Capítulo 20 - Dois Lados

Conto de Sonhador Viajante como (Seguir)

Parte da série As Férias Dos Meus Sonhos (Baseada Numa História Real)

Quando as lágrimas secaram, eu me senti morto. Era como se todo o choro tivesse se extinguido para sempre... Não existia mais água no meu corpo... Meus olhos tinham secado completamente... Murchando e encolhendo o meu lindo jardim... Deixando que todas as minhas flores morressem... Tornando o encantado e doce paraíso, num completo mausoléu sombrio.

Meia hora depois... Wallace ainda continuava no banheiro, enquanto eu estava devastado na cama... Parecia que eu tinha sido dopado... Não queria e nem conseguia me mexer... O pior de tudo era o vazio estarrecedor... O nada daquele silêncio intransponível... O profundo mergulho do meu caos, na penumbra exorbitante... Pisquei meus olhos e fixei meu olhar na janela... E percebi o quão longínquo minha consciência estava... Era como se eu tivesse me perdido em mim mesmo... Foi quando eu me toquei... Num lapso, comecei a entender o que aquele transe significava... Eu estava esperando... Aguardando algo que não dependia apenas de mim... Mas dele também... Só que ele não queria me ver. Não queria falar comigo. Não mais. E nesse momento, entre a espera e a expectativa, eu comecei a despertar.

Precisava me afastar daquele quarto... Daquela casa. Daquela família. E principalmente, daquele homem. Ele não podia me ver de novo. Eu não teria mais coragem de olhar na cara dele... Pelo menos eu achava. Não depois de tudo que eu tinha falado pra ele... Em questão de segundos, levantei-me da cama num rompante, e peguei minha mochila, em cima da mesa. Abria-a apressadamente e tirei uma roupa qualquer, sem nem olhar. Vestindo-a rapidamente... Não podia mais perder tempo... Tinha que sair dali... Já! Juntei minhas coisas, jogando tudo dentro da bolsa, e logo fiquei pronto pra partir. Só que por mais que a gente tente seguir em frente, algo sempre nos puxa de volta para o torpor... Lembrando-nos do que estamos desistindo. Do que estamos deixando pra trás.

A dor voltou... Deixando em pedaços... Meus sentimentos por ele eram mais arrasadores, do que eu podia imaginar... Eu tremi. Droga! Eu tinha que me controlar... Fechei minhas mãos em punhos cerrados. Só que apesar dos meus esforços falhos, as lembranças sempre me atacavam de uma forma ou de outra... Aqueles dias se tornariam esquecidos... Virando pó ao passar do tempo... E era isso que ferrava tudo. Um turbilhão de emoções me pegou e eu cambaleei para o chão, pondo as mãos na cabeça. Foi o bastante. Tudo voltou. De novo. Com força total. Não parei de chorar um só minuto... Um choro silencioso. Calado. Intenso. Abrindo minhas feridas, que antes cicatrizavam. Parecia tolo demais fugir mais uma vez, mas a verdade era que eu estava cansado daquilo tudo. Todas as minhas escolhas, sempre me levavam ao precipício. Por mais que eu fugisse, era nesse final que eu acabava. A minha história não seguia um curso, mas sim, um ziguezague. Altos e baixos o tempo inteiro. Curvas estreitas e linhas tortas, sem folga ou gentileza. A minha vida amorosa era um desastre. E eu sempre terminava sozinho. Nunca sobrava ninguém. Nem mesmo um amor, que virou amizade. Nada mesmo.

Alguns barulhos do lado de fora do quarto, me alertaram, de que já bastava todo aquele meu sofrimento. Chega de sofrer... Wallace tinha feito sua escolha. Eu tinha que fazer a minha... Nunca me passou pela cabeça, que chegaríamos á um ponto tão extremo na nossa escala. Nesse meu devaneio, fui me recuperando... E era melhor mesmo eu me recompor... Pois se eu continuasse assim, logo alguém bateria na porta, e não seria nada agradável me encontrarem naquele estado. Comecei a me levantar, enxugando o rosto e respirando fundo. Agora eu tinha que ir... Peguei minha mochila e parei no meio do quarto, quando escutei um barulho de água correndo... Provavelmente, na pia do banheiro. Entorpeci. Soltei a mochila no chão e olhei para a porta do banheiro. Por um momento, senti uma enorme coragem no coração. Como se eu pudesse concertar as coisas... Como se eu pudesse falar com ele, outra vez... E seu tentasse só mais uma vez? E se eu ficasse mais um pouco? Talvez, nós dois ainda tivéssemos alguma chance... Esperei... Acreditando que, de repente, ele pudesse abrir aquela porta... Caminhei até a porta do banheiro e lá fiquei. A minha vontade era de chamá-lo... Mas me contive. Eu o tinha magoado. E ele também tinha revidado... Alguém teria que ceder, um dia... Sem querer, mas querendo, minha mão tocou a maçaneta. Segurou-a firmemente e congelou ali.

– Wallace? Wallace! – chamei receoso.

Nada... Nenhuma resposta. Fazia muito tempo que ele tinha se trancado ali dentro. Já estava ficando estranho... Afinal, era eu que fazia drama naquela relação. Não ele... E se tivesse acontecido algo com ele? Fiquei com um medo desesperado. Eu não podia ir embora, sem antes saber que ele estava bem. Pelo menos isso.

– Wallace? Fala comigo! Wallace? – clamei, assustando-me com seu silêncio.

Um minuto depois, escutei um barulho dentro do banheiro. Soltei a maçaneta. E para minha surpresa, a porta se abriu.

– O que você quer? – perguntou ele, bruscamente.

Wallace ainda estava enrolado na toalha. Com seu peitoral, volumoso e cabeludo, á mostra. Sua aura parecia abatida. Seu cabelo bagunçava-se, lançando algumas mechas na testa. Sua barba crescia lindamente desenhada. Os lábios dele eram de uma convidativa vermelhidão escura. Até pareciam pintados... Mas foram seus olhos, que mais me impactaram. O brilho da luz da manhã, que resplandecia da janela, tonificaram suas íris esverdeadas, clareando seu tom, e tornando-as brilhantes. Perigosas. Duas lindas esmeraldas.

– Eu só... Queria saber se você estava bem... – comecei, desmanchando-me com seu olhar.

– Se você me deixasse em paz, eu estaria muito bem! – cuspiu ele, fechando a porta na minha cara.

– Eu sinto muito por tudo que eu disse... – murmurei, baixando a cabeça, decepcionado comigo mesmo. Ele provavelmente nem escutou.

Foi o bastante pra mim. Eu sabia que isso ia acontecer e mesmo assim resolvi me rebaixar. Beleza! Seria a última vez. Tinha acabado. Agora, eu tinha despertado do sonho perfeito... Era hora de viver a realidade... Por mais dilacerado que eu estava, tinha que seguir em frente. Não podia mais ficar no meio daquilo. Nem suportaria mais ficar perto dele. Chega uma hora em que precisamos nos afastar... Sumir... Antes que nos apaguem de vez. Eu entendi o recado. Limpei o choro e decidi não olhar pra trás. Nunca mais.

Num ritmo frenético, peguei minha mochila e a coloquei nas costas. Era o fim. Já tinha levado na cara demais. Precisava aprender. Abri a porta e saí pelo corredor. Ninguém tinha acordado por ali. Era melhor assim... Passei pela porta do quarto de Jennifer e parei... Como contar a minha melhor amiga que o irmão dela tinha mais uma vez, quebrado meu coração, sendo que eu também quebrei o dele? Se eu resolvesse contasse á ela que estava indo embora... Teria muitas perguntas para responder... E não seria agradável... Eu teria que explicar tudo da noite passada. E pra completar, falar do meu novo e definitivo término com seu irmão. Melhor não. Quando chegasse á minha casa, ligaria pra ela e tentaria convencê-la a me perdoar, por minha saída abrupta.

Desci as escadas quase correndo... Determinado á voltar para a minha realidade segura... Eu queria tanto sair dali, que nem notei que vinha alguém subindo... Eu só pensava em desaparecer dali... Sem deixar rastros... Sem explicações... O choque foi tão grande, que quase me fez rolar escada abaixo... Para meu desgosto, me topei com alguém... Paty. Ela subia as escadas – segurando um copo de leite ou iogurte, não sei – quando nos esbarramos. O banho que eu levei foi automático. Todo o líquido do copo derramou-se em toda a minha blusa. Que ótimo.

– Aí meu Deus... Desculpa, Alef. Eu não vi você vindo... Você veio muito rápido... – desculpou-se ela atordoada.

– Caramba, Paty! Que droga! – exclamei irritado.

– Foi mal! De verdade. Eu não tive a intenção de...

– Tá, tudo bem. Eu já estou acostumado as suas catástrofes. – repliquei, tentando me limpar.

– Aonde você vai? – perguntou ela, olhando pra mochila nas minhas costas.

– Eu não estou a fim de falar com você. Me deixa em paz, por favor. Aliás, eu não tenho que tá te dando satisfação de nada. – respondi, passando por ela e descendo as escadas.

Só Deus sabe como eu estava me sentindo naquele momento. Era raiva. Medo. Desolação. Dor. Torpor. Não tinha motivo algum pra falar com ela, o que quer que fosse. Minha cabeça estava um turbilhão. Eu só queria desaparecer. E não falar mais com ninguém... Mas, Paty me seguiu.

– Nossa! Quanto ódio! Bate logo em mim... Sério, Alef. – disse ela, segurando meu braço e me fazendo encará-la. – Por que você não me dá uma chance de ser melhor com você? Eu sou assim tão repugnante? – disse ela, pasmada com minha frieza máster.

– Não! Eu é que estou na história errada... No lugar errado... Com as pessoas erradas. Não sei nem como eu vim parar aqui. Resumindo... O problema não é mais você, sou eu... Sempre foi. Apesar de você ter sido bem idiota no começo. – relembrei.

Soltei-me dela e caminhei para a sala. Tudo deserto e tranquilo... Todos deviam estar dormindo ainda... A noite de ontem, não foi mesmo fácil pra ninguém... Olhei no relógio e notei que eram 08:15 da manhã do dia 06 de janeiro de 2016; Ainda bem... Com sorte, pegaria o primeiro ônibus para minha cidade... E se desse tudo certo... Na hora do almoço, provavelmente, eu já estaria em casa, longe de todos. Para sempre.

Saí para o ar livre do terraço, com Paty no meu encalço. Á passos urgentes, eu caminhei pelo jardim, passando pela grande extensão, de águas cristalinas da piscina.

– Quanta pressa... Esperai... Escuta-me! Eu sei que fui maldosa com você. Mas eu mudei... Eu quero tentar ser sua amiga. Claro, se você deixar. – insistiu ela, perseguindo-me.

– Tarde demais! Eu já estou de saída. – digo, passando pela piscina, numa pressa descontrolada.

– Como assim? Aconteceu alguma coisa? O Wallace deixou você ir embora? Por quê? – indaga curiosa com a reviravolta.

Ignorei-a. Olhei para o chuveirão, perto da área de churrasco, e vi uma solução. Joguei a mochila de lado e tirei a camisa.

– Não é da sua conta, Paty. Eu preciso me limpar... Pode me dar licença? – eu disse, sentindo-me pegajoso na barriga.

Liguei o chuveiro e tentei jogar uma água no lugar, aonde tinha me banhado com o líquido dela. Paty se adiantou e tentou me tocar.

– Posso te ajudar? – ofereceu-se ela, passando a mão na minha barriga.

– Ei... Nem pensar! Fica longe de mim... – rebati ríspido, afastando-me ela. – Não esqueci o que você fez comigo, ontem no jantar. Muito menos do que você fez na lancha, e tudo que você me disse.

– Ontem, eu só queria te ajudar... Nada de mais! Sobre as outras confusões que fiz com você, já pedi desculpas. Você devia confiar um pouquinho mais em mim. – retruca Paty.

– Confiar em você? Nunca! – enfureço-me.

– A maldade que você pensa de mim, está apenas na sua cabeça. Eu não sou essa pessoa ruim que você tá deduzindo. – disse ela, fazendo um beicinho.

– Vou fingir que acredito nisso. – falei incrédulo com sua capacidade, de se fazer passar por uma boa pessoa, depois de tudo que ela tinha feito.

A torrente de água, escorria, molhando minha calça. Droga! Eu ia acabar tomando um banho de corpo todo. Não tinha tempo para isso. Por falar em banho, eu nem tinha escovado os dentes... E estava sem boné... O que quer dizer que eu estava horrível. Caralho, eu estava ficando louco. Logo chamaria mais atenção... Limpei-me mais rápido e abri minha bolsa, á procura de uma nova blusa.

– Eu vou pegar uma toalha pra você. – disse ela.

– Não precisa... – falei, vestindo uma blusa verde, de uma série de TV que eu amava.

– Do que você tá fugindo, aliás?

– De todo mundo, inclusive de você! – admiti.

– Wallace sabe que você está indo embora? – perguntou ela, estreitando os olhos.

– Não! – respondi, fechando o zíper da bolsa e alçando-a nas minhas costas.

– Por quê?

– Pergunta pra ele, Paty. Já que você quer tanto saber, é só falar com ele... Só me deixa sozinho, ok? – pedi.

Foi nesse momento que ela começou a fazer escândalo. E quando ela inventava de dar show, era simplesmente insana.

– WALLACE? WALLACE? VÊM AQUI, AGORA MESMO... – gritou ela, em alto e bom som.

– O que você tá fazendo? – eu disse, tapando sua boca. – Tá maluca? Não é pra chamar ele... E nem ninguém.

– Vai me dizer o motivo? Porque se não for, eu vou gritar, até alguém chegar aqui e te impedir de fazer o que quer que você tenha planejado. – ameaçou-me ela.

A audácia daquela garota era insuportável. Fodeu! Ela ia me entregar. Há alguns dias atrás ela daria tudo pra me ver longe daqui. Agora isso? Se ela colocasse a boca no trombone, isso ia me custar ver a cara do Wallace de novo na minha frente. E eu não suportaria vê-lo de novo. Em pânico, sabendo do que ela era capaz, falei:

– Tá! Eu te falo... Mas só não pode ser aqui. Nem agora! – concluí.

– Já sei. Que tal nós darmos uma volta? Tá um lindo dia... Nós poderíamos fingir que somos amigos e passear um pouco... – conjecturou ela.

– O quê? Não mesmo! – grasno.

– JENNIFER? – chamou ela, teatralmente.

Desesperei-me. A cachorra ia me entregar.

– Tá! Beleza! Chega! – murmurei, tapando sua boca de novo. – Eu vou fazer um esforço... Só não prometo nada. – digo carrancudo.

Ela balança a cabeça e tira minha mão da sua boca.

– Ótimo! É assim que eu gosto... Agora sim, estamos falando a mesma língua. Ok! Eu vou pegar minha bolsa e a gente vai. Sinto que o nosso dia juntos, promete grandes aventuras...

Eu queria ter dito: “Só se for pra você, né queridinha? Qual é o jogo dessa vez?”. Na real mesmo? Eu fugiria dela na primeira oportunidade que eu tivesse. Mas, só falei:

– Acredito nisso!

Ela pulou animada. Balançando os cabelos lisos e esvoaçantes no ar... Paty era linda. Tinha pernas e corpo de modelo. Rosto perfeito. Tudo nela era no lugar. Só que o caráter, ainda era muito questionável. Por mais que eu a odiasse por tudo que ela já tinha me feito, estava começando a considerar a ideia de conhecer a verdadeira Paty.

– Já é um começo... – enfatizou-me ela.

Para minha surpresa, sorri, forçadamente pra ela. Que retribuiu, mostrando seus dentes cristalinos, num belo sorriso misterioso. Um assobio nos fez olhar pra garagem.

– Algum problema, Paty? – perguntou Saulo, sentado no capô do carro, lançando-me um olhar detonador.

Paty me puxou pelo braço, como dois grandes amigos, e me levou para perto do seu irmão.

Era só o que me faltava. Eu detestava aquele cara. Sabe quando uma pessoa se acha em tudo que faz? Tipo sorrindo, andando, falando, olhando... Bem, era assim que Saulo se apresentava pra todos. Os cabelos loiros platinados, curtos e sedosos, caracterizavam-no como o típico garoto propaganda, sarado e atlético, de um comercial americano de roupas de grife. O sujeito era um cara metido pra caralho. Bonito por fora, mas terrível por dentro. Eu tinha uma opinião formada sobre ele, como ele também tinha de mim. Nunca esqueci a ameaça que ele tinha me feito, entrando no meu quarto de hóspedes e me colocando contra parede. Homofóbicos encubados são os piores. E ele não seria diferente.

– Nada de mais... Nós só estávamos conversando e combinando de dar uma volta. – disse Paty, passando o braço pela minha cintura.

– Como é que é? Isso é alguma piada? – indagou Saulo, rindo da perspectiva.

– Não mesmo! A única piada aqui é você reagindo dessa forma, Saulo. O quê que é? Não posso mais ter amigos, agora? – irritou-se ela, soltando-me.

– Seu irmão não gosta de mim, Paty. Nossas energias nunca se cruzaram... – aticei, querendo ver o que ele ia dizer.

Eu estava adorando confrontar aquele babaca. Só de lembrar, que ontem á tarde ele tinha ajudado a mãe do Wallace a me escorraçar. Dava vontade de pular pra cima dele. Confrontá-lo. Desafiá-lo. Vencê-lo. Minha boca salivava vingança.

– Fica na sua, garoto! Paty, o que você tem na cabeça? Merda? – esbravejou ele, saindo de cima do carro e chegando mais perto da gente.

– Será que não está na hora de você parar de ser tão chato e machista? É tão difícil entender as minhas escolhas? Pra começo de conversa, eu não me meto na sua vida... E olha que é cada coisa que você faz, que meu amor, irmã nenhuma aturaria se estivesse no meu lugar. Portanto, maninho, fica na sua você. – rebateu ela, ficando de frente pra ele.

– Eu não quero você perto desse garoto. EU NÃO GOSTO DELE! Sem falar que o Wallace não vai gostar nada, dessa sua amizade repentina com ele. – insistiu Saulo, olhando-me com repúdio.

– E quem disse que eu sou sua propriedade? Você não manda em mim, Saulo. Fica bem na sua, tá! – defendeu-se Paty.

– Só pra constar, eu também não gosto de você. Na minha cabeça, você nem existe! É um zero á esquerda. Eu nem me lembro de você nessa casa cara... Portanto, se você faz tanta questão de destilar seu ódio sobre mim, fica sabendo que a única vantagem nisso tudo, é ver você se roendo de raiva e eu nem aí pra seu preconceito idiota.

– Não tenho preconceito com ninguém. Eu apenas não vou com a tua cara. – delatou-me ele.

– Ótimo! Que novidade! Problema seu. Não me importa o que tu acha ou pensa... Não faz nenhuma diferença. Só faz isso bem longe de mim, ok? Me esquece! – detonei.

– Aproveitador! É por essas e outras que eu não quero você misturado com esse tipinho de gente, Paty.

– Dá pra parar de ser idiota? O que você tem tanto contra ele? – indignou-se Paty.

– Mais é muito imbecil. Você não acha que a sua irmã já é bem adulta, pra você ficar ditando regras pra ela? – perguntei com escárnio.

Naquela altura do campeonato, eu não estava nem aí pra nada. Eu queria mesmo era brigar. Avançar. Enfrentar aquele babaca, do jeito que ele merecia.

– Olha só... Ele quer me enfrentar. Vai mesmo querer se meter na minha relação com a minha irmã? Naquele dia, não fui claro o suficiente? – disse ele, encarando-me de frente. Avancei mais um passo e fiquei á centímetros do seu rosto.

– Sim, foi. Muito por sinal. Queria até te parabenizar, pela capacidade impressionante que você tem de ser, incrivelmente patético... Cara! Eu queria rir de você, mas me contive. Nem pra ser vilão, tu serves. Você acha mesmo que eu tenho medo de você? Olha bem pra mim, seu panaca. Somos do mesmo tamanho. Vai fazer o quê? Agredir-me? Socar-me? Pois vêm com tudo... E acho melhor acabar comigo, porque se eu levantar pra contar história, você vai desejar ter morrido. – discursei, fuzilando cada pupila daquele olhar falsificado de machão da história.

– Você não tem noção do perigo? – enfurece-se ele, chocado com minha defesa.

– Tenho sim. Mais do que você imaginaria. – ataco.

– Eu posso acabar contigo num estralar de dedos. – ameaça-me ele.

– É MESMO? Eu quero ver. O que te impede de fazer isso agora? – atiço.

– Até o final do dia, pode ter certeza, eu vou acabar com a tua raça. – avisa-me ele.

– Estou pagando pra ver. – desafio-o.

– Tá confiante, por quê? O Wallace te deu algum banho de porra, logo cedo? Aposto como ele só te quer pra sexo, não é? Você não é nada, seu veado promíscuo... Não passa de uma putinha pra ele. Ele entra e saí de você. É PRA ISSO QUE VOCÊ SERVE. Pra ser montado e depois jogado de lado. Por que você não se toca? Ah já sei! Você vive pra ser fodido mesmo, né? – disse ele, maldosamente.

Não me controlo. Cuspo na cara dele. Ele me esmurra com força. Eu caio. Paty grita. Tento me levantar, mas sou atingido com um chute na barriga. Estremeço com a pancada. Mas, não desisto. Arrasto-me pelo gramado. Ele me alcança, e eu me levanto com tudo. Pulo em cima dele e dou-lhe uma cotovelada no nariz. O estralo de osso se quebrando é denunciador. Ele pula em cima de mim... Nós rolamos na grama... Mais gritos ao longe... Puxo o cabelo do meu adversário. Ele morde meu braço. Grito. Soco sua barriga. Ele me solta e eu me desvio de um novo soco. Mas a habilidade dele e o corpo atlético me deixam em desvantagem. Suas pernas prendem meus braços. Sua bunda pesa na minha barriga. Sou imobilizado. Saulo me dá uma cabeçada. O gosto de sangue na boca me dar mais gás. Dou um chute nas bolas dele, que rugi alto e sai de cima de mim. Pulo em cima dele e revido o soco... Uma... Duas... Três... Até que sou tomado pela cintura, por mãos grandes e braços fortes.

Somente uma pessoa podia me bloquear daquele jeito. Somente um cara seria capaz de me segurar tão fortemente, enquanto eu me debatia. Wallace. Ele mesmo. Seus braços musculosos me envolveram e me levaram dali. Eu não queria olhar pra ele e muito menos sentir seu toque. Mas, tudo que ele fazia era me apertar ainda mais contra si; Fui engolido pela muralha e me deixei ser preso.

Eu queria explodir. Detonar. Deturpar... Algo estava saindo de mim. Alguém que não era eu... A força no meu corpo era incontrolável. Tudo que eu queria era partir alguma coisa. Quebrar o quer que fosse. Estraçalhar. Descontando assim, a frustação do meu romance com o Wallace. Estava cansado de ser o garoto Melindroso... Medroso... E fujão. Queria dar um basta nisso. Queria enfrentar aquelas pessoas de frente e á altura. Não deixaria as pessoas fazerem comigo o que quisessem, e ficar por isso mesmo. De hoje em diante, eu revidaria. Eles não me ofuscariam mais. Já estava na hora de ser o protagonista da minha história. Eu seria meu próprio herói... Só precisava ter cuidado, para não me transformar numa pessoa má. Num vilão. Exagerar é perigoso. E eu não posso passar dos limites. Ultrapassar fronteiras é como um caminho sem volta. Uma vez ultrapassado, sempre ultrapassado.

...

O descontrolado e psicótico “eu” daquela manhã, foi jogado na sarjeta da sua própria consciência. Como eu me senti mal... Como eu senti vergonha de tudo que eu tinha feito. A gama de arrependimentos era ridiculamente intransponível. Que vergonha. Que vexame. Meu Deus... Eu só queria ir embora. Foda-se! Já tinha dado no que tinha dado mesmo. Condenado... Era assim que eu me sentia. Eu parecia outra pessoa... Esperneie tanto nos braços do Wallace, que se fosse visto de longe, as pessoas com toda certeza, me taxariam de um louco que precisava de camisa de força. Quem eu era, agora? Quem eu seria amanhã? Quantas versões de mim ainda existiam? Em que eu me transformaria, no final disso tudo?

Eu me lembrava de tudo... Dos insultos... Dos empurrões... Dos socos... Dos apertos... Da Gritaria... Do descontrole... E acima de tudo, dele, levando-me á força para o quarto. Wallace me imobilizou de um jeito, que eu não consegui mexer um dedo sequer. Que ele tinha pegada, isso eu já sabia. Mas que Wallace podia me aprisionar á seu corpo, foi uma novidade. Era como seu eu conseguisse me encaixar á seu belo corpo escultural, fechando uma peça de quebra cabeça... Juntando as pontes separadas... E fundindo assim, nossas almas sombrias e dilaceradas. No final, eu e ele éramos iguais. Eu era danificado pelos meus erros. Já ele, por seus medos. Nunca me senti tão parte dele, como naquele momento.

– O que deu em você, hein? Ficou louco? – perguntou Wallace, me jogando com força na cama.

– Em mim? Tudo! Você e todas essas pessoas estão me deixando louco. – rebato, levantando-me da cama, mas num impulso rápido, ele me joga novamente lá.

– Fica aí. Aonde você pensa que vai? Você está descontrolado! Eu não estou te reconhecendo mais. – dispara ele, assustado.

– Eu não vou ficar mais nenhum minuto nessa casa. Nunca mais... Aliás, por que você tá tão preocupado? Você se importa comigo? Será que algum dia, já se importou de verdade? – indago enfurecido.

– É claro que sim! Eu sempre me preocupei contigo. Por que você tá duvidando disso? – pergunta ele, andando de um lado para o outro, sempre passando a mão nos cabelos molhados.

– Ora! Não é o que você sempre faz? Duvidar das coisas. Eu só estou assim por sua causa. Tudo é culpa sua... Olha só pra isso... Meu cabelo... Minha cabeça costurada... Meu coração dilacerado... Minha boca sangrando... Sem falar no meu psicológico corrompido... Minha mente está a mil, Wallace. E É TUDO CULPA SUA! – relato.

– E é assim que você vai reagir? Batendo nas pessoas? Provocando e caindo em pilha errada? – repreende-me ele.

– Ele me provocou... Ele sempre me provocou. Eu apenas CANSEI. Cansei de escutar e ficar calado. Cansei de fugir. Eu sou humano... Não dá pra ignorar tudo sempre. – reajo, retumbando minha voz a plenos pulmões.

– Aquele idiota é um merdinha que não vale nem um centavo. Você mais do que ninguém, deveria ignorar esse tipo de gente. Eu sei muito bem por que ele não gosta de você. Só por isso, eu já tenho nojo dele... Alguma vez você já me viu falando com ele, depois que nós ficamos juntos? Não! Eu não me misturo com ele. Você deveria fazer o mesmo... Afinal, o que você estava fazendo com ele lá fora? – esbravejou ele.

– Com que direito você acha que pode me perguntar o que eu estava fazendo, com quem quer que seja? Até parece que isso vai mudar alguma coisa entre a gente.

– Mudaria sim. Tudo, inclusive.

Rio descaradamente com sua preocupação repentina. Quem ele achava que era? Pisa em mim e depois me alisa?

– Você se importa, agora? – pergunto, sarcasticamente.

– Sempre me importei. Até mesmo quando não queria. Você significa tudo pra mim, seu marrentinho. – disse ele, sentando-se na cama e chegando perto de mim. Afastei-me.

Congelei e não avancei nenhum movimento na sua direção. E se ele me queria mesmo, então teria que demonstrar. Construí uma fachada de linhas rígidas e expressões frias no rosto, e demonstrei o quão decepcionado eu estava com ele. Não cederia aos seus encantos. Não mais. Não agora... Não enquanto conseguisse resistir.

– Como? Você deixou bem claro que não queria me ver. Que não me queria por perto. Eu apenas fui embora. O que você queria que eu fizesse? Você não me conta nada. Sempre esconde algo de mim. Sua vida é um verdadeiro mistério. Ontem, você teve a oportunidade de falar comigo, de me dizer a SUA verdade, mas não. Você foi embora. Fugiu. E de manhã, foi ainda pior. Você me fez te magoar da pior maneira possível... Apenas por ser inseguro demais. Apenas por me achar compreensível demais pra você. Agora, eu te pergunto: Você me merece? E eu? Mereço você? O que você ainda quer de mim? Porque se for pra ficar nesse vai e vêm, eu acho melhor a gente acabar com isso de uma vez por todas. Na verdade, o que nem ao menos começou... – falei, segurando minhas lágrimas.

– Quando eu te mandei me deixar em paz, eu não estava te dando um fora e muito menos terminando nossa relação. Eu só queria um tempo... Sozinho... Você ia mesmo embora? Depois de tudo que eu tinha falado pra ti? Depois de eu enfrentar minha família por você? Depois de eu te escolher. Eu não tô acreditando nisso. – disse ele, incrédulo.

– Eu vou, Wallace. O que você queria que eu pensasse? Eu estou cansado de tentar te entender... Aliás, eu estou de saco cheio das suas nuances... É muita bipolaridade numa só pessoa... Uma hora você é incrível, já em outra um completo estranho... Eu não consigo te entender. E olha que eu quero, mas não dá. Você é impossível de decifrar. – admito.

– É difícil pra mim, caramba. Você acha que é fácil se abrir com alguém, assim tão rápido? Não! Não é. Eu sofri muito pra superar meu passado. Todas as coisas que eu fiz me assombram até hoje. Nada é superável, Alef. Eu não estava preparado, e nem via porque te dizer tudo sobre mim, sobre antes...

– Nunca quis saber de tudo... Nunca nem me interessei por seus segredos... Respeito sua privacidade... Seu espaço; Eu só queria ficar do teu lado, mas nem isso você deixou. Você me afastou... Do que você tem tanto medo? O que você acha que eu posso saber que vai me deixar tão enojado por você? Ninguém é perfeito, Wallace. Eu sei disso. Tudo que eu queria era um voto de confiança... Não te peço nada em troca... Só quero você... Comigo... Até onde os dias nos levarem. – declarei, voltando a ser o garoto sonhador de sempre.

Wallace me olhou por longos segundos e nesse período, a chama que eu tanto ansiava, apareceu nos seus olhos. A paixão desenfreada emanou pelos seus globos oculares... Dilatando as pupilas e invadindo as íris esverdeadas... Numa explosão de querer e desejo... Nosso amor era o cerne daquela escuridão... Nosso amor era o eclodir constante de uma grande desordem... Uma válvula, naquele fluxo contínuo de prazer e agonia... Senti um desejo imenso de abraçá-lo. Beijá-lo. Mas não podia fazer aquilo. Se fizesse isso, estaria me levando ainda mais para o abismo... Ele baixou o olhar e começou a falar numa voz tão desconcertada e inocente, que eu apertei os lençóis da cama com força, para não correr para os seus braços.

– Eu não matei ninguém... Nunca! Foi um acidente... Tudo foi apenas um acidente. Não era pra acontecer... Eu sou culpado, Alef. Muito... E você não pode me ajudar quanto á isso. Ninguém pode. – desabafou ele.

– Algum dia, talvez eu possa. Se você deixasse... – enfatizei, chegando um pouco mais perto.

– Lá vem você de novo... As coisas não se concertam como você pensa. – cortou ele, levantando-se da cama.

– Não se concertam, mas seguem... Tomam rumos inesperados, só pelo acaso de estarem girando... Mudando... Você não tem ideia do que eu já passei... Das coisas que eu já superei... Acha que só você teve um passado traumatizante? Não mesmo... Pode acreditar, por mais quebradas que esteja a sua vida, a caminhada nunca vai parar, enquanto você respirar... Não importa em que circunstância... Elas sempre continuam. – eu disse, relembrando fatos passados da minha vida.

– Do que você está falando? – perguntou ele.

– Eu prometi nunca falar disso com ninguém... Nem mesmo em pensamento. Alguns passados são mais sombrios que outros... E por incrível que pareça ninguém está a salvo de nada... Estamos todos vulneráveis nessa merda... – eu disse, abraçando meu corpo e pensando no meu passado.

Uma pausa para mim. Depois de tanto tempo... Eu ainda conseguia me fechar, só de relembrar os acontecimentos.

– Ei... O que aconteceu? Alef? Alef? – chamou-me ele, enquanto eu fixava meu olhar na cortina da janela.

– Wallace... – despertei. – Você já sentiu vontade de morrer no lugar de alguém? Tipo, se sacrificar, mesmo tendo uma vida toda pela frente? Mesmo podendo viver mais um dia e mais outro? Mesmo sendo novo demais pra isso?

– Já... Ainda sinto, de vez em quando... É como se nada fosse suficiente, não é? Como se não merecêssemos a sorte que temos... Você sente isso, também? – perguntou-me ele, se chegando de novo.

– Todos os dias... O tempo todo. – falei.

– Por quê?

– Porque a vida te faz querer morrer... Seja de felicidade ou de tristeza, ela sempre te faz querer apagar... Tudo é sempre tão pesado... Tão atormentador... Á graus inimagináveis... Uma vez, senti isso tão fortemente, que quase o fiz... –admiti.

– E você chegou a tentar?

– Sim... Só não era minha hora.

– Quando?

– Assim que meu pai... – comecei, mas não consegui terminar.

No mesmo minuto, uma barulheira começou a se aproximar. Vozes e mais vozes se alterando num ritmo intenso, tomou conta do ambiente. Não tivemos tempo nem de nos preparar. A porta do quarto se abriu. Eu me levantei por instinto. E foi o estopim... Eliza, Eduardo, Jennifer, Érika, Paty e até o pirralho do Alexandre, encararam-nos com repreensão. Ódio e repulsa, emanaram dos seus olhos. Eu já sabia meu destino.

– Esse garoto é um perigo nessa casa! Eu sempre soube disso... Saí de perto do meu filho. – disse Dona Eliza, puxando Wallace pelo braço e o colocando no meio deles.

– Agora você passou dos limites, garoto. – disse Érika, com cara de repulsa total. – Que tipo de pessoa, se faz de bom moço e no dia seguinte, espanca um rapaz a sangue frio? Aquilo foi jogo sujo. Dos grandes.

– Eu não quero esse cara aqui, pai. Se você não colocá-lo pra fora, eu coloco. – disse Alexandre, cuspindo no chão.

– O que você fez rapaz? Que atitude mais radical, pra um rapaz como você... Isso é inadmissível. Wallace, eu não vou aceitar esse tipo de coisa. Eu aceitei sua relação com ele e tudo o mais, mas isso, nem pensar. Rapaz! Junte suas coisas e saia da minha casa. AGORA! – trovejou seu Eduardo.

– Isso deve ter alguma explicação, não é, Alef? Alguma coisa deve ter acontecido e... – indagou Jennifer, sem saber o que fazer.

– Calada, Jennifer! Você não tem direito á nenhuma palavra. Foi você quem trouxe essa doença pra dentro da nossa casa. Esse delinquente de rua, praticamente acabou com nossas férias de verão... E agora isso. A única explicação racional é que esse garoto é um perigo para nossa família. Sempre foi. Olha só o que ele fez com o Saulo... Do que mais ele pode ser capaz? – fuzilou-me ela, pegando Paty pela cintura e a consolando. – Diga á eles o que aconteceu, Paty. Você viu tudo. Fale pro Wallace quem é esse garoto que ele chama de namorado. E pior, diz que ama. – crucificou-me Dona Eliza, colocando mais lenha na minha fogueira.

– Eu não me lembro de quem começou... Só vi os socos e o Alef batendo no meu irmão. – vitimou-se Paty, escondendo o rosto no ombro da bruxa.

Olhei pra ela e estreitei os olhos, deduzindo: “Uma vez vilã, sempre vilã”. “Vaca!”. Wallace ficou na minha frente, abrindo os braços para não deixar ninguém passar por mim.

– Ele não é perigoso. Eu não admito que vocês o julguem desse jeito. O Saulo deve ter feito alguma coisa. Ele sempre gostou de provocar. Foi isso que aconteceu, não é, Alef? – defendeu-me Wallace, olhando para mim.

– Explique-se rapaz! Ou vou chamar a polícia. – ordenou Eduardo.

Pra quê lutar mais? Pra quê continuar com aquilo? Eu não quero mais sofrer ali dentro. Eu quero a liberdade. Eu quero respirar. Á dias, que todo mundo estava me sufocando. Apedrejando-me. Menosprezando-me... As acusações vinham de todos os lados... Dessa vez não teria como me safar daquilo. Eu não tinha escolha. Eu estava entre os dois lados da moeda. Ou era cara ou era coroa. E eu escolhi não ser nenhuma e nem outra. Eu preferi ser eu mesmo. Estava na cara que daria merda se eu insistisse ficar naquele tabuleiro. Nesse momento, resolvi sair daquele jogo. Era game over, pra mim.

– Eu... Sou o culpado... Fui eu quem começou... Eu bati nele... Eu o espanquei... Fiz isso e faço de novo. Vocês não precisam se preocupar, eu já estou indo embora. – eu disse, condenando-me. Eu só queria acabar com tudo.

– Eu vou chamar a polícia! – agitou-se Eliza.

– NÃO! A SENHORA NÃO VAI CHAMAR NADA! Alef! Você não fez nada. Diz que é mentira. Fala a verdade. Você não é essa pessoa. – desesperou-se Jennifer.

Wallace me olhava surpreso. Sem saber o que falar. Ele estava de mãos atadas. Que bom! Era isso que eu queria. Já chega de criar discórdia na vida dele. Não o encarei. Apenas segurei minha mochila e dei o golpe final na minha estadia naquela casa.

– A nossa história acabou, Wallace. Eu não quero mais ficar entre você e sua família. Eu vou embora... E é melhor que você fique bem longe de mim. Pra sempre. – finalizei, caminhando para a porta bloqueada pela família dele.

– Não, não vai! Para com isso. Tá ficando louco? Eu preciso de você... Para de se crucificar... Eu sei que você não é essa pessoa. – falou Wallace, quebrando o seu torpor e segurando meus ombros.

– Ele não presta! Meu filho... Abre os olhos de uma vez por todas. Você não escutou o que ele disse? Alexandre, liga pra polícia. Já! – disse Eliza, exercendo seu poder.

Alexandre pegou o celular e começou a discar. Wallace pegou o celular da mão dele e o jogou pela janela.

– ISSO NÃO É VERDADE! Para de falar besteira, Alef. Conte a verdade á eles. – pediu Wallace, nervoso pra caralho.

Eu já não sentia mais nada. Eu estava dopado. Oco. Vazio. Não queria mais lutar.

– Você não precisa disso na sua vida, Wallace. – eu disse, delirando.

Avanço alguns passos na direção da saída, mas ele me impede, ainda se atravessando na minha frente.

– Preciso sim... Eu sou o complicado. O chato. O brigão. O violento... Você não. Tudo que você é e sempre foi, acabou sendo sempre o oposto. E foi isso que me fez ter certeza, de que eu te amo de verdade. Você é o farol no meu mar negro. – murmurou ele, segurando minha cabeça e encostando nossas testas uma na outra.

– Eu não vou te ouvir... Sai da minha frente! – gritei, querendo me livrar da dor de tê-lo tão perto de mim.

– Você não vai embora! – disse ele.

– Vou sim. – alertei.

– Não vai.

Seu abraço me pegou desprevenido. Ele me apertou tão forte, que eu tive certeza que de era o fim. Sabe quando você sabe que está com uma pessoa pela última vez... Pois é... Foi exatamente assim. Apertei seu corpo no meu e senti seu cheiro por mais uma vez. Seria difícil ficar longe dele. Seria ainda pior, esquecê-lo. Depois que eu o soltasse, seriam meses e até mesmo anos muito sombrios. Provavelmente, minha vida se escureceria por completo.

– O deixe ir. Ou chamo a polícia. – ordenou sua mãe.

– Espancador! Já vai tarde. – disse mais alguém.

– Desculpa... – falo.

Beijo sua bochecha, e logo em seguida, dou-lhe uma joelhada nas suas partes de baixo... Era o único jeito de ele me soltar.

Ele geme. Bufa. E me solta. Corro desesperado para a saída, e empurro quem está na minha frente. Não olho para trás. A gritaria é aterrorizante. Apenas corro... Alguém me segue. Eu corro mais e caio na sala. Não sem antes, ver o estrago ensanguentado no rosto do Saulo. A empregada Nena, o ajuda. Yumi e Otto me olham horrorizados. Eu balanço a cabeça e todos me olham enojados. Corro chorando para o portão. Diversos nomes feios me atacam por trás. Como flechadas lançadas na minha direção, que eu tento sem sucesso desviar. Sou chamado de muitas coisas, mas não ligo. Não quero ligar. Desço em disparada, como um mau elemento fugindo da polícia. Abro o portão e saio para a liberdade. Não pensei que fosse sair daquela casa, naquele estado e daquele jeito. O destino foi cruel comigo de diversas maneiras. Fez-me conhecer o paraíso e seus prazeres, mas também me fez passar pelo inferno. Fazendo-me provar dos dois lados. Ao mesmo tempo.

Sem saber pra onde ir... Apenas corri... Como sempre fiz muito bem. Correr dos problemas. Da vida. De mim.

...

Nunca tinha andando por Natal – RN. Não sabia nem em que ponto do mapa me encontrava. Ou mesmo por onde seguir. Arrasado... Danificado... Sem vontade de nada... Segui apenas por seguir. Minha aparência deveria estar horrível. Os acontecimentos daquela manhã tinham me acabado. As pessoas passavam por mim e nada significavam seus olhares. Alguns caras, que avisto ao longe, me lembram dele, mas nunca é ele. Ninguém é ele. Ele é único. E não vou vê-lo mais. Nosso destino foi destruído. Finalizado. Não teríamos mais nenhuma chance. Ao som de (Cloves - Don't Forget About Me), caminhei para a rodoviária mais próxima. Ficou mais fácil, quando comecei a pedir informações em cada esquina que eu passava. Logo, se tratou de uma questão de minutos. Cheguei a rodoviária as 9:30 da manhã, cansado de andar. Mas cheguei.

– Olá. Bom dia! Em que posso ajudá-lo? – saudou-me o atendente, no balcão de compra de passagens. O moço era novo, assim como eu. Devia estar começando naquele serviço; Vários destinos eram mostrados nos cartazes das paredes. O meu era apenas um. De Natal para o Recife.

– Oi... Eu queria uma passagem para o recife. – pedi, rezando para ter algum ônibus disponível.

– Ok... Vou verificar a disponibilidade. Algum horário ou dia específico? – perguntou-me o atendente.

– Dias não. Eu preciso de uma hoje. Agora. Qualquer hora serve... Até mesmo agora. – adianto.

– Tudo bem... – disse ele, estranhando o meu apressamento, e digitando no computador.

Após alguns minutos, ele falou:

– Um ônibus vai sair agora ás 10 da manhã... Tenho uma poltrona livre. A única. No corredor.

– Pode ser. Quanto é? – eu quis saber de imediato.

O preço não era tão surpreendente. Tirei minha carteira da bolsa e levei um choque. Eu sempre andava com algumas notas maiores na minha carteira, para o caso de emergências, mas, naquele dia, não tinha nenhuma, quando procurei desesperado nela. E agora? O que eu faria? Pediria carona? Era uma opção. Contanto que eu voltasse pra casa... Podia voltar até de cavalo. Remexendo na minha bolsa, encontrei uma lembrança. O boné dele. Coloquei-o na cabeça, e meio que o senti comigo ali. Era o único objeto que me fazia acreditar, que tudo tinha sido real. O atendente aguardava perdido, enquanto eu divagava. Acordei do meu transe, quando algo brilhou na minha carteira.

Achei a solução, assim que a vi. Um dos cartões de crédito da minha mãe, que sempre ficava comigo. Ela ia me matar, quando chegasse sua fatura. Mas era minha única solução... Eu podia suporta o sermão depois. Entreguei-o ao atendente e esperei pela passagem... Alguns minutos depois... No meio de um saguão grandioso... Lotado de passageiros, indo e vindo de todos os lugares, estava eu, sentado num banco sozinho, esperando a hora do meu embarque. Eu era um fantasma... Insone. Desolado. Acabado. E infeliz... Nunca tinha me sentindo tão solitário. É verdade quando dizem que está numa multidão de estranhos, é como estar invisível. O pior de tudo é que as horas não passavam... Na verdade, elas se estendiam torturantes. Tinha um grande relógio no meio daquele salão de espera... E eu olhava pra ele fixamente. Vozes em um alto falante zuniam no ar. Foquei nos minutos, como se cada ponteiro significasse algo pra mim. Minha barriga roncou. Eu estava com uma fome do cão... Com sede... Com frio... Minha cabeça doía. Minha boca estava inchada... Eu não queria me ver no espelho. Pois sabia que o que veria, não seria nada apreciável... Eu nem tinha escovado meus dentes... O gosto da bile me enjoava... Há que nível eu tinha chegado. Meu Deus!

Cansado daquela espera, resolvi procurar um banheiro masculino, para me reavivar... Perguntando á uns e outros, logo o encontrei. Pra começar, quando eu ia entrando no banheiro, um maluco, que provavelmente saía de lá, esbarrou em mim e quase me fez cair no chão. A minha sorte foi uma parede, que me sustentou. Ele nem ao menos olhou pra trás ou mesmo pediu desculpas. Só vi mesmo seu vulto indistinto e suas roupas surradas. O ignorante sumiu na multidão e nem vi quem era. Foda-se! Só quando entrei no banheiro, foi que tomei o choque da realidade. Que banheiro era aquele? Sujo. Fedorento. Com uma falta de higiene absurda... Ok. Vamos encarar mesmo assim... Fazer o quê? Aquele banheiro era um horror. Respirei fundo e tentei focar na minha aparência. Fui até a pia, abri meu estojo com escova e creme dental, e escovei meus dentes. Depois lavei meu rosto e enxuguei-me com uma toalhinha que eu sempre levava. Ali não tinha nem papel toalha. Olhei-me bem no espelho e vi o estrago. Hematomas, inchaços e palidez. Era incrível como uma pessoa podia te destruir, apenas por gostar de você. Era como se ele sugasse toda minha juventude. Eu estava seco. Encovado. Algumas lágrimas tentaram sair, mas não as deixei caírem. “Não agora! Não agora! Por favor!”

A entrada de estranhos no banheiro me fez voltar a ficar neutro. Juntei minhas coisas e saí em disparada dali... Foi quando ouvi algo, que chamou minha atenção. Um grupo de pessoas, numa roda curiosa, apreciava algum tipo de apresentação musical. Mesmo sem vontade de ver o que estavam olhando, passei por perto, só por curiosidade. Ainda faltavam cinquenta e dois minutos para meu ônibus partir. Não custava nada, dar uma olhadinha. Quem sabe até eu me distraísse. Andei até lá e comecei a gostar dos sons das cordas do violão. A multidão se amontoava na frente do músico. Tentei abrir espaço no meio deles, até conseguir ficar na linha de frente.

A claridade do teto formava uma auréola, na cabeça do músico. Contornando e dando brilhos, aos seus lindos cabelos, tomados por aneizinhos de ouro. Os cacheados cabelos castanhos dourados, eram uma identidade, uma referência e acima de tudo, um selo, que eu nunca esqueceria. Ele segurava o violão e olhava só pra ele, expressando sua música e sua essência, nas cordas daquele instrumento... Como ele mesmo me disse uma vez: “A musica só é entendida, quando sentida.” Estreitei os olhos e avaliei mais de perto, o ser sereno e conhecido, não acreditando no que estava vendo. “Não pode ser ele, pode?”. Olhei com mais afinco e deduzi a verdade estampada, bem na minha cara. “Era ele mesmo”. Aí meu pai... Engoli em seco e por um momento, me esqueci dos acontecimentos que antes me afligiram. De uma vez só, meu passado estava bem na minha frente. Claro e verdadeiro, como sempre tinha sido. Nada tinha mudado... Só os anos tinham passado.

Seus longos dedos manuseavam e tamborilavam, perfeitamente em sincronia. Cada nota, muito bem colocada. A melodia era reconfortante. Mágica. Suave. Como uma harpa celestial. Sorri e o admirei. Será que ele me reconheceria? Imaginei tantas vezes nosso reencontro... De tantas maneiras diferentes... Pensei tanto no que falaríamos quando nos víssemos... Será que conversaríamos? O que aconteceria quando nos encontrássemos? Sentiríamos alguma coisa diferente? Valeria á pena ter esse reencontro? Como e com quem estaríamos? Era possível sentir a mesma sensação de antes? O mesmo sentimento? O que faríamos? Tanta coisa tinha acontecido... Tantos anos se passados... O que restaria no fim?

Divagando e relembrando, perdi a noção das coisas... Percebi que a música parou... Levantei o olhar e foi aí que notei alguém me encarando de longe... Meu olhar encontrou o dele, e o espanto quase me fez cair. Ele me olhava fixamente... Como antes. Do mesmo jeito. Com a mesma intensidade. O show tinha parado no meio... Ninguém entendia nada... Nós dois nos encarávamos... Eu estaria mentindo se dissesse que meu coração, não tinha dado uma balançada forte o bastante para se deslocar. Deu sim. Pequena, mas suficientemente arrebatadora... Alguns sentimentos, nunca vão embora para sempre. Muitas vezes, eles adormecem e hibernam. Para no momento certo, aflorarem mais uma vez... Muito mais fortes do que antes.

– Alef? – disse ele, relembrando meu nome.

– Gabriel! – falei, olhando para o cara, que não só tinha sido meu primeiro amor, como meu primeiro tudo.

Continua...

Desculpem-me a demora! Foi uma semana passada muito difícil gente... O ano não tá sendo fácil mesmo... Enfim! Espero que gostem desse capítulo insano. Comentem o que estão achando! Opiniões são sempre incentivadoras na escrita! Galera que acompanha essa serie... Um super obrigado! Se der tudo certo, Sábado saí o cap 21! Aguardem!! Bjs pra todos!

Comentários

Há 7 comentários.

Por Júnior amor em 2017-03-25 10:02:17
Todos nois ancioso que vc poste o capítulo hjjjjjjjjj😱😱😱😭😍♥😘😘😘
Por Ped🎶 em 2017-03-24 14:45:38
Nossa que capitulo foi esse Brasil?? Tou emocionado ainda aqui nossa😂😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍😍 Proximo cap vem logo se nn eu morro de curiosidade kkkk😂😍😍😍
Por Elizalva.c.s em 2017-03-24 13:42:38
Estou amando, mais vamos combinar esses dois são muito complicado em.😘😘😘😘
Por Guerra21 em 2017-03-23 23:25:01
Este é o tipo de capítulo que trata a saúde de seu coração, eu estou extasiado, é muita coisa pra uma pessoa só, espero boas novas para o Alef, só não quero que ele desista do Wallece, a Barra é grande mas os dois se amam. Que família horrível gente, na moral, até parece que a Paty armou com o Saulo.
Por Danimel em 2017-03-23 21:49:58
Ele chamou o Wallace de bipolar, olha quem falando, não se decide esse Alef, esperando o retorno do Wallace e os dois sairem daquela casa e irem viver sua vida, o passado é apenas uma ilusão de memorias em nossa mente, o que passou passou, o que importa é o presente!! #Shippo #Wallef
Por Júnior amor em 2017-03-23 20:59:49
E espero q esse seu ex fique só no passado de onde não devia ter voltado #wallace&allef
Por Júnior amor em 2017-03-23 20:55:56
Ho my God tadinho do Wallace. Ele enfrentou a família dele por você . Você deveria ter enfrentado suas fraqueza por ele ele sim te ama. Torcendo pra Wallace 😭❤❤❤. Espero que vc consiga posta o capítulo 21 nesse sábado.