Contagem Regressiva

Conto de Sonhador Viajante como (Seguir)

Parte da série Camuflagem

“Grite... Corra... Empurre-o para longe de você... Peça ajuda. Termine tudo e fuja dele”. Penso tarde demais. O lobo mal me encarava com fogo nos olhos. Minha mão tremia e meu corpo ameaçava desabar. Inerte... Silencioso... Respirando pesado e angustiado... É como estou agora. Devastado é pouco para meu estado. É como se eu fosse uma floresta devastada por um grande incêndio, e só restassem cinzas, fumaça e galhos carbonizados na minha vegetação. Gotas de suor começam a escorrer pela minha testa. Sentado na cama, não tenho a mínima ideia de como agir de agora em diante. Ele espera em pé na minha frente, de braços cruzados, avaliando cada aspecto e traços da minha face. Meu olhar distante o deixa impaciente. Eu apenas focava meus olhos nas cortinas da janela balançando conforme o vento chicoteava lá fora.

O quarto está escuro, sombrio e sem vida. Vários minutos se passam nesse silêncio e espera. O que fazer? O que dizer? Ele cumpriu o que tinha dito. Contou-me toda a verdade. Era isso que eu queria e foi isso que eu recebi. Imagine estar num sonho e de repente ser acordado para ir à escola. Isso mesmo... É assim que me sinto. Sabe quando o sonho maravilhoso é tirado de você, junto com o sono tranquilo? E você acorda... Abre os olhos e nunca vai ser como no sonho em que estava. Acordei pra realidade e vi toda a minha perspectiva de vida mudar num piscar de olhos. O mundo não era colorido, era escuro. Todas as tramas que se passava em todos aqueles lugares, casas, prédios e ruas eram o conto de fadas que todos viviam. Trabalhar, estudar, construir uma família e ter filhos. Aquele era o lado da fantasia.

Meu Deus... Onde eu me meti. Porque não me contentei em ficar do outro lado. Aquele lado seguro onde pessoas normais vivem suas vidas e morrem quando chega a hora. A realidade desse lado onde estou agora é uma verdadeira contagem regressiva. Um Tic Tac sem fim de uma bomba relógio prestes a explodir, podendo detonar á qualquer momento. O real e verdadeiro mundo era exatamente aquele que ele tinha acabado de me contar. Ás vezes é melhor viver em negação, é mais saudável. Acredite. Viver na mentira nunca foi tão tentador para mim.

– Eu sei o que você tá pensando... Você deve tá com nojo de mim não é? Desculpa por tudo, de verdade. É muita coisa pra processar de uma vez só, eu sei. Mas, pelo menos agora, eu não tenho nada pra te esconder. Essa é minha versão original. – exclama ele exasperado com seus olhos brilhando no escuro do quarto. – Por favor, diz alguma coisa. Eu sumo da sua vida... É isso que você quer? É só me dizer. Uma única palavra tua e eu vou embora pra sempre.

Ao levar meus olhos na sua direção, entendi de fato o porquê de eu não ter fugido do meu predador. Eu era a presa que pedia para ser devorado. A versão dele que eu tinha me apaixonado era bem diferente dessa na minha frente. Mas não importava, pois eu podia me apaixonar pela original e por todas as outras que ele ainda tivesse. O meu medo não era dele e nem das suas escolhas. Eu tinha medo era das escolhas que eu faria á seguir.

Sua blusa verde escura colava nos músculos do peitoral, realçando com sua barba grandiosa e amarronzada, que passava do queixo. Seus cabelos amarrados num coque o deixavam ainda mais felino. Aquele leão em pele de cordeiro era precioso demais para eu perdê-lo. Qualquer pessoa em sã consciência fugiria dele o mais rápido possível, só que eu não. Eu escolhi ficar. Mesmo sabendo de tudo. Eu fiz minha escolha.

Levantei-me e caminhei até ele. Ele estudava tudo que eu fazia, tentando me entender. Sempre alerta para qualquer passo em falso que eu desse. Parei na frente dele e peguei sua mão. Ele ficou assustado e franziu o cenho, como se não estivesse acreditando no que eu estava fazendo. Acaricio-o e ele relaxa, mas ainda está atento. Precisava acalmá-lo.

– Não... Eu não quero que você vá embora. Nunca! Eu só não sei se consigo confiar em você com tudo isso... É complicado. – digo apreensivo.

– Você não está com medo de mim? Pensei que você fosse sair correndo... Eu não te impediria. – diz ele entristecendo-se.

– Medo de você? Não! Eu tenho medo de mim e do que eu vou fazer á seguir. Isso sim... – falo.

– E o que você pretende fazer? – pergunta ele afiado como uma navalha.

– Ficar com você... – exclamo me jogando nos seus braços.

O calor do corpo dele me inebria e começo a ficar arrepiado. Seus braços me envolvem, apertando-me contra seu corpo. O coração dele sacudia ao mesmo ritmo do meu. O cheiro dele, sua respiração no meu pescoço, sua pegada forte e sua delicadeza faziam eu me apaixonar de novo e de novo por esse ser tão solitário nessa vida conturbada. Suas grandes mãos seguram meu rosto e seus olhos dessa vez me analisam protetoramente.

– Você me fez desobedecer todas as regras... O desafio me instiga a jogar e você conseguiu me vencer. Umas das coisas que você tem me ensinado nessas semanas juntos, foi que sempre se pode confiar em alguém. E eu nunca mais vou olhar para as outras pessoas da mesma forma depois disso. Sinto-me verdadeiro agora... Pode ser difícil de acreditar, mas, durante toda minha vida sempre me senti como uma cópia falsa de várias versões de mim mesmo. Só que com você, é como se eu fosse exatamente original. De verdade. Eu sou de verdade quando estou com você. – sussurra ele.

Depois que ele disse isso, não restou medo, transe, silêncio e nem problemas. Minha boca invadiu a dele com uma força esmagadora de puro êxtase. Sua barba se misturando ao seu gosto e me cortando furiosamente. Eu só pensava em invadir cada cantinho daquela boca e não me importava com mais nada e nem ninguém. O clima esquentou e ele tentava resistir. Ele nunca tentava parar, mas dessa vez parou. Seguro seu rosto respirando ofegante e olho fundo nos seus olhos castanhos claros.

– Não confio em você... Mas no fundo eu sei que confio. Isso pode ser meu ponto fraco sabia. Eu sempre confio nas pessoas, não importam quão mentirosas elas sejam. Como eu poderia não confiar no cara da minha vida... Eu sou apaixonado por você... Minta pra mim e ainda assim confiarei em você... Isso ainda vai ser a minha perdição, mas que seja. Se arriscar por quem amamos não é opcional. – digo como um louco apaixonado sedento por desejo.

– Você é tão puro... Ingênuo há um ponto que eu nunca conheci antes... Se você ficar comigo... Tenho medo de te transformar no que me tornei. E eu não quero te levar pro meu inferno. Por mais que doa, eu não quero isso para você. Eu nunca devia ter te conhecido sabia. – disse ele infeliz.

Seus braços me soltam como se desistindo. Ele me dá as costas e vai até a janela, olhando pensativo lá pra fora. Corro até ele e o abraço desesperado.

– Isso não vai acontecer... Eu nunca... Não... Você não pode pensar isso. Apenas fique comigo... – indago desesperado por sua atenção.

Ele agora vira de frente pra mim e me segura com força nos braços, me assustando pacas.

– Você não entende... E se algo te machucar? Não... Eu não posso deixar isso acontecer. Não com você. Você tem que ficar seguro. Do outro lado e sem mim... VOCÊ PRECISA VIVER NA SUA FANTASIA... – grita ele e entro em choque.

– Eu não quero... Não posso mais... NÃO CONSIGO MAIS VIVER SEM VOCÊ! – grito chorando. – Minha vida acabou cara... Game over total. Não posso mais voltar pra lá... Você acha que só você escondeu segredos... É aí que você se engana... Eu também não sou o que você acha que eu sou. Não mais...

– O que você quer dizer com isso? O que você não me contou? – pergunta ele, ainda mais bruto do que antes.

– Engraçado como os papeis se inverteram de novo não é? Pois é! Quando eu te encontrei eu estava... – falo e sou derrubado com força no chão.

Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo... BUM! BUM!BUM! As explosões eram ensurdecedoras ao ponto de quase estourar meus tímpanos.

Ele pulou rapidamente em cima de mim e rolou comigo pelo chão para longe da janela espatifada. Uma forte explosão quebrou o vidro de todas as janelas do quarto. Em seguida sons de tiros invadiram cada superfície do quarto de hotel em questão de segundos. Tudo quebrou e se espatifou completamente. Eu gritava e ele segurava meu corpo como rocha em cima de mim, protegendo-me de qualquer perigo á espreita. As balas perfuravam as paredes de todos os cantos. De repente a chuva de tiros cessou e ao olhar para ele, vi uma faceta tão diferente que tive medo de falar. Seus olhos não eram normais, e sim dilatados num tom escuro demais. A ameaça era impressionante. Mas eu não conseguia sentir medo dele, não mais.

– Você está bem? Tá tudo bem? – perguntou ele verificando meu corpo.

– Sim... Eu acho que estou bem. O que tá acontecendo? O que foi isso? – pergunto em estado de choque.

– São eles... A gente não tem muito tempo. Você vai ter que correr. Faça tudo que eu mandar e não te acontecerá nada. – diz ele.

Levantamo-nos do chão apressados e vejo todo o caos que se encontra nos destroços do que sobrou do quarto. Estou a ponto de chorar, mas a mão dele segurando na minha me fortalece.

– Eu estou com medo... – falo ciente de que realmente estou.

– Vai dar tudo certo... Eu não vou deixar nada te acontecer. Ninguém vai tocar em você. – tranquiliza-me ele. – Nós precisamos ser rápidos. Eles já estão aqui...

Ele tira uma mala preta que está embaixo da cama. Ao abri-la, sou tomado por uma visão arrepiante de armas e mais pistolas carregadas de munições.

– Agora, mais do que nunca você vai precisar ser forte. Lembre-se! Nossa sobrevivência depende de nós. Toma! Você vai precisar. – apressa-se ele me dando uma arma calibre trinta e oito que eu não sei nem como pegar, quem dirá usar.

– Como vou usar isso? Para quem? Eu não vou conseguir. – desespero-me.

Ele pega a arma e a coloca na minha cintura.

– Vai sim... Atire em qualquer um que tentar te pegar... Não importa quem seja. Ela está carregada. Não pense. Apenas aja. Atire. No banheiro tem uma janela. Pule ela e corra em direção ao farol em que nos encontrávamos. Encontrarei você lá. – diz ele me empurrando forçadamente para o banheiro e fechando a porta que agora está cheia de buracos de balas.

– Vêm comigo! Por que você vai ficar? Eu não vou deixar você aqui... – exalto-me abraçando ele.

– Vai sim! Você sabe muito bem que eu sei me cuidar... Não se esqueça de que você agora me conhece. Vá agora. – exclama ele me rejeitando brutalmente de qualquer toque nele.

Ele me empurra e começo á atravessar a janela chorando e assustado por ter que deixá-lo. Num rompante escutamos um forte estrondo de porta sendo arrombada. Vários tiros ecoam e fico ainda mais em pânico.

– Eu te amo! – diz ele com lágrimas frias nos olhos de gavião indomável. – Corre! – grita.

– Eu também te amo... Volte pra mim... – murmuro e sou empurrado de uma altura pequena.

Caio no chão com um forte impacto e mais tiros tomam conta do lugar. Corro desesperado por um estacionamento cheio de carros parados com os faróis apagados. Tudo deserto. Onde estaria todo mundo que se hospedava naquele hotel? Eu apenas corria sabendo que estava deixando para trás o amor da minha vida. Aquilo me matava. Mas não tinha escolha. Aqueles vilões eram muitos perigosos para uma pessoa como eu. Um dos carros acendeu os faróis e eu parei. Um carro preto acelerou. Acelerou de novo. E mais uma vez. Não esperei mais e corri.

O carro vinha atrás de mim destinado á me atropelar. Ele ia me matar. Corro mais rápido e dobro numa curva tentando achar o portão da saída. Uma forte explosão ecoou atrás de mim, e quando olhei pra trás vi o carro de cabeça para baixo, pegando fogo. Corri para fora, suado e perdido em torpor. “Corra garoto. Corra!” Incentivei-me pensativamente.

A estrada era ladeada por terra e matas de capim queimado. O cheiro de maresia era sentido bem perto. A cada passo que eu dava, achava que tinha alguém me seguindo e tentava acelerar ainda mais. A lua estava encoberta por nuvens marrons. Um vento vindo da praia aliviava meu peito que ansiava por ar. Há mais ou menos um quilômetro do farol na beira da praia, avisto dois carros suspeitos se dirigindo atrás de mim novamente. Entro numa mata na beira da estrada e me escondo num mar de capim. Tá tudo tão escuro e sem iluminação que nem me importo com o que pode ter no breu. Apenas entro na mataria e me escondo. A arma no meu bolso me incomoda e eu espero qualquer movimento suspeito. O suor toma conta do meu corpo e a tensão arrasa minhas pernas que tremem sem parar. Se eu precisar correr isso pode ser um grande problema. É difícil se defender quando não se sabe com o que está lidando. Como eu tinha previsto, os carros que me seguiam pararam na estrada, bem perto onde eu estava escondido. Olho por entre o capim e vejo cinco pessoas saírem de um carro preto. Gelo na mesma hora.

– Separem-se! Ele está aqui em algum lugar. – diz uma voz feminina.

Arrasto-me pela grama e tento correr me arrastando apressadamente para longe. Eles não podem me pegar. Não quando estou tão perto de chegar ao farol. Tudo está tão escuro que nem ligo de encontrar algum tipo de animal naquela mataria toda. Pego a arma do bolso com as mãos tremendo e me levanto rapidamente. Vou ter que arriscar correr. Ouço passos na capim seco e vejo dois homens bem ao meu lado. Atiro desajeitadamente e corro. Um mutirão de caras me persegue e de todos os lados surge alguém. Começo a atirar num giro de cento e oitenta graus, mas é em vão. Algo me atinge a cabeça e solto a arma. Caio no capim e sou atingido por chutes nas costelas e na barriga. Algo atinge minha boca e sinto o gosto de sangue. Minha vista escurece e sou levado arrastado por três homens fortes que seguram minhas mãos e pernas numa força desconhecida.

Sou jogado na traseira do carro de forma brutal. Levo um soco no rosto e o porta malas se fecha pesadamente escurecendo ainda mais minha visão.

Eu tentei... Tentei fugir e me salvar como ele tinha me pedido. Falhei. Estou morto... Acabou. O carro acelera e se movimenta com tanta rapidez que sou jogado e chacoalhado várias vezes. Para aonde estou indo? O que eles vão fazer comigo? No final era esse o preço final pelas minhas escolhas. Eu não podia caminhar no mesmo ritmo que ele. O mundo dele era irracional demais pra mim. Estavam me sequestrando e eu só pensava nele.

Comecei a chorar aos poucos e quando achei que tinha chegado ao meu destino final, ouvi tiros no carro, seguido de uma explosão. Um capotamento arranha a estrada como uma lixa e logo me vejo girar. O carro onde estou se movimenta mais rápido e num freio descontrolado para. Tiros e mais tiros escoam chicoteando nos vidros. O que seria isso? Meu fim ou minha salvação?

Após mais alguns minutos de muito tiroteio o porta malas é aberto e ao olhar para cima, vejo o salvador do meu sequestro. Armado e suado, sangrando e determinado. Ele me encara assustado, soltando um suspiro de alívio.

– Eu falei que ia te proteger... Ninguém vai tocar em você. – disse ele.

Pulei nos seus braços e nos abraçamos aliviados.

– Eu pensei que ia te perder... Eu juro que tentei fugir. – murmurei.

– Não importa... Eu te encontrei... Vêm! A gente tem que sair daqui agora. – apressou-se ele.

– Você está machucado? Meu Deus! Você tá sangrando... – falo olhando para seu ombro jorrando sangue na camisa.

– Eu vou ficar bem... – grita. – Vamos!

Ele me puxa pela mão e nós caminhamos. Ele mais flexível e eu um verdadeiro trapo.

– Pra onde a gente vai? Eles vão vim atrás da gente... Não tem pra onde ir. – digo com uma aflição fervente.

– É aí que você se engana... Têm muitos lugares pra gente ir... Confie em mim. Vai dar tudo certo. – encoraja-me ele.

Eu confiava nele. Mas dadas as circunstâncias era difícil acreditar numa saída para isso. Estávamos num beco sem saída, era só isso que eu deduzia.

Corremos em direção ao farol de mãos dadas, o que me fazia sentir ainda mais protegido. Vários corpos se encontravam estendidos no chão. Não via nenhuma mulher. O que era estranho, pois eu tinha certeza de que tinha ouvido uma voz feminina naquele bando. Do outro lado, um carro pegava fogo como todos os passageiros dentro. Vai ver vê ela estivesse entre aquele fogaréu.

Meu guardião estava armado dos pés a cabeça e segurava um lança míssil. Como ele podia usar aquilo tão facilmente? Ainda conseguia me impressionar com suas habilidades, mesmo sabendo de tudo. No farol, um carro nos esperava.

– Aquele carro? São eles... – digo querendo voltar.

– Não! É meu... É nosso... Vamos fugir nele. – rebateu ele decisivo.

Somos pegos de surpresa, quando um barulho de helicóptero surge nas nossas costas e junto com ele uma chuva de tiros. Tudo começa a explodir sob nossos pés. Metralhadoras disparam furiosas contra nós numa tempestade de balas perdidas pelo ar. Corremos juntos e paramos na frente do carro que nos espera. Ele abre á porta e me joga lá dentro.

– Eles não vão desistir facilmente... Que bom... Eu também não. Fica no carro... Eu já volto! – exclama ele.

Fico admirado com a coragem dele. Ele não temia nenhum deles. Claro, ele era um deles. Sabia todos os passos que eles podiam tomar. Cada tentativa falha de nos pegar era como um jogo de xadrez pra ele. Ninguém conseguia nos pegar. Ao olhar para onde ele tinha ido, vejo-o subir no farol, e o helicóptero seguir atirando em cima dele. A adrenalina tomava conta de cada parte do meu corpo, eu apenas me anestesiava para não pirar de vez. O que ele ia fazer? Será que eles não parariam? Quando esse inferno iria acabar? Eu não podia perdê-lo. E não iria.

Ao avistá-lo lá em cima do farol, o medo me paralisa ainda mais. Ele amarra algo na grade, um tipo de corda e prepara para atacar. Mais tiros. Ele desviava de todos os tiros e também atirava com uma metralhadora sem parar. Um segundo, dois, três e Bum. Prendo a respiração e vejo o lança míssil disparar. É tudo muito rápido, mas nítido demais.

O helicóptero é atingido no ar numa grande explosão e gira velozmente em direção ao farol. Meu coração para e morre naqueles segundos.

A explosão se intensifica ainda mais e derruba metade da estrutura que pende para o lado e desaba, repartindo a torre em dois. Pedras e tijolos caem por todos os lados nas pedras ao lado do mar. A destruição é completa. O farol é completamente destruído. Grito pelo nome dele e saio do carro totalmente abalado com a virada inesperada.

– Dante... DANTE! DANTE – grito aturdido.

Meus olhos escurecem e começo á chorar. Lágrimas escorrem pelo meu rosto sem parar. A devastação é generalizada naquele momento. “Eu o perdi. Não! NÃO!” Quando acho que não poderia ficar pior, uma granada é jogada no para-brisa e uma explosão ainda mais terrível me deixa surdo e me joga vários metros na estrada. Caio como uma pedra e machuco braços, cabeça e rosto. Tento me levantar ainda lutando contra o peso do impacto que recebi. Minha cabeça gira em círculo e meus olhos ardem com as chamas do incêndio.

No momento em que consigo me arrastar em direção aos escombros, sou atingido por um tiro no pé e caio novamente. Uma forte onde de fumaça e fogo tomava conta do lugar e eu não vi quem me pegou. Mais me pegaram. Levaram-me á força com um tiro no pé. Desmaiei em seguida, quando injetaram uma seringa no meu pescoço. Luzes brilhavam nos meus olhos antes de eu cair na escuridão. Eu só conseguia chamar seu nome. Dante! Dante! D A N T E...

...

O escuro dominava minha visão. Não havia janelas e nem brechas de luz. Será que eu tinha ficado cego? Não podia sequer vê nada. E o pior é que não tinha vendas nos meus olhos. Era escuro e só. Tentei tatear á procura de algo, mas estava com as mãos acorrentadas. Que lugar era aquele? Onde eu estava? Meu pé doía e eu sentia algo perfurando meu tornozelo. Eu estava deitado num espaço estreito e pequeno. Tão pequeno que estava me sufocando. Tentei mexer a cabeça, mas algo segurava meu pescoço. Outra corrente. Comecei á ficar sem ar. A escuridão estava me asfixiando aos poucos. Será que eu tinha voltado para a mala do carro. Não. Nada se movimentava embaixo de mim. O que seria aquilo? Meu celular tocou no meu bolso e um pequeno feixe de luz me mostrou onde exatamente eu estava. Era acolchoado e comprido. Um caixão. Eu estava num caixão. Comecei a sufocar e gritar por ajuda. Nesse momento, várias pancadas começaram a bater sem parar em cima do caixão ao lado de fora. Bah! Bah! Tremi! Estavam jogando terra... Eu estava sendo enterrado vivo... Gritei por ele, e me lembrei de que ele já estava provavelmente morto debaixo daqueles escombros do farol destruído. Eu estava perdido. Aquilo me enfureceu. Eu iria morrer e me juntar á ele. A morte era nosso destino. Estremeci e me agitei dentro do caixão tentando me soltar. Não adiantava, era como se meu corpo estivesse congelado. Preso e amordaçado, a terra me enterrava na superfície. Comecei a sufocar e meus gritos foram tão altos que eu podia ter certeza que estavam sendo ouvidos nas profundezas do inferno.

...

O sol nascia no horizonte, resplandecendo um novo dia. Um barco pesqueiro saía da baía dos pescadores em direção ao alto mar. Seu José era um cinquentão trabalhador e honesto e já planejava seu dia de pesca, junto com seu filho Bartolomeu de dezessete anos. Os dois saíram cedo demais naquele dia. E não esperavam encontrar o que viriam a seguir. Á alguns quilômetros de distância da orla, avistaram ao longe, um corpo boiando no meio do mar.

– Filho... O que danado é aquilo? - resmungou abismado seu José.

– Tá louco... Deve ser um corpo... Chega mais perto pai. – ordena seu filho curioso.

O barco começa a chegar mais perto e logo os dois se espantam. Um rapaz boiava no mar. O filho de seu José olhou para seu pai, que parecia abatido e logo acenou com a cabeça. Seu filho pulou no mar e resgatou o rapaz que parecia muito machucado. Seu José nunca tinha estado numa situação daquela antes. No estado em que o rapaz se encontrava, tinha sido sorte um tubarão já não tê-lo comido, com base nos vários cortes que escorriam sangue da testa, dos braços e dos ombros.

Após uma massagem cardíaca, o rapaz acordou assustado e vomitando água sangrenta. Olhou para os dois e num instinto de sobrevivência segurou o filho de seu José pelo pescoço, tentando esganá-lo. Seu José o segurou pelos ombros e o rapaz soltou seu filho.

– Cadê ele? Onde ele está? – perguntou o rapaz furioso numa voz pesada e grave como um trovão.

– Moço... Você precisa ir a um hospital! Tá muito machucado! Como você se chama? – pergunta o senhor José.

– Dante! É esse meu nome... Ele precisa de mim... Ajudem-me á encontra-lo. Por favor... – diz ele tendo uma convulsão de frio e tremendo o corpo todo.

– Ele quem moço? – perguntaram pai e filho juntos.

– Fred... Eu preciso encontrá-lo. Fred... F R E D! – grita ele e desmaia inconsciente.

...

Algumas Semanas Atrás...

Fred desceu do ônibus na rodoviária de Salvador – Bahia. Estava cansado e perdido. Tinha viajado para tantos lugares, procurado por tantas cidades, que já tinha até perdido as esperanças. Sua missão já era considerada em vão. Mesmo assim ele continuou. Não podia desistir agora. Tinha que continuar. Já era o quarto mês de buscas e nada. Ele sentia que a pressão era arrasadora demais para um garoto de apenas vinte anos. Fred tinha saído de sua casa em São Paulo e embarcado numa jornada insana atrás de algo que todos consideravam inexplicável.

Na rodoviária fez um lanche e ali mesmo começou a perguntar á cada pessoa que passava por ele. Informações por menos que fossem eram essenciais. O ritual se seguia. Mostrar a foto, perguntar e repetir novamente. Nada tomava rumo. Mas ele insistia. Era uma cidade nova, grande e traiçoeira. Mas tinha motivos para estar ali. As últimas pistas indicavam que era ali que o tinham visto pela última vez. De tanto seguir pistas, ele acabou se adaptando a segui-las.

Seu irmão foi sequestrado há mais de cinco meses. E ele nunca se perdoaria por isso. Ele nunca esqueceria. A escola. O carro preto. A mãozinha dando tchau. A placa. O desespero. O atraso. A perda. A dor. A culpa. O lixamento em praça pública. E a saída sem rumo á procura do seu irmãozinho. O nó na garganta parecia apertar cada dia mais, como se uma mão se fechasse no seu pescoço.

Fred estava magro, pálido e com uma aparência doentia. Quando se olhava nos espelho parecia vê um cadáver refletido. Cheio de olheiras, barba por fazer e cabelo bagunçado e grande. Ele já tinha desistido de levar a vida normal de um cara de vinte anos. Era insano pensar que ele tinha abandonado seu emprego, sua cidade, seus amigos, por mais poucos que eles fossem e sua real identidade. Ele não tinha destino certo. Estava perdido no mundo e era um verdadeiro nômade.

Nos primeiros dias em Salvador, andou por bairros e favelas que lhe tinham mandado, sempre procurando e insistindo. Nenhum resultado era obtido. Como sempre. As pessoas pareciam querer o evitar sempre que ele chegava perto. Não conhecia nada da cidade, mas andava o dia todo.

Cinco dias depois de muito NÃO na cara, já ia embora, quando decidiu visitar o famoso Pelourinho.

Numa tarde ensolarada e calorenta, ele se viu num dos pontos turísticos da cidade mais bonitos e diferentes que ele já tinha visto. Tinha subido o elevador Lacerda e já se encaminhava para a cidade alta. Pessoas diferentes e culturais o impressionavam. Casas, igrejas, ruas e avenidas possuindo uma grande variedade de artesanato e arte. As cores daquele lugar eram magnificas. Mas ele apenas perguntava. Aquela seria sua última tentativa. Depois de hoje, ele voltaria para São Paulo.

– Você viu esse garoto? – perguntava e logo mostrava a foto já amassada das tantas viagens feitas.

– Não... – essa era a resposta de todos.

Tinha (Não) em diferentes tons... O (NÃO) rápido e objetivo. Aquele (Naaão) triste e piedoso e também o (Não...) desconfiado e revelador, como se escondessem algo.

Ele apenas balançava a cabeça em concordância e seguia em frente. Será que tinha seguido mais uma pista falsa? Aquilo o estava enlouquecendo. “Continue, só essa vez.” Dizia uma voz na sua cabeça.

Algumas horas depois... Estava acabado de tanto cansaço. Quando já ia embora se deparou na frente da igreja do Nosso Senhor do Bonfim. Algo colorido chamou sua atenção. Uma grade cheia de fitinhas amarradas tremeluzia conforme o vento batia nelas. Chegou mais perto e resolveu amarrar uma fitinha vermelha que tinha ganhado numa das ruas em que tinha estado naquela tarde. Segundo lhe disseram, ele tinha que fazer três pedidos. Ele já tinha todos em mente. Ao caminhar para perto da grade, ele ficou impressionado com a quantidade de fitas coloridas postadas ali. Tá aí um lugar de fé. Era tudo que ele precisava naquele momento. Enquanto tentava achar uma brecha onde amarrar sua fitinha, um vento mais forte rodopiou em frente à igreja. Seus dedos não seguraram a fitinha firmemente e num rápido acaso, a fitinha de desprendeu de suas mãos e saiu voando sem destino.

“Era incrível como as coisas podiam se perder em suas mãos”. Pensou ele. No ar, a fitinha vermelha voou e pousou exatamente na cabeça de um cara que terminava de amarrar sua fitinha do lado de Fred. Assustado com a fitinha, o rapaz a pegou e os dois se olharam. A sensação de estar caindo foi indescritível para os dois. Fazia frio mesmo no calor.

– É sua? – perguntou o rapaz. Seus olhos avaliando cada traço do rosto de Fred.

– Sim... Eu devia ter segurado direito... – sorriu Fred constrangido. – Desculpe o incomodo. – finalizou ele cabisbaixo.

O rapaz que aparentava ter mais ou menos 26 á 27 anos segurou a fitinha na frente dos olhos de Fred e o entregou generosamente. Suas mãos se tocaram por dois segundos e Fred desviou o olhar.

– Obrigado. – disse Fred balançando á cabeça e saindo de perto do rapaz.

Ele podia jurar que ele ainda o estava observando quando saiu. Finalmente encontrou um pequeno espaço e amarrou sua fitinha lá, fazendo seus pedidos. Fechou os olhos e rezou. Descobriu naquele breve silêncio sozinho que seu coração ainda batia. Ao abrir os olhos e vê ao seu lado o rapaz que tinha segurado sua fitinha, algo o arrebatou e ele estremeceu.

– Você acredita em milagres? – perguntou o rapaz.

– Eu acho que sim... Por quê? – perguntou Fred.

– Acho que presenciei um... Por mais louco que seja... Eles podem acontecer... Mesmo que uma vez na vida. – disse ele.

– Acredito que sim... – respondeu Fred, segurando o olhar no dele.

Aquilo tocou fundo no coração de Fred. Aquilo o reanimou. O recarregou. Ele renovou suas esperanças naquele momento... De novo. Ele agora iria continuar com a jornada de encontrar seu irmão. Mas algo mudaria. O despertar de um sentimento mais profundo que estava resguardado e adormecido há muito tempo atrás floresceria. Ele sabia.

O silêncio se dissipou, quando os dois ficaram constrangidos com o breve e longo olhar que um jogava para o outro na frente da igreja. As fitinhas voavam em uníssono, como se todas aquelas milhares de fitas e desejos cantassem em conjunto.

– Dante... – disse o rapaz estendendo á mão.

– Ah... Fred. – disse ele apertando a mão de Dante.

A conexão foi assustadora. Era como se os dois fossem ligados um ao outro. Uma alta tensão se encontrando e se arriscando perigosamente numa voltagem chocante. Ali naquele final de tarde, duas luas se encontraram. Uma lua nova e uma lua cheia. Ambas destinadas a se transformarem numa só fase.

Nota do Autor: Pronto comecei... A junção desse quebra cabeça vai começar! O Dante e o Fred tão dando um trabalho... Espero que curtam! Bj!

Comentários

Há 1 comentários.

Por Luã em 2015-09-02 22:12:46
Meeeeeeu que incrível! Comecei a ler agora, e eu estou maravilhado. A estrutura, os detalhes, o enredo... É tudo perfeito. Meus parabéns!