Capítulo 22 - Agonia

Conto de Sonhador Viajante como (Seguir)

Parte da série As Férias Dos Meus Sonhos (Baseada Numa História Real)

06 de janeiro de 2016... Uma data inesquecível.

Um dia como qualquer outro pra você... Mas não pra mim. Afinal, eu teria algum dia igual aos outros de novo, como antigamente, onde simplesmente nada acontecia? Acho que não. Lembro-me que antes eu achava minha vida tão sem graça... Todas as noites, eu lamentava os nadas que me aconteciam... Sonhando com o dia em que minhas neuras, se tornariam realidade... Imaginando enredos moldáveis e perfeitamente insondáveis. Eu queria viver. Eu queria acordar. Eu queria acontecer! Quem não quer viver algo de verdade? Quem não quer acordar do sonho e sentir o real á sua volta? Só nunca pensei que viver custasse tanto assim... É como se você passasse de expectador á protagonista. Enfrentar uma realidade é como pedir pra sofrer... Antes eu não sofria, pois era um expectador, observando a história da plateia... Mas á partir do momento em que me tornei o protagonista, e entrei nos palcos da vida, vivendo tudo que eu sempre admirei, passei a sentir o que era viver... Ser o mocinho da sua própria história é ser o centro das atenções constantemente... Porque viver é abrir as cortinas do seu palco... E viver tudo o que aparecer no seu caminho... Eis um fato: Wallace tinha aberto minhas cortinas, e de agora em diante, eu nunca mais seria plateia da vida.

As minhas primeiras horas, daquele fatídico dia, tinham começado assim:

07h25min da manhã: Acordei e logo briguei com Wallace... Ele se trancou no banheiro e eu chorei rios.

08h15min da manhã: Saí da mansão... Troquei algumas palavras com Paty e desencadeei uma briga violenta com seu irmão.

08h35min da manhã: Tive mais um momento com Wallace, antes da família dele me expulsar... Fui embora correndo.

08h50min da manhã: Vaguei pela cidade á procura de uma rodoviária... E me perdi em algum momento.

09h30min da manhã: Encontrei a rodoviária... E comprei minhas passagens.

09h45min da manhã: Reencontrei meu ex-namorado... Nós conversamos.

09h55min da manhã: Confessei sobre minha vida e fui confidenciado por ele... O papo rendeu e fez surgir uma nova amizade entre nós dois.

10h30min da manhã: Cheguei ao local onde o ônibus partiria... Despedi-me de Gabriel e o deixei.

10h45min da manhã: A hora que a minha passagem estava marcada para sair... Só que por conta de um atraso, nessa hora, eu estava encantado, olhando para Gabriel da janela, enquanto ele tocava violão.

11h04min da manhã: O ônibus finalmente partiu.

11h45min da manhã: Paramos numa nova rodoviária... Novos passageiros entraram... Uma senhora sentou-se do meu lado... Mesmo sabendo que o lugar dela era na janela, não fui incomodado por ela com isso... Ela deve ter ficado amedrontada com meu estado, pois sentou na poltrona ao lado do corredor (a minha, na verdade) e não falou nada.

E para completar o pacote...

12h25min: O ônibus parou abruptamente... Fomos atingidos por uma chuva de balas... E os urubus entraram com tudo para nos comer.

Era mole ou queria mais? Eu estava vivendo um dos dias mais infernais de todos... Não era fácil ser eu. Não era fácil ser o protagonista da minha vida... Na realidade, nunca foi... Se eu soubesse que ia acontecer tanta coisa ruim comigo naquele dia, nem tinha acordado. O pior de tudo era a sensação de culpa, assolando-me em cada piscada que eu dava. Por que eu tinha que ser tão complicado? Era impressionante, como eu sempre fazia as escolhas erradas pra tudo. Eu não conseguia limitar-me a um caminho seguro. Sempre escolhia o progresso mais tortuoso... Mais estreito... Aonde nem eu mesmo, tinha capacidade de suportar a caminhada.

Mas é claro que algo de bom, sempre surgia nesses meus momentos turbulentos... E a única coisa boa daquele dia, tinha sido meu maravilhoso encontro com Gabriel... Fora isso, foi uma desgraça atrás da outra... Pelo amor de Deus, né gente! Que macumba, tinham jogado em mim? Porque só podia ser isso... Uma mandiga das brabas. Desde o momento em que eu tinha acordado, naquela manhã azarenta, tudo tinha virado de cabeça pra baixo... Quando é que eu ia imaginar, que estaria no meio de um assalto perigoso? Nas mãos de bandidos armados... Tocando terror com suas pistolas e metralhadoras... Teria ainda coisa pior pra me acontecer? E não é que tinha?

A tensão era sufocante. Nem em meus pesadelos mais sombrios tinha sentido tanto medo. Uma gota de suor desceu pela minha testa, e estagnou-se na ponta do meu nariz. O calor cozinhou-me completamente... Eu estava tão agoniado por dentro, que mais parecia que estavam me rasgando por dentro... Apesar de por fora, eu parecer uma estátua de pedra... Minha máscara de passividade logo cairia... Eu ia explodir. As imagens se embaçavam na minha visão periférica... O choque estava mexendo com minha cabeça... A gota de suor fincou no meu nariz e me fez cócegas... Não pude coçar... Era arriscado... Pior, podia ser interpretado como um insulto... Um único movimento e pá! Seria meu fim. Até respirar era perigoso; Pois acredite... Estar sob a mira de uma arma, é como estar de frente com a morte... Você está a um passo de detonado... Você não consegue se mexer... Você não consegue correr... Muito menos escapar... A granada é você... E seus movimentos são seu campo minado... Qualquer escolha errada ou impensada é fatal... A sorte tem que estar do seu lado... E se não estiver, faça com que esteja... Tudo vai depender de como você vai reagir... Portanto, é bom não vacilar. Seja o seu próprio herói.

Um grandalhão anunciou o assalto... Logo em seguida, os outros nojentos entraram... Eram quatro assaltantes encapuzados... Dois de altura média, um mais baixinho e outro mais altão, com físico bombeado de academia... De longe pareceriam policiais uniformizados, com roupas pretas e coletes á prova de balas... Mas só de longe... O assaltante altão segurava uma metralhadora, com um cinto cheio de munição, apontando-a para todos os passageiros assustados de cada poltrona... Não vimos seus olhos, pois ele estava de óculos pretos, mas sabíamos que ali, se encontravam olhos frios e calculistas. Ele até parecia se divertir com aquilo... Aparentando ser o chefe da quadrilha, o miserável não parecia nem um pouco nervoso. Muito pelo contrário, seu modo de andar, mostrava uma autoridade segura de si... Como se ele não estivesse nem um pouco preocupado, com a polícia á caminho. Meu medo foi ficando mais descontrolado... Segurei no apoio do assento, apertando-o com força... Eu devia me controlar... Era essencial para minha sobrevivência.

– Não olha pra mim! Quer que eu te encha de bala, agora mesmo? – esbravejou ele, socando brutalmente um cara, com a ponta da arma.

O bandidaço que estava no comando queria matar... Ele parecia ansiar por aquilo... Dois golpes desmaiaram o passageiro que o tinha encarado. Desviei o olhar dele, quando ele passou pela minha poltrona... Todos ali, inclusive eu, estávamos à mercê daquele monstro. Qualquer um podia morrer. Para qualquer um, podia ser o último suspiro. Um de nós morreria naquele dia. Era certo. Ia acontecer. Eu sentia.

Os demônios caminharam pelo corredor, se espalhando como sombras, mirando descaradamente os muitos passageiros. Não arrisquei olhar pra cara de nenhum deles. Deus me livre! Apenas fixei meu olhar na poltrona á minha frente... Esperando que o terror acabasse. Como eu queria que fosse tudo um pesadelo. Fechei meus olhos com força, mas nada aconteceu. Era real. O inferno estava aqui... E eu tinha entrado nele. Abri meus olhos, quando a voz abafada e roucamente feia do chefe do bando, começou a falar assustadoramente:

– Eis a minha condição. Se qualquer um tentar fazer qualquer gracinha, vai levar bala. Se tentarem se juntar contra nós. Ou sequer pedir ajuda... Todos morrem! Agora se cooperarem, eu posso pensar em ser bonzinho. Mesmo não sendo do meu feitio.

O canalha tocou no ombro de uma mulher, acariciando-a com malícia. Um homem do lado da moça olhou feio para o assaltante, mas virou o rosto. Devia ser o marido dela. Aquilo me enojou ainda mais... Por que ele não fazia alguma coisa? Por que ninguém fazia nada? Porra! Éramos todos reféns naquela merda... Eles iriam fazer o que quisessem... E nós suportaríamos tudo, por sermos covardes demais para reagir... Apenas por causa da porra de uma arma de fogo... Como eu queria poder ter poderes sobrenaturais... Toda aquela tensão só generalizou... Eu podia escutar a respiração de cada pessoa... A mulher que estava sendo acariciada retirou a mão do sujeito da sua nuca com força, cansada daquele assédio. Ele riu e virou o rosto para o outro lado.

– Adoro vadias furiosas... – disse ele, passando a mão enluvada no cabelo de outra moça, e enrolando-o no dedo.

Eu contava mentalmente de um á cem. Segurando minhas estruturas emocionais, que estavam decaindo numa escuridão sem fim. O chefão assobiou para seus comparsas, e eles começaram a tirar da roupa, sacos plásticos pretos. Outro assaltante, falou:

– Eu quero todos os aparelhos que vocês tiverem aí... Celular... Computador... Tablet... Carteiras... Joias... Tudo de valor. E não me façam revistar vocês... Não vai ser nada legal!

No mesmo instante, todos começaram a entregar todos os seus pertences pessoais... Amedrontando-nos ainda mais, os canalhas davam socos e murros nas pessoas que demoravam á entregar suas coisas... Até idosos que sentavam na frente, levaram pancadas na cabeça... Uma covardia que me fez sentir um ódio, que até dissipou meu medo. Tirei meu celular e minha carteira da bolsa... Esperando a minha vez... Rezando para acabar logo aquilo. Olhei para meu celular e num ato rápido, retirei meu cartão de memória e o joguei no bolso pequeno da minha mochila, afinal, não ficaria sem minha playlist. Não mesmo! Eles que se fodessem... Minhas músicas eram meu refúgio... Meu ponto de equilíbrio. Sabia que precisaria muito delas, quando tudo isso acabasse.

– Pai nosso... – rezou a senhora do meu lado, tremendo muito. Peguei na mão dela e ela a apertou.

– Vai dar tudo certo... – sussurrei tão baixinho que nem eu mesmo ouvi.

Meus olhos corriam de um lado para o outro, instintivos demais, pegando cada movimento deles. Era crucial ficar atento... Tudo podia acontecer... E foi o que aconteceu. De repente, uma criança começou a chorar fortemente... Pegando carona, uma garota da minha idade, eu acho, também caiu em prantos. Fodeu! Eles pararam de roubar e olharam para os dois chorões.

– É melhor você fazer esse garoto parar de buzinar no meu ouvido! – disse rispidamente, assaltante baixinho, pegando no cabelo da mãe do garoto, e segurando-o com força pra trás. A moça guinchou, com seu filho chorando nos braços.

Todos nós olhamos horrorizados. A revolta era sufocante.

– Ei! Não faz isso com ela... Ela só precisa acalmar a criança. – disse um passageiro, acendendo uma esperança, de que ainda existiam pessoas dispostas, a se colocarem em risco pelas outras.

– Olha só... Temos um herói por aqui? – disse outro assaltante, apontando uma pistola pra cabeça do rapaz.

– Deixa comigo. Eu quero mesmo brincar um pouco... – disse o desgraçado, soltando o cabelo da moça e caminhando até o rapaz.

– Cara, eu não quis insultar você... Só queria ajudar a moça. – disse o rapaz prestativo.

– Eu não quero saber. Foda-se você! Vêm até aqui... AGORA! – ordenou ele, puxando o rapaz pela camisa e o jogando no chão do corredor.

O homem caiu de mau jeito, ajoelhando-se no chão. Uma garota começou a gritar, escandalizada com aquilo. Era a garota que estava do lado dele.

– Meu irmão não! Meu irmão não! Por favor! Não! – exclamou ela, apavorada, pulando em cima do assaltante armado.

O assaltante deu uma cotovelada na irmã do rapaz, jogando-a na poltrona com tudo. Em seguida, chutou o rapaz, várias vezes... Arrancando gritos histéricos e barulhos desagradáveis.

A outra menina que estava choramingando com a criança, deslanchou em lágrimas... Juntando coro com o menino de dois anos... Enquanto o rapaz era violentamente chutado... Com sua irmã vendo tudo e gritando, sendo segurada pelos outros passageiros, que não queriam que ela se machucasse mais. O rapaz levou uma canelada no rosto... Seguido por um desmaio repentino... Na última hora, alguém pulou no assaltante, inconformado... Gritos se juntaram a baderna... A choradeira ficou mais alta... Dois lutaram contra um... Uma arma foi mirada... Um “não” foi gritado... Até que um tiro foi disparado... E o barulho silenciou á todos.

Um homem caiu morto nos braços do assaltante, que o jogou em cima do rapaz desmaiado. Foi tudo tão rápido, que não deu tempo nem de gritar. O barulho da bala ensurdeceu á todos. A porra tinha ficado mesmo séria. Eu fiquei tão mortificado, que quase desmaiei sentado... Era demais pra mim.

– Quem é o próximo? Mais alguém? – gritou o assaltante que tinha atirado.

Ninguém respondeu. E como se nada tivesse acontecido, eles continuaram a varredura... Frios. Apressados. Xingando á todos com palavrões maldosos.

– Tira esses bostas do caminho! – ordenou o chefão, para o assaltante brigão. – Já que você fez a sujeira... Limpa!

O corpo do homem baleado foi levado arrastado pelo corredor, espalhando sangue por todo lugar. A garota pegou seu irmão e o levou desacordado para seus assentos. Eu segurei minha ânsia de vomito, fechando os olhos. Mas nem isso foi o suficiente para me fazer ficar são... Não aguentei e pus pra fora apenas água... Aí... Meu... Deus... Eu tinha vomitado em mim mesmo. Puta que pariu! Puta merda! Cassete! Olhei para a senhora ao meu lado e ela estava ainda mais pasmada do que eu. Foi o suficiente para chamar a atenção. Todos olharam pra mim e dos assaltantes veio á minha direção. Eu quase me urinei com a aproximação dele. Fodeu!

– Outro merdinha... Você é nojento, cara! Já te disseram isso? – disse o bandido, com uma luva verde ridícula. Logo depois se virou, voltando para junto dos outros.

Queria poder dizer pra ele: “Mais nojento que você, impossível. Seu seboso”!

– Minha nossa senhora... – disse a senhora do meu lado, transtornada, pegando uma toalhinha e me oferecendo.

O estrago já estava feito... Eu estava na pior situação possível. Caralho! A vida não parava de me foder... Limpei-me do meu jeito e tentei ignorar o mau cheiro. Uma tontura repentina me pegou... Zonzo pelo calor intenso dentro do ônibus, senti minha mente escurecer... “Agora não”! “Agora não”! Eu ia cair... Meus olhos iam fechar... Foi quando olhei pra janela e vi as viaturas se aproximarem ao longe... Recobrei meu juízo e comecei a voltar ao normal. Seríamos salvos, finalmente.

Os bandidos se tocaram na mesma hora. Eles iam se foder! Animei-me com aquela ideia.

– Fodeu! Alguém deve ter ligado pra polícia! A gente tá fodido! – disse um dos assaltantes, nervoso.

– Se depender de você, estamos mesmo seu idiota! – disse o chefão, empurrando o comparsa com força, e afastando alguns passageiros da janela, para ver o que o esperava lá fora. – Quatro viaturas... Vai ser moleza!

– Estamos salvos! Vocês vão se ferrar! – disse a irmã do rapaz espancado.

Saindo da janela, o chefão da quadrilha, se virou para a garota e deu uma forte gargalhada. Aquele som me deixaria noites sem dormir... Olhando para todos, ele levantou a metralhadora para o alto.

– Será mesmo que vocês estão salvos? – perguntou ele, disparando sem dó, no teto á nossas cabeças.

Foram muitos tiros durante poucos segundos... A agonia desestabilizou todas as minhas células... Eu ia morrer. Todos nós iríamos. Um zunido alto no meu ouvido ensurdeceu-me... Como se em câmera lenta, todo o teto do ônibus foi perfurado por buracos medianos... Fazendo o sol quente, penetrar a nossa densa escuridão. Eu coloquei minhas mãos nos ouvidos, abaixando-me o máximo possível. Nunca senti tanto medo como naquele momento... Eram gritos e choros para todo lado.

Assim que cessaram os disparos, o atirador falou:

– Gostaram? Devia na cabeça de vocês! Mas, eu resolvi ser legal... Só não abusem. – cuspiu ele, se virando e caminhando para a porta. – Di, vêm comigo! Vamo mandar ver naqueles soldadinhos! Já vocês dois... Terminem isso e desçam. Já!

O chefão e o assaltante chamado “Di” desceram ansiosos pelo confronto. Os outros dois se apressaram com ainda mais rapidez no rapa... Quando dei por mim, eles estavam bem na minha frente, mostrando o saco para eu colocar meus pertences dentro. Joguei meu celular e minha carteira de uma vez só, querendo ficar fora da vista deles... A senhora também fez o mesmo, tremendo dos pés a cabeça. Quando eu achei que eles iriam embora... O assaltante que recolhia, olhou-me com atenção... Era o mesmo idiota de luvas verdes, que tinha me zoado pelo vômito... Ele avaliou-me por algum instante... “O que ele queria?” Eu baixei meu olhar, apreensivo.

– Boné legal... Bacana! Passa ele pra mim. – pediu ele, estendendo a mão nojenta.

Ah não! O boné do Wallace. Minha única lembrança dele. O presente que me fazia sentir, como se ele estivesse comigo... Emanando seu cheiro... Formando sua presença. Eu não podia perder aquele boné.

– Cara, é só um boné idiota... Nem tem valor como você pensa. – menti, sabendo o quanto significava aquele objeto.

– Tô pouco me fodendo. Eu quero! – insistiu ele, apontando a arma pra mim.

– Dá logo pra ele, meu filho... – sussurrou a senhora do meu lado.

– Não! Isso não... Olha... Pode levar minha bolsa ou qualquer outra coisa... Mas isso não! – falei desesperado.

Ele girou a bala no revólver. Eu coloquei as mãos na cabeça, protegendo meu boné.

– Você vai morrer seu filho da puta! – gritou ele, sedento pela minha morte.

– Acaba logo com isso! A gente não tem tempo pra essa merda. – disse o outro assaltante, entediado.

Eu meio que estagnei no meu lugar... Não! Ele já estava com coisas demais... Pra quê iria querer um boné? Meu devaneio dissolveu-se, quando o cano da pistola encostou-se à minha testa. Eu gelei na mesma hora... Era o meu fim. Eu seria mesmo capaz de morrer, apenas por causa de um boné? Por causa de Wallace? Meu subconsciente dizia: “Sim... Você vai”. Seria certo isso? Sendo sincero? Naquele momento crítico, eu seria capaz de tudo. Wallace era meu começo e também seria meu fim. Que se dane! Ele não levaria meu boné!

Num ato grotesco, ele arrancou o boné da minha cabeça e viu o estado desmatado e suturado no meu crânio.

– Puta merda! De onde você saiu? Dos filmes do Frankenstein? Isso tá bizarro pra caralho! – disse o imbecil, colocando o meu boné na própria cabeça.

– Estranho. Parece até que ele saiu do barbeiro sem terminar de cortar o cabelo. Que bicho feio da porra! – disse o outro comparsa, rindo alto e jogando a cabeça pra trás.

Eu deveria me sentir uma droga, mas não. Eu nem liguei. A opinião deles sobre a minha aparência de nada importava. Tudo que eu queria era que eles fossem presos... Mortos... Sei lá! Só queria-me ver livre deles. Por mais inconsolável que eu fosse ficar... As lembranças da minha estadia com Wallace me alimentariam de coisas boas. Eu não precisava de objetos para isso acontecer, compreendi. Ele estaria comigo... No meu coração... Por todo o infinito que eu existisse.

As gargalhadas foram interrompidas, pelos primeiros tiros trocados lá fora... Era bala pra todo lado. Assustado, coloquei as mãos nos ouvidos, abaixando-me para quase debaixo dos assentos. Com razão, pois uma bala perdida não seria nada legal naquele momento. Os assaltantes que ainda estavam no ônibus, se abaixaram prontos para atacar... Eu só ouvia nitidamente a metralhadora disparando sem parar do lado de fora... O confronto entre policiais e bandidos se estendeu por minutos, que mais pareceram horas. O caos era total... Todo mundo se protegia como podia.

Quando os disparos pararam por um momento, um dos que estavam lá fora, subiu de novo no ônibus, gritando:

– Traz um deles de refém!

– O quê? Por quê? Eu pensei que o “todo poderoso”, tivesse tudo sobre controle... – disse o canalha de luva verde.

– Faz o que eu tô mandando. AGORA! – ordenou ele.

– Tá!

Ainda tentando camuflar-me ao chão... Fiquei escondido no meu casulo. Ouvi os passos rápidos de sapatos pretos, caminharem determinados pelo corredor... Só quando pararam na minha poltrona, foi que percebi o óbvio. Eu seria o refém.

– Você! Vêm aqui! Rápido, sua aberração! – chamou ele, apontando mais uma vez aquela pistola na minha direção.

Só podia ser sacanagem. Aquele idiota não ia mesmo com a minha cara.

– O que foi que eu fiz? Como assim? – perguntei tremendo, fazendo-me de desentendido.

Ele nem me escutou. Apenas pegou-me á força pelo braço, e me arrastou como um boneco pelo corredor. As pessoas me olhavam apreensivas... Enquanto eu passava perdido, sem entender o quão grave a minha situação tinha ficado. As mãos me seguravam com tamanha força, que eu senti meus ossos deslocarem. O mau jeito da sua pegada estava me trucidando. Eu não conseguia nem ao menos equilibrar-me... Minhas pernas estavam desgastadas como molambos. Sem falar na pistola cutucando-me nas costelas. No final das contas, eu seria o sacrifício. O cordeiro sendo levado para o abate... Ser o mocinho da história era um martírio... Tinha chegado minha hora. ACABARIA PRA MIM.

Assim que saímos pela porta do ônibus, fui jogado brutalmente no chão de terra ao lado da pista. O forte sol encandeou meus olhos e não consegui abri-los totalmente. Só aos poucos me acostumei com a claridade. O ônibus parecia um museu do meu lado. O silêncio era predominante. Mordi meus lábios, sentindo a ardência queimando-os. Rachados pelo calor intenso e pela falta de água no organismo, tudo no meu corpo despedaçava. Eu estava doente. Muito doente. Pelo menos agora, uma brisa fresca batia no meu rosto. Mesmo que fosse o último capítulo da minha vida, eu estava bem satisfeito por não acabar morrendo naquele calor lá dentro.

Do meu lado, os quatro assaltantes conversavam aleatoriamente, planejando um plano. Eu nem os escutava. Uma águia passou rasgando pelo céu azulado e de poucas nuvens. Sentei no chão e juntei as minhas pernas, fechando meus braços ao seu redor. Eu estava com medo... Eu não queria morrer... Não hoje. Não agora. Não sabendo do que eu deixaria pra trás... Quem eu deixaria, na verdade. A única coisa em que eu pensava era no rosto bravo do Wallace... Eu queria viver e poder ter mais uma chance com ele... Se ele ainda me quisesse, claro. Por que eu não deixei ele me segurar? Por que eu fui tão tolo á ponto de machucá-lo, só para fugir dele? Lembrei-me da previsão que a minha mãe tinha dito... Querendo levar-me com ela. Eu deveria ter cedido. Aviso de mãe é sempre certo. Como eu me arrependo.

– Pega ele! – ordenou o chefão.

Outro assaltante pegou-me pela camisa e me puxou, enlaçando um braço no meu pescoço, e mirando o outro com a arma na minha têmpora. Engoli secamente... Minha garganta doloridamente fodida.

– Faz o que eu mandar... Ouviu bem? – disse ele. Eu já não tinha mais noção de quem era quem.

Respondi balançando a cabeça. Ele me levou pra frente do ônibus, decalcando cada passo que eu dava. Suei frio. Outros dois nos acompanharam, vigiando o perímetro. Eu não conseguia fazer meus pés caminharem direito... Mas precisava. Caminhamos até um trecho no meio da pista, e logo vi as várias viaturas da polícia, parados á alguns metros de distância. Um total de seis. Vários policiais armados miravam na nossa direção de longe, com suas pistolas e fuzis. Era um esquadrão. Assustei-me com aquilo, mas o peso da arma na minha cabeça me alertou para prosseguir.

Paramos no olho do furacão, entre os bandidos e os policiais. A linha de fogo se posicionou... E o assaltante falou bem alto:

– Eis o nosso acordo! Nós levaremos um refém, como garantia.

– Nem pensar! Queremos todos os passageiros! Rendam-se imediatamente! – disse o policial.

– Uma ova bacana! Ou vocês aceitam a nossa condição ou mataremos todos eles lá dentro... Bala não vai faltar. Todo mundo vai morrer!

A negociação não foi acertada. Voltamos para a base dos bandidos, que me jogaram no chão, onde fiquei deitado, procurando forças para sobreviver. Enquanto o tempo transcorria sem fim... O inferno não acabava. Teria fim?

...

Horas se passaram... E nada. Ninguém conseguia negociar. Ninguém atacava. O circo tinha se fechado completamente. Estávamos cercados dos dois lados da estrada. Até helicópteros rodeavam á nossa volta. Apesar disso, tudo ficava ainda mais perigoso. Eles estavam surtando, ficando sem opções. Uma forte dor na minha cabeça estava arrancando meus últimos pedaços de sanidade. Eu ia enlouquecer. Eu estava praticamente morto de sede, de fome (Se é que eu tinha mais fome), de frio, e suando litros... Queimando-me num sol escaldante de final de tarde... Rabugento pela poeira da estrada... Fedendo... Um lixo total. Eram quase cinco da tarde, quando os bandidos resolveram meter bala nos policiais e chutar o pau da barraca.

– Eles que se fodam! No três... Estejam preparados. Segurem o garoto! – combinou o chefão, perdendo sua pose de segurança.

A contagem começou e fui levado para dentro do carro deles no meio de um forte tiroteio intenso. Eu me abaixava, mas era impossível. Eu estava sendo usado como escudo para aqueles canalhas. E foi isso que me salvou... Pois os policiais não atiraram em nós, quando apareci no meio do confronto... Eles entraram no carro comigo e deram ré, acelerando pelo asfalto e tomando o caminho contrário. No banco do carona, eu tinha vigias dos dois lados. Todos apontando armas pra mim. Como se eu fosse correr... Eu queria chorar... Mas não saia nada. Nem mesmo uma lágrima. Nem mesmo uma gota.

O carro avançou na direção do cerco fechado por policiais, que sem saber o que fazer ou como agir, liberaram passagem para nós. Eu até fechei meus olhos na hora que passamos a toda velocidade... Tudo passava como uma vertigem pelos meus olhos... Ele acelerou mais e mais... Se batêssemos, o impacto mataria á todos. Respirei fundo... Meu Deus! Ajude-me!

O carro corria veloz pelas estradas, quando um baque nos pegou por trás. Uns não, vários... Por incrível que pareça, algo nos seguia. Um carro da polícia, só podia ser... Apesar de não ver as luzes da sirene.

– Ferrou... Acelera! – disse um deles.

– Quem tá nos seguindo? Não é da polícia. – disse outro.

– Isso não vai prestar... Não vai! – disse o canalha que estava com meu boné.

Tentei olhar lá pra fora, mas só vias as imagens se distanciando. O carro que nos seguia era esperto... Sempre desviava dos tiros que os bandidos disparavam. Quem quer que esteja nos seguindo, sabe o que está fazendo. Minhas orações se acumularam espaçadas... Rezei para nós batermos. Rezei para sermos pegos. Rezei para que aquele carro que estava nos seguindo, pará-los. Rezei para apagar-me de vez. E mais do que tudo, rezei para poder encontrá-lo só mais uma vez. Mesmo no meio daquele pandemônio, eu ainda tinha sanidade pra pensar nele... Wallace era como um espectro... Podíamos estar distantes, mas ele sempre estava presente na minha mente... Ele sempre estaria comigo. Fico me perguntando o que ele estaria fazendo naquele exato momento? Será que sentia minha falta? Será que passava pela cabeça dele, o que eu estava vivendo? Como ele reagiria se eu morresse? Eu, provavelmente morreria depois daqui... Ai... Eu daria tudo para tocá-lo uma vez mais... Abraçá-lo de novo... Tê-lo comigo. Como eu o queria... Como eu o desejava.

Entre esse pensamento e outro... Nem percebi o choque repentino e o capotamento do carro... Quando dei por mim, estava girando, batendo a cabeça no teto do carro, deslocando meu corpo em todas as direções, sendo esmagado por outros, girando de novo, e descendo por uma ladeira... O carro voou no ar e caiu numa enorme possa d’água. Um rio. Eu gritei... Eu me lembro. O impacto com água foi forte demais... Os vidros se espatifaram... O carro desceu pela profunda descida ao escuro... Aprofundando-se cada vez mais... Só me lembro da água entrando por todas as janelas, e do desespero de sair daquele sufoco... Alguém desmaiou... O meu boné caiu no meu colo. Segurei-o com força e tentei abrir as portas do carro... Outra pessoa chutou a outra porta emperrada... Eu precisava lutar... Mas após tanto desgaste... É impossível se reerguer com facilidade. Empurrei de novo e a tranca se abriu... Liberando-me num mar amarronzado e escuro... Eu não sabia nadar, mas mesmo assim dei o meu melhor... Mergulhei para cima, tentando erguer-me na superfície... Tomei fôlego e impulsionei-me... Eu estava conseguindo. Eu ia me salvar... Só que a carga de adrenalina dos últimos dias me pegou com tudo... Pois, assim que emergi na superfície, eu apaguei. Por um segundo, ouvi uma voz familiar chamar meu nome... A voz do meu anjo... A voz da minha nova razão de viver.

Continua...

Eu demoro muito á postar não é? Desculpem! Volto logo logo! Cap 23 em discussão... Quase entrando na folha... Aguardem! Bjs pra todos os leitores desse conto!

Comentários

Há 7 comentários.

Por Júnior amor em 2017-04-05 21:58:58
Nossa passado essa história está cada vez melhor ancioso pelo próximo capítulo 😘😘😘😘😘😘😍❤
Por Rafinhah em 2017-04-05 21:37:15
Ai meu peito. Preciso de mais o mais rápido possível!
Por Elizalva.c.s em 2017-04-04 17:03:20
Amado que história cada capítulo me surpreende mais, esse garoto tá precisando de um banho de sal grosso,espero que seu amor vem em seu socorro.ansiosa pelo próximo capítulo.😘😘😘😘😘
Por Ped🎶 em 2017-04-04 16:40:58
Ai meu Deus essa é a melhor série q ja li❤😍😍 #esperano proximo cap...❤😍😍😍😍
Por Diva em 2017-04-04 05:24:52
Que capítulo! Melhor que não seja o Wallace e sim outras pessoa
Por Guerra21 em 2017-04-03 22:35:17
Aí que susto, será que o Wallace? Espero que sim, alguém tem que salvar ele. Que dê tudo certo para ele. Bjs.😘😍
Por fofaum em 2017-04-03 19:29:06
Graças a Deus vc volto eu amo sua série