Capítulo 6
Parte da série Passio - O Livro do Amor
Substituto
Era Carnaval, meus primos foram todos para a casa de João, inclusive as meninas. Quando eles chegaram, fomos direto para a praia.
- Você parece estar lidando bem com tudo, dá pra ver no seu sorriso – disse Diego, quando todos estávamos sentados na areia.
- Eu não vou dizer que estou cem por cento bem, que não me importo, que não dar vontade de chorar olhando esse mar lindo, que meus pais tanto amavam. Mas eu não vou ficar melancólico depressivo, enquanto posso curtir tudo isso, todos vocês... Até porque eu não sei se vou estar aqui amanhã ou depois, então prefiro aproveitar o agora.
- A gente te entende – disse Fernando.
- Bom dia – disse Vanessa, me abraçando pelo peito e me dando um beijo no rosto.
E um coro de “hum” rompeu dos meus primos.
Vanessa estava acompanhada de Robson e Igor, um dos amigos de João, que agora estava ficando com Vanessa.
- Para gente, a Vanessa é minha amiga, e o namorado dela é o Igor, amigo do João.
Todos se cumprimentaram.
Logo em seguida, chegaram Milena, Ariana, Oliver, Bruno e Thales, que se sentou do meu lado.
- Não vai me dar um beijo de bom dia? - Perguntei, dando um selinho nele.
- É que eu não sabia se eu devia – disse ele.
- E você é? - Perguntou Fernando.
- Thales – disse ele, dando a mão para Fernando apertar.
- Você tem quantos anos?
- Ele tem dezoito, não usa drogas, frequenta a escola, quando bebe não dirige, e me respeita – disse.
- Não fica bravo comigo, só estou fazendo meu trabalho de primo mais velho.
- Eu já disse isso para o João e vou dizer pra vocês também. Eu sou um garoto, e vocês não precisam me tratar diferente disso.
- É só que a gente se preocupa com você – disse João.
- Muito obrigado pela preocupação – disse ironicamente.
- Você já tinha contado para os seus primos sobre você?
- Só para o Fernando. Os mais novos só ficaram sabendo agora.
- Parece que eles não se importaram muito.
- Eu vou dar um mergulho – disse Mateus, se levantando sem olhar para mim.
- Até agora – acrescentei para Thales.
- Não liga para o irmão, Passus – disse Diego.
- Tudo bem, gente. Não me desrespeitando ele pode ter a opinião que ele quiser.
Thales me abraçou pelo ombro e me deu um beijo no rosto.
Agora todo mundo sabia sobre mim, Mateus era o único que tinha um pouco de preconceito, e eu sentia isso, ele evitava ficar perto quando Thales e eu estávamos juntos, e sempre fazia cara de reprovação quando eu ou alguém comentava alguma coisa sobre o assunto.
- Seu namorado tem algum irmão? Um primo? - Perguntou Juliana, enquanto os meninos estavam na água.
- O Oliver é um gatinho – disse.
- É. Porque não?
Todo os dias foram a mesma coisa, nós íamos para a praia de manhã e trio elétrico a tarde. E a noite era show e depois rua até muito tarde.
De vez em quando eu me pegava chorando, quando algumas músicas que tocavam nos shows me faziam lembrar meus pais.
- A cada lágrima que você derramar vou te fazer dar dois sorrisos – disse Thales ao meu ouvido, em um desses momentos.
Fernando me pareceu mais protetor até do que João, não saia de perto de mim e Thales. E quando alguém fazia alguma piadinha sobre o “casal gay”, ele olhava feio para a pessoa, que até saia de perto.
Fernando era bem maior do que todos os garotos que estavam ali, além da musculação, conhecia pelo menos quatro lutas diferentes, e não era metrossexual, então era do tipo brutamontes, cabeludo, que deixava qualquer um tremendo na base. Mas ao contrário da imagem era um cara de coração grande, que ficou bem maior depois que eu me assumi. Meus primos realmente me protegiam como se eu fosse uma das meninas, e isso era no mínimo cômico.
O final de semana acabou e com ele foi-se o feriado. Depois da quarta feira de cinzas voltamos a escola.
- O assunto do momento agora será a Laísa – disse Vanessa, se sentando ao meu lado.
- Ai, o povo se preocupa muito com a reputação das pessoas, são uns hipócritas, falsos moralistas, e preconceituosos – disse.
- Se ela quer ficar com sei lá quantos no trio, qual o problema?
- O problema é que as pessoas não enxergam o próprio umbigo e ficam observando as atitudes alheias para criticá-las – disse Robson, um outro colega nosso que se sentava atrás de nós. Ele era heterossexual só para constar.
Ela entrou na sala, e todos a olhavam, uns com curiosidade, outros com repugnância, e poucos com compaixão.
- Quem foi o idiota que fez isso? - Perguntou ela, levantando uma folha que estava na sua mesa, largando o material na cadeira e saindo da sala.
Eu fui até a mesa dela, um desenho de uma garota beijando outro menino com uma fila de outros meninos esperando, e em cima escrito em letras garrafais “PIRANHA”
- Babacas – murmurei, enquanto saia para tentar seguir Laísa.
Ela fora para o ginásio.
- O que foi? Veio me criticar também? - Perguntou ela, enquanto eu me aproximava.
Laísa e eu nunca fomos nem colegas, principalmente a partir do momento em que se espalhou a notícia de que “o garoto popular do terceiro ano namorava o novato do primeiro”. Ironia, era eu não estar julgando-a.
- Na verdade eu vim para dizer que você tem que abstrair tudo o que esse garotos disserem sobre você. Tem que encarar de frente e com naturalidade. E que se você precisar desabafar, ou qualquer coisa, pode me procurar.
- Eu fui a primeira a te julgar por ser gay. E agora você está me ajudando?
- Algumas pessoas são assim – disse, me virando.
- Passus? - Chamou ela, me fazendo me virar de volta para encará-la. - Valeu. E só pra constar eu tenho um pouco de inveja de você.
- Inveja?
- Você é gay e mesmo assim é um pouco popular. Você tem uma vida incrível que não se resume só a escola. Já vi nas reuniões como sua família te adora. E além do mais, você namora o cara mais gato do terceiro ano – disse ela, me fazendo sorrir.
- E se você quiser, eu também posso ser seu amigo – disse, dando a mão para ela se levantar.
Laísa e eu voltamos juntos para a sala de aula, e ela se sentou ao lado de Robson.
Os primeiros tempos voaram, só porque eram as aulas de que eu mais gostava: Português seguido de Inglês.
Na hora do intervalo Thales foi me buscar na porta da minha sala, acompanhado por Igor, Milena e Oliver. E nós fomos para a cantina os cinco, acompanhados por Vanessa, Robson e Laísa. Meus amigos achavam o máximo andar com a galera do terceiro ano.
Eu e Thales éramos do tipo totalmente assumidos, mas que não ficavam de pegação toda hora. Beijávamos o rosto um do outro quando queríamos demostrar afeto, dávamos selinho quando achávamos a atitude do outro fofa, nos chamávamos de amor, nos abraçávamos quando sentíamos necessidade, mas era só isso. Uma vez alguém disse para a diretora que estávamos de agarração, mas ela mesma desacreditou pois sabia como era nosso comportamento.
A hora do intervalo para mim não era um refúgio para ficar com os meus amigos, coisa e tal. Na escola tínhamos uma política de liberdade: conversa, aparelhos eletrônicos, acessórios, uniforme. Acho que por isso os alunos até respeitavam bastante as aulas. Alguns abusavam, claro, mas nada como uma notificação no histórico para resolver. Mesmo assim, era o tempo que eu tinha para ficar com meu namorado.
O sinal tocou, e assim como foi me buscar, Thales fez questão de me levar na porta da sala.
- Hoje a gente pode sair daqui direto para academia - disse.
- Eu não tenho aula hoje a tarde? - Perguntou ele.
- As pessoas ririam da sua cara se soubessem que eu tenho que te lembrar do seu horário.
- Você sabe que eu não sou muito bom em guardar horários, principalmente da escola.
- Homens. Não fazem nada sozinho.
- Isso significa que eu vou precisar de você por muito tempo. Talvez pra sempre – disse ele, me dando um beijo no rosto.
- Tomara que talvez – disse, fazendo ele sorrir.
- Vocês são muito fofos – disse Laísa, quando eu me sentei.
- Você diz isso agora, espera ficar vendo isso todo dia – disse Vanessa.
Eu mostrei minha língua para ela, ela devolveu e nós rimos.
- Bom dia, turma – disse uma voz diferente da que eu esperava.
Quando eu olhei, o homem que invadira o banheiro, o homem que dissera que eu era um Corssor, o homem que dissera que era o Guardião, o homem que eu tinha visto em vultos, o homem que estava me vigiando.
- O que foi Passus? Parece que ficou assustado de repente – disse Vanessa.
- Nada. É que ele parece com o cara que bateu no carro dos meus pais. Mas é só impressão minha – disse.
- Eu substituirei a professora de biologia até o final deste ano. Espero que possamos nos dar bem, afinal. Quero ser mais que um professor pra vocês.
- Papo estranho – disse Robson.
A aula correu como todas as outras. Primus, o professor substituto de biologia não me chamou a mesa, não mencionou nosso encontro anterior nem nada a ver com ele.
- Achei a aula de hoje um tanto esquisita. Pra começar o nome do professor. Primus! Isso lá é nome de gente? - Perguntou Laísa, enquanto saíamos em direção ao galpão do terceiro ano.
- É latim, significa “primeiro”, tipo o mais importante. Tudo a ver com ser professor – disse Vanessa.
- Pera aí. Só eu que não sei latim nessa cidade? - Perguntei.
- Como assim? - Perguntou Vanessa.
- Nada. Você não vai entender... Mas, enfim. Meu nome é Passus, palavra latina que originou “paixão”.
- É. Passus vem de “passio”, que significa “sofrimento”, mas deu origem a palavra “paixão”. Que antigamente era usada como “sentimento”. Ou seja, as paixões, as emoções – disse Vanessa.
- O amor.
- Um dos mais bonitos, na minha opinião.
- Hoje o Passus está parecendo nossa aula de biologia. Super estranho – disse Robson.
- Você entende bastante de latim, Vanessa.
- Só o básico. Você deveria saber mais, já que sua mãe era professora de filosofia.
De repente um flash de uma conversa com minha mãe veio a memória:
Eu tinha dez anos. E estava aborrecido porque uns meninos na escola estavam me zombando por causa do meu nome não convencional.
- Porque meu nome não podia ser Paulo ou Gustavo? - Perguntei para minha mãe.
- Nada é por acaso, meu filho. Passus é tão bonito quanto Paulo, e nada convencional quanto Gustavo. Mas o significado que ele carrega com certeza é mais puro que qualquer outro. Talvez não tanto quanto Primus, aquele que tudo guarda.
- E o que significa Passus?
- Passus era um anjo e um... Só um anjo.
- Você tem alguma ideia do que seja Corssor? - Perguntei a Vanessa.
- Não. Mínima ideia. Acho que isso nem é latim. Onde você viu essa palavra?
- Eu não lembro. Mas é que ela ficou na minha cabeça, só achei que podia ser alguma coisa – menti.
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Galera, o romance vai continuar, mas agora vai começar a fase de suspense e sobrenatural, espero que quem está acompanhando continue por aqui. Agradeço a quem está acompanhando, assim que essa terminar, farei uma que será apenas Romance/Drama. Peço que se alguém tiver alguma crítica, será tão bem vinda quanto os outros comentários. Até o próximo capítulo