Capítulo 19

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

O Nicolas comeu bem! Quando terminou, deixou os talheres sobre seu prato e me encarou. Eu ainda estava terminando de comer...

Nicolas: Seu gordo!

Felipe: Pior que estou longe de ser...

Nicolas: Nós dois estamos! - Ele riu.

Felipe: É, você também! Por que tá rindo? - Falei cutucando seu pé por baixo da mesa.

Nicolas: Porque o assunto é a sua gordice, não a minha!

Felipe: Que gordice? - Perguntei rindo - Estou esbelto. - Falei num tom exibido.

Ele caiu na risada. Paramos por um momento, eu respirei fundo e ele disse: "lavar a louça, né?".

Fiz que sim com a cabeça, e completei: "e depois, chocolate!".

Nicolas: O que estamos esperando? - Ele disse se levantando.

Me levantei logo depois, pegamos os pratos e colocamos todos na pia.

Nicolas: Você prefere guardar?

Felipe: Por mim tanto faz, se você souber onde guardar as coisas...

Nicolas: Melhor eu lavar, né? - Ele fez uma careta engraçada.

Felipe: Pode ser...

Ele se apressou e começou a lavar a louça, eu fiquei esperando juntar um pouco pra secar e já guardar. Mas ele acabou lavando tudo e eu ainda não tinha guardado nem metade da louça.

Nicolas: Você deve ficar a tarde toda pra lavar a louça quando está sozinho, né? - Disse fazendo referência à minha lentidão.

Felipe: Não enche. Você que ficou me distraindo...

Nicolas: Como? Quase nem conversamos agora.

Felipe: Aah, deixa secar naturalmente... - Falei dando as costas para a louça lavada - Vem, vamos buscar nosso prêmio! - Falei com um sorriso.

Saímos de casa e fomos andando até o mercado, ficava uns três quarteirões da minha casa! Não era um mercado muito grande, cheio de variedades, na verdade era só para o básico, um mercadinho pequeno, mas tinha o que nós queriamos.

Nicolas: Qual seu chocolate favorito?

Felipe: Eu gosto de chocolate branco com cookies! E você?

Nicolas: Ao leite!

Felipe: Vamos ser sinceros, todos são bons!

Ele riu e concordou.

Nicolas: Sim, por isso eu perguntei qual o seu favorito, e não qual o melhor... - Ele piscou e mostrou a língua. Eu apenas sorri.

Entramos no mercado, que estava praticamente vazio, exceto por duas senhoras procurando por algo nas prateleiras ao fundo do estabelecimento.

Ele me acompanhou até a prateleira onde estavam os chocolates.

Felipe: Bom, então você escolhe um e eu escolho outro, pode ser?

Nicolas: Pode ser!

Ergui a mão pra pegar um, mas então ele deu um tapinha de leve na minha mão e disse: "No três...".

Achei estranho essa contagem. Era só pegar e pronto! Mas abaixei a mão, e ele contou: "um... dois..." e quando disse "três" nós dois levantamos as mãos e pegamos uma barra cada um. Não consegui segurar o sorriso quando o vi com a barra de chocolate branco e cookies na mão, e acho que ele se sentiu da mesma maneira ao me ver segurando uma barra de chocolate ao leite.

Felipe: Você não disse que esse aqui era seu favorito?

Nicolas: Disse...

Felipe: Então por que não pegou ele?

Nicolas: Por que eu quis pegar o que você gosta...

Tive vontade de abraçá-lo, e apertar até os olhos saltarem, mas me contive! Coloquei a mão no seu braço e empurrei levemente pra que ele fosse ao caixa. Cada um de nós pagou a barra que pegou. Na verdade, os dois estavam teimando para pagar tudo, e decidimos dividir dessa forma para encerrar a discussão e liberar o caixa do mercado (Sim, nós ficamos discutindo quem pagaria na frente da moça do caixa). Fiquei um pouco sem assunto no caminho até minha casa, na verdade eu estava com um pouco de vergonha pelo o que aconteceu na escolha dos chocolates.

Tranquei o portão depois de entrarmos, peguei duas almofadas na sala e fomos ao meu quarto, eu me sentei no computador, ele sentou-se na cama e apoiou as costas na parede com a almofada da sala atrás da cabeça.

Felipe: Fala uma música que você gosta!

Nicolas: Por que?

Felipe: Pra eu por aqui.

Nicolas: Coloca "Olhos certos"...

Felipe: Velha, hein?

Nicolas: Você não gosta? Escolhe uma, eu gosto bastante dessas bandas antigas...

Felipe: Não, vou colocar essa mesma...

Coloquei o som meio baixo e depois me sentei ao lado do Nicolas.

Felipe: Posso perguntar uma coisa?

Nicolas: Claro...

Felipe: Quando eu perguntei de namoro você falou sobre uma pessoa que uma hora parece que vai dar certo, e depois parece que não...

Nicolas: Disse...

Felipe: É a Isabela? - Soltei de uma vez antes que perdesse a coragem.

Ele deu risada.

Nicolas: Por que acha que é a Isabela?

Felipe: Aah, hoje na aula. Ela pareceu bem intima de você.

Nicolas: Não, nada a ver... - Ele riu de novo - A Isabela é o tipo de pessoa que fica a fim de você só por você ser educado com ela. Mas não quer dizer que tô dando chance ou que tô afim dela.

Felipe: Você não é assim?

Nicolas: Não. Eu vou além de educação.

Felipe: Tipo?

Nicolas: Caráter, sonhos para o futuro, dedicação.

Felipe: E essa pessoa que você tá a fim tem tudo isso?

Nicolas: Sim, tem.

Felipe: E por que tem hora que parece que não vai dar certo?

Nicolas: Por que ela se afasta de mim! E fica tão distante que parece até não me querer por perto. Ela parece inconstante, sei lá.

Felipe: Deve ser desagradável gostar de alguém assim.

Nicolas: É, é mesmo. Mas ela faz isso sem perceber. Acho que ela nem mesmo percebeu que eu gosto dela.

Felipe: Como você sabe que não?

Nicolas: Porque se ela soubesse como gosto dela e como meu dia muda com ela por perto. Essa pessoa perceberia que eu faria qualquer coisa pra manter ela por perto.

Achei aquilo tão fofo, mas ao mesmo tempo me mordi de ciúmes.

Felipe: Essa garota tem sorte... - Falei sem pensar.

Nicolas: É, essa pessoa tem sorte! - Na hora eu não percebi o tom de correção na voz dele - Mas eu tenho mais sorte ainda! Sabe por que?

Felipe: Não, por que?

Nicolas: Porque não consigo imaginar como eu estaria hoje se não tivesse conhecido essa pessoa! Ela acrescentou alguma coisa na minha vida, eu não sei direito o que é, só que me faz sentir importante. E eu me sinto ótimo quando vejo ela pela manhã, mas me sinto um pouco mal quando me despeço dela. E, sei lá… não consigo imaginar como eu estaria se não tivesse vindo pra essa cidade e conhecido essa pessoa! Já se sentiu assim?

Felipe: Sim, tenho me sentido muito assim.

Ele respirou fundo e sorriu.

Nicolas: Você realmente gosta da Angélica, né? Deveria tentar conversar com ela.

Felipe: Talvez, mas não é da Angélica que to falando.

Ele me encarou por um breve momento.

Nicolas: Então foi por isso que o namoro terminou? Você gosta de outra?

Felipe: Aah, não foi exatamente por isso! Mas está um pouco relacionado!

Nicolas: Ainda não quer me contar?

Felipe: Não acho que você vá gostar de saber da verdade.

Ele respirou fundo e ficou em silêncio por um momento.

Nicolas: Por que acha isso?

Felipe: É complicado.

Nicolas: Todo segredo é complicado quando tem que ser compartilhado com alguém. Confia em mim!?

Felipe: Eu te conto quando estiver pronto, ok?

Nicolas: Tá certo. Não quero forçar nada. - Achei que ele ficaria bravo, mas ele pareceu muito compreensivo.

Me levantei e peguei meu estojo na mochila, minha intenção era pegar um lápis e meu caderno pra "rabiscar" uma tarefa de química com ajuda do Nicolas, já que ele era muito bom com química! Mas ao abrir o meu estojo eu encarei um pedacinho de papel amassado.

Peguei o papel e desamassei devagar, por um momento me esqueci do Nicolas ali. Era um papel grande, dobrado várias vezes. Estava escrito em uma letra muito caprichada: "duvide que as estrelas sejam fogo, duvide que a verdade seja honesta, mas nunca duvides que te amo. William Shakespeare".

Com certeza era da Angélica, a letra era a mesma que daquele outro bilhete que ela havia deixado. Dei uma risada sarcástica.

Nicolas: O quê foi?

Felipe: A Angélica! As vezes me tira do sério. É o segundo bilhete que ela deixa no meu estojo. Por que ela continua fazendo isso???

Nicolas: Como sabe quê é dela? - Ele perguntou sem nem desencostar da parede. Achei que ele ia querer ver o que estava escrito no bilhete.

Felipe: Só pode ser dela, a letra caprichada... e pra estar escrito isso, só pode ser dela!

Nicolas: Vai falar com ela agora?

Felipe: Não sei! Eu só tenho medo de deixar ela mais magoada... entende? Mas eu quero que ela pare com isso!

Nicolas: Entendi! - Ele respirou fundo - Sabe, eu sempre gostei de poemas do Shakespeare. Acho alguns muito inspiradores, inclusive esse aí. Você gostou dele?

Felipe: Não conheço muitos, mas esse é bonito, sim!

Nicolas: Mais bonito do que aquele outro: "tudo vai dar certo", né?

Eu travei por um momento. Minha cabeça explodiu em pensamentos e eu comecei a sorrir, o sentimento foi tão forte que comecei a rir.

Felipe: Mas eu nem te mostrei o que tá escrito aqui. Como sabe que é um poema do Shakespeare?

Nicolas: Entendeu agora? - Ele sorriu junto comigo.

Felipe: Deixa eu ver… esses bilhetes não são da angélica!?

Nicolas: Não, não são dela! - Ele disse ainda sorrindo.

Felipe: São seus.

Ele fez que sim com a cabeça.

Nicolas: Desculpa, eu só não aguentava mais guardar isso! Ver você fazer tudo o que faz, e eu continuando quieto...

Felipe: Esse tempo todo, quando falava da pessoa que você está gostando, você tava falando de mim? - Perguntei me achando um completo idiota.

Nicolas: Sim, era de você. - Ele disse vermelho e tímido.

Comecei a sorrir sem conseguir me controlar.

Nicolas: Desculpa, eu não devia ter te contado. Por um momento achei que... sei lá... melhor esquecermos isso!

Felipe: Só que eu não quero esquecer!

Ele me encarou, ficou sério, e então um sorriso cortou seu rosto.

Nicolas: Não… você não pode...

Felipe: Por que não?

Ele demorou um pouco pra responder, e ficou sério de novo, mas ainda parecia espantado. Levantou-se da cama num pulo e sentou na cadeira um pouco mais a minha frente.

Nicolas: Você é hétero! Você namorou a Angélica, você já tinha um caso com ela desde antes de eu chegar na cidade!

Fiz que não com a cabeça.

Nicolas: E todo esse rolo com namoro?

Felipe: Eu disse que era complicado. Na verdade esse negócio foi só uma farsa. - Respirei fundo.

Nicolas: Mas e as brigas? E por que você achou que o bilhete era dela? Não… ela gosta de você!

Respirei fundo. Eu achei que seria um momento muito mais romântico, pensei que nos beijaríamos agora e pelo resto da tarde. Mas acho que esse foi uma pequena parte do pagamento por todas as besteiras que eu fiz.

Felipe: Alguns dias atrás meus pais meio que descobriram que sou gay. - Parei de falar por um minuto, só pra acompanhar sua expressão, ele parecia assustado - E fizeram um pouco de escândalo. Brigaram comigo, falaram coisas horríveis. E me disseram que eu deveria provar pra eles que ia mudar! Começando por arrumar uma namorada! - Fiz mais uma pausa, mas ele não falou nada - Como a Angélica sempre soube que eu sou gay, eu contei pra ela a situação em casa, falei que eu não queria arrumar uma namorada de verdade! E ela propôs essa ideia de fingirmos um namoro.

Nicolas: Por que você não queria arrumar uma namorada de verdade? - Ele me interrompeu.

Felipe: Eu queria apenas despistar meus pais. Namorar por um tempo e depois terminar. Meu medo de fazer isso com alguma garota era correr o risco de magoar ela depois, ou sei lá.

Nicolas: E como chegamos a essa crise entre vocês dois?

Felipe: Bom, as coisas até que iam bem, sabe? Meus pais estavam começando a acreditar! Mas no aniversário da Bia... quando me fizeram beijar a Angélica... eu não imaginei que ela gostava de mim de verdade.

Nicolas: De qualquer jeito você acabou magoando uma garota.

Concordei com a cabeça.

Felipe: O problema é que quando procurei a Angélica no outro dia pra conversar ela agiu de um jeito estranho! Insinuou que os gays só querem saber de sexo, que não existe sentimento entre homossexuais, só sexo... e nós acabamos brigando mesmo e assim chegamos nessa crise em que estamos.

Nicolas: Acho que nós dois temos motivos pra ficar bravos com a Angélica.

Felipe: Como assim?

Nicolas: Eu também tenho motivos pra estar bravo com ela…

Felipe: E quais são? - Perguntei curioso.

Nicolas: Ela sabia de mim. Eu contei no dia seguinte ao meu aniversário. Na verdade eu não falei explicitamente, deixei subentendido, sabe? Eu só queria que ela me falasse mais de você. Mas ela me disse que o melhor pra mim era esquecer você! Insinuou que eu não tinha chances… e que eu acabaria magoado.

Mas o que a Angélica tinha na cabeça? De repente a menina que sempre vi como minha melhor amiga parecia ser aquela que só queria atrapalhar a minha vida.

Felipe: Bom. Ainda bem que você não esqueceu... - Fiquei com raiva ao saber que a Angélica fez aquilo ao Nicolas. Mas eu não queria falar da Angélica, eu queria falar de nós, do Nicolas, de mim, eu queria dizer o que eu sentia.

Ele me olhou nos olhos e deu aquele sorriso perfeito.

Nicolas: Mesmo quando eu tinha todos os motivos pra acreditar que eu não tinha chance, eu ainda queria acreditar que tinha! Eu já disse, não consigo imaginar como seria minha vida hoje se eu não tivesse te conhecido!

Não me segurei, levantamos ao mesmo tempo e nos abraçamos, ele começou a rir e "encaixou" o queixo no meu ombro. Fiz o mesmo e abracei-o forte, como se minha vida dependesse disso, apesar da força, foi um abraço aconchegante.

Nicolas: Posso te contar um segredo?

Felipe: Claro!

Nicolas: Não sei se é cedo demais pra falar isso… eu nunca tive isso… e sei lá… Eu te amo!

Me arrepiei ao ouvir aquilo.

Felipe: Posso te contar outro segredo?

Nicolas: Pode sim! - Ele sorriu.

Felipe: Pra mim não faz diferença se te conheço há duas semanas ou dois anos. Você me faz tão bem, como ninguém nunca fez... Você é incrível, me faz querer estar com você o tempo todo! Eu também te amo!

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-03-10 12:54:36
Aí que coisa mais linda...o amor é sublime.😍😍😍😘😘😘