Capítulo 5
Parte da série Passio - O Livro do Amor
Sem Respostas
Eram quase duas horas da manhã quando o celular tocou. Era uma ligação de Gilberto.
- Você sabe que são duas da manhã, não sabe? - Perguntei, ao atender.
- Eu sei, desculpa. É que só agora a Jaqueline foi dormir e ela não pode ouvir o que eu quero dizer – disse ele.
- Mas foi bom você ter ligado. Eu queria mesmo conversar contigo.
- Eu também queria, estava morrendo de saudade. Não poder te abraçar foi muito ruim.
- Você não é cego, Gilberto. Não se faça de bobo.
- Eu vi você com aquele carinha no cinema. Não precisa arrumar um amiguinho do seu primo para me fazer ciúmes. Vocês abe que eu te amo, mas não podia dizer não ao meu pai. Eu queria ter voltado sozinho, te fazer uma...
- Eu não estava tentando fazer ciúme em ninguém, Gilberto. Ele é amigo do meu primo mesmo, mas a gente está ficando. Eu não sei se vai virar algo sério. Mas eu gosto do Thales.
- Você está falando sério?
- Você vai voltar pra casa da sua vó de qualquer jeito. Você vai ficar com a Jaque. Desculpa, Gil, mas eu não quero ficar sentado deixando minha vida passar enquanto você está sendo feliz.
- Eu não posso pedir pra você me esperar, mas você só tem quinze anos, ainda é cedo para saber o que você quer.
- Tudo bem. Mas você quer ter uma família. Você mesmo disse que queria uma mulher e filhos. Eu também quero uma família, mas eu acredito que posso ter isso sendo eu mesmo.
- Pra você é fácil. Seus pais te aceitaram desde o começo.
- Mas eu também não sabia se eles iam, não é um argumento justo.
- Mas eu sei que os meus não vão. São preconceituosos, tradicionais...
- Eu sinto muito. Mas tem pessoas que não se importariam de ficar no meu lugar.
- Mas eu não quero outras pessoas. Eu quero você.
- Como você mesmo disse. Você só tem quinze anos, ainda é cedo pra saber o que você quer.
- Seja feliz.
- Você também – disse, deligando o telefonema.
- Quem era? - Perguntou João, acordando.
- Desculpa. Eu não queria te acordar.
- Tudo bem. Foi até melhor. Eu estava tendo um sonho estranho.
- Era o Gilberto. Ele acha que os pais dele são uma boa desculpa para ficar com a Jaqueline e comigo.
- Ele disse isso?
- Quase...
- Cuidado, priminho. Você pode estar vendo coisa onde não tem.
- De qualquer forma eu estou ficando com o Thales. E mesmo que não dê certo, eu não vou ficar me prendendo a alguém que namora uma das minhas melhores amigas e quer me ter como amante.
- Você está certo.
- Eu vou fazer um chocolate pra mim, quer?
- Aceito – disse ele, se sentando na cama e ligando a televisão.
Eu fui para a cozinha e coloquei a leiteira para esquentar no micro-ondas.
Na verdade o que estava martelando na minha cabeça e tirando meu sono era o homem que apareceu no banheiro do cinema, mais cedo, e não Gilberto.
- Corssor? Foi disso que ele me chamou? O que é um Corssor?
O leite estava pronto e eu preparei o chocolate e levei as duas xícaras para o quarto e dei uma a meu primo, peguei meu notebook e sentei na cama, colocando a xícara no suporte para copos do criado mudo.
Na página de pesquisa digitei “Corssor” e busquei. No topo da página uma sugestão de outra palavra, e mesmo assim insisti em procurar por algo, mas nenhum dos resultados mostrava a palavra pela qual eu tinha buscado.
Então eu apaguei a palavra do buscador e digitei “anjo e demônio”. A primeira página alguns artigos sobre o livro Anjos e Demônios, de Dan Brown, que eu adorava por sinal. Nas outras páginas lendas sobre anjos e demônios, mas nada relacionado ao amor, como o homem tinha me dito no banheiro.
- Pelo amor de Deus, o que eu estou pensando? Que eu sou um ser sobrenatural e eu vou descobrir isso procurando na internet? Acho que estou lendo demais – resmunguei, me esquecendo totalmente que João estava no quarto.
- Começou a falar sozinho agora? - Perguntou ele.
- Desculpa. To pensando alto.
- Quer jogar videogame, pra ver se o sono vem?
- Não. Acho que eu vou tomar esse chocolate e me forçar a dormir.
- Quer que eu chame o Super T pra te fazer dormir?
- Super T?
- Vulgo, seu futuro namorado – disse ele, me fazendo rir.
- Tomara que sua previsão se realize. Mas Super T? Ele vai rir muito quando eu contar.
- Você vai me fazer passar vergonha.
- Como seu irmão mais novo eu tenho dever de fazer isso.
- Eu te odeio.
- Você é um péssimo mentiroso.
- Convencido.
- Aprendi contigo.
O mês estava acabando, eu já tinha começado a malhar – na academia do pai de Thales. Desde a ligação de Gilberto, não tínhamos nos falado, apesar de Jaque ter voltado para a casa dos pais, sozinha. E também não via mais vultos nem sombras estranhas. Mas eu nem estava muito preocupado com isso. Estava realmente me envolvendo com Thales, nos víamos todos os dias de manhã na praia, a tarde na academia e a noite em casa ou em algum barzinho – eu não bebia álcool, mesmo mitos da minha idade fazendo, nunca fui muito chegado em bebidas alcoólicas, admito, era um pouco brega.
- Odeio essas menininhas que ficam se jogando pra cima de você – disse, num sábado, enquanto entrávamos no vestiário acompanhados por João e o resto da turma deles. Agora todos nossos amigos já sabiam que estávamos ficando.
- Eu já falei que resolvo tudo com um beijo na boca na frente de todo mundo – disse Thales. - Ou então um carro de mensagens, na frente da academia.
- Bobo – disse, abrindo o armário para pegar minha bolsa. - Quero ver se depois que eu conversar com os meus tios você vai continuar botando essa banca toda.
- Você acha que eu falo isso só porque você ainda não se assumiu pra sua família? - Disse ele, me abraçando pela cintura.
- Seu pai pode entrar aqui, seu doido.
- Ele já sabe que a gente tá junto. As confissões aqui agora só cabem a você.
- Então espere por hoje a noite, o leão aqui está saindo de Nárnia – disse, pegando minha bolsa.
- Eu não entendi – disse Oliver.
- Eu entendi muito bem. A gente se vê mais tarde, prometi estar com ele quando ele fosse falar com meus pais – disse João, me seguindo.
Eram seis e meia da noite quando meu tio chegara em casa, a bancada da cozinha estava coberta de guloseimas para o lanche.
- Boa noite, família. Como foi o dia de vocês? - Perguntou meu tio, enchendo a xícara de café.
- Tio. Tia, eu preciso conversar uma coisa com os senhores.
- Você parece nervoso, Passus. Tem algo a ver com meu irmão? - Perguntou meu tio.
- Não, tio. Não é sobre meus pais. Eu sei que tem muito pouco tempo desde o acidente, mas eu não quero que vocês estranhem meu comportamento. Eu estou triste sim, mas tenho minha forma pessoal de encarar esse luto, uma forma bastante interna – disse.
- Nós sabemos disso, meu filho. Sei que você sente muito a falta de seus pais, não queremos te julgar de forma alguma. Desculpe se estamos fazendo isso.
- Não. Absolutamente.
- Então o que foi?
- É que eu estou conhecendo uma pessoa.
- Desculpa, meu filho. Mas as regras daqui de casa são claras, nada de namoradas depois das onze.
- Na verdade... a gente já até dormiu junto. Quer dizer... No mesmo lugar... Mas não rolou... Eu não me sinto preparado para certas coisas... E... Ele também me respeita bastante.
- Você disse ele? - Perguntou minha tia.
Eu concordei, olhando para os pés.
- A gente só não achava que seria tão rápido.
- Rápido? O que ?
- Seus pais nos contaram, na verdade, pra todos os irmãos. Mas todos concordaram em respeitarem seu tempo, respeitarem sua vontade. E quando você quisesse contar, iríamos fingir surpresa.
- E você não me disseram nada? - Perguntou João.
- Não podíamos.
- Entendo
- Então todo mundo já sabe? - Perguntei.
- Já – disse meu tio. - E todos aceitamos numa boa. Você é nosso sobrinho e nada vai mudar o amor que temos por você. Não enquanto você for uma boa pessoa – disse ele, se levantando para me dar um abraço. - É claro que não vai ser fácil pra gente conviver com essa verdade. É uma coisa nova pra gente, e certas coisas a gente não entende.
- Pode deixar, eu vou tentar fazer tudo o menos embaraçoso possível.
- Agora que você já fez o que queria, vamos encontrar a galera – disse João, dando um tapinha em meu ombro.
- Mas vocês não vão nem fazer um lanche? - Perguntou minha tia.
- A gente come por lá, mãe – disse João, já de porta aberta.
Quando chegamos a lanchonete onde todos estavam nos esperando, eu contei a novidade em pé, ao lado de Thales.
- Então isso merece uma comemoração, e não vejo jeito melhor que esse – disse ele, me puxando para seu colo, onde me deu um beijo na boca, daqueles de fazer a pessoa deitar o corpo.
- Seu louco – disse, ainda em seu colo.
- Eu não te disse que não tinha medo de nada. Só estava esperando você se acertar com seus tios.
- Que pouca vergonha – disse um garoto, da mesa atrás da nossa.
- Eu não acredito que ainda existam esses bossais em plenos anos 2010 – disse Milena.
- É só deixar pra lá, eles existem e sempre vão existir, seja lá aonde for. Não dá bola – disse Thales.
Depois dali nós fomos para a beira da praia e ficamos cantando e conversando.
No dia seguinte minha tia – que tinha minha guarda provisória, até ela conseguir a definitiva – e João fomos até a escola para me matricular. Ela ficava no centro, perto do salão que era da minha tia. Era privada, a melhor da cidade.
Eu me matriculei, as aulas começariam dia 10 de fevereiro.
- Posso sentar contigo? - Perguntou uma menina, estilo roqueira se sentando do meu lado.
- Claro. Pessoas de atitude são as mais bem vindas ao meu convívio – eu era bom em fazer amigos, e sempre falava algo para deixar a pessoa a vontade a primeira impressão. Não que eu tenha decidido ser amigo dela assim, só de vê-la. Mas se ela seria minha colega de turma pelo o resto do ano, tínhamos que nos dar bem.
- Atitude? Gostei de você. Vanessa – disse ela, dando a mão para eu apertar.
- Passus.
- Adorei seus cadernos. Também customizei os meus. E você pelo visto é apaixonado por sagas.
- Sagas... e pop adolescente – disse, mostrando o outro caderno.
- Eu também amo... Apesar da aparência sou bem eclética. Até sertanejo eu curto. Tem namorado?
- Como assim namorado? Eu dou muita pinta?
- Não. É que sua aliança é um modelo feminino. Se você tivesse uma namorada não seria.
- Observadora.
- Sou de virgem. É meu trabalho.
- Então vamos nos dar bem. Eu sou de libra... E sim... Eu tenho. Ele estuda no terceiro ano.
- Você é o namorado do Thales Figueiredo.
- Você conhece o Thales?
- Ele ficou um tempo com minha prima mais velha. Mas eu sempre perguntava para ele: “Tem certeza que é isso que você quer para a sua vida?”. Ele também nunca deu pinta, mas...
- Os virginianos são bastante sensíveis.
- Acho que a gente via se dar bem.
Eu concordei.