Prólogo - O Início de um fim
Parte da série O Hospedeiro Maldito
Demo da série:
Jack:
“RIIIP” eu serro os dentes e engulo em seco. Esfrego os olhos, com força. Minha vista embaçada me impede de distinguir o rosto dele. Mas tudo se clareia, e eu posso ver o crachá transparente com letras brilhosas em azul escritas nele, e uma pequena logomarca ao cujo não consigo distinguir com meus olhos de araque. Contudo, eu posso ler seu nome claramente.
- Stefan – eu rosno – Stefan não é mesmo?
Seu olhar se fecha, os dedos correm ao nome no crachá, ele o retira e o põe no bolço do terno. Então se move pela sala, esticando o nariz. Puxando com força, inalando o cheiro da mobília velha, do cheiro podre de mofo vindo do enorme tapete marrom com voltas de ramos de flores douradas em suas laterais, cuidadosamente bordados a mão. Ele encole os lábios, e esfrega a costa de sua mão esquerda na ponta de seu nariz.
Eu me viro bruscamente e cuspo ao chão. Minha saliva embaraçada em meu sangue, ambos derramados ao chão de mármore empoeirado me causam ânsia de vômito. Forço algo subir pela garganta, mas apenas sinto cócegas e uma tosse seca sai pela minha boca.
Meu peito chia, fechando-se aos poucos. Sinto como uma alfinetada em minha carne lisinha. Eu subo a mão, enrosco meus dedos na minha camisa branca suja de sangue. Meus lábios se abrem em vontade própria, eu sugo o máximo de ar possível. Mas as cortinas de veludo vermelhas estão fechadas, a luz confortante do sol não consegue ultrapassa-las. Tampouco o oxigênio, eu estou frito!
- Por favor – eu suplico em um sussurro abafado – Minha mochila – aponto para esta, velha e rasgada no canto da sala.
Olho para ela, como se fosse minha única saída. Como se fosse a luz no fim do túnel que alguém em sua passagem dessa pra melhor procura.
- Estefan – eu digo em obsequio com os lábios trêmulos.
Ele nega com a cabeça, vê meu sofrimento e um sorriso esbranquiçado e nojento se forma em seu rosto.
Meu corpo se lança ao chão, cansado. Eu encontro-me desconfortável, há vidro no chão. Ele rasga o couro da minha pele, do meu braço, eu sinto como um risco de unhas cruas na madeira. Logo a ardência nem se é um incomodo mais, meus pulmões agora são como anestesia para minhas feridas.
Minha vista embaça novamente. Eu vejo o borrão do feixe de luz de uma vela sobre o lustre dourado preso ao teto. O teto goteja em suas pequenas falhas. O sibilo das gotas conforta-me. Suaves, mansas, cautelosas, aconchegantes...
Sinto que já se encontra a hora. A hora de eu partir, de terminar o que eu vim fazer aqui na terra. Eu já nem sei qual sé é a missão, o meu destino nesse mundo de hipocrisia.
O que faria um jovem que acabará de completar seus dezesseis anos de idade, em meio a uma imensa sociedade hipócrita, pejorativa com seus integrantes!?
Não, talvez eu saiba!
Sentar o traseiro em uma cadeira de balanço na varanda de uma casa velha, de pintura verde vívida como nos filmes retro, então cruzar os braços, curva a cabeça e ouvir todos os insultos. Todas as condenações vindas das inúmeras bocas, dos corais de vozes enfurecidas. “Aberração” elas gritam em minha mente, em um coro elaborado. É como aqueles protestantes que quase sempre aparecem nas notícias do jornal das oito. Suas placas erguidas ao ar, com suas frases de condenação, de repudio. As letras escritas em pincéis coloridos, alguns erros na escrita propositais, elas formam frases que quase sempre são pequenas filosofias perfeitamente elaboradas. Estúpidas, esplendidas, sarcásticas... ó estas seriam aplaudidas de pé pelo próprio Sócrates.
Mas agora só se estou eu e este completo estranho, que por único só lhe sei o nome, juntos nessa sala velha e empoeirada. Não há qualquer protestante, qualquer outra alma viva nessa minúscula sala, nem que seja para me condenar pela última vez.
Sinto-me sortudo por ter um local tão quentinho para se partir, eu não partirei em sofrimento, apesar de tudo não há qualquer algo pelo que possa me queixar. Está confortável eu posso confirmar, o chão está em uma temperatura inigualavelmente perfeita. Nem mesmo meu colchão é tão quentinho desta forma. Os cacos de vidro são como pobres cobertas de um colchão velho qualquer.
Um suspiro sai pela minha boca, minhas pálpebras encontram-se pesadas. As palmas das minhas mãos serram o mármore. E então...
Ó, seria tão estúpido da minha parte não me recordar minhas últimas horas. Eu li em um livro uma vez, de um autor que não me recordo muito, que nas últimas horas, no momento certo em que alguém morre, no momento em que o último suspiro escorrega para fora de seus pulmões, ela vê uma espécie de filme. Um filme em que tem como principal intuito, recordar-lhe de toda a sua vida, desde os momentos mais difíceis, até os mais felizes. E é este que eu quero recordar-me, meus momentos felizes eu digo. Sei que é exigente demais da minha parte, mas eu desejo recordar minhas melhores partes, não é pedir demais eu creio.