Capítulo 23

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Nicolas: Acha que ele vai mesmo mudar? - ele me perguntou quando descemos do ônibus, bem em frente a casa do Nicolas.

Felipe: Não sei, por que?

Nicolas: Ah, sei lá! Ele pareceu arrependido - Você não acredita que as pessoas podem mudar?

Respirei fundo enquanto ele destrancava o portão e acenava com a mão pra que eu entrasse primeiro.

Felipe: Acredito que podem, mas não tão fácil assim. Se ele traiu uma vez, eu acho que nada impede de trair de novo, principalmente se ela perdoar ele, porque dessa vez ele vai estar confiante de que ela vai perdoar novamente se ele errar outra vez.

Nicolas: E você acha que a Bianca vai perdoar?

Felipe: Tenho certeza que não... - Dei risada.

Nicolas: Nossa... - Ele riu.

Felipe: Não consigo imaginar a Bianca perdoando uma coisa dessas!

Nicolas: E se perdoar?

Felipe: Se perdoar eu corro pelado na rua!

Nicolas: Olha, vai ter que cumprir.

Felipe: Na rua acho que não! Mas no quintal de casa...

Nicolas: Aí não tem graça! O muro é alto, ninguém vai ver... - Ele riu.

Felipe: E você quer que os outros vejam? - Fechei um pouco os olhos, forçando uma cara de "desconfiança".

Ele parou, o sorriso deixou seu rosto e deu lugar a um biquinho...

Nicolas: Não, né? Melhor ser no quintal mesmo...

Felipe: Aah sim...

Entramos no quarto dele, deixamos as mochilas sobre a cama, ficamos descalços e voltamos pra cozinha. Sem eu pedir, ele pois uma música pra tocar no celular. A primeira a tocar foi "chasing cars - snow patrol". Eu conhecia a música, viciei nela desde a primeira vez que a escutei, me deixava em órbita as vezes.

Ele ainda mexia entre as músicas quando me aproximei, coloquei o rosto na frente do celular e sussurrei: "ainda não te dei um beijo hoje".

Nicolas: Tá esperando o que? - Ele sorriu.

Beijei sua boca e o abracei, percebi que ele deixou o celular em cima da pia, que estava atrás de mim, e me abraçou.

Nicolas: Preciso te perguntar uma coisa...

Felipe: Pergunte!

Nicolas: Você ouviu a Bianca dizendo que as pessoas da sala estão comentando sobre a gente...

Felipe: Sim...

Nicolas: E eu não me importo, então acabo não disfarçando. Só que se isso for um problema pra você... eu posso... entende?

Felipe: Disfarçar mais na frente dos outros?

Nicolas: Isso...

Felipe: Olha... - Respirei fundo - Não to cometendo nenhum crime, então não vejo motivo pra querer esconder tanto assim, a não ser dos meus pais, por enquanto! Mas também acho desnecessário escancarar e sair mostrando pra todo mundo, ninguém tem nada com isso. Então não vejo problema em continuar exatamente como estamos.

Ele sorriu quando parei de falar.

Nicolas: Você é tão sério! Quem não te conhece bem deve morrer de medo de falar com você...

Dei risada.

Felipe: Como assim?

Nicolas: Tipo, chegar conversando, brincando. E você, com sua seriedade, dar um coice...

Felipe: Um coice? - Perguntei, fazendo ele rir. Ainda estávamos abraçados.

Nicolas: Você entendeu!

Felipe: Ah, não faço de propósito, mas quem me conhece sabe que não sou bem assim.

Nicolas: Primeiro você era todo depressivo, agora é todo sério, com essa cara de mal.

Felipe: E você é todo lindo e chato...

Ele me mostrou a língua e disse: "mas você gosta dessa chatice".

Felipe: Aham, eu amo... - Sorri.

Voltamos a nos beijar, eu não queria soltá-lo, nunca mais! Eu queria segurá-lo perto de mim, protegê-lo, garantir que ninguém fizesse mal a ele. Quando eu parava pra pensar nisso, sentia medo!

Logo nós terminamos o almoço, e sentamos pra comer. Eu estava faminto e o Nicolas não parecia tanto.

Felipe: Na outra cidade você também almoçava sozinho?

Nicolas: Na maioria dos dias. É que lá a minha mãe trabalhava seis dias na semana, e folgava um dia aleatório, e todos os domingos também. Então, uma semana ela folgava segunda, na outra, folgava na terça.

Felipe: Entendi! Mas então você já tinha que cozinhar seu próprio almoço?

Nicolas: Sim, eu tinha. E você? Faz tempo que se vira sozinho no almoço?

Felipe: Faz alguns anos.

Nicolas: Já deu pra pegar as manhas de chefe!

Felipe: Já. Você viu ontem, né? - Brinquei,

Nicolas: Realmente, você fez um bom almoço.

Dei risada, me distrai por um momento, observando seu cabelo, seu sorriso, seu jeito de falar com as mãos quando se empolgava demais. Eu sempre me perdia quando olhava demais seus detalhes. Eu estava perdidamente apaixonado pelo Nicolas.

Tomamos tanta coca cola quanto aguentamos, terminamos de comer e continuamos na mesa bebendo, até que acabamos com a garrafa de 2 litros e meio, sozinhos!

Nicolas: Meu pai fica louco! Ele vive dizendo que preciso beber menos coca cola... mas eu não consigo!

Felipe: Eu também gosto, mas não costumo beber tanto assim de uma vez só.

Nicolas: Eu também não, porque meu pai infarta se eu fizer! - Ele riu.

Dei risada e acenei com a cabeça: “Meu pai também pega no meu pé com Coca Cola! ”.

Depois de um tempo de conversas aleatórias, levantamos juntos e começamos a tirar a mesa, por toda a louça suja na pia. Enfim, deixamos a mesa em ordem em pouco tempo, e depois começamos a lavar a louça.

Nicolas: Quem lava e quem guarda?

Felipe: Não sei onde guarda as coisas, então eu lavo...

Nicolas: Só porque eu gosto de lavar... - Ele disse brincando.

Felipe: Awn, tadinho... - Dei risada.

Me dei conta de que o celular dele ainda estava tocando música, minha atenção se prendia tanto ao Nicolas, que algumas outras coisas passavam despercebidas.

Felipe: Posso fazer uma pergunta agora?

Nicolas: Claro...

Felipe: Como acha que seus pais reagiriam? Se você contasse que é gay...

Ele ficou sério, pensou por um momento.

Nicolas: Bom, não sei como meu pai reagiria. Ele é bem misterioso, nunca expressou o que pensa a respeito.

Felipe: E sua mãe? - Insisti.

Ele sorriu.

Nicolas: Minha mãe já sabe...

Felipe: Que? - Perguntei assustado - Por que não me disse antes?

Nicolas: Aah, não quis despejar tudo em cima de você de uma vez. E calma, faz pouco tempo que descobrimos um sobre o outro, ainda nem tinha pensado em te contar isso! - Ele explicou com muita calma.

Felipe: Tá bom, tá bom... - Eu ri - Mas agora me conta mais sobre isso...

Nicolas: Eu contei pra ela em uma época que fiquei encucado por gostar de garotos, e não de garotas. Faz um tempo! Eu decidi contar pra ela, falei que eu não sabia o que fazer, nem o que pensar a respeito. Sabe, meus amigos ficavam falando de mulheres, mas eu não enxergava as mulheres do jeito que eles falavam!

Felipe: E o que ela disse?

Nicolas: Bom, ela disse que é normal. - Ele sorriu - Disse que as vezes acontece isso de alguém desenvolver interesse por pessoas do mesmo sexo. Ela disse que eu não precisava ter medo ou dúvida, só devia ter a vida que me fizesse feliz. Fosse ao lado de uma mulher ou de um homem. Ouvir a minha própria mãe me dizer aquilo me confortou muito. E eu consegui me entender e me aceitar aos poucos.

Pensei por alguns segundos no que ele acabara de contar.

Felipe: Nossa... que inveja de você! - Dei uma risadinha.

Nicolas: Não fica assim, Fê. Seus pais vão entender, uma hora ou outra...

Felipe: Seria bom. Mas então, sua mãe sabe algo sobre mim?

Nicolas: Não. Ela sabe que sou gay, mas eu sempre tive vergonha de contar pra ela sobre os garotos pelos quais eu me interessava.

Felipe: Como acha que ela reagiria se soubesse de nós dois?

Nicolas: Bom, provavelmente ela faria um discurso sobre a nossa felicidade. E depois te daria um abraço...

Felipe: Me daria um abraço?

Nicolas: É, minha mãe é carinhosa demais...

Felipe: Acha que ela aceitaria assim, de boa?

Nicolas: Acho... - Ele sorriu.

Felipe: Nossa... - Falei sério.

Nicolas: Por que? Você quer contar pra ela?

Bom, por dentro eu queria! Talvez o fato dos meus pais não me aceitarem, e toda aquela atitude negativa deles, tenha me feito criar uma necessidade de ter alguém, algum adulto próximo que soubesse de nós e apenas nos aceitasse! Mas a decisão de contar pra Célia não era minha, afinal, ela era a mãe do Nicolas!

Felipe: Não, não! Essa decisão não é minha...

Nicolas: Se eu quisesse contar, você me apoiaria? Contaria comigo? - Ele perguntou me olhando nos olhos.

Felipe: Sim, eu apoiaria... - Confessei.

Ele sorriu.

Nicolas: Que bom saber...

Felipe: Pode sempre contar comigo, bobo... - Molhei a mão e esfreguei no rosto dele.

Nicolas: Isso não vai ficar assim! - Ele disse colocando a mão sob a torneira, mas eu fui mais rápido e fechei a torneira antes que ele pudesse molhar a mão - Não! Abre!

Dei risada, minhas mãos ainda estavam molhadas, uma segurava a torneira, pra ele não conseguir abrir tão fácil, ele insistia em tentar tirar minha mão dali enquanto eu, com a outra mão, molhava mais o seu rosto. Mas ele começou a dar risada, e não conseguiu fazer força pra tirar minha mão da torneira. Acabou desistindo, parou do jeito que estava, seu rosto estava bem próximo do meu, nos entreolhamos, e ele disse: "você é muito chato".

Dei um selinho nele, logo depois de ter dito isso, ele sorriu e eu dei outro selinho.

Nicolas: Sai, to bravo com você...

Dei outro beijo, e ele riu! Mas depois soltou minha mão e se afastou.

Nicolas: Ainda tem louça... - Ele disse num tom manhoso.

Felipe: Então tá. Vou voltar a lavar a louça...

Nicolas: Rum. Bom mesmo! - Ele disse empinando o nariz.

Felipe: Manhoso...

Nessa hora eu assustei, porque ouvi o portão abrindo. Olhei assustado pro Nicolas.

Nicolas: Não fui informado de nada... - Ele riu.

Felipe: Quem é?

Ele não respondeu, a porta da sala se abriu e os passos podiam ser ouvidos da cozinha. Eram saltos batendo forte no chão: era a Célia.

Célia: Nossa, que surpresa! - Ela sorriu quando entrou na cozinha.

Fiquei um pouco envergonhado. Ela deu um beijo no Nicolas, e achei que fosse apenas me cumprimentar, mas chegou perto e beijou meu rosto também.

Célia: Tudo bem, querido? Quanto tempo...

Felipe: Tudo bem, Célia, e com você?

Célia: Estou bem! Ótima!

Nicolas: Por que já veio pra casa, mãe?

Ela deu uma risadinha.

Célia: Eu te disse que o escritório tá em reforma, não disse? Aquilo está um caos! Dispensaram alguns funcionários que não tinham condições de trabalhar por causa da reforma, e eu fui sorteada!.

Nicolas: Que sorte, hein!

Célia: Viu só? Achei que iam me segurar lá, mas eu preciso do meu computador e dos arquivos nos meus armários, que estão todos cobertos com lonas, e alguns armários ainda foram arrastados e amontoados todos num canto, nem sei qual é o meu. Aí meu chefe deixou eu vir embora.

Nicolas: Quero ter um chefe desse quando eu trabalhar.

Célia: Estuda, estuda mais e mais, que aí você será o chefe... - Ela riu.

Nicolas: Eu te falei... - Ele me cutucou.

Célia: Falou o que, hein? Estavam falando de mim? - Ela disse brava, mas ainda deixando claro que era uma brincadeira.

Nicolas: Nada, não! - Ele riu.

Célia: Almoçaram aqui?

Nicolas: Sim...

Célia: Ele te deu prejuízo ontem, Felipe? Deve ter acabado com a coca cola da sua casa.

O Nicolas e eu nos entreolhamos e começamos a rir, mal sabia ela que eu também tinha acabado com a coca cola deles.

Felipe: Não! Ele se comportou bem... - Falei depois que consegui parar de rir.

Célia: O que vocês estão aprontando, hein? - Ela disse bem atrás de nós - Estão risonhos demais...

Nicolas: Nada, mãe... - Ele disse parando de rir.

Célia: Seei... - Ela sorriu - Vou me trocar, não aguento mais esse sapato. E larguem essa louça, eu lavo!

Nos entreolhamos quando ela saiu, ele piscou pra mim e eu sussurrei: "Você sabia que ela viria embora!".

Nicolas: Não sabia, não! Juro!

Felipe: Ahaam...

Nicolas: Ela mesma disse que foi um imprevisto!

Felipe: Ela não usou a palavra imprevisto! - Dei risada.

Nicolas: Ôô mãe? - Ele falou alto.

Célia: Que foi? - Ouvimos ela responder de algum lugar da casa.

Arregalei os olhos pra ele, que continuou.

Nicolas: Não foi um imprevisto você chegar mais cedo do trabalho?

Ela entrou na cozinha, ainda com a mesma roupa, mas só chinelo de dedo, dessa vez.

Célia: Foi, por que? O Felipe tá com vergonha?

Só por ela perguntar aquilo eu fiquei mais envergonhado ainda.

Nicolas: Não. Estávamos só tentando entrar num acordo, se foi imprevisto ou não...

Célia: Meninos, meninos... - Ela disse num tom apreensivo, mas sempre brincalhona. Eu estava me mordendo de vergonha, mas, ainda assim, sorrindo muito.

Nicolas: Mãe? Precisamos conversar com você.

Meu coração acelerou, eu olhei direto pra ele, que piscou pra mim, nesse momento acreditei que era só mais uma brincadeira dele.

Célia: Sobre o que, querido? - Ela perguntou, também aparentando esperar só mais uma brincadeira do filho.

Nicolas: Sobre a gente...

Ela nos olhou, os cantos da sua boca ameaçaram sorrir. Eu fiquei me perguntando se ela era real.

Célia: "A gente", quem?

Nicolas: Lembra que eu falei com você, há um bom tempo, sobre ser diferente?

Os olhos dela encontraram os meus, e depois voltaram a olhar o Nicolas.

Célia: Lembro...

Nicolas: Eu... - Percebi que ele começou a travar - Eu...

Ela me olhou de novo, eu gelava toda vez que ela fazia isso.

Célia: Encontrou alguém igual a você?

Nicolas: É... - Ele disse como se aquela fosse uma boa maneira de expressar sem sentir vergonha.

Célia: Lembra da minha resposta pra esse assunto de você ser diferente?

Nicolas: Você disse que isso é normal, e que eu não devia ter medo de ser quem sou, desde que eu seja feliz sendo quem sou.

Célia: Minha resposta continua a mesma, querido! Então não precisa se envergonhar. Nem você, Felipe! Tá com dois olhos tão arregalados que daqui a pouco vão saltar pra fora! - Ela riu no final. Respirei fundo, pisquei os olhos várias vezes, inconscientemente.

Depois de um tempo nos olhando, acredito que esperando alguém falar algo, ela voltou a falar: "Vocês se gostam?".

O Nicolas fez que sim com a cabeça, mas eu, ainda sem jeito, falei: "Sim", um pouco alto demais, o que a fez dar uma risadinha.

Nicolas: Muito... - Ele completou.

Célia: É, da pra ver no jeito que se olham... - Ela disse isso parecendo estar com a cabeça em outro lugar - Eu não sei o que dizer... - Ela riu - Não vou ser contra um namoro! Já é óbvio! Então, esfriem as cabeças, sejam felizes, cuidem um do outro! E tenham muito juízo.

Ela me olhou toda sorridente, e disse: "cuida do meu filho".

Não segurei o sorriso, fiz que sim com a cabeça. E só pra fazer o Nicolas acertar 100%, ela se aproximou, deu um beijo na testa de cada um e nos abraçou.

Eu não consegui me segurar quando senti o abraço dela. Aquela sensação de amor e carinho era tudo o que eu queria ter sentido da minha mãe. Mas durante a discussão com meu pai, quando meus olhos procuraram ajuda na minha mãe, ela desviou o olhar. No lugar de amor, tudo o que eu senti foi desprezo e solidão.

Célia: O que foi, eu disse algo errado? - Ela perguntou quando se afastou e viu meus olhos cheios de lágrimas.

O Nicolas respirou fundo, se preparando para contar uma longa história, eu sequei as lágrimas e comecei a falar na frente dele.

Comentários

Há 3 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-03-19 23:15:36
É assim que uma mãe de verdade tem que agir,a mãe do Nick esta de parabéns pela atitude sensata e amorosa.amando cada vez mmais😍😍😍😍😍😘😘😘😘😘
Por edward em 2017-03-19 09:01:45
Simplesmente perfeito !
Por luan silva em 2017-03-19 00:07:20
Giovani, me poupe, se poupe e nos poupe.. Ai q amorzinho a mãe do nick<3 amando cada vez mais,