Eps. 01 - meu aniversário
Parte da série O olho da alma
Boa noite pessoal, é a primeira vez que posto contos aqui neste site.
Já escrevi no site da casa dos contos, mas, infelizmente, acabei abandonando os meus contos. Havia ficado sem tempo por conta da faculdade.
Esse é um conto que comecei a escrever recentemente. Espero que gostem. Planejo postar um capítulo a cada semana. Vamos ver como será.
Espero que gostem do conto e bom conto!
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Eps. 01 – Meu aniversário
Às vezes me sinto só como um peixe fora d’água. Como um ser, no meio de tantos outros de mesma espécie, mas tão diferentes que poderíamos ser considerados seres de outros mundos.
17/09/1998. Há exatos dezessete anos, eu vim a nascer. A gravidez de minha mãe foi complicada. Passamos por maus bocados. Eu nasci prematuro, sem nenhum problema físico aparente. Minha mãe e meu pai ficaram muito felizes com a novidade que eu era. Eles sempre foram muito unidos. Acho que se amaram desde sempre, foram feitos um para o outro.
Naquele ano, meus pais me contaram que eles tiraram licença e depois férias de seus empregos. Como ambos eram professores, ficaram basicamente um ano comigo. Eles me contaram que nunca haviam sido mais felizes na vida do que quando me tiveram. Para eles eu era um anjinho ruivo, com minhas sardinhas, meus olhos verdes e minha pele branca como a neve.
O tempo se passou e eu comecei a engatinhar, ou tentei, pelo menos. Toda vez que eu engatinhava eu esbarrava em alguma coisa. Logo eles perceberam que tinha alguma coisa errada.
Por fim resolveram consultar meu pediatra. Ele fez diversos testes e passou alguns exames. Com o resultado, eles descobriram que eu era cego e isso foi um baque nas nossas vidas. Eles me contaram que choraram muito e que jamais pensaram em me abandonar, que enfrentariam tudo e todos por mim.
Como são educadores, meus pais conseguiram levar o processo numa boa. Eles queriam fazer parte do meu mundo em todos os sentidos. Com o passar dos anos, eu comecei a usar a bengala e a aprender o braile. E meus pais aprenderam também. Obvio que com uma precisão um pouco menor que a minha, uma vez que eles ainda tinham a visão, ou seja, não dependiam somente desses instrumentos. Mas eles aprenderam bem.
Eu cresci e comecei a frequentar a escola direito. Isso foi com uns 7 ou 8 anos. Até então, eu só havia tido aulas em casa. Eu tinha medo de ir para a escola e meus pais, preocupados, concordavam comigo.
Minha escola era a mesma que eles davam aula. Eles nunca foram meus professores, mas sempre estavam por lá, comigo, e eu ficava muito feliz com isso.
Embora eu fosse cego, não foi difícil fazer amizades. As outras crianças pareciam querer entender mais sobre mim e me ajudavam com as coisas. Óbvio que tinham aqueles que não me suportavam por seus próprios motivos, mas eu nunca me senti inferior a ninguém.
Estudando em uma escola comum, eu não conhecia mais nenhum cego e mesmo naquela multidão de crianças, às vezes, eu me sentia só. Ninguém compartilhava dos meus desejos. Eu queria ver as coisas. Aproveitar as mais variadas matizes das mais variadas cores. E me sentia triste, por saber que aquilo não era possível.
Quando me falavam de cores, eu tentava idealiza-las. Tentava associa-las a outras coisas. Como vermelho a fogo, branco a neve, entre outras. Era difícil, mas eu me divertia com meus melhores amigos, Ana e Thiago, tentando achar coisas que definissem as cores.
Eu e a Ana nos conhecíamos, basicamente, desde sempre. Ela é filha de um casal de amigos dos meus pais, o Tio Lucas e a Tia Andreia. Ela sempre me ajudou com as coisas e era um dos amores da minha vida. Já o Thiago, nos conhecemos há 5 anos, mais ou menos, quando ele entrou em nossa escola e se sentou próximo a mim, em um dos lugares vazios. Mas desde o primeiro “oi”, nos tornamos inseparáveis.
E agora estávamos ali, na sala da minha casa, meus pais, a Ana e seus pais, o Tio Lucas e a Tia Andréia; e o Thiago e os pais dele, o Tio André e a Tia Lúcia. Depois que nos tornamos amigos, os pais do Thiago também se tornaram amigos dos meus pais. Aquela era uma comemoração pequena, para os mais próximos, afinal, era o meu aniversário e isso para mim era muito importante.
Todos que eu achava que eram importantes em minha vida estavam ao meu redor, como eu mais queria naquele momento. E assim, com meus irmãos de coração ao meu lado, em frente ao meu bolo e às minhas 17 velhinhas, eu pedi “Por favor, que todas as mudanças a partir de hoje sejam só para melhor!” e assoprei as velhinhas. Meus irmãos me ajudaram nessa hora.
Depois de todos comerem bolo e os docinhos, estava na hora de ir embora. Já passava de meia noite quando os pais dos meninos resolveram ir embora. E eu não queria ficar sozinho em casa naquele dia, não queria me sentir só em um dia tão importante para mim. Os meninos estavam perto de mim naquela hora, então falei com eles:
- Thi, Ana, vocês querem ficar aqui em casa hoje? Eu não quero ficar sozinho.
- Claro! – falaram em um uníssono.
- Se a gente ficar, podemos ver um filme de terror, bem terror! MUAHAHAHA... – falou o Thiago entusiasmado.
- Isso, isso! – completou a Ana.
- Ta, vou falar com os meus pais. – eu disse por fim.
Fui caminhando pela casa, que não era muito grande, era um apartamento de 3 quartos, sendo 2 suítes, no 14º andar de um prédio na zona sul de Niterói. Nós morávamos ali desde que eu nasci e os moveis nunca foram mudados de lugar, então eu me sinto bem confortável em andar pela casa, mesmo não enxergando. Fui andando do meu quarto até a sala, na qual eles estavam.
- Papai, mamãe... – os chamei.
- Fale meu anjo! – mamãe disse, chegando próximo a mim e colocando a mão no meu ombro.
- Os meninos podem dormir aqui em casa? – pedi, por fim.
- Não sei não, meu filho... Só se vocês aprontarem muito! – mamãe disse rindo e me fazendo cócegas.
- Ebaaaa, vou lá pro quarto arrumar as coisas! – fui correndo para o quarto.
Estava tão feliz que quando entrei no meu quarto me joguei na cama, achando que estava vazia. Mas não estava. Os meninos estavam nela. E eu me joguei bem em cima deles, principalmente em cima do Thi.
- Ai, ai... Calma Be, não precisa tentar matar a gente... – falou a Ana, reclamando e rindo ao mesmo tempo.
- É mesmo! – concordou o Thi. – Mas e ai, seus pais deixaram?
- Claro que deixaram, você acha que ele estaria nessa euforia se eles tivessem dito “não”? – respondeu Ana.
- Ah, me desculpe dona sabichona. – falou o Thi rindo e zombando de Ana.
Eu não conseguia parar de rir.
Por fim, ajeitamos os colchoes no chão e dormiríamos juntos lá, como sempre.
O Thi, que teve a ideia de ver o filme, e a Ana escolheram o filme que veríamos. Escolheram Jogos Mortais. Colocaram o filme para rodar e deitaram do meu lado. Aquelas músicas de suspense sempre me matavam e eu era muito medroso. Já estava morrendo de medo, mas sem saber o que estava acontecendo no filme. Ficamos em silêncio o filme todo e eu achei isso estranho. Nunca ficávamos assim. Um ou outro sempre ficava me contando o que estava acontecendo no filme.
O filme acabou, e ficou silêncio e eu escutei um estalo. Eu já havia escutado aquele barulho antes, mas não estava me lembrando de onde. Então os chamei:
- Thi, Ana, ta tudo bem? – perguntei.
Ouvi de novo o mesmo estalo de antes e lembrei. Eu escutava um barulho parecido com esse todas as vezes que pessoas se beijavam, de língua.
- Oi Be, filme bom né? – ela parecia muito feliz e estava rindo a toa.
- Né? Também achei, foi ótima a escolha! – o Thi respondeu e eles trocaram risinhos.
- Eu fiquei com medo, não sabia o que estava acontecendo direito e aquelas musiquinhas de suspense estavam me matando. – eu falei, tremendo um pouco. – Vocês tavam ficando? - perguntei por fim.
Não escutei mais nada, parecia que eles tinham até parado de respirar.
- Sim, isso não é legal? – falou a Ana um pouco animada.
- É sim! – respondi, feliz por eles, mas triste por me sentir só, mesmo estando com meus irmãos do coração.
O Thi percebeu e pulou em cima de mim, me assustando e me fazendo cócegas. Ele era totalmente o oposto de mim. Ele era alto, forte e tinha o cabelo engraçado. Era bem liso e grosso, típico de índio. Eu achava muito bom passar a mão no cabelo dele. A Ana me falou que ele tinha os olhos azuis mais lindos que ela já tinha visto na vida.
Eu não conseguia me soltar por nada, ele havia me segurado e a Ana entrou na brincadeira me fazendo mais cócegas. Eu já estava ficando sem ar e pedia “Socorro, socorro...” e ria mais. Meus pais provavelmente escutavam tudo de seu quarto, mas deviam estar rindo, já estavam acostumados com tudo isso.
Eu ria e me esperneava e o Thi falava.
- Pede arrego... – e a Ana parava um pouco de me fazer cócegas.
- Nunca! – eu falava, meio sem ar.
- Você quem pediu! – a Ana falava e voltava a fazer cócegas
Por fim eles deitaram e me puxaram para ficar com eles. O Thi ficou deitado atrás da Ana e eu deitei na frente dela, com ele nos abraçando.
- Vocês ainda vão me matar fazendo essas coisas. – eu disse.
- Só queremos ver você sorrindo, sempre! – disse o Thi, passando a mão no meu cabelo.
- É, não gostamos de ver você pra baixo. – completou a Ana.
- Obrigado meninos, vocês não sabem como eu amo vocês! – eu disse e senti o abraço apertado do Thi.
Ficamos naquela posição até que dormimos.