Como Tudo Começou (Parte 2)
Parte da série Camuflagem
Rússia 2011
“Mais um... Eu sabia que encontraria... Demorou, mas vai ser esse mesmo... Ele é perfeito... Vai ver até goste... A voz dele é como eu imaginava... Leve e doce como uma pluma... Gosto da inocência escondida em seu olhar... Preciso disso na minha coleção”. Pensou Dimitri, olhando as várias fotos de Fred no facebook. Ele tinha conseguido... Os poucos minutos de conversa, foram suficientes para seu plano começar. Era excitante começar um jogo que ele sabia como terminaria. Seu membro estava duro só de imaginar tudo que ele faria nos próximos dias.
As informações iam sendo coletadas e analisadas conforme o hackeamento ia se completando... Ele tinha ficado horas e horas trabalhando incansavelmente para descobrir tudo que ele queria. Ele precisava e ansiava fervorosamente por isso e não hesitaria em parar. Nem agora e nem nunca. Desde o momento em que Dimitri o vira no webcam, ele tinha certeza absoluta de que aquela seria a presa perfeita para sua performance. Era mais uma vítima para sua redenção e seu expurgo mental. O amor foi tão intenso. Que só o primeiro olhar bastava para ele se envolver completamente. Bateu o olho e foi. Simples e arrebatador. Ele o queria. Por mais distante e improvável. ELE O QUERIA PARA SI.
Só que antes de começar... Ele tinha que interpretar. Ser o cara que ele queria que Fred acreditasse. As muitas atuações e facetas eram a camuflagem perfeita para esconder seu demônio interior. Dimitri sabia o momento certo para revelá-lo, só não conseguia controlá-lo. Depois de solto, ele era insano.
Seu momento visual entre presa e caça foi interrompida pela campainha do seu apartamento tocando incessantemente. Ele desligou sua máquina computadorizada e sigilosa e fechou á porta do seu quarto particular rapidamente. Ao abrir á porta do apartamento e dá de cara com seu irmão, sua impaciência de repente tomou a paz de um minuto atrás quase que automaticamente.
Seu irmão estava na sua frente, com a testa cortada e suada, como se tivesse saído de uma briga violenta e acirrada. Os dois se olharam demoradamente e Dimitri já sabia de onde seu irmão tinha vindo.
– Alek! O que foi dessa vez? – perguntou Dimitri num russo ácido e raivoso.
– Não vai me convidar á entrar irmão? - indagou Alek num tom russo suave.
Dimitri fez um gesto para ele entrar e fechou á porta logo em seguida, verificando se tinha alguém à espreita do lado de fora da sacada do prédio. E como sempre, os mesmo capangas nojentos e bandidos se encontravam esperando seu chefe. Na pequena sala do cômodo arrumado e limpo, Alek mal tinha entrado e já se encontrava abrindo a geladeira de Dimitri, tirando uma garrafa de bebida alcoólica. Abriu-a com o dente e deu o primeiro gole. Dimitri o fuzilava com os olhos, esperando uma explicação plausível.
– Eu sei que você ainda tá com raiva de mim... Por isso... Desculpa de novo irmão. Não foi fácil... Era preciso fazer aquilo... Entenda! Eu não podia te perder... – disse Alek compassivo.
– Já disse que você não tem que se meter no que não é da sua conta... Não se meta nas minhas coisas. Nunca mais. – disse Dimitri num tom sombrio.
– Tudo bem... Calmo aí irmãozinho!
– O que você quer? – perguntou Dimitri.
– Sumir... Uma fuga pra ser mais objetivo... E só você pode me ajudar com isso... – objetou Alek.
Dimitri era considerado um grandioso hacker e falsificador de identidade. Um dos melhores na sua área. Era como ganhava á vida nos dias atuais. Trabalhando com máfias perigosas e invisíveis. Podia entrar e sair de qualquer rede sem ser rastreado ou notado. Tinha dons para a tecnologia e seus interiores. Vivia para isso. E era isso que o ajudava na hora que ele resolvia jogar um joguinho feito por ele mesmo.
– Eu vou viajar... Não tem como eu te ajudar... Não agora! – falou Dimitri.
– Mais uma das suas grandes e longas viagens não é irmão? Para onde dessa vez? Posso te fazer companhia se você quiser? Eu amo conhecer novos lugares. – disse Alek, pousando o braço no ombro do irmão.
– Não te interessa... – retrucou Dimitri afastando-se dele.
– Para onde? E por que agora?
– Foda-se! Já disse que não te devo satisfações... – disse Dimitri. Ficando bem perto do irmão.
– Ao nosso pai você deve... Ele vai querer saber. – relembrou Alek, segurando cada olhada furiosa do irmão.
– Posso apostar que sim... Só que ele não me tem na coleira. Você é o cachorrinho dele, não eu. – rebateu Dimitri.
O soco que Alek deu foi forte o suficiente para derrubar Dimitri no chão e fazer sangrar seu nariz. O sangue veio como um jorro.
– Covarde! – rebateu Dimitri.
– Amanhã... Eu quero toda a papelada pronta. Se você não fizer... O papai vai saber dos seus joguinhos, pequeno irmão! – disse Alek, jogando a garrafa na parede e quebrando-a.
Alek saiu do apartamento determinado. Enquanto Dimitri levantava-se e corria para trancar a porta do seu apartamento. Ao entrar no banheiro para limpar toda aquela sujeira do rosto, á cada lavada da água, descia mais sangue pelo ralo. “Preciso agir... Agora. Não posso deixar escapar... Meu monstro precisa ser saciado. Ignorá-lo é um pecado que eu não me arrisco á cometer”.
Enxugou-se numa toalha e correu para seu quarto, fechando á porta. O site que ele abriu mostrou as passagens aéreas disponíveis para hoje. Ele viajaria para o Brasil, ainda hoje se necessário. Seu irmão podia se foder sozinho. Dimitri ainda guardava um rancor pelo que o irmão tinha lhe feito num dos seus trabalhos juntos. E dessa vez ele não atrapalharia seu jogo. Ao comprar as passagens, ele logo começou a fazer as malas. Na frente do computador, uma foto estampava o papel de parede. A foto de Fred sorrindo para um estranho, parecia irradiar energia magnética para quem o olha-se.
Dimitri parou por um momento e o observou pela milionésima vez.
– Logo estarei contigo, meu doce garoto. Logo! – disse Dimitri para a foto.
...
Alek andava suspeitosamente pelas ruas gélidas e movimentadas de uma cidade invernosa. A cada respiração, suas narinas produziam fumaças da temperatura baixa do ambiente. Ele sempre estava alerta e não deixava passar nada. Se Alek estivesse sendo seguido, o seguidor não teria tempo nem de chegar perto dele. Seus homens o seguiam para onde quer que fosse.
Alek estava numa fria e só seu irmão podia ajudá-lo nesse momento... Mesmo hesitando, Alek sabia que Dimitri o ajudaria. Os atritos não corrompiam o sangue que corria na veia dos dois. A relação instável de irmãos sempre era contornada. Um ajudava o outro e vice-versa. Alek só não esperava o que vinha á seguir pela sua espreita descuidada. Ele achava que sabia de tudo, mas na verdade não tinha nem noção.
...
Lá do alto de um prédio, um imenso homem observava tudo por um binóculo preto. O vigilante captava todos os movimentos de seu próximo abate. Sabia de tudo e estava preparado quando começava sua caça. Invisível e indistinto, ele cumpria suas missões de uma forma limpa e impiedosa. O homem viu quando Alek entrou num beco e bateu numa porta estranha. “Tão previsível. Vai ser rápido me livrar desse idiota”! Pensou o vigilante.
O telefone vibrou no seu bolso e num lance rápido com a mão, atendeu ainda fixado em seu alvo.
– Preciso de você! AGORA! – ordenou uma voz pesada.
– Ok senhor! – respondeu o vigilante numa voz fria e calculada.
Num movimento silencioso, ele desceu do prédio pela escada de serviço e ao chegar a solo firme, colocou seus óculos escuros e fechou o casaco que protegia seu grande e musculoso corpo escultural. Andando pelas ruas normalmente como qualquer pessoa, ele até parecia igual á todos os outros. Entrou no seu carro e deu partida.
Dante sabia como sair em grande estilo, quando queria chegar depressa num lugar. O carro veloz rodopiou pela avenida e partiu num piscar de olhos.
...
Brasil
São Paulo 2011
“Feche os olhos... Respire inspire... E depois durma. Não pense. Apenas embarque num sono sem sonhos”. Pensei deitado, olhando para o teto escuro do meu quarto. A loucura daquela noite tinha me deixado com insônia. Era de se esperar depois de receber uma ligação estranha daquela e de ter se mostrado para um estranho qualquer na webcam. Meu computador não ligava de maneira alguma e eu já esperava ter que economizar no mês que vêm em alguma coisa só para concertá-lo. Que ideia foi essa de entrar numa porra de um chat querendo conhecer pessoas? Eu era louco mesmo. Um frustrado atrás de companhia virtual. Minha cara mesmo.
Rolei na cama a madrugada toda e nada conseguia me distrair. Nem sequer um cochilo. Eu só fazia pensar... Pensar... E pensar... Olhei para o celular e procurei a última chamada. O número desconhecido e estranho ainda estava lá. Quem será que tinha ligado pra mim? Será que era uma brincadeira idiota de um dos meus amigos? Se fosse... Eu ia dar o troco na mesma moeda. Mas era estranho demais. A ligação foi recebida logo após eu conversar com aquele cara e o computador queimar em seguida. As palavras não saiam da minha cabeça. “Eu precisava ouvir tua voz...” E desligou. A voz era suave e estranha.
Coincidência demais para uma só pessoa. Revirei na cama de novo e dessa vez derrubei o celular no chão. Levantei-me e fui até o banheiro fazer xixi pela terceira vez. O clima tinha ficado tão diferente. Algo tinha mudado. Vai ver era eu que estava paranoico de vez agora.
Quando finalmente consegui encontrar a brecha para meu sono. O despertador do celular tocou mais alto que de costume. Era uma quarta-feira cinzenta e nublada. Hoje o dia seria uma maravilha. Só que não.
...
Três dias depois...
Cheguei à empresa onde Danilo trabalhava e ele já me esperava na entrada.
– Fred, eu não tenho noticias muito boas pra você... – disse Danilo.
Ele me contou tudo e eu quase desabei no chão.
– Hackeado? Como? Eu não entendo... – pergunto sem entender.
– Um Hacker poderoso invadiu teu computador... Tudo foi perdido. Informações foram vazadas. Fotos, músicas... Tudo! Eu fosse você dava queixa, ou sei lá... – disse Danilo.
Danilo era meu amigo e trabalhava com engenharia mecânica e informática numa empresa privada. Entendia tudo de computador e sempre me socorria nos problemas mais insignificantes. Só que dessa vez não foi bem assim.
– Como isso é possível, Danilo? – perguntei.
– Com quem você se comunicou virtualmente nos últimos dias? A localização é invisível... Nem meu amigo conseguiu rastrear... – disse ele.
Gelei. O cara do chat. Mas ele parecia tão... Não! Como? A confusão era tumultuada no meu consciente naquele momento. O que eu faria?
Peguei o ônibus e fui pra casa depois de um dia exaustivo e confuso. Meus pensamentos explodiam de receio. Será que eu corria perigo? E minhas fotos? Músicas... Vídeos. Droga! Aquela porcaria tinha tudo meu dentro. Só de imaginar alguém compartilhando minhas coisas, vendo minhas fotos, tenho vontade de sumir. O ônibus para no meu ponto e eu desço. Caminhando até minha casa, a rua onde eu morava se encontrava deserta e escura. Já passava das sete da noite. Peguei a chave na minha bolsa e fui em direção á calçada que dava no portão da minha casa. Olhando para o outro lado da rua, percebo um carro parado do outro lado na frente da minha casa. Chegando mais perto, só vejo uma parte de uma cabeça ruiva de homem. “Quem é aquele? Será algum parente de algum vizinho nosso?” Pensei. Não dei bola e enfiei a chave no portão. O carro acendeu do outro lado e buzinou. Ao olhar pra trás, o cara que estava dentro estava parado olhando pra mim. Dentro do carro o escuro predominava e ainda assim eu conseguia vê seus olhos brilhando na minha direção. Estranhei e ao dá o primeiro passo na direção do carro, o motor acelerou e ele saiu em disparada pela rua numa rapidez alucinante.
Um vento gelado me arrepiou e fiquei com uma ponta de curiosidade e encantamento. O ruivo dos olhos claros... Por mais rápido que fosse ele chamou-me a atenção... Algo balançou dentro de mim e eu sabia que isso seria minha perdição se eu me deixasse levar.