pouco esbranquiçados (apesar de ser mais nova que meu pai), e um pouco gordinha. Ela me olhou, e eu percebi que ela já sabia o que estava acontecendo. Mas seu olhar era diferente!

Izaura: Oi, querido!

Me aproximei dela e abracei-a, por algum motivo senti confiança nela, seu tom de voz era doce, meigo, carinhoso! Ela me abraçou e me beijou o rosto. Tive uma vontade imensa de chorar, mas eu não faria isso na frente do meu pai.

Izaura: Como você cresceu! Meu Deus do céu!

Ela me abraçou forte, achei que não ia aguentar, senti que ia me dissolver em lágrimas. Mas me mantive firme, eu não ia chorar na frente do meu pai!

Izaura: Pegue suas malas, sim?

Talvez ela tenha trocado olhares com meu pai enquanto me abraçou, e entendeu que as coisas estavam realmente ruins. Soltei-a, peguei todas as malas de uma vez e entrei, antes de passar por ela, vi um olhar furioso dela direcionado ao meu pai. Passei pela minha tia e entrei sem dizer nada aos meus pais. Entrei na sala e deixei minhas coisas no chão, próximo ao sofá. Eu não sabia pra onde ir, não sabia se devia voltar pra fora, apesar de não querer mais ver a cara do meu pai naquela noite. Pus o pé pra fora, mas parei quando ouvi minha tia falando fervorosamente! Infelizmente, apesar de ficar em silêncio por um minuto, eu não pude entender o que ela falava, apenas algumas palavras como “vergonha”, “pai”, “aprender”. E enfim, ela acabou entrando, e trancou o portão!

Confesso, me senti absurdamente triste, meus pais foram embora sem fazer questão de se despedirem apropriadamente. E quando minha tia se aproximou, seu olhar parecia ser puro carinho.

Não me segurei quando ela me encarou e disse: "Oh, meu querido. Vai passar! Vai dar tudo certo!".

Quando a primeira lágrima escapou, me senti fraco pra segurar as outras, e caiu a segunda, a terceira, a quarta, até que ficou impossível contar! Minha tia pareceu se emocionar também, chegou bem perto de mim e me abraçou dizendo: "Chora, querido... Faz bem".

Quanto mais carinho ela demonstrava, mais vontade de chorar eu tinha, e mais eu chorava! Confesso que chorei tanto, que cheguei ao ponto de soluçar, meus olhos doíam! Minha tia não me soltou nem por um instante, ela não moveu os braços, apenas me abraçou firme enquanto eu chorei tudo o que tinha segurado até então.

Comentários

Há 2 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-03-26 15:21:46
Muito bom esse capítulo😍😍😍😍😘😘😘😘
Por edward em 2017-03-25 07:14:28
Muito real essa cena cara ! Acontece com muita gente !