Capítulo 12
Parte da série Tribulações
Naquele momento, na minha imaginação, eu estava dando uns tapas na cara da Angélica e gritando: "O que deu em você? Pirou de vez?".
Felipe: Do que tá falando? Ficou doida?
Angélica: Olha, todos na escola já pensam que há algo entre nós dois! Isso já é uma mão na roda... e eu não to namorando ninguém, nem pretendo por enquanto! Então...
Olhei bem pra ela, eu não conseguia aceitar essa ideia.
Felipe: Não, desculpa... não vai dar certo.
Angélica: Então tá! Arrume outra menina que não vai facilitar pra você... vai ter que ser um namorado completo!
Soltei um "huuum" meio resmungão.
Angélica: Comigo você só vai ter que fingir na frente dos outros... com outra menina você vai ter que fingir 24 horas por dia! Mesmo quando estiverem só vocês dois... - ela fez uma cara "diferente" - Entre quatro paredes...
Felipe: Você não tá ajudando com minha indecisão.
Angélica: Aah, Felipe... qual é? É só por na balança e dizer "sim" ou "não"! Responde outra hora, mas pelo menos pensa sobre isso. Só to tentando ajudar você! Não tem outro jeito!
Felipe: Eu sei.
Angélica: Então promete que vai pensar no assunto?
Felipe: Prometo...
Levantei dali e fui pra cozinha, a Angélica veio atrás.
Felipe: Meus pais vão saber que estamos fingindo! Eles sabem que somos muito amigos, e de repente viramos namorados?
Angélica: Como eu disse, na frente dos outros você vai ter que fingir que somos namorados de verdade. No começo seus pais podem até desconfiar, mas com o tempo eles vão aceitar como verdade! No começo eles vão desconfiar não importa qual garota você namore. Você sabe!
Me encostei na parede e troquei um olhar silencioso com ela.
Felipe: Acha que vai dar certo?
Angélica: Acho.
Felipe: E o que pretende dizer pra Bianca?
Angélica: Não adianta mentir pra Bianca, ela vai saber que esse namoro é uma farsa... É melhor deixarmos ela ciente da situação pra nos ajudar a convencer os outros.
Felipe: Ela vai falar que ficamos loucos...
Angélica: Não, ela vai achar divertido! Ainda não conhece a Bianca?
Dei risada.
Felipe: Pior...
Angélica: Então, aceita namorar comigo? - Ela disse rindo.
Mas eu não consegui rir. Eu ainda não concordava com o que íamos fazer, mas apesar disso eu sabia que era o único jeito.
Felipe: Tá, eu aceito...
Angélica: E quando assumimos em público?
Felipe: Não sei.
Angélica: Vai mesmo me deixar mandar na relação?
Felipe: Só nos bastidores... - Falei rindo.
Angélica: Tá... - Ela riu - Vamos devagar, concorda?
Fiz que sim com a cabeça, mas tive vontade de rir.
Angélica: Não nesse sentido, idiota! - Ela disse vermelha.
Felipe: Eu entendi!
Angélica: Rum.
Felipe: Vai querer estar aqui quando meus pais chegarem?
Angélica: Acho que seria bom, né?
Felipe: Mas não vai querer assumir pra eles ainda, né?
Angélica: Acho que não. Bom, se por acaso eles falarem algo, a gente tenta.
Felipe: De acordo.
Angélica: Não vai lavar o resto da louça?
Felipe: Não to afim...
Angélica: Quer provocar seus pais mesmo, né?
Soltei um suspiro, ela me puxou pra pia dizendo: "vamos lavar isso, coloca uma música aí". Peguei meu celular e coloquei uma música, depois ela me puxou pro lado e disse: "eu não sei onde guardar as coisas, melhor eu lavar e você guardar".
Felipe: Achei que você soubesse.
Angélica: Xiu... Eu quero lavar.
Felipe: Se for mandona assim num namoro vou te dar um fora logo...
Ela olhou pra baixo dando risada e depois me olhou nos olhos dizendo: "Agora guarda essa louça". Não sei se foi brincadeira ou se tinha sido sério, mas dei uma risadinha e depois quase não conversamos enquanto lavamos a louça. Como eu tinha lavado a louça do almoço, havia sobrado pouca coisa pra lavar, só dois pratos da noite anterior (já que eu não tinha jantado), alguns copos e panelas, além dos talheres.
Angélica: Você já lavou um pouco?
Felipe: Lavei a louça do almoço de hoje.
Angélica: Isso é da janta de ontem?
Felipe: É, por que?
Angélica: Por que não tem três pratos?
Felipe: Porque eu não jantei!
Angélica: Sério? Ficou trancado no quarto?
Felipe: Me tranquei lá, na verdade.
Angélica: E seus pais não foram te obrigar a vir comer?
Fiz que não com a cabeça.
Felipe: Eles também não deram a mínima quando não levantei pra ir pra escola hoje.
Ela mostrou os dentes num gesto de "nossa".
Angélica: Não achei que seus pais fariam isso quando descobrissem.
Felipe: Pior que eu também não... Bem, eu esperava uma atitude negativa, mas não esperava tanto assim.
Angélica: Pelo menos não te botaram pra fora...
Felipe: Por enquanto. Se eles descobrirem essa farsa, provavelmente vão me por pra fora...
Angélica: Disso eu duvido.
Felipe: Você já não esperava que eles fizessem o que fizeram, e ainda assim fizeram...
Angélica: Isso é. Melhor nos prepararmos para qualquer coisa.
Felipe: Você não, eu.
Angélica: Ei, sabe que estou contigo nessa...
Sorri pra ela e voltei minha atenção pra louça. Terminamos antes que meus pais chegassem, quando chegaram nós dois estávamos na sala assistindo televisão. Chegaram sérios, a um primeiro momento. Meu pai entrou primeiro, ele não parecia feliz. Ele entrou parecendo pronto pra jogar o mundo em cima de mim, mas se segurou quando viu a Angélica. Eu tinha me deitado com a cabeça no colo dela e ela estava acariciando meu cabelo.
Edson: Oi Angélica, tudo bem?
Angélica: Tudo, Edson, e com o senhor?
Edson: Tudo bem. - ele disse meio seco - Oi Felipe. - e foi pra dentro.
Felipe: Estou bem também. - sussurrei. Mas não respondi o "oi" dele.
Laura: Oi meninos e meninas. - E nem mesmo perguntou como estávamos. Foi reto pro quarto, mas também não respondi pra ela.
Logo ouvimos a porta do banheiro se fechando, não sei quem tinha ido tomar banho.
Felipe: Eles discutiram... - Sussurrei.
Angélica: Como sabe? - Ela sussurrou de volta.
Felipe: Sabendo... São meus pais, conheço eles muito bem.
Angélica: Acha que por sua causa?
Ergui os ombros.
Angélica: Acha melhor eu ir embora?
Felipe: Não. Essa casa vai desmoronar se você sair daqui.
Angélica: Não exagera.
Felipe: To falando sério... Meu pai entrou e estava vindo direto na minha direção, ele só mudou quando viu você.
Angélica: O que acha que ele ia fazer?
Felipe: Passar sermão, no mínimo! Meu pai é do tipo que só pensa em coisas que poderia ter falado depois que a discussão acaba, aí ele volta pra falar. Mesmo que horas depois da discussão.
Minha mãe passou pela sala e saiu de casa sem nem nos olhar, logo depois voltou carregando várias sacolas.
Angélica: Precisa de ajuda, Laura?
Laura: Não, querida. Obrigada! - ela disse tão secamente quanto meu pai disse oi pra mim.
Angélica: Quer jantar lá em casa?
Felipe: Eu adoraria... Podemos ir agora?
Angélica: Por favor. Antes que sobre sermão pra mim também.
Quase me levantei do sofá antes de me lembrar do castigo.
Felipe: Não posso... estou de castigo ainda. - sussurrei bem baixo.
Angélica: Mas que droga! E se eu pedir?
Felipe: Quem sabe...
Fomos pra cozinha, minha mãe estava limpando o fogão. Estava de costas pra nós quando entramos, e rapidamente a Angélica agarrou minha mão e chamou pela minha mãe.
Angélica: Laura?
Ela olhou pra trás e seus olhos se prenderam nas nossas mãos entrelaçadas.
Laura: Sim, querida?
Angélica: O Felipe pode jantar na minha casa essa noite? Precisamos falar com minha mãe.
Ela demorou um pouco pra responder, seus olhos se alternavam entre as mãos dadas e o sorriso da Angélica, que era bem convincente, se minha mãe caísse na mentira, ela entenderia que eu tinha pedido a Angélica em namoro e estava indo falar com a Rose.
Laura: Tudo bem, pode... Juízo, Felipe.
Felipe: Tá.
Saímos da cozinha e fomos pro meu quarto, eu coloquei uma roupa apresentável pra sair, a Angélica esperou dentro do quarto, mas virou de costas.
Angélica: Não vai tomar um banho?
Felipe: Tomo banho quando voltar, não quero dar tempo do meu pai sair do banheiro.
Peguei meu celular, dinheiro na minha gaveta, segurei a mão da Angélica e puxei-a pela casa, passamos pela cozinha rapidamente e dissemos quase juntos: "tchau".
Minha mãe respondeu a mesma coisa: "tchau, juízo".
Eu sabia que a parte do juízo era pra mim, mas ignorei. Só voltei a andar devagar quando tomamos uma boa distância da minha casa!
Felipe: Achei que queria ir devagar, já deixou claro pra minha mãe que tá rolando algo.
Angélica: Se não fosse assim, ela não deixaria você vir comigo.
Felipe: Agora não tem jeito, vamos ter que fazer isso mesmo.
Angélica: Que? Você ainda estava em dúvida?
Felipe: Sim, eu estava! Sou inseguro, você sabe disso!
Angélica: Agora já foi... - ela disse com uma risadinha - E mais, vamos ter que falar com minha mãe sobre esse namoro.
Eu já tinha pensado nisso. Se realmente falássemos sobre o namoro com a Rose, e ela comentasse com minha mãe depois, ganharíamos confiança da minha mãe. E do meu pai.
Fomos andando devagar, a Angélica sempre agarrava minha mão quando passávamos na casa de algum vizinho que estava pra fora. A maioria ficava nos olhando fixamente, nós cumprimentávamos e seguíamos nosso caminho.
Agora não tinha mais volta, quero dizer, até tinha, mas a um custo alto com meus pais. A essa hora meu pai já devia ter saído do banho, perguntado por mim e por que minha mãe me deixou sair. E provavelmente ela diria que me deixou sair porque eu estava indo até a casa da Angélica falar sobre nosso namoro com a Rose. Coisas a moda antiga, é verdade. Hoje em dia namoros começam e acabam sem os pais nem saberem.
Enfim chegamos na casa da Angélica, soltamos as mãos por um tempo e deixei ela entrar na frente. A Rose estava na cozinha, preparando o jantar.
Angélica: Chegueeei! - Ela disse entrando na cozinha e dando um beijo na sua mãe, que ainda não tinha me visto na porta da cozinha - Trouxe um visitante!
A Rose olhou pra trás e abriu um largo sorriso ao me ver parado ali.
Rose: Aaah, que companhia boa! - Ela disse se aproximando e me dando um beijo no rosto - Tudo bem, rapaz?
Felipe: Tudo ótimo, e com a senhora? - Menti.
Rose: Tudo bem, tudo bem! - Ela sorriu - Vai jantar aqui, né?
A Angélica e eu nos entreolhamos.
Felipe: Não vou incomodar?
Rose: Claro que não, claro que não! Você é sempre bem vindo, meu querido!
Felipe: Obrigado.
Angélica: Precisa de ajuda, mãe?
Rose: Pode adiantar o arroz? Assim vamos jantar mais cedo!
Angélica: Claro! Sabe fazer arroz, Lipe?
Rose: Ai, filha... Não vai por ele pra cozinhar, né? Coitado!
Felipe: Só me incomodaria ficar parado olhando... - Falei chegando perto da Angélica.
Angélica: Hein, sabe fazer arroz?
Felipe: Claro, eu faço meu almoço todo dia, esqueceu?
Angélica: Ai, onde tô com a cabeça? - Ela riu.
Rose: Em cima do pescoço, agora deixa o garoto em paz.
Felipe: Mas eu quero ajudar! - Falei rindo.
Angélica: Tá vendo, mãe? Ele é um bom menino.
A Rose nos olhou com cara de "huum, aí tem coisa" e disse: "É, né?". Mas ignoramos, eu fiquei com vontade de rir, pra ser bem sincero, mas não fiz isso. Só ajudei a Angélica com o arroz! Na verdade foi meio complicado, porque fazer arroz era tão simples que dois era demais pra essa tarefa.
Angélica: Pode acender o fogão pra mim, fazendo favor?
Felipe: Claro...
Foi automático, virei a "chave" do gás e apertei o botão elétrico pra acender o fogo. Com isso só senti um tranco no braço... Dei um pulo pra trás e a Angélica caiu na risada.
Rose: Angélica, não avisou ele, menina?
Mas ela estava rindo muito pra responder.
Rose: Tudo bem, querido? - Ela disse parando ao meu lado e colocando a mão no meu ombro.
Felipe: Tá, foi só o susto!
Rose: Esse fogão tá com problema, tá dando fuga de energia quando você aperta o botão pra acender, tem que acender com fósforo mesmo! Aí, filho, desculpa! Essa Angélica!
Felipe: Não se preocupa, tá tudo bem... - Falei começando a rir junto com a Angélica.
Rose: Essa Angélica não tem jeito... Ele poderia ter se machucado ou machucado alguém se tivesse uma faca na mão!
Angélica: Mas não tinha, mãe... Foi só um choquinho. - Ela disse parando de rir aos poucos.
No final das contas, mesmo tomando choque, eu acendi o fogo pro arroz.
Rose: Seus pais estão em casa, Felipe?
Felipe: Estão, estão sim!
Rose: Você avisou eles que vinha aqui, né?
Felipe: Sim, claro! A Angélica estava lá também.
Rose: Ah, tudo bem então!
As vezes a Rose nos tratava como se fôssemos crianças de 10 aninhos indo brincar na casa um do outro. Mas eu achava isso legal nela. Mostrava que ela se preocupava conosco.
A comida ficou pronta bem cedo, era pouco mais de sete e meia, eu estava acostumado a jantar um pouco mais tarde, lá pelas oito e meia, quase nove horas, tanto que nem estava com fome ainda. Mas eu sabia que as duas jantavam cedo, mais um pouco e já seria tarde pra elas estarem jantando.
A Angélica e eu arrumamos a mesa pra jantarmos, enquanto a Rose foi ao banheiro.
Felipe: Não precisava do choque...
Angélica: Aah, foi engraçado...
Felipe: Não foi, não!
Angélica: Aaawn, tadinho... - ela disse apertando minha bochecha.
Quando a Rose voltou pra cozinha eu fiquei um pouco nervoso... As coisas iam ficar mais sérias a partir de agora.
Enquanto jantamos, a Rose ficou contando sobre desastres culinários que ela tinha feito durante a vida, algumas coisas não tinham graça, como as histórias em que ela só pois muito sal ou pouco sal (sim, ela contou coisas assim) mas as histórias em que o bolo de aniversário não cresceu, ou o brigadeiro ficou duro como pedra, ou até mesmo do bolo que vazou da forma, essas foram engraçadas.
Fui o último a parar de comer, um pouco envergonhado pois pareceu que eu estava esfomeado.
Rose: Bom, vamos arrumar a mesa?
E meu coração disparou quando a Angélica me cutucou com o pé por baixo da mesa e disse: "mãe, antes disso, queremos falar uma coisa com a senhora!".
Rose: Pra você me chamar de senhora, é porque é sério. - Disse brincalhona.
Angélica: Na verdade é o Felipe quem vai falar...
Rose: Aah, entendi... Então digam.
Fiquei nervoso, minha boca parecia colada. Não teria mais volta depois de falar o que estava pra falar.
Rose: Não precisa ficar tão nervoso, pode falar!
A Angélica me chutou por baixo da mesa, eu não sabia o que falar, como falar? Eu devia só falar que pedi a Angélica em namoro ou devia pedir permissão? Dizer que estávamos namorando, já?
No terceiro chute da Angélica eu soltei de uma vez: Pedi a Angélica em namoro.
Nos entreolhamos, ela estava séria.
Felipe: Eu queria sua permissão... - falei sem jeito. Me senti um pouco antigo. Me senti um grande babaca, na verdade.
Ela bateu as mãos na altura do rosto, sorrindo de uma orelha até a outra.
Rose: Ai, que maravilha! Eu torcia tanto pra isso, desde o começo!
Me senti mal... Eu aceitei essa história de fingir um namoro com a Angélica porque sabia que não a magoaria na hora de romper... Mas agora eu percebia que essa história afetaria a Rose também.
Rose: É claro que tem minha permissão! Vocês tem até meus desejos de que tudo dê certo, meus amores!