Ficar No Escuro É Mais Seguro

Conto de Sonhador Viajante como (Seguir)

Parte da série Camuflagem

Dante acordou no escuro... E assim ficou por um longo tempo.

No seu último segundo consciente, ele tinha pensado na vida. O que já não refletia á muito tempo na sua realidade. “Por que tinha se transformado naquilo? A escolha daquele caminho daria mesmo em algum lugar?” Sete anos tinham sido mesmo suficientes para uma grande desconstrução humana? O animal que ele possuía dentro dele comprovava que sim. Sua única missão era viver para destroçar o destrutivo. Sua família era apenas seu pai, e ele agora o abandonará. Estava sozinho. Era isso... Apenas ele com ele mesmo enfrentando e domando seus próprios demônios. Seu passado ainda era uma âncora que carregava todo gás que ele precisava para prosseguir com sua jornada. A dor se tornava bonita ao longo dos anos. O sofrimento era drenado aos poucos, numa tortura diariamente agonizante. O estranho crescia e se desenvolvia tomando conta dele para sempre. Ele já não lembrava mais quem era ou quem tinha sido. Não importava. Dante era o que ele inventava ou que ele queria sentir naquele momento.

A perseguição tinha sido abortada na ponte que dava acesso ao aeroporto. Alec tinha fugido sabe lá pra que lugar, junto com sua corja. Já nosso justiceiro insano tinha capotado com o carro e caído da ponte. Tudo que viu naquele momento que o carro virou de cabeça pra baixo foi o “eu” que ele queria realmente viver antigamente, gritando por um socorro interior. O carro caiu no meio de uma rodovia movimentada e foi atropelado por um caminhão de cargas, que o destroçou em pedaços pela pista. Dante viu a morte chegando e deixou que ela o levasse de uma vez por todas.

Toda escuridão sempre tem fim... E essa também foi temporária.

Uma brecha de luz começou a surgir de repente, bem pequena no breu que ele agora vivia. Cegando toda sua existência á medida que crescia e tomava forma. Dante tentou alcança-la, mas era em vão. O clarão se encontrava ainda muito distante. Ele lutava. Mas seu corpo parecia sem vida e não obedecia nenhum comando. A anestesia era total. Escureceu de novo. Acendeu novamente. Ele já tinha desistido de tentar. Acendeu e dessa vez foi pra valer. Ele alcançou-a e descobriu que queria ter ficado no escuro de uma vez. A luz já não era mais tão desejosa. Na verdade era uma tormenta encontrar luz novamente depois de tanto tempo nas sombras. A escuridão era mais aceitável.

– O pior já passou... Você vai sobreviver... – disse uma voz longínqua.

Ele ia abrindo os olhos e se acostumando com a claridade. Era como renascer de novo. Quantas vezes ele teria que renascer? No que se tornaria agora? Quem seria? Não sabia... Mas queria descobrir. Uma coisa ele tinha certeza... Tornava-se mais forte á cada retorno.

Seus primeiros vislumbres foram de um quarto pequeno feito de madeira. Uma cama pouco confortável onde se encontrava deitado. Uma mesa de cabeceira ao lado. O cheiro de natureza, terra e chuva. Sons de pássaros ao alto. Calor e frio ao mesmo tempo. Dores por todo corpo e uma adrenalina capaz de matar até mesmo o mínimo mosquito que o rondava.

A porta do casebre se abriu e uma figura velha e retorcida pela idade adentrava no ambiente com uma tranquilidade perturbadora. Dante ativou seus instintos e ficou ainda mais alerta. Foi aí que tudo voltou. Ele sabia quem era aquele velho. As lembranças atingiram-no como um raio caído duas vezes no mesmo lugar.

– Você acordou... Já não era sem tempo. Pronto para mais uma? Espero que sim... – disse o seu melhor amigo “Petrus”.

– Por quanto tempo fiquei assim? Como vim parar aqui? – perguntou Dante, levantando aos poucos ainda zonzo.

O rosto antes limpo estava pesado. A cabeça suava loucamente e fios antes muito curtos caiam por seu rosto como uma peruca assanhada. Dante não conseguia lembrar-se de nada. Mas sabia que tinha mudado. Seu corpo estava estranho. Petrus o observava atentamente em pé na sua frente.

– Não tente nada ainda... Sua fraqueza te mudará. Mas apenas sua dor te guiará até sua força. – advertiu o velho senhor.

– Petrus, por que estou aqui? – indagou confuso. Olhou ao redor, perdido e desconfiado se enfurecendo com tamanha falta de lógica. – Preciso de um espelho... Agora! – exigiu Dante.

Petrus pegou um pequeno espelho na gaveta da mesinha ao lado cama e lhe entregou-o.

A caveira que apareceu no espelho era horrível e sem vida. Os cabelos eram longos e batiam no ombro. O rosto era dominado pela grande barba por fazer. Olheiras fundas. Sem nenhum vestígio de bochecha. Covas longas e pele da cor mais branca possível. Um drogado em fase terminal. Esse era Dante naquele momento.

– Você ficou em coma Dante... Eu achei mesmo que tinha perdido você... Mas eis que surge o dia em que você retornou dos mortos... Lembra-se de alguma coisa? – perguntou Petrus.

– Que dia é hoje?

– Dez de julho de 2012. Terça-feira. – rebateu Petrus.

– O que? Como? Quanto tempo eu fiquei neste estado? O acidente... Foi em julho de 2011. – relembrou Dante exasperado.

– Exatamente... Hoje faz um ano do seu acidente. Da sua suposta morte. Um ano que você desapareceu do mapa para sempre. – respondeu Petrus.

– O que você tá me dizendo? Eu não estou entendendo...

– Quando você sofreu aquele acidente... Eu estava no carro que bateu em você e te jogou daquela ponte. Eu carbonizei seu carro, te resgatei e você foi dado como morto. Claro, eu precisei colocar outro corpo no seu lugar, mas isso foi moleza. Uma equipe médica te salvou dos ferimentos e logo você se curou. Dante, quantas vezes eu vou precisar contar isso para você? Vejo que você não está preparado ainda. Que pena. Achei que os testes finalmente seriam finalizados... – entristeceu-se Petrus.

Ondas elétricas ferveram seu sangue. Dante juntou todos os cacos do quebra-cabeça e num movimento rápido imobilizou Petrus pelo pescoço. O inimigo podia muitas vezes ser aquele seu melhor amigo. Ele despejou tudo no ouvido de Petrus, enquanto o sufocamento o interceptava.

– Acordei sete meses depois... O coma me deixou á beira da morte. Desde o dia em que eu acordei você tem me mantido aqui... Fazendo sessões de treinamento constantemente... Apagando minhas memórias á cada sessão finalizada. Testando minha mente. Minha força... Meu corpo... Transformando-me num predador insano. Filho da puta... – disse Dante se recordando dos meses de treinamento e sofrimento. A verdade o enfureceu. Antes que ele pudesse terminar de esganá-lo foi atingido por uma descarga elétrica que o imobilizou no mesmo segundo. Petrus conseguiu se soltar daqueles braços argilosos e descarregou ainda mais eletricidade no corpo de Dante, que tremeu e ficou inconsciente.

– Chegou sua hora meu amigo... Não precisa me agradecer. Um dia quem sabe talvez. Mas não hoje. Eu precisava te salvar de você mesmo... Agora que a poeira abaixou, eu posso te soltar. Só não faça eu me arrepender disso. Ah! Eu fosse você continuava com a mesma aparência de agora. Você não vai querer chamar a atenção vai? Boa sorte! Vereemo-nos em breve... – finalizou Petrus, aplicando uma injeção no peito de Dante.

A cama se abriu ao meio e Dante caiu numa caixa em uma das muitas extremidades abaixo deles. A caixa foi lacrada e transportada por um túnel escuro e sombrio nas profundezas de um lugar distante e desconhecido. A cabeça de Dante explodia de caos e seu corpo se acostumava à inércia obrigatória. Apagando-o completamente logo em seguida.

Ele voltou á sua escuridão de sempre e deduziu que ficar no escuro é mais seguro. Queria poder não acordar nunca mais... Nunca desejou tanto sua longa escuridão... Acolhedora... Silenciosa... E Sentenciosa.

Arremessado... Dante foi jogado ainda dentro da caixa lá de cima de um helicóptero. Acordou na beira da praia pelado no meio de uma caixa de madeira espatifada.

Abriu os olhos alerta e assustado, sentindo-se exposto. Estava deitado na areia da praia completamente nu numa praia deserta e ensolarada. Olhou para seu corpo musculoso e pouco em forma sendo escondido por seus pelos corporais que invadiam todas as extremidades de seu corpo. Como ele tinha ficado tão peludo? Levantou-se cambaleante e ao seu lado encontrou uma mochila preta. Ele a abriu e viu apenas uma peça de roupa com um envelope. Vestiu a blusa cinza e logo em seguida a calça preta junto com um sapato de caminhada. Um envelope cheio de documentos e uma quantia de dinheiro o lembraram. As novas identidades falsas o alertavam para o que viria a seguir. Ali no meio do nada como um verdadeiro homem das cavernas ele se sentiu sozinho pela primeira vez desde que se transformou no que era de agora em diante. Onde seria aquele lugar? Em que parte do planeta dessa vez? Andou por muitos quilômetros até conseguir vê alguma alma viva naquele deserto praiano. Anoitecia rapidamente. Uma lua brilhante o iluminava lá do meio do mar que se agitava com ondas turbulentas.

A Rússia devia estar muito longe. Pois o calor que emanava naquele ambiente era de escaldar qualquer alma. Pegou seus documentos e viu pela primeira vez que ele era: Brasileiro. Baiano. E tinha 25 anos. Dante Silveira. E num papel meio amassado se encontrava as seguintes informações... “Missão N° 55” Queime após ler.

Dante procurou nos bolsos e logo encontrou um isqueiro e um maço de cigarros. Acendeu e deixou queima-lo. E mais uma vez ele seria outra pessoa... Só que dessa vez com o mesmo nome do anterior. Caminhou pela cidade, atrás de informações de hotéis e hospedarias. Descobriu que já falava português fluente há muito tempo. Era dia 13 de julho de 2012 e a bela sexta-feira de lua cheia, enchia as ruas daquela bela cidade com pessoas de todas as idades e gêneros. Seria fácil se adaptar e aprender os costumes daquele povo. Seu treinamento o equipava de todas as formas possíveis para qualquer situação. Não haveria falhas e nem atalhos. O que ele não esperaria era quem ele encontraria dali á algumas semanas e o quanto essa pessoa mudaria todos os seus planos para sempre.

****

Um ano atrás... Naquela mesma data!

(Julho de 2011) São Paulo.

Era incrível como passar o dia inteiro em pé me deixava desanimado e morto no final do dia. E olha que isso era só o começo... Quando eu me imaginava de jaleco por um hospital vinte e quatro horas por dia, já me sentia animado de novo. Só esse pensamento já me dava forças para seguir em frente e aguentar mais um pouco. “Dr. Fred” eu pensava. Arrumei algumas prateleiras na sessão de biscoitos e fiquei sonhando acordado.

Eu trabalhava num supermercado no centro da cidade de segunda a sábado. Meu Tio Eric era dono daquele estabelecimento e tinha me dado aquele emprego desde o dia em que resolvi abandonar a minha primeira faculdade (Advocacia). Não me arrependo. Foi melhor assim. Descobri que queria ser médico, assistindo á todas às temporadas da serie Grey’s Anatomy e do Dr. House. Eu tinha 18 anos na época. Hoje com quase vinte, nunca me senti tão bem das escolhas que me levaram á estar aqui nesse emprego que me ajuda a pagar o meu cursinho que me colocará no futuro próximo numa faculdade de medicina. Acho que meu desejo foi se modificando um pouco, mas já tá valendo. Operações, cirurgias, sangue e tudo relacionado á ajudar as outras pessoas é um sonho que eu ainda vou realizar. Eu acho... Sou interrompido dos meus devaneios, por um moço alto e forte me encarando. O estranho de boné me pergunta alguma coisa que de cara não entendo por tamanho desconcerto.

– O que senhor? – perguntei perdidamente confuso.

– Ah, por favor, não me chame de senhor. “Você” já tá ótimo... – disse o moço sorrindo de um jeito encantador pra mim. Perdi o chão na mesma hora. – Eu não consigo encontrar a sessão de barras de cereal light? Você poderia me mostrar ou dizer onde fica? – perguntou o galã de novela global.

A boca rosada e a barba ruiva dele me levaram á um nível de descontrole emocional destruidor. Aqueles olhos claros da cor do mel foram como uma Lâmina afiada no meu consciente iludido. Será que ele era ator ou modelo? Porque olha... Tá na cara que aquilo era de outro mundo. Que beleza! Que olhar! Que estatura. Um monumento secular, sem mentir. Isso só acontece comigo. Com tantos funcionários, tinha que ser logo eu. Respirei fundo e tentei destravar-me.

– Ah sim... Por aqui... – digo já sabendo que estou corando pacas.

É impressão minha ou ele tá olhando pra mim? Ok! Isso é coisa da minha imaginação. Tá! O que é? Não é toda hora que um bonitão me olha dessa forma né? Parecia tão observador, como se avaliasse uma presa. Gelei pra caralho. Era tentador demais... Minha nossa! Chegamos à sessão que ele procurava e que por coincidência ficava do outro lado do corredor onde eu estava. Aponto para as prateleiras e ele desvia os olhos que antes estavam colados em mim.

– É aqui! – falo. No momento em que viro de costas para me retirar, ele me chama novamente. Sou surpreendido novamente.

– Espera! Desculpa o incômodo... É que eu acabei de me mudar por essas redondezas... E sabe como é né... Tudo muito estranho e novo. Se eu precisar de mais alguma coisa, posso te chamar? Você parece ser a pessoa mais legal e prestativa desse supermercado. – objetou o bonitão ruivo de boné.

– Claro... À vontade! Digo se precisar... Pode chamar... – respondi ainda derretido pela preferência.

– Seu nome é? – perguntou.

– Fred... – falei ainda em choque.

– Legal te conhecer Fred! Boa Tarde! – disse ele se virando para a prateleira sem nem ligar mais pra minha existência estagnada na frente dele.

Gente... Isso é a minha cara. Se iludir só pelas olhadas estranhas e pelo papo ainda mais esquisito. Bem á minha cara mesmo. Fodeu, pois ele conseguiu mexer comigo. Um cara que provavelmente nunca mais irei vê. Era isso que eu queria evitar.

A tarde se estendeu e não o vi mais depois desse rápido diálogo amigável. Uma verdadeira treva se estendeu pelo resto da tarde. Já sentia falta do cara sem nem saber direito o próprio nome dele. Aliás, que nome ele teria hein? Devia ser bem diferente... Aí esquece. ESQUECE!

Voltando pra casa já pelo final da tarde... Caminhava apressado para chegar em casa, tomar banho, comer alguma coisa e ir para o cursinho. No ponto mais próximo, peguei a minha condução de sempre e fui escutando minhas músicas no meu fone de ouvido. O trajeto foi só pensando nele. O mais idiota era que eu sentia que estava traindo o carinha que alguns dias antes tinha me dado um ursinho, dizendo que era meu admirador secreto. E como ele não tinha dado mais resposta, então não era bem uma traição já que eu nem o conhecia. Essas paixonites passageiras são um verdadeiro colapso no meu humilde psicológico. Autorizo á me internarem imediatamente. Apenas isso...

...

Depois que eu cheguei do cursinho lá pelas tantas da noite e caí na cama, adormecendo morto do dia exaustivo. Tive mais um daqueles sonhos perturbadores...

O deserto era imenso...

O sol ia desaparecendo á medida que eu corria, tentando ao máximo não ficar exposto...

Meu corpo estava totalmente enrolado por um casaco marrom...

Eu sabia que meus pedaços se desintegravam...

Mas eu não desistia... Eu prosseguia mesmo sabendo meu fim...

Que ironia...

“Por que você corre? NÃO HÁ COMO FUGIR! DEIXE ACONTECER!”- Dizia uma voz ecoante na minha cabeça.

Eu estava em mais um daqueles sonhos em que parece que tudo está acontecendo de verdade. Numa força de realidade que te machuca, maltrata e destrói de todas as maneiras possíveis. Queria chorar... Gritar... Mas não saía nada. O silêncio era uma prece em constante agonia.

“Estou sozinho... Perdido... Abandonado... E não há ninguém á minha espera. Nunca teve... Sinto-me envelhecer e morrer lentamente numa vastidão assoladora de um completo nada...” O forte vento que me chicoteia dissolve toda minha pele e a desmancha no ar como uma poeira. Eu era a poeira que neblinava nos ecos da solidão sem fim.

O deserto se expande por muitos quilômetros num mar de dunas alaranjadas. Caio de joelhos no meio do deserto, fecho os olhos por alguns segundos e abraço-me protetoramente. O sol leve de um final de tarde ilumina o que restou da minha carne dissolvendo. Levanto-me fraco e desolado e ando para um lugar qualquer, apenas para me sentir tentando de novo. Caminho sem destino com o que restou de mim, pisando nos meus fragmentos espalhados pela areia. Tornei-me uma metamorfose danificada, interrompida e em completa destruição. O vento me corrói instantaneamente sugando toda minha identidade.

Ao longe avisto uma tempestade furiosa de areia e decido correr para longe dela, para quem sabe proteger pedaços de mim ainda intactos. A fúria da tempestade aumenta e toma proporções devastadoras. É tarde demais para fugir... Sou dissolvido e o que restou de mim some de vez, me tornando o nada que tanto temi. Fecho os olhos com força e deixo dilacerarem-me. Lágrimas salgadas e quentes caem pela última vez pelo meu rosto. Não sinto dor, mas caos se espalhando por todo meu coração.

Foi aí que acordei...

Quando abri os olhos novamente, estava no meu quarto escuro. Respirei fundo. Era um sonho. E que sonho... Sonho maluco. Tenho que parar de assistir filmes de vampiros. Esse negócio de virar pó ao sol não é nada legal.

Minha boca estava seca, como se eu estivesse num deserto de verdade. Levantei-me da cama e fui até a cozinha beber um copo d’agua. Fazia mais de duas semanas que eu estava tendo aqueles sonhos esquisitos e incompreensíveis. O clima aqui em casa se tornava ainda mais estranho com o passar dos dias. Na real tudo mudou de tom desde o bendito dia em que eu inventei de me relacionar com pessoas aleatórias pela internet. Ideia mirabolante da minha irmã de me fazer sair do casulo de vez. O que deu certo, após várias tentativas e conversas sem futuro. Eu devia estar numa carência irracional mesmo. Pelo menos eu tentei. Passei um mês anonimamente pela rede de chats, para só depois criar vergonha na cara e me mostrar finalmente para um alguém estranho. E eu nunca me arrependi tanto de uma coisa como dessa escolha filha da mãe. As consequências chegaram numa cajadada só... E a minha vida começou a correr contra á maré de vez. Abandonei a toca para enfrentar predadores á espreita. Só não esperava que minha carne fosse tão desejada já na primeira aparição. Eis as coisas que já me aconteceram nas ultimas semanas:

1: Meu notebook queimou e foi hackeado por sabe-se lá quem. Estou sem computador no atual momento.

2: Fui na casa de uma tia vidente que me deu previsões loucas e macabras me deixando ainda mais triste. Fazendo-me entender de uma vez por todas que realmente vou ficar sozinho para o resto da vida.

3: Recebi um urso de pelúcia de uma pessoa que se diz “admirador secreto”. Minha mãe está apreensiva, pois acha que pode ser um psicopata. Eu nem tanto. Acho que nem um psicopata se interessaria por mim, dada às circunstâncias da minha atual situação.

Eu sei... É DE SE MATAR! Mas já passei da fase gótica depressiva... Já nem sei mais que estágio me aguarda. Só queria conseguir passar na minha faculdade de medicina, ser independente, me apaixonar e me casar, ter filhos e viver como qualquer família vive... No verdadeiro sedentarismo rotineiro. É tão fácil imaginar uma vida assim... Difícil é concretiza-la.

Assim que despejei a água no copo e dei o primeiro gole, quase soltei no chão quando fui surpreendido por algo mexendo na porta da frente da minha casa. Gelei. Alguém estava mexendo na fechadura apressadamente. Apaguei a luz da cozinha rapidamente e corri para debaixo da mesa. Eu sou tão imbecil ás vezes. Medroso mesmo. A porta se abriu e acenderam a luz. Esperei um segundo ainda angustiado. Os passos foram chegando mais perto e logo relaxei ao ver os sapatinhos brancos da minha mãe. Saí do fundo da mesa e o grito foi um coro horripilante.

– Fred! Aí meu deus menino... Você quase me matou agora... – disse minha mãe.

– Desculpa... – digo ainda tenso pelos últimos segundos.

– O que você tá fazendo acordado até uma hora dessas? – perguntou-me ela.

– Acabei de acordar e vim tomar uma água... Pensei que a senhora só fosse chegar de manhã... – falei com meus nervos ainda trêmulos.

– É... Eu também... Mas amanhã eu vou ficar de folga e resolvi chegar mais cedo... Quer dizer hoje né... 3: 30 da manhã, nossa. O que te tirou da cama á essa hora? – falou ela pegando um copo pra beber também.

– Só um pesadelo chato. Nada demais...

– Você não passou a noite na internet falando com estranhos de novo né? – perguntou exaltada.

– Claro que não! Meu notebook morreu e a senhora sabe que eu não tenho como comprar outro esse mês. Bem que a senhora podia me dar de presente né? – digo fazendo cara de dengoso.

Meu aniversário seria no sábado... Ainda faltavam dois dias. Vinte anos e ainda morando com minha família. Até parece que fazer aniversário me faria evoluir. É melhor nem pensar... A depressão chega á gritar de tanto desejo. Passei dessa fase e ponto final.

– Vou pensar no seu caso... Agora vou tomar um banho e dormir umas boas horas de sono. E você já pra cama.

– Bom Dia! – digo compreensivo.

Abracei-a rapidamente e corri para meu quarto. Caí na cama e o ursinho meio que piscou os olhos. Estranhei e o observei. Devia ser algum reflexo de luz no olho dele. Nada demais. Joguei-o de lado e dormi automaticamente.

...

Dentro do carro, Dimitri mastigava a barra de cereal e vigiava Fred na frente da casa dele, como um gavião protegendo seus filhotes. A Câmera do ursinho deu zoom e o foco do olho do urso devia ter piscado, pois, Fred percebeu mais não deu bola. Tolo garotinho. Assim que o sol raiasse, Dimitri já sabia como fisgaria de vez a sua presa. Seria mais fácil do que ele tinha planejado. A pequena conversa pela tarde mostrava que Fred era manipulável e Dimitri queria saber até onde isso poderia se estender.

...

O dia seguinte foi ainda pior... Nem sei mais distinguir pior do que PIOR AINDA. Tinha que estudar na casa de uma amiga nesse final de semana. Tinha contas para pagar. Quem sabe ir ao shopping com a Cíntia e o Rafa. E descansar mais, já que as noites nunca eram suficientes. A vida parecia correr contra o tempo cada dia mais.

Ao meio dia, saí para almoçar num restaurante que ficava pertinho do supermercado, como sempre sozinho. E foi passando no estacionamento do meu trabalho que simplesmente fui pego de surpresa, quando uma forma ruiva caminhou na minha direção. Era ele. O cabelo era curtinho, mas brilhava no sol. Fogo! Em todo lugar, não só nele. Mas em mim também. O ruivo, agora sem boné acenou pra mim. Tremi. Apenas isso... TREMI!

– Fred! Tá de saída? – perguntou ele.

Ele lembrou meu nome?

– É... Horário de almoço... – respondi reacendendo a faísca que eu tinha prometido extinguir de vez ontem depois que ele desapareceu. – E você? O que faz por aqui? – coloquei a mão no pescoço que agora esquentava.

– Eu por acaso ia almoçar por essas bandas... Alguma sugestão de lugar? – disse ele olhando enigmaticamente e sedutoramente nos meus olhos.

– Eu sempre almoço num lugar bem simples e barato. Não sei se você ia gostar. Mas tem outro que fica logo... – falo e sou interrompido por ele.

– Almoça comigo? O que você escolher pra mim tá bom!

– Tudo bem... Não são lá essas coisas, mas é muito saborosa a comida de lá!

– Eu adoraria provar! – disse como se me comesse com os olhos.

– Não perguntei seu nome?

– Dimi...

Balanceia a cabeça em concordância e nós caminhamos em direção ao restaurante do outro lado do meu trabalho. O caminho todo ele não disse nada... Apenas me olhava. A sede dele me atraía.

Ele parecia me conhecer... O que era estranho. E se eu não fosse gay? Não daria esse mole todo assim. Hétero era bem a cara dele. A confusão foi tanta que nem olhei para o outro lado ao atravessar a avenida movimentada. E eu comecei a me arrepender de ter aceitado sua companhia naquele almoço, quando suas mãos seguraram minha cintura impedindo um carro de me atropelar. Ele era forte e bonito pra caralho! Sua beleza era diferente de todas que eu já tinha visto. Por que eu queria estragar as coisas, afinal? Era tão bom se relacionar. Mesmo tendo experiências ruins na internet não quer dizer que isso vá se repetir na vida real né? Quer saber... Chega de ficar na defensiva. Cansei de ficar no escuro... Está na hora de ir pra luz. Game over para a escuridão de agora em diante.

Nota do autor: No começo do capítulo vemos o desfecho do arco do Dante. Veremos ele agora num capítulo mais distante, isso porque nessa passagem que ele ficou em coma e depois em treinamento, vocês verão tudo que aconteceu com o Fred, até o momento em que ele vai alcançar o Dante. Portanto, só retomaremos a história do Dante novamente no momento do encontro com Fred num capítulo mais distante. Espero que curtam e comentem o que estão achando! Se estiverem um pouco confusos podem perguntar! Responderei todos! Não demorarei á postar o próximo! Prometo! Abraços!

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