Capítulo 21

Parte da série Tribulações

Meus pais entraram rindo, não sei qual era a graça entre eles. Mas olharam assustados pra nós.

Edson: Boa tarde, moçada!

Laura: Aí que bom! Tudo bem com vocês?

Estranhei o bom humor dos dois, nessa horas era ainda mais difícil pensar em contar sobre o fim do namoro. O Nicolas e a Bianca conversaram um pouco com meus pais, nada demais, só aquele papo de "tudo bem? tudo bem!".

Laura: Estão com fome? Querem comer? Eu peguei um pão doce na padaria que está com uma ótima aparência! - Ela disse indo pra cozinha, toda sorridente.

Eu olhei pra Bianca, sabia que ela queria ir comer, ela sempre queria! Depois olhei pro Nicolas, que estava me olhando sorridente.

Felipe: Você quer?

Nicolas: Você que sabe. Sua mãe me deixou com vontade...

Levantei do sofá rindo.

Bianca: Ele quer, mas tá com vergonha de admitir.

Falei pouco na mesa, deixei meus pais se distraírem com a Bianca e com o Nicolas, mas então veio a pergunta fatal.

Edson: E a Angélica, por que não veio?

Felipe: Ela tinha outras coisas pra fazer. Precisava ir atrás de uns documentos com a mãe dela e coisas assim.

Edson: Entendi.

Eles não pareceram desconfiados, eu troquei um olhar com o Nicolas, ele parecia tenso!

Não demorou muito pra Bianca, em um daqueles momentos de silêncio onde todos estão procurando assunto, interromper dizendo: "Bom, eu preciso ir".

Nicolas: Acho bom eu ir também! Tenho tarefa pra fazer...

Laura: Mas já? Comam mais, façam a tarefa aqui!

Bianca: Obrigada, Laura! Mas eu preciso ir mesmo!

Laura: Mas o Nicolas fica, não é, Nicolas?

Nicolas: Ah, posso ficar mais um pouco...

Eu sabia que ele estava tenso, ficaríamos sozinhos com meus pais. Apesar de ser impossível eles já saberem sobre nós dois, a tensão era inevitável.

Edson: É Nicolas, né? Você é o garoto que se mudou pra cá esse ano?

Nicolas: Isso…

Tentei cutucá-lo com o pé por baixo da mesa, ele parecia nervoso demais.

Edson: Tá gostando da cidade nova? Muito diferente?

Nicolas: É mais tranquila, mais fácil de viver aqui. - Ele brincou - To gostando muito!

Edson: Que bom, foi difícil se adaptar?

Nicolas: Ah, no começo foi um pouco! Por não conhecer nada e nem ninguém... o começo foi complicado, mas agora já estamos mais acostumados!

Edson: Que legal, e seus pais? Se deram bem aqui?

Nicolas: Meu pai sente falta do movimento da nossa outra cidade. Mas minha mãe adora por causa da tranquilidade...

Edson: Xii, discordância! - Ele riu.

Nicolas: Ah, eles se dão bem com isso. Os dois souberam se ajeitar aqui!

Edson: Que bom, e você tem irmãos?

Nicolas: Não, sou filho único!

Edson: É igual o Felipe, o centro da casa. - Ele brincou.

O Nicolas me olhou rindo.

Nicolas: Mais ou menos isso...

Meu pai riu, minha mãe só observava. Mas não estava tensa, parecia entretida com a conversa.

Nicolas: Vamos fazer a tarefa, então? Quero ir embora antes de escurecer!

Edson: Não se apressem, se precisar eu te levo, Nicolas!

Nicolas: Obrigado, Edson!

Deixamos a cozinha e fomos ao meu quarto, eu deixei a porta aberta e nos sentamos.

Felipe: Eles estão bonzinhos até demais hoje… - Falei baixo.

Nicolas: Bom pra nós... - Ele sussurrou.

Peguei o caderno e começamos a fazer a tarefa! Na verdade nós passamos mais tempo enrolando do que fazendo tarefa.

Nicolas: Tá apertando meu coração... - Ele sussurrou depois de um tempo.

Felipe: Por que? - Falei surpreso.

Nicolas: Porque daqui a pouco vou ter que ir embora! E eu não quero ir!

Parei de escrever, não segurei o sorriso.

Felipe: Nem eu quero que você vá... - Sussurrei de volta.

Ele mordeu o lábio, eu me inclinei rapidamente, ignorando a porta aberta, e dei um selinho rápido na sua boca. Fazendo ele rir. Levei um susto quando ouvi meu pai rindo lá na cozinha. Por um momento eu gelei, aí percebi que o negócio era entre minha mãe e ele...

Nicolas: Arrepiou agora!

Felipe: Até os pêlos do dedão do pé...

Ele deu risada.

Nicolas: Adoro isso...

Felipe: O que?

Nicolas: Você me fazendo rir. É engraçado.

Felipe: Ah, obrigado! Eu acho... - Dei uma risadinha.

Nicolas: Não me entenda mal, Lipe!

Felipe: Eu sei! Só to fazendo drama. - Mostrei a lingua.

Voltei a beija-lo, não foi um simples selinho dessa vez! E eu não pretendia parar enquanto pudesse ouvir meus pais conversando na cozinha... mas aí o celular do Nicolas tocou. Ele soltou um "huuuuuum" rabugento enquanto ainda me beijava, o que me fez rir um pouco. Eu me afastei um pouco enquanto ele tirava o celular do bolso.

Felipe: Quem é?

Ele me olhou sorrindo.

Nicolas: Isso é ciúmes, Senhor Felipe?

Felipe: Talvez, Senhor Nicolas!

Nicolas: É minha mãe... - Ele sorriu, e então atendeu. - Oi mãe![...] To bem, e você?[...] To na casa do Felipe ainda! [...] Tá bom, mãe! [...] Tá! [...] Tchau, beijo!

Felipe: O que foi?

Nicolas: Só queria saber onde eu tô. Eles chegaram em casa agora, e eu esqueci de avisar os dois que eu vinha pra cá. Disse pra eu não ir embora muito tarde.

Felipe: Mãe é mãe!

Nicolas: É... - Ele sorriu - Bom, acho melhor eu ir... já está escurecendo!

Felipe: Meu pai te leva!

Nicolas: Não precisa, Fe! Eu vou andando mesmo!

Felipe: Não custa nada! E facilita pra você!

Ele respirou fundo, parecia querer aceitar, mas ter vergonha de admitir!

Felipe: Vou pedir pra ele te levar!

Nicolas: Tá...

Meus pais estavam preparando o jantar quando cheguei na cozinha...

Felipe: Pai?

Edson: Opa...

Felipe: Você pode levar o Nicolas?

Edson: Claro! Quando ele quiser… - Ele disse simpático.

Alguma coisa no comportamento dele estava muito estranha naquele dia! Eu não o via bonzinho assim há um certo tempo!

Felipe: Tá, obrigado! - Falei voltando ao meu quarto - Meu pai disse que te leva!

Ele estava rabiscando um pedaço de papel que já estava na mesa desde antes de sentarmos lá...

Nicolas: Tá bom...

Felipe: O que tá aprontando aí?

Nicolas: Nada!

Felipe: Nada?

Nicolas: Nada, só rabiscando! - Ele sorriu.

Felipe: Posso ver?

Nicolas: Não! Só depois que eu for embora!

Felipe: Ah, por favor?

Nicolas: Não! Depois que eu for embora você pode ver!

Felipe: Tááá! - Falei sentando na cama enquanto ele dobrava o pedaço de papel e colocava em uma gaveta da minha mesa.

E então ele se levantou, trocamos um olhar complexo demais pra ser representado com palavras. Tudo o que sentimos, tudo o que queríamos pro futuro, e tudo o que ainda queríamos falar um ao outro se fez presente nesse olhar. Ele se aproximou, nos abraçamos uma última vez, ele me abraçou bem forte, beijou meu rosto e depois minha boca, se afastou, pegou a mochila no chão e eu o acompanhei até a cozinha.

Felipe: Pai?

Edson: Já vai, Nicolas? Não quer jantar com a gente?

Nicolas: Fica pra outro dia, Edson! Minha mãe já ligou preocupada! Obrigado!

Edson: Ah, tudo bem então! Vamos lá! - Ele disse pegando a chave do carro em cima da mesa e saindo da cozinha. O Nicolas se despediu rapidamente da minha mãe, depois me disse tchau, com aquele mesmo olhar de antes, e se foi.

Por alguns segundos eu fiquei no mundo da lua querendo que ele voltasse e dissesse que jantaria conosco! Ou que voltasse pra pegar algo que esqueceu no meu quarto, pelo menos pra eu vê-lo mais uma vez. Me perguntei se era normal se sentir assim, eu nunca tinha sentido algo tão forte antes.

Laura: Conseguiram terminar a tarefa?

Felipe: Conseguimos... - Falei distraído - Não era tanta coisa...

Laura: Que bom! - Ela sorriu.

E num estalo eu me lembrei do papel que ele rabiscou e largou na minha gaveta. Saí da cozinha sem demonstrar pressa. Fui direto na gaveta, abri e peguei o pedaço de papel. Desdobrei com pressa e li: "e esse foi o primeiro melhor dia da minha vida! de muitos que virão! obrigado por transformar um dia, não, uma vida comum, em algo tão especial! Eu te amo!". O "Eu te amo" estava escrito bem grande embaixo do resto.

Li aquilo várias vezes! Não rimava, não era um trecho de um poema famoso, e isso tornava ainda mais fofo! Era algo que vinha dele, era sincero, era exatamente o que ele queria dizer! Eu me senti como uma criança que ainda estava aprendendo as coisas da vida.

Claro que não poderia jogar aquilo fora, então dobrei de novo e enfiei no fundo da minha mochila. Depois peguei uma toalha, outra roupa e fui tomar um banho! O tempo todo fiquei pensando no Nicolas, e não só nele, mas em tudo o que aconteceria agora, tudo o que faríamos juntos. Foi inevitável pensar nos momentos difíceis que estavam por vir, mas esses momentos já não me assustavam tanto.

Me dei conta de que eu já estava demorando demais pra sair, logo meu pai bateria na porta pra me lembrar que eu tinha que voltar pro mundo fora do banheiro.

Fechei o chuveiro, me sequei e me vesti. Passei do meu quarto e depois fui à cozinha!

Edson: Muito simpático esse garoto.

Felipe: É, ele é bem educado. E os pais dele são incríveis!

Edson: Aquela reunião misteriosa que vocês fizeram esses dias atrás foi na casa dele, né?

Fiz que sim com a cabeça, abri a geladeira e peguei um copo de coca cola bem cheio.

Felipe: Foi só um dia juntos pra enturmar ele.

Edson: Precisa tomar menos dessa coisa, não faz nada bem. - Disse referindo-se à coca cola.

Felipe: É gostosa demais. - Dei risada.

Edson: Sei, vai ser gostoso quando estiver doente por causa disso.

Felipe: Não esquenta, pai.

Ele deu risada, apesar de tudo. A cada minuto eu achava mais e mais estranho todo aquele bom humor dele.

Edson: E as coisas com a Angélica? - Ele perguntou mais tarde, enquanto jantávamos.

Respirei fundo, achei melhor começar a preparar o terreno, eu não conseguiria esconder o "fim do namoro" por muito tempo.

Felipe: Nós brigamos esse fim de semana.

Edson: Por que?

Felipe: Ah, eu fiz umas besteiras no aniversário da Bianca...

Edson: O que? - Ele perguntou preocupado.

Felipe: Na brincadeira da garrafa, eu acabei dando um selinho em outra garota.

Edson: Falo nada, hein... - Ele disse sério - Não devia nem ter brincado de algo assim! Se estivesse solteiro, tudo bem! Mas você tem um compromisso, precisa ser mais responsável!

Felipe: Eu sei... é que... - Fiz uma pausa, era tudo de propósito! Eu percebi que ele gostou de saber que eu havia beijado outra garota, mesmo que tenha me dado bronca, eu conhecia meu pai!

Edson: É que o que?

Felipe: Devo ter bebido um pouco...

Ele deu risada.

Edson: Normal. Mas isso não te livra das responsabilidades!

Felipe: Eu sei...

Edson: Mas vocês terminaram?

Felipe: Ah, ainda não. - Menti - Mas ela tá muito brava.

Laura: E com razão, né? Acha que isso é coisa de se fazer? Vocês não tem nem um mês de namoro!

Felipe: Eu sei. Foi um erro meu! Já reconheci isso, não precisam ficar dando bronca!

Eles ficaram quietos, mas eu juro que vi um sorriso no rosto do meu pai depois disso. Minha mãe ficou séria, não falou mais nada sobre o assunto, e quando eu terminei de comer, pus meu prato na pia junto com meu copo e fui pro meu quarto arrumar minhas coisas. Depois voltei pra sala e fiquei assistindo tv com meus pais.

Antes de ir dormir, eu não resisti e mandei uma mensagem ao Nicolas: "li seu bilhete várias vezes! Quando acho que não posso me apaixonar mais, você me mostra que posso! Boa noite! Dorme bem! Te amo!".