Fico feliz que tenham gostado. E... O Lucas e o Rafael não existe mais! O Richard é o Gustavo, e o Leroy é o Lucas! Mudei algumas coisas. Muitos personagens sairão! Mas espero que gostem!
"Boa leitura!"
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“Priiiiiiiiiiii” o som ensurdecedor do apito de Charles toma conta do ginásio.
Leroy e Kyle estão cara a cara feito dois búfalos do canal de documentário animal que eu assisto aos domingo. Parecem lutar ferozmente apenas com o olhar.
- QUAL FOI? – Leroy bate no seu peito suado.
- OS DOIS! PODE PARAR! – Charles então corre para apartar a briga.
Eu não imaginei que Kyle seria tão invejoso assim. Eu sei de sua “luta” por popularidade e atenção. Mas isso passou dos limites. Eu posso ver Leroy passando a mão em seu cotovelo machucado.
Leroy vem caminhando até a mim. Ele sobe os degraus e senta-se ao meu lado.
- Está doendo? – eu pergunto.
- Só um pouco. – ele diz ainda segurando o cotovelo.
- Me mostra! – eu digo.
Ele tira a mão e me mostra. Não feriu, apenas ficou uma enorme macha roxa em seu braço.
- Idiota! – Leroy diz olhando para Kyle do outro lado do ginásio, que está nos olhando com um olhar enfurecido mas ainda o julgo satisfeito.
- Vem... vamos pro vestiário. – eu me levanto e ponho a mão no seu ombro.
***
Tomamos um banho rápido no banheiro do vestiário. Leroy ainda está de cara fechada por conta do que Kyle fez com ele.
Eu visto minha camisa verde. Leroy olha para o chão como uma estátua, parece tremer. Eu já vi esse olhar. Leroy só fica assim quando está com muita raiva. As gotas de água caem com o estremecer de seu corpo.
Tão enfurecido que até esqueceu de se enxugar. Ele está sentado no banco apenas enrolado na sua toalha branca.
- Leroy, você precisas se vestir. – eu digo.
Ele nem me responde. Continua olhando para o chão.
- Leroy, você precisa se vestir cara. Vai ficar ai o dia inteiro? Anda... você não para de tremer. Está com frio! – eu digo e estico meu braço buscando pentear seus cabelos castanhos.
- Me deixa – ele diz ríspido, e então tira minha mão do seu cabelo.
- Leroy... ele só te empurrou. Nada demais. – eu me sento ao seu lado e ponho a mão em seu ombro.
- Você diz isso agora. Depois vai tá lá com ele falando mal de mim. – ele se afasta.
Lá vem ele...
- Leroy – eu dou um suspiro – Você sabe que meu melhor amigo é você! Eu nunca vou te deixar na mão cara.
Ele vira o rosto e me olha nos olhos.
- Eu sou seu melhor amigo? Enquanto ao tal do Kyle? – ele dá de ombros – Eu vi você falando com ele lá na sala.
- Leroy... ele só quis dizer oi. Nada demais... pra que o drama?
- Pra que o drama? – ele se levanta irritado. – O seu amiguinho hoje me xingou de órfão! – ele segura sua toalha para não cair.
- O que? Leroy... você não é órfão! Você tem um pai!
- MAS EU NÃO TENHO UMA MÃE! PORQUE ELA MORREU! E É ISSO QUE VOCÊS SÓ SABEM FAZER, JOGAR NA MINHA CARA SUAS FAMÍLIAS PERFEITAS! VOCÊ TEM UMA MÃE RICHARD. E EU NÃO! SEU IDIOTA! – Leroy então grita comigo.
Está é a primeira vez. A primeira vez que Leroy grita comigo. Ele nunca fez isso, por mais que eu sinta pena dele pelo que aconteceu com sua mãe, eu estou completamente chateado com o que ele acabara de fazer. Eu já disse pra ele não se importar com o que dizem sobre ele. Já conversamos sobre tudo isso.
Eu me levanto. Leroy está ofegante de tanta raiva. Ele me olha irritado. Eu olho nos seus olhos. Estão como da primeira vez em que eu o conheci. O azul perdendo-se em meio a vermelhidão.
- Não gosto que gritem comigo! – eu digo sério.
Eu me lanço a ele, esbarrando-me em seu peito, fazendo o se afastar para trás. Eu então caminho até a porta. Gabriel aparece a minha frente. Ele percebe minha expressão fechada. Então se vira dando-me espaço para passar.
Sentado eu estou sobre a mesa do refeitório, sozinho... Bob Wood sumiu. Leroy está sentado a uma mesa aos fundos. Eu posso velo daqui, ele me olha com um olhar caído. Mal consegue comer o seu lanche.
- Ora, ora... as mocinhas parecem que tiveram uma briguinha. – Ouço uma voz debochada atrás de mim.
Eu então me viro. Gabriel e Max estão com um sorriso maléfico no rosto.
- O que foi dessa vez? – eu digo sério. Eu ponho minhas mãos no bolço e ergo a cabeça.
- Nada... só soubemos que a moça aqui brigou com a namoradinha. – Max diz em piscadela.
Todos no refeitório então estão rindo quase que em um coro. Maxuell Ewan, “o peão de Gabriel”. Quase não me recordava de Max, mas agora que ele está aqui eu posso ver o quanto ele realmente é assustador. Seus braços são fortes, o rosto é quase que de um feroz leão da montanha. Maxeull possui os olhos verdes como os meus, assim como os cabelos loiros. Mas se diferenciam por um topete. Eu ainda posso ver a covinha em seu queixo. Max, é um dos maiores pegadores da escola. Abaixo de Gabriel é claro. Eu ainda desconfio que o que sobra de Gabriel, Max sai catando!
- Se eu briguei... o que vocês têm a ver com isso? – eu digo ríspido.
“Uhuhuuu” o som debochado que sai da boca dos dois é horrível.
- Me parece que ela é valente! – Max então ergue as mãos se exibindo para todos os que o assistem.
- Olha aqui... os dois. Saiam da minha frente, agora! Eu não estou com saco para aturar vocês! – eu digo sério – Agora... se me derem licença. Eu tenho um lanche para acabar!
Eu me viro e volto a me sentar.
Sinto uma mão tocar o meu ombro.
- Ainda não acabou mocinha! – Max diz.
Eu me levanto. Se é briga que eles querem. Então é briga que eles terão!
Olho furioso nos olhos dos dois! Posso estar em desvantagem, mas eu não entrarei em retaguarda.
- Eu não terei problemas em minha escola! – Diretor John aparece quase que do nada.
“De onde ele veio? Ham? Como ninguém o viu?” perguntas essas se passam na cabeça de todos no refeitório.
- Se vocês têm problemas a resolver. Que resolvam fora dos portões! – John diz sério. – Eu não terei problemas em minha escola. Entendido rapazes?
Nós então trocamos olhares. Max engole em seco. Gabriel está quase sem reação, talvez ainda esteja pensando de onde o Diretor surgiu.
- Sim – nós então dizemos.
- Ótimo... agora se me derem licença – John dá uma leve ajeitada em sua gravata vermelha – Eu tenho uma escola para dirigir!
John então vira de costas. Eu posso velo, ainda presto atenção nele mesmo estando de costas. John me lembra aqueles mafiosos de filmes antigos. O seu bigode negro é peculiar. Os cabelos negros com alguns fios grisalhos são escovados para trás. Eu sei que debaixo daquele terno preto tem um homem forte e saudável. John ainda cuida de sua aparência. Eu posso dizer pelo que vejo quando eu passo em frente a sua sala. Já o vi várias vezes penteando os cabelos. Mas o mais engraçado mesmo é o minúsculo pente branco que ele usa para pentear seu bigode.
Não se engane Richard, eu posso ouvir uma voz em minha mente. John pode ter esse jeito durão, mas é um poço de ternura, ou não!
Gabriel e Max me olham atentamente. Seus olhares se entrelaçam. Eu conheço isso. Vejo esse olhar toda vez que eles estão planejando algo contra alguém. O tempo que eu passei sentado observando cada um dessa escola, foi tempo suficiente para conhece-los por completo.
- Isso não acabou!
Ai está o sinal de perigo a frente. Max diz como se eu devesse algo a ele. Enquanto a Gabriel, ele apenas permanece em silêncio.
Não me engano. Os calados são os piores. Ele talvez esteja planejando em sua mente, uma futura e possível vingança contra a vergonha que eu os fiz passar nesse mesmo instante.
Eu sento-me a cadeira gélida. Faz frio aqui. Eu torço a manga de minha jaqueta em busca do calor do meu corpo, mas meu punho está tão frio quanto a chuva que cai lá fora. Posso vê-lo, seus lábios movem-se calmamente. O sorriso no canto da boca quase se desmancha em prantos. Leroy está quase que suplicando perdão à mim. Não posso negar-lhe. Sou tudo que Leroy tem, Bob Wood permanece sumido, sou sua única saída. Ele não consegue ficar quieto em seu canto. É quase que impossível mantê-lo de boca fechada.
Leroy tem sorte em ter um amigo que não guarda rancor.
Estico meus braços espreguiçando-me. Procuro algo quentinho. Eu logo procuro o calor dos braços de Leroy. Meu melhor amigo sabe bem o que é se manter aquecido. Posso ver o sorriso no seu rosto quando os meus dedos encontram o calor da palma de sua mão.
- Eu te perdoo! – eu digo em um sorriso satisfeito.
Ele logo se senta ao meu lado. A sala está vazia, apenas os cochichos dos alunos que conversam baixinho quebram o silêncio monótono da sala de aula. Tempo vago, nossa professora de álgebra faltou. Sorte a de Leroy, ainda há chances de ele pegar as respostas em meu caderno da atividade de ontem. Bob Wood me foi grandiosamente útil.
Olho para a saída de ar. As fitas coloridas grudadas a grade apenas se movem calmamente. O curto intervalo de tempo em seus movimentos só me podem significar uma coisa.
- O aquecedor deve estar com problema!
É incrível como Leroy consegue ter os mesmos pensamentos que eu. Eu costumava dizer que nossas mentes trabalham em conjunto, de uma forma tão ordenada que é quase a mesma linha de raciocínio. “Está com problemas” Leroy disse. Foi logo o que me veio à mente, ao ver as fitas quase que imóveis.
- Eu não estava esperando por essa chuva. – eu digo.
Foi tão rápido que quase nem se deu para notar. Eu pude jurar que vi o céu limpo essa manhã.
As gotas caem suaves e mansas lá fora. Eu olho pela janela de vidro. Os raios de sol quase não conseguem penetrar as nuvens escuras lá fora.
O tic-tac do relógio é ensurdecedor nesse silêncio. É de enlouquecer qualquer mente menos instruída.
- Então... – eu ouço o cochicho de Leroy ao meu lado – Eu realmente estou me sentindo um lixo por ter gritado com você – Leroy diz com o olhar preso a estampa de minha jaqueta bege.
- Tudo bem Leroy. Você só não deve se preocupar com o que dizem sobre... – eu calo-me envergonhado.
- Você pode continuar! – seu tom de voz me parece confiante.
- Sobre sua mãe! – eu então obedeço-o.
- Eu sei... é só que... bem... – Leroy então falha na voz – Você sabe!
Eu balanço a cabeça em um aceno, confirmando-o a ele que eu sei bem do que se trata.
Sua mãe, nada mais... e não é esse o assunto? Leroy sofre com a morte de sua mãe. Ele quase não tem apoio de seu pai, tampouco de seu irmão. Ele é sozinho naquela casa. Ainda tenta ajudar na oficina de seu pai, mas Lester o julga muito por ele muitas vezes errar no que faz. Não lhe pode o culpar, Leroy não nasceu para consertar carros. Eu lembro me do cheiro de graxa enpreguinado em seu corpo, o preto em suas unhas. Algumas horas no banho foi o suficiente para tirar todo aquele odor. Ele não diz ao pai sobre não gostar de consertar carros. Eu talvez saiba o motivo. Mas me falta coragem para questionar-me perante a ele sobre isso. Gesticulo as vezes se não é pelo fato de sua mãe ter morrido em um acidente de carro. Talvez seja, mas a covardia toma conta de mim bem na hora em que abro a boca para perguntar a ele.
Ele ainda consegue alguns trocados na oficina com o pai. Mas seu dever é apenas carregar caixas, empilhar pneus, as vezes ele limpa o chão sujo de graxa. É a única maneira que ele se ver livre daquele cheiro insuportável em seu corpo. Não que ele se envergonhe, Leroy respeita o trabalho de seu pai, a qual ama incondicionalmente. E mesmo Lester sendo duro com ele, ele o ama igualmente. Sempre no dia do aniversário de Walter, Leroy compra um bolo na padaria, ele acende algumas velas para seu pai apaga-las. É o único dia em que ele está feliz em casa, e não posso me esquecer do aniversário de Lester, e é claro do dia de ação de graças. Já em relação ao seu aniversário, ele nunca ganha presentes. Tampouco um misero bolo comprado na padaria da senhora Rose.
Eu posso dizer que sou o um dos únicos que lembra do aniversário de Leroy, junto a minha mãe. Ela sempre prepara um bolo de chocolate para ele. Nós fazemos uma festa em casa, minúscula, mas nós fazemos. Walter foi apenas no de treze e quatorze, depois desses... ele nunca mais foi! Meu pai cansou-se de avisar o amigo sobre o aniversário de seu filho. Meu pai não sente raiva dele por isso, talvez ele pense que esteja muito ocupado com a oficina.
Lembro-me da noite do aniversário de quatorze de Leroy, ele dormiu na minha casa. Eu me lembrei de cutucar sua orelha antes de dormir, eu tive certeza que ele estava dormindo. Foi tudo o que eu precisava para cair em um sono profundo, eu estava exausto. No meio da noite eu me acordei com um barulho estranho, estiquei meus braços buscando Leroy, mas apenas encontrei o cobertor vazio. Eu pensei que talvez fosse ladrão, mas um ladrão não sentaria em minha cadeira da mesa do computador e ficaria lá parado sem fazer nada. Estava escuro, eu não via nada, apenas o luar clareava o quarto. Eu pude ver que estava de cabeça baixa, parecia estar resfriado. Eu então estiquei meu braço e liguei o abajur. Era Leroy. Preocupado eu me levantei e caminhei até ele. Ele parecia chorar profundamente. “Ninguém gosta de mim” ele dizia em soluços. Eu consolei ele durante toda a noite, até que enfim consegui que ele dormisse.
Eu sinto pena do meu amigo, eu sou praticamente tudo o que ele tem na vida.
- Você estava lá e...
Ele balança as mãos, parece meio que me contar algo. Posso julgar pelo sorriso no rosto que é algo importante. Talvez esteja...
- Você está prestando atenção no que estou dizendo Ricky? – Leroy diz.
- Se eu estou? ham? – Eu balanço a cabeça forçando meu cérebro voltar a pensar no presente.
- Terra chamando Ricky – Ele começa a balançar as mãos perto ao meu rosto – Alô, alô...
- Deixa de ser louco! – eu bato em sua mão e começo a rir.
Então esse é o sorriso que Leroy tem. Conforto-me em vê-lo feliz.
***
“Primmmmmm” ai está o barulho da campa, sinalizando a liberdade. Ó liberdade, eu posso sentir o cheiro. É doce e suave, cheira rosas a tulipas, a campos cobertos por uma aquarela de cores, extensas plantações da Holanda... Está é a tão doce e bela liberdade. Livre eu estou dessa escola de loucos. Eu a amo, mas ficar aqui causa-me náuseas.
Frenéticos todos estão, como rebanhos inteiros de ovelhas desordenadas, ambas querendo passar por uma minúscula porta. Leroy às vezes diz que é como uma luta pela sobrevivência, o mais forte vence. Ele olha para Percy e Ryan saindo como loucos pela porta, um sorriso no canto do rosto é sua reação.
Quem sou eu para julgá-los? Eu mesmo estaria ali no meio se estivesse com tanta pressa.
Eu ajeito a alça da minha mochila. A chuva parou lá fora, mas as nuvens escuras insistem em ofuscar o brilho do sol.
- Sr. Foster – Leroy então me cumprimenta feito um louco sabichão – O senhor se importaria se eu o acompanhasse até a sua casa? – ele parece meio fazer um biquinho.
- Que foi? Tomou um “chá de cafonisse” Leroy? Ou apenas esqueceu de tomar o seu remédio. – eu digo em um sorriso e então saio em disparada pela porta que agora se encontra livre.
O corredor encontra-se vazio, eu ainda posso ver algumas almas vivas ao fundo descendo os degraus da escada. Enquanto ao resto, talvez tenham se metido dentro do elevador. Caminho em passos curtos a espera de Leroy logo atrás de mim. O chão está brilhando, branquinho e reluzente com o reflexo das luzes no teto. E ali está ele, no canto do quadro de troféus da escola. Resmungando como sempre... Zelador Gary. Ele segura o cabo da vassoura enquanto me olha com um olhar incomodado.
- Crianças mau educadas... – Ele resmunga com os lábios trêmulos.
- Olá zelador Gary, como tem passado? – eu lanço a ele um sorriso cortês.
- Eu estou bem – ele balança o cabo da vassoura – Estaria melhor se essas crianças más educadas não sujassem tudo o que veem pela frente!
Entendo Gary, de fato os alunos da escola são meio loucos por bagunça. Gary está sempre lustrando o chão, mas ainda assim algum insiste em pisar e estragar todo o seu trabalho. Talvez ele deva se aposentar. John já tentou fazer isso, dá-lhe as contas apenas para ele ter o seu merecido sossego. O zelador Gary é um homem velho, deveria estar em casa sentado na varanda com sua esposa vendo os pássaros cantarem no amanhecer. Mas não... ele está aqui, na escola limpando, limpando, limpando... é tudo o que ele gosta de fazer, negou a suposição de demissão de John. Mesmo resmungando sempre... Gary ainda ama essa escola.
Eu sinto pena dele, a turma de Gabriel sempre gosta de pregar peças com Gary. Bando de crianças sem noção. Eu ainda posso ser mais novo, mas Gabriel e seus amigos comportam-se como se ainda tivessem cinco anos de idade. No ano passado pregaram uma peça com Gary no baile de primavera. Eles puseram bombinhas dentro da sala dele. Eu estava sentado em uma mesa com Leroy. Nós vimos quando Gary saio correndo com um cabo de vassoura atrás deles. Ainda me pergunto se ele os conseguiu alcançar.
Eu lanço um sorriso a Gary, mesmo respeitando-o eu sei que se eu der corda ele irá resmungar o dia inteiro para mim.
- E ai Gary... Qual é a boa? – Leroy então estende a mão esperando Gary cumprimenta-lo.
Gary fecha a cara ao olhar para Leroy, mas meu amigo insiste em receber um cumprimento de Gary.
O velho Gary lhe mostra o cabo de sua vassoura. Leroy se espanta e se afasta.
Mas Leroy, como o louco que ele é, agora está pulando com os punhos a mostra, como aqueles boxeadores durante uma luta.
- Olê... – Leroy diz se esquivando de uma vassourada – Olê... – e ai está outra.
- Chega Leroy... deixa o Gary em paz – eu dou-lhe um sorriso.
- Ok chefe – Leroy diz e anda de costas com medo de levar uma vassourada enquanto está desprevenido.
Nós descemos a escada. É o segundo andar, não precisamos esperar um elevador enquanto se tem uma escada.
Eu caminho com Leroy em silêncio, mas o sorriso em nossos rostos é impossível de se conter. Ainda estamos com o pensamento nas maluquices do velho Gary. Nós logo deslizamos para fora. A calçada está molhada assim como a rua. A brisa está suave, mas ainda assim encontra-se gélida como um cubo de gelo.
- Agradeceria se você me empresta-se sua jaqueta! – digo a Leroy, e então começo a esfregar os braços por cima da manga da jaqueta, procurando aquece-los.
- E eu fico como? – ele diz. Eu posso ouvir, o bater dos dentes de Leroy. E esse outro? Talvez seja o meu em sincronia com o dele.
- Foi só uma suposição Leroy... – eu então faço sumir sua expressão de espanto.
Eu abro o zíper da minha mochila. Está aqui, em algum lugar. Talvez eu tenha deixado em casa. Lembro de ter posto-o em algum lugar. Mas eu só encontro meus livro, meu caderno e alguns lápis que parecem estar aqui desde o início do ano.
- Achei! – eu digo baixinho, o suficiente para Leroy escutar.
- O que? – ele pergunta mirando minha mão dentro da mochila.
- Meu gorro! – eu então puxo para fora.
Ponho-o em minha cabeça. Eu gosto dele, deixa minha cabeça quentinha. Eu ganhei do meu pai, ele disse que estava passando no shopping, viu o gorro e trouxe para mim. É preto com listras brancas. Ou talvez seja branco com listras pretas? Não sei... mas que ele ne deixa quentinho ele deixa!
- Você poderia me empresta ele não é mesmo? – Leroy diz.
- Você não me emprestou sua jaqueta! – eu digo e desço os degraus da escada da frente da escola.
Eu ouço ele rir lá atrás. Logo está do meu lado novamente, me enchendo como sempre.
O chafariz em frente à escola está com seus bancos vazios, pouco se tem alunos. Eu pude contar três nos dedos. A praça do outro lado da rua está com os arbustos cobertos pelas gotas da chuva. E é pra lá que nós vamos.
Eu logo me sento no banco de madeira. Ponho as mãos no bolço da jaqueta e espero Leroy voltar da sorveteria. Ele insistiu em tomar um sorvete de chocolate mesmo nesse frio. Chego a pensar nesse instante que eu estava errado em achar que nossas mentes trabalham em conjunção. A de Leroy parece faltar alguns neurônios!
Ouço algo estalar atrás de mim. Talvez seja um graveto, um pobre pássaro talvez tenha comido minhocas demais que acabou ficando a cima do peso que nem um simples graveto preso ao troco de uma árvore pôde aguenta-lo.
Engano-me em pôr a culpa no pobre pássaro. Um pássaro não teria a mão fria desse jeito. Um pássaro nem mão tem! E além do mais, ele só sabe sibilar seu canto por ai, não pode dizer palavras tão igualmente a um humano.
Eu reconheço essa voz, já ouvi-la em algum lugar. É grave, parece meio que amedrontar-me. Mas ainda soa suave, como o canto do pássaro que assovia acima da árvore que me banha com a sobra de suas folhas.
- Nós dissemos que não acabou! – E ai está a voz... de onde eu a conheço? Espera... É a voz de Gabriel!
Eu levanto-me como um vulto. Pude sentir a mão deslizar em meu ombro. Eu então vejo a quem pertence, o garoto de queixo partido me olha furioso.
- Qual foi? Não parecia tão medroso assim antes... – Max então dá uma batida de leve no braço de Gabriel com a mão. – Ele é todo seu!
Gabriel então se aproxima e me segura pela gola de minha camisa. Ele me olha nos olhos com um sorriso assustador, como se fosse me devorar apenas com o olhar.
Com força sou lançado no chão. Mas graças aos arbustos minha queda é amortecida.
Eu então tento me levantar. Gabriel e Max riem com malicia. Gabriel então se aproxima, e ai está o primeiro chute.
Ele acertou meu estomago. Eu apoio minhas mãos ao chão. Sinto como se algo fosse sair com força pela minha boca. Gabriel então dá outro chute, o que faz torna pior a sensação. Então eu sinto me puxarem por trás. Max me levanta, dá uma risada e desfere um soco bem forte na minha boca. Posso sentir algo escorrer em meu lábio inferior. Talvez seja meu sangue... Mas é claro que é meu sangue!
Logo vem a ardência, minha boca parece formigar. Como se eu a estivesse encostado na brasa bem quente.
Max me empurra e eu caio novamente no chão. Desta vez os arbustos não amortecem minha queda, então eu bato minha cabeça com força no chão de concreto.
- Pensa.... – Eu não ouço bem o que Max está dizendo, apenas escuto um zumbido bem alto nos meus ouvidos.
Tudo parece girar a minha frente. Eu posso ver um borrão que eu julgo ser o rosto de Gabriel. Não consigo distinguir nada. Esforço-me para tentar manter minha mente parada. Eu reagiria... se eu ao menos consegui me manter em si.
Eu sinto-me com força voltar ao meu estado normal, eu não posso ver mais Gabriel e Max aqui. Talvez eles estejam bem longe agora. Não sei quanto tempo minha cabeça ficou descontrolado, julgo ser pouco.
Novamente eu sinto aquilo no meu estomago me perturbar. Eu me levanto rapidamente e então me curvo. Meu café da manhã agora está inteiro cobrindo a grama verde. Posso sentir o gosto azedo em minha língua. Esforço-me novamente fazendo o último resto de alimento que sobrou em meu estomago sair com força pela minha garganta, até não sobrar mais nada.
Eu posso sentir esse cheiro pungente que vem do meu vômito. Vomitaria se ainda tivesse algo para mandar para fora! Agora eu sinto meu estomago roncar, mas eu não me importo. O calo enorme na minha cabeça me incomoda mais ainda, está doendo. Eu logo estico meus dedos e pressiono sobre o machucado. Está enorme!
- HAA!! – um grito abafado sai de minha boca. Meu cérebro parece que vai explodir dentro da minha cabeça.
Eu levanto minha camisa, eu posso ver a enorme maca vermelha no meu abdome, Gabriel tem uma mira certeira, foram dois os chutes. Mas a marca permanece como se fosse apenas um.
Eu limpo o sague em minha boca nas mangas de minha jaqueta. É bege, mas ainda me sobra as partes em jeans preto, perfeitas para ofuscar o vermelho.
- RICKY! – Eu vejo alguém me chamar.
Eu miro ele daqui, Leroy com as duas mãos ocupadas, de um lado um sorvete de chocolate e do outro um de creme. Ele então deixa os dois caírem sobre o chão. Vem correndo em disparada em minha direção.
- O que aconteceu? – Ele diz em um berro.
- ONDE VOCÊ ESTAVA? – eu grito em um tom baixo.
- Na sorveteria!? – ele aponta pra trás com o polegar.
- Mas que droga...
Eu sento-me novamente no banco da praça, cruzo os dedos, abaixo a cabeça. Eu respiro ofegantemente. Furioso eu estou por saber que agora eu serei o motivo de chacota de Gabriel e Max. Talvez eu ainda seja o saco de pancadas deles futuramente!
- O que aconteceu Junior? – Leroy diz.
- NÃO ME CHAMA DE JUNIOR! – eu grito irritado.
Leroy então me olha assustado, ele abaixa a cabeça e se cala.
- Desculpa... – eu digo. Não quero fazer com ele o que ele fez comigo.
- Tudo bem. Mas você não vai me contar? – ele diz calmo com medo de receber outro grito.
- Gabriel e Max... bem... – eu ponho as mãos no rosto – Você sabe!
- Espera... eles fizeram isso com você? Richard sua boca tá sangrando... – ele diz espantado.
- Sim Leroy...
- Eu não acredito, cara... não acredito.
Leroy então começa a ranger os dentes, ele parece estar furioso. Ele jamais perdoa alguém que toque em quem ele se importe. Eu sei disso por que ele já me disse. Uma vez quase se meteu em uma briga por Lester. Apesar de menor ele quis proteger o irmão. Besteira eu digo! Leroy quase apanhou, mas sorte a dele que eu estava por perto para salvar a sua pele. Ele diz que se admira em ver como eu consigo controlar tudo apenas com palavras. Ele está certo! Um bom diálogo é a cura de todas as desavenças!
- Vou ligar pro meu pai... – eu digo tirando a alça da mochila dos meus ombros.
- Você vai pedir ajuda do seu pai? – Leroy agora parece confuso, talvez ele ache que eu vou pedir ajuda do papaizinho.
- Não Leroy, vou pedir para ele vir me buscar!
Ele dá uma risada meio discreta. Eu lanço a ele um olhar furioso, fazendo o ficar sério.
***
Aqui estamos em casa, eu Leroy meu pai e minha mãe. Os quatro trocando olhares. Eu não disse nada até em tão, concordei com Leroy em ele não dizer nada também. Nós já temos um plano! Sentados no sofá estamos eu e Leroy, no outro minha mãe e meu pai estão nos olhando desconfiados.
- Então... – meu pai resolve quebrar o silêncio – O que significa esse machucado em sua boca Ricky?
- Então pai – nossa... como eu não sei fingir – Eu cai hoje na aula de educação física.
- Caiu de cara? – ele diz espantado olhando minha boca.
- Sim! – eu dou um sorriso forçado.
- Sei... – meu pai diz desconfiado.
Minha mãe nos olha atentamente, creio que ela não percebeu. Creio...
- Você caiu também Leroy? – meu pai diz.
- Não Sr. Foster... – diz Leroy. Mas que droga, por que ele tinha de chamar meu pai de Sr. Foster? Ele nunca chama meu pai assim, é quase uma raridade! Espero que meu pai não tenha notado.
- E esse machucado no seu cotovelo? – ele aponta para o cotovelo de Leroy.
Agora eu penso... por que Leroy teve de tirar a jaqueta? Tampouco cruzar os braços?
- É... agora eu me lembro! – Leroy diz.
Eu lanço um olhar a ele... leia minha mente Leroy. Leia, eu quero que você ouça o que eu tenho para te dizer! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?
- Eu cai... – Leroy começa a cambalear nas palavras – E... E... cai de costas... E... E...
- Chega! – eu então suspiro fundo – Uns garotos da escola me bateram na saída.
- Ótimo! Dois minutos apenas – minha mãe diz olhando eu seu relógio.
Ela se levanta, e caminha até as escadas. Logo vejo ela sumir no corredor a cima. Talvez eu saiba o que ela quis dizer. Dois minutos apenas foi o quanto nós aguentamos mentindo!
- Então... – meu pai nos olha sério – Quem são esses garotos? E o por quer de eles terem batido em vocês?
- Leroy não tem nada a ver com isso. O machucado no cotovelo dele foi outra coisa – eu digo.
- Ok – meu pai se aproxima, abaixa-se a minha frente e se apoia em um joelho. Então olha nos meus olhos – E enquanto a você meu filho?
- Bem... eu os provoquei. A culpa foi minha na verdade. – eu digo.
- Não foi não!? – Leroy diz me olhando com um olhar torto.
- Calado Leroy... – eu dou-lhe um aperto em seu machucado. “AII” ele resmunga ao sentir a dor.
- Você não precisa mentir Richard... – meu pai diz com tranquilidade em seu tom de voz.
Sinto-me envergonhado em dizer a verdade ao meu pai. Que o motivo da briga foi por Gabriel e Max chamarem a mim e Leroy de... gays. Talvez ele não reaja de uma boa forma, eu lembro me do meu tio Ronald.
Era uma noite de sábado. Nós festejaríamos a vitória de meus pais nos negócios de sua empresa. Ele estava feliz, tão feliz que faria um jantar. Chamaria toda a família. Mas minha avó havia viajado com minha outra tia. Só lhe restou seu irmão Ronald. Ele não hesitou em chamar seu irmão.
Lembro-me da conversa ao telefone que eles tiveram. Meu pai contou que sua empresa conseguira um cede em outro estado, e que faria um jantar em família para comemorar. Meu tio animou-se em saber, e disse que estava feliz também. Mas o motivo de sua felicidade só seria revelado no jantar. Meu pai ficou ansioso, o que viria de seu querido irmão dessa vez?
Tio Ronald chegou pela manhã de domingo, a viajem de carro não foi muito longa. Lembro-me da campainha tocando. Eu estava na sala, assistindo o canal de desenhos. Mesmo aos onze anos eu ainda gostava de desenhos. Meu preferido era um de carros que eu acho que hoje nem existe mais.
Meu pai apareceu descendo as escadas. “Eu atendo” ele disse em um sorriso de ponta a ponta.
Ele aproximou-se da porta e a abriu. Lá estava meu tio Ronald, com seus cabelos loiros e o sorriso que me lembra muito o de meu pai. Mas, havia alguém a mais. Um homem de cabelos castanhos estava ao seu lado. Não lembro-me dele no álbum de família.
Meu pai cumprimentou o irmão, tampouco ignorou o desconhecido. “Esse é um amigo meu!” disse meu tio.
O dia se passou e já estávamos todos a mesa. Minha mãe tinha feito um prato especialmente para o dia. Era porco eu lembro-me do gosto do leitão, estava delicioso! Minha mãe não tinha feito aquele prato já fazia um bom tempo. Meu tio alegrou-se com o jantar, assim como meu pai.
Logo, logo as taças estavam erguidas no ar. Meu pai propôs um brinde.
“A mais nova cede da empresa Foster” Meu pai disse em um sorriso. Então as taças fizeram “tintim”.
“Agora é a minha vez” tio Ronald disse felizardo.
Nós todos se preparamos para ouvir a notícia do tio Ronald. Eu pude ver o brilho nos olhos de meu pai. Ele estava ansioso, gostava muito de ouvir novidades, isso não mudou dez de então.
- Eu – nós podemos ver a mão de meu tio se enroscar na de seu amigo – Eu vou me casar com o Grant!
Eu pude ver o sorriso se desmanchar no rosto de meu pai. Ele jamais imaginou que seu irmão fosse... gay... não se passou em nenhum momento a sua cabeça!
Agora ele está aqui bem na minha frente. Preocupado com o machucado na minha boca. Eu posso sentir algo descer em minha garganta, não quero que ele pense que eu possa ser igual ao seu irmão.
- Eu e Leroy discutimos hoje cedo no vestiário – Eu não consigo... não consigo mentir! – Gabriel escutou, e começou a nos xingar de... – eu olho para o jarro de planta atrás de meu pai. Dou um suspiro e decido continuar – De gays...
O olhar de meu pai encontra o chão. Seus dedos movem-se lentamente enquanto descem o pano de sua calça. Ele se levanta, e então põe a mão em seu bolço.
- E sobre o que vocês discutiram... – ele dá uma engasgada – no vestiário?
- Um garoto da nossa sala chamou Leroy de órfão, ele então se sentiu mal por isso... – eu olho para Leroy que me olha nervoso.
- Mas Leroy não é órfão – meu pai então sente-se confuso – Ele tem um pai!
- Bem... foi o que eu disse a ele! – eu digo contorcendo os lábios e olho para Leroy novamente.
- Mas qual foi o motivo de eles chamarem vocês de... homossexuais? - meu pai diz agora calmo. Parece não se importar mais.
- Gabriel viu quando eu sai, irritado do vestiário por Leroy ter gritado comigo depois de eu tentar ajudar ele. – Eu digo.
- Eu já pedi desculpas. – Leroy diz em um suspiro incomodado.
Eu reviro os olhos enquanto olho para Leroy.
- Relaxa Leroy.
Sinto-me confortável agora. Minha conversa com meu pai acabou-se, ele compreendeu completamente. Sugeriu sua presença na escola amanhã, mas eu neguei. Imagina o quão seria vergonhoso eu levar meu pai na escola depois de levar uma surra de Gabriel e Max!? Eu posso imaginar a cena, meu pai na sala do diretor John, enquanto eu estou sentado na cadeira no corredor em frente a sua sala. Eu posso ouvir... aqui dentro da minha cabeça. Bem no fundo. Os risos da escola inteira.
Não... acho melhor eu nem pensar nisso!
Sento me à beira da cama. Giro meu pescoço para o lado. Eu posso ver meu reflexo no espelho do meu quarto. Minha boca está um estrago. Max realmente tem um soco forte, Peter Hughes tem razão em chamar ele de trator humano.
Eu levanto-me. Caminho até a porta do banheiro do meu quarto. Giro a maçaneta e deslizo para dentro. Logo minhas roupas sobre o chão. Eu entro no chuveiro, a água quente parece acalmar meu corpo que antes estava tremulo. O frio parece cortar minha pele, o arrepio sobe a espinha, mas graças ao meu chuveiro eu estou aquecido.
Eu curvo-me deixando as gotas mornas caírem sobre minha costa. Minha mente encontra-se em repouso, calma, mas tudo muda quando eu começo a pensar no que aconteceu hoje.
Foi realmente um dia ruim. Eu posso ver a imagem de Leroy jogado ao chão, o sorriso de Kyle satisfeito... Logo me vem à mente Gabriel segurando a gola da minha camisa verde, tampouco esqueço do sorriso ameaçador em seu rosto. Seus olhos azuis parecem penetrar minha mente, como se estivesse dando fortes marteladas bem ao fundo, liberando então aquela sensação diferente. Como se eu sentisse que ele estivesse fazendo tudo aquilo contra sua vontade. Mas então eu lembro-me o monstro que ele é. Pessoas ruins não mudam de forma alguma, não que eu saiba!
Termino o banho, e logo eu estou sobre a cama. Jogado de bruços. Meu rosto parece afundar no travesseiro. Tudo o que eu quero é uma boa tarde de sono.
Continua...