Capítulo Quatro

Conto de Sr. Costa como (Seguir)

Parte da série Passio - O Livro do Amor

Anjo e Demônio

- Bom dia, priminho. Parece que hoje você dormiu muito bem – disse João, assim que eu cheguei na cozinha.

Ele estava sentado sozinho no balcão – a cozinha da minha tia era estilo americana. - Meu tio tinha ido para o escritório de contabilidade e minha tia tinha ido resolver algumas coisas no salão de beleza.

- Deve ter sido o banho de mar – disse.

- Ou então a saliva de um dos meus amiguinhos. E você não ia me contar?

- Ah... É... Complicado.

- E o Gilberto?

- Ele tem uma namorada. Você acha que eu tenho que ser o amante gay?

- Não é isso, priminho. Eu só achei repentino... O Thales é um cara bacana. Mas isso é um pouco estranho. Eu sou tecnicamente seu irmão mais velho e ele é o meu melhor amigo.

- Você não tem que me tratar como uma menina. Eu sou um garoto, e eu não quero ser tratado diferente disso.

- Seu pedido é uma ordem, capitão. - disse ele, me fazendo rir, antes de eu “pular” em cima dele, para dá-lo um abraço como se ele fosse um dos meus bichinhos de pelúcia.

- Eu estive pensando em conversar com os seus pais.

- Sobre?

- Sobre ser gay. E eu queria saber se você acha que eu deveria não contar até eu ir morar sozinho.

- Você tem casas num monte de lugares. Não está aqui de favor.

- Eu sei que meu pai deixou várias casas, e que só os aluguéis e as pensões podem me sustentar, mas é mais a questão de ficar sozinho.

- Se a sua preocupação é essa, não precisa se preocupar.

- Você me aceitou tão bem... quer dizer... eu nem sabia que você sabia, e do nada você fala comigo como se nada tivesse mudado.

- E não mudou. Você é a mesma pessoa que eu conheço desde que eu me entendo por gente.

- Poucas pessoas pensam como você.

- Se você quiser falar com eles eu te dou total apoio. E eu te aceitei porque você é meu primo, quer dizer, aceitaria qualquer um. Porque não aceitar? O que me diz se você é uma boa pessoa ou não é o seu caráter, sua índole, e não sua condição sexual. Da mesma forma, que o Thales é o meu melhor amigo, e eu confio mais nele do que em qualquer outro.

- E eu?

- Você é meu irmão. Eu estou falando dos amigos, da galera...

- Entendo... Sabe o que queria agora?

- O Thales?

- Não, bobo... Eu queria separar algumas roupas pra dar, ir no centro, comprar umas coisas novas, me matricular na academia.

- Academia?

- Agora eu moro de frente pra praia, um menino da minha idade não se pode dar ao luxo de não ser sarado. E eu já estava querendo malhar mesmo, só estava esperando ficar um pouquinho mais velho.

- Justo. Eu também comecei com quinze anos.

- Mas você sempre foi... Esquece.

- Ah, não. Agora você vai ter que falar.

- Você é meu primo, e é heterossexual, eu fico sem graça de falar essas coisas.

- Fala, Passus.

- Ah! É que você sempre foi gostoso. É isso. Pronto, falei!

- Nossa! Assim eu fico até sem jeito – disse ele, fazendo charme.

- Ah, para! Você já deve ter ouvido muito isso na academia, na praia, na boate, na rua, na vida!

- É que é diferente. Eu já recebi cantada até de meninos, mas você é meu primo, e soou tão natural, não sexual. Entende?

- Pra falar a verdade, eu tive muita sorte, porque todos você são lindos.

- É de família – disse ele, me abraçando. - Mas já que você está tão animado assim, vamos terminar esse café e nos arrumar. E mais uma coisa, agora que você está morando aqui, vai me ajudar com as compras.

- Compras?

- Eu bem sei que é você que ajudava sua mãe a comprar roupa.

- É por isso que eu sempre soube que ela sabia. Só estava esperando eu contar.

- Dizem que as mães sempre sabem.

- E é verdade. A gente sente quando as pessoas sabem.

- Mas você disse que não tinha ideia que eu sabia.

- Não de fato. Mas pra mim vocês sempre desconfiaram, quer dizer, depois que eu fiquei mais velho com uns treze, quatorze anos.

- Pra falar a verdade eu e os meninos estávamos comentando sobre você lá na vó, no ano novo, antes de eu ir para o banho. Mas pode ficar tranquilo, ninguém iria te excluir do nosso bando – disse ele, me fazendo rir.

- Que bom.

- Você percebeu que a gente falou da sua mãe de boa?

- Percebi. É melhor sorrir com lembranças do que chorar por elas.

- Além de jornalista, você vai escrever um livro de pensamentos, que vai ser o maior sucesso – disse ele, me fazendo rir.

- Que os anjos ouçam suas palavras.

- Seus pais costumavam dizer isso.

- É verdade. E eu costumei a acreditar.

- Acreditar que?

- Que os anjos podem realizar nossos sonhos.

- Quem sabe? Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.

- Depois eu que sou o pensador aqui.

- Isso que dá conviver com o filho da professora de filosofia da universidade.

Depois do café nós fomos nos arrumar. Depois do banho, eu passei uma fragrância que vovó tinha me dado, na frente do espelho eu fiquei me olhando só de toalha. No meu peito a mesma manchinha que meu pai tinha, mais para cima, o queixo e o nariz me lembravam muito os dele, já o cabelo era todo da minha mãe, até a mesma forma com que ele nascia e caia sobre minha testa. Olhar para meu reflexo daquele jeito era sentir como se eles estivessem ali comigo. E de fato estavam, e isso me ajudava a diminuir a dor que a ausência física deles me causavam.

De repente algo passou pela porta, mas não era João. Ou estava impressionado.

- João?

- Fala – disse ele, aparecendo na porta, do lado oposto ao que o vulto tinha ido.

- Você estava no corredor?

- Estava no espelho tirando foto. Porque?

- É que eu vi alguém passando pela porta, mas deve ser coisa da minha cabeça, eu estava pensando nos meus pais, devo ter ficado impressionado.

- Só pode ser isso, eu estava no corredor, não passou ninguém pela porta. Fica tranquilo – disse ele, me abraçando.

- Você fica comigo enquanto eu acabo de me arrumar?

- Fico.

Eu tirei a toalha da cintura – por sorte já estava de cueca. Meu primo era homem também, mas essa coisa de gay me dava alguns desconfortos.

Nós saímos e a primeira coisa que fizemos foi passar num curso de inglês que eu fazia na outra cidade. Por ser o mesmo curso, mesmo não sendo a mesma franquia, só precisei de uma declaração de transferência, que eu poderia requerer por e-mail.

Depois fomos fazer compras, e como João foi cortar o cabelo e fazer a barba, aproveitei para mudar meu visual, encurtando meu cabelo Justin Bieber.

- Apesar de estiloso pensei que você nunca ligasse para moda – disse João, quando saímos da barbearia.

Mais tarde fomos a academia. E depois passamos em casa para deixar as roupas.

- Bom dia, galera. Eu não sabia que vocês tinham saído – disse Thales, parado na porta do apartamento.

- Esperou muito?

- Não. Acabei de subir. Isso que dá não interfonar.

- Você é de casa, já acostumou. É que eu antes eu não saia sem vocês, agora com o meu primo aqui...

- Falou o cara sem amigos - disse.

- Eu vim ver se você – disse ele, para João – quer dizer, vocês querem ir no cinema mais tarde.

- Um. Você podia ter ligado. Dois. Você disfarça muito mal. E três. Ele já sabe sobre a gente – disse, dando um beijo em Thales.

Nós entramos e ficamos lá uns quarenta minutos, conversando, beliscando algo e separando as roupas para doação que seriam substituídas pelas novas. Meu primo resolveu fazer o mesmo com as dele.

- Não quero que você pense que eu sou um cara riquinho, playboy e mimado. Mas essa é a primeira vez que estou fazendo uma coisa assim. Quando eu era criança, era minha mãe que dava umas roupas minhas, e depois que eu cresci ela parou de fazer e não é que eu não quisesse, mas eu nunca tive uma ideia tão simples assim – disse João.

- Eu gosto de fazer isso. Eu me sinto bem fazendo o bem. Fico imaginando as pessoas que não nasceram com a nossa sorte. Nunca tiveram nem um pai e uma mãe para cuidar deles.

- Nossa. Você fica mais lindo ainda dizendo essas coisas – disse Thales, me fazendo sorrir, e recebendo um beijo por isso.

- Eu imaginava que os gays fossem mais melosos, mas nunca imaginei tanto – disse João, nos fazendo rir.

Mais tarde fomos almoçar juntos no shopping, onde encontramos Milena e Ariana, as amigas de João que estavam na praia no dia anterior. E surpresa...

- Passus? Como você está cara? - Era Gilberto, se aproximando, acompanhado por Jaqueline.

- Gilberto? Eu não sabia que você ia voltar pra Cabo Frio – disse. - Oi, Jaque – disse, abraçando-a.

- Meu pais queriam conhecer a Jaque, e meu pai fez questão de falar com o pai dela, e o convenceu de deixá-la vir.

- Que bom – disse, tentando parecer o menos sem-graça possível, pelo beijo que tinha rolado entre a gente, de fato pela primeira vez, e por Thales, para quem eu tinha contado sobre Gilberto. - Deixa eu apresentar a vocês, meu primo vocês já conhecem, e esse é o Thales, e as meninas, Milena e Ariana.

Todos se cumprimentaram.

- Vocês estão fazendo compras? - Perguntou Jaqueline.

- Já fizemos hoje de manhã. Viemos almoçar e acabamos encontrando a galera – disse João.

- Legal – disse Gilberto, parecendo mais sem graça que eu, Thales e João juntos.

- Nós vamos ao cinema. Vocês não querem vir com a gente? - Sugeriu Jaqueline.

- Não sei, é que a gente está com o Thales...

- Por mim, tudo bem. Está passando uns filmes legais mesmo. E eu adoro cinema. Mas só se vocês não se importarem – disse Thales, mais pra mim que para os outros.

- Tem certeza?

- Absoluta – disse ele, sorrindo, e eu sabia que era de verdade.

Então nós fomos.

- Eu não quero fazer nenhum prejulgamento, mas eu não sabia que você ia aceitar de boa. Você tem certeza que não vai ser desconfortável pra você? - Perguntei para Thales, quando já estávamos dentro do cinema.

- Tenho. E nós só estamos ficando.

- É bem mais do que eu tenho com ele – disse, sorrindo.

- Se não tivesse ninguém aqui eu te dava um beijo bem gostoso na sua boca.

- Tem medo do que?

- Você não liga?

Eu fiz que não com a cabeça.

- Não quero parecer que estamos o provocando.

- Eu vou conversar com ele, assim como te contei sobre ele. Posso pelo menos segurar sua mão?

- A mão? Tudo bem, por enquanto só a mão está bom.

Eu dei um tapinha no braço dele. E olhei com reprovação, mas sorrindo.

No meio do filme Thales foi buscar mais pipoca e me chamou para ir com ele.

- Posso ajudar? - Perguntou uma das meninas do balcão de pipocas, refrigerantes e doces.

- Mais um combo grande, com guaraná – pediu Thales. - Quer um chocolate?

Eu concordei.

- E duas barras de chocolate – disse ele.

- Eu vou ao banheiro, rapidinho – disse.

- Tá, eu vou te esperar aqui porque não vou entrar lá com essas coisas todas.

- Já volto – disse, saindo em direção ao banheiro do cinema.

Assim que entrei, ouvi a porta se abrindo atrás de mim, mas quando olhei, não era ninguém. Eu fiquei um pouco assustado, mas segui para uma das cabines – eu não gostava de usar os mictórios.

- Passus? - Chamou um homem, abrindo a porta da cabine que eu estava usando.

- Quem é você?

Era o mesmo homem que eu jurava ter visto no estacionamento do edifício onde meus tios moravam.

- Não importa agora...

- Claro que importa. Eu estou tentando usar o banheiro se você não percebeu.

- Sou o Guardião. Você é um escolhido de sua geração. Um Carssor. O anjo e o demônio do amor.

Eu gritei. Mas ele desapareceu, deixando uma fumaça branca como impressão.

- O que foi? - Perguntou Thales, entrando no banheiro desesperado, correndo para me abraçar.

Eu não tinha percebido, estava chorando.

- Um cara entrou aqui e disse que...

- O que? O que ele disse?

- Não lembro – menti.

Nós voltamos para a sala de cinema que estávamos.

- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou João.

- Entraram no banheiro atrás do seu primo. Mas o cara foi embora.

- Você está bem?

- Ele não fez nada. Acho que estava bêbado, foi só um susto – disse.

- Tem certeza?

Eu concordei.

Comentários

Há 1 comentários.

Por ThiagoAraújo em 2014-05-25 21:13:38
nossa, está bastante interessante essa história de anjo e demomio do amor