Capítulo 17

Conto de SyncMaster como (Seguir)

Parte da série Tribulações

Me vi em um daqueles momentos que você não tem ideia do que dizer. Eu não sabia que lugar era aquele e não conhecia nenhuma das pessoas a minha volta, eu apenas conheci o Nicolas, em pé, na minha frente. Ele me olhava fixamente, sua expressão era pura confusão. Todos em volta estavam nos olhando, o que me deixou ainda mais nervoso, porque esse bando de curiosos não cuidava da própria vida?

Nicolas: Eu te odeio... - Ele disse com firmeza na voz.

Eu não entendi nada. Por que de repente ele disse isso?

Nicolas: Confiei em você, fui seu amigo, e agora você vem e me fala uma coisa dessas? Acha que sou o que?

Eu não conseguia abrir a boca, não saia som! Comecei a ficar com medo.

Nicolas: Por que diabos achou que eu fosse como você? Tenho cara de ser?

Todos em volta ainda nos olhavam, tinham uma expressão vazia, e apenas nos encaravam. Aquele cara não era o Nicolas, não podia ser o Nicolas.

Acordei meio atordoado, sem saber se ainda estava sonhando ou se já tinha acordado. Sentei um pouco na cama, devo ter sonhado aquilo por ter ficado pensando demais em besteiras assim antes de dormir. Peguei meu celular e olhei a hora, já era mais de meio dia! Meu pai com certeza ficaria criticando o meu tempo extra na cama. Vesti uma bermuda e sai do quarto, fui ao banheiro sem pressa nenhuma, até aí não encontrei ninguém.

Me olhei no espelho e fiquei com vergonha da minha cara de ressaca, joguei uma água no rosto antes de ir pra cozinha. Meus pais estavam lavando louça...

Edson: Nossa... - Ele disse me olhando - Boa tarde...

Cumprimentei-os e sentei na mesa.

Edson: Como foi ontem?

Felipe: Foi legal...

Edson: Voltou com quem?

Felipe: O pai do Nicolas me deu carona...

Edson: Quem é Nicolas?

Essas perguntas me irritavam muito!

Felipe: Meu amigo da escola.

Edson: Chegou que hora?

Felipe: Sei lá... Devia ser mais que uma da manhã... - Pensei um pouco e completei - Ou mais...

Edson: E a Angélica?

Felipe: Ainda ficou lá com as meninas, disse que pegava carona com alguém depois...

Edson: Entendi... - Pareceu que ele finalmente ia parar com o interrogatório - Vai tomar café ou almoçar? - Ele riu.

Felipe: Vou tomar café, almoço não vai descer agora...

Edson: Bebeu ontem?

Felipe: Um pouco… - não adiantava mentir.

Ele deu risada.

Edson: Imagino… Sua cara te entrega.

Dei uma risadinha e fiquei em silêncio o resto do tempo...

Edson: Nós vamos visitar sua vó... Acho que dessa vez você não está a fim de ir, né? - Fiz que não com a cabeça - Sem problema. Digo que você mandou um beijo.

Felipe: Obrigado...

Não demoraram muito pra se arrumarem e sairem de casa, e eu ficar sozinho, como estava na maior parte do tempo. Meu celular estava na mesa ao meu lado, só que eu já estava de volta ao meu estado "morto", sem saber o que fazer, sem coragem de por pra fora tudo o que eu sentia. E pior, sem coragem de falar com a Angélica. Apesar de saber que eu teria que fazer isso.

Antes mesmo de juntar coragem pra pegar o celular e ao menos mandar uma mensagem à ela, meu celular vibrou. Era uma mensagem. Peguei apressado pra ler.

Bianca: melhor você falar com a Angélica!

Felipe: Eu sei...

E eu realmente sabia que devia falar com ela, mas não sabia o que devia falar... Pedir desculpas? Pelo que? Eu nem sabia o que tinha causado aquilo nela!

Bianca: Então vê se fala!

Toquei a campainha da casa da Angélica. E ela mesma me atendeu. Estava com uma expressão estranha, e não se surpreendeu ao me ver, como se já soubesse que era eu.

Felipe: Oi...

Angélica: Oi...

Felipe: Como você está?

Angélica: Como pareço?

Felipe: Parece comigo... Sem saber o que fazer com a própria vida.

Ela me encarou séria, me deu espaço pra entrar e eu passei pra dentro.

Angélica: Minha mãe saiu...

Felipe: Hum...

Ficamos nos encarando.

Angélica: Veio até aqui pra ficar me olhando?

Felipe: Não... - Falei respirando fundo - Vim pra conversar contigo...

Angélica: Então conversa...

Felipe: Voltou com quem ontem?

Angélica: Uma tia da Bia me deu carona... Saí logo depois de você...

Felipe: Entendi... - Encarei-a por um momento, eu tinha que falar, nem que fosse na marra - Qual o problema?

Angélica: Nenhum...

Felipe: Não vem com essa... Por que você estava chorando ontem?

Ela desviou o olhar de mim, no fundo eu estava começando a entender o que estava acontecendo com ela. Mas eu queria muito que eu estivesse enganado.

Felipe: Fala pra mim...

Angélica: Você nem imagina?

Respirei fundo antes de falar.

Felipe: É porque você não me vê só como melhor amigo, né?

Ela parou de evitar e olhou direto nos meus olhos. Seu olhar já foi suficiente pra confirmar.

Felipe: Mesmo sabendo que sou gay?

Angélica: Você não sabe se é gay. Nunca ficou com outro homem! Só deu um beijo e olha lá. E ainda recusou sexo!

Felipe: Ser gay me obriga a aceitar sexo de qualquer um?

Ela me encarou de novo...

Angélica: Você sabe como os gays são...

Fiquei indignado com a fala dela...

Felipe: Pera aí. Como assim? Como os gays são?

Não tive resposta.

Felipe: Gays só querem saber de sexo? É isso mesmo que você pensa?

Ela ficou em silêncio por um momento.

Felipe: De todas as pessoas que eu conheço, você era a última que eu esperava um pensamento assim!

Angélica: Alguns só querem saber de sexo, sim...

Felipe: Então não generalize. Pára de achar que é dona da verdade e para de ficar aí igual um papagaio repetindo o que os outros dizem, ao invés de procurar seus próprios fundamentos e ter uma opinião própria! Para de ser só mais uma maria-vai-com-as-outras!

Angélica: Por que tá falando assim comigo?

Felipe: Porque to ficando cansado de ouvir merda de todo mundo e ficar quieto... Achei que você tivesse uma mente mais aberta! Achei que você era a única pessoa na face da Terra que me entendia!

Angélica: Tá legal, desculpa se eu gosto de você, desculpa se mesmo sabendo da sua tendência homossexual eu me apaixonei por você! Pela sua educação, pelo seu jeito de me tratar como uma princesa, com carinho, respeito! Desculpa se a única coisa que eu queria era que você sentisse por mim o mesmo que eu sinto por você!

Felipe: Não é disso que to reclamando, você não tem que se desculpar por isso. Eu também gosto de alguém que não gosta de mim... - Depois de dizer isso eu percebi que talvez fosse melhor não ter dito - Só que sua afirmação de agora a pouco me incomodou. Me deixou curioso pra saber o que mais você pensa a respeito...

Angélica: E por que agora faz diferença o que eu penso? - Ela disse alto.

Felipe: Não é só agora que faz diferença. A questão é que isso é o mais relevante agora, e também é que de repente a minha melhor amiga não parece mais a minha melhor amiga! - Falei sem alterar o tom de voz - Você não deveria guardar esse sentimento pra si, você sabia que era algo que não tinha chance de se concretizar!

Angélica: Fala de mim, mas você também guarda um sentimento impossível...

Felipe: Para de distorcer tudo, não tô aqui pra falar o que há entre outro cara e eu, to aqui pra falar de nós dois!

Ela me encarou mais uma vez e respirou fundo.

Angélica: Você é indelicado...

Felipe: Desculpa, mas to sendo realista. Você sabe que não tinha chance de dar certo entre nós dois. Você sempre soube, ou pelo menos deveria saber! E aí você inventa esse namoro!

Mais uma vez ela ficou em silêncio.

Felipe: Foi por isso que você sugeriu esse namoro?

Silêncio.

Felipe: Vai ser difícil se você não falar.

Angélica: Não quero mais! Vai embora! Me deixa sozinha!

Felipe: Bom, to aqui tentanto falar sobre isso. Quem está me pedindo pra ir embora é você mesma... - Falei virando as costas pra ela.

Esperei que ela fosse me chamar de volta, tentar conversar direito. Mas depois de alguns passos, quando o silêncio persistiu eu percebi que não tinha mais volta, eu já tinha deixado a sala, faltavam alguns passos para o portão e depois a rua! E finalmente me vi na calçada, não ouvi nem sequer um sussurro atrás de mim, nenhum som de passos ou alguém me chamando pelo nome, nada, apenas o som da Angélica trancando o portão.

Por um momento me senti sozinho, sem ninguém, andei sem pressa até minha casa, fui chutando uma pedrinha por uma boa distância, até que não medi a força do chute e a pedra passou reto pela esquina que eu deveria virar, parei no portão de casa e tirei a chave do bolso, acho que nunca demorei tanto pra destrancar o portão e entrar! Nessa altura eu já não pensava especificamente na Angélica, e sim nos meus pais, no resto das pessoas com quem conviviamos, o que eu diria sobre o namoro com a Angélica? Por que durou tão pouco? O que meus pais pensariam?

Os minutos nunca passaram tão devagar como naquela tarde, cada minuto parecia uma eternidade, minha cabeça parecia estar próxima de explodir, de tantos pensamentos idiotas que eu tinha. A uma certa altura, qualquer barulho me arrepiava todo, pois eu achava que eram meus pais chegando, e eu já estava ficando com medo do momento em que eles soubessem que o "namoro" havia acabado. Com certeza me levantariam um bom questionário. Pensei até que seria melhor dizer ao meu pai que terminamos porque eu bebi demais no aniversário da Bia e fiquei com outra garota na frente de todos. Bem, conhecendo meu pai eu sabia que ele acreditaria nisso, mas e essa outra garota? De onde eu tiraria uma ficante? Sem contar que seria dizer "Olá, eu sou um sem vergonha que não respeita a própria namorada".

Pensei também em dizer que o namoro acabou porque a Angélica era muito feminista. Bom, aí talvez eu teria problemas com minha mãe, e provavelmente essa conversa não ia colar! Comecei a ficar sem ideias, e quanto mais eu pensava, mais eu entendia que era inevitável, cedo ou tarde a verdade viria a tona e eu teria que enfrentar. Mesmo que por algum milagre eu conseguisse convencer meus pais de que o namoro foi verdadeiro, daqui alguns meses, no máximo, eu não conseguiria mais esconder dos meus pais a minha homossexualidade, pois chegaria a hora em que viriam mais cobranças sobre namorada, casamento, filhos. E eu faria o que? Um casamento de mentira? Filhos de mentira? Passei a entender, aos poucos, que minhas atitudes nos últimos dias vinham se tornando mais e mais ridículas e inúteis.

Ainda assim, quando meus pais chegaram ao anoitecer, eu escondi sobre o fim do namoro, ainda não era hora de contar e eles não descobririam tão cedo! Pelo menos eu esperava que não. E claro, toda vez que o telefone tocava eu me arrepiava de medo de ser a mãe da Angélica pra lamentar o fim do namoro. Isso complicaria um bocado as coisas.

Comentários

Há 4 comentários.

Por luan silva em 2017-03-07 21:09:26
apaixonado por essa série, amando cada capitulo e sua escrita é perfeita. é muito triste o que o Felipe ta passando e mais triste ainda saber que tem varias pessoas q estão nessa mesma situação ou pior... enfim muito ansioso pelo próximo.
Por Elizalva.c.s em 2017-03-05 14:39:56
Estou cada vez mais apaixonada por essa série,pobre Felipe à pior mentira do ser humano é fingir ser o que não é.
Por edward em 2017-03-05 12:15:56
Estou amando cada capítulo, sua escrita é inebriante, o jeito que você prende o leitor chega a ser surreal. Parabéns
Por Guerra21 em 2017-03-05 01:11:13
Eu não tive o prazer de começar a ler essa série antes, felizmente hoje*ontem* tive a piore de ler todos os capítulos anteriores, estou apaixonado pelo enredo, sinceramente merece virar um livro. Parabéns