Atração perigosa Cap.1
Parte da série Uma atração perigosa
Ele estava sendo seguido. Já havia lido sobre esse tipo de
gente, pessoas que perseguem os outros furtivamente, mas
pertenciam a um mundo diferente e violento. Não fazia idéia de
quem poderia ser, de quem poderia querer fazer-lhe mal. Tentava
desesperadamente evitar o pânico; entretanto, suas últimas noites
vinham sendo preenchidas com pesadelos, e todas as manhas ele
despertava com uma sensação de ameaça iminente. Talvez tudo isso
seja fruto da minha imaginação, pensou Maicon Collins. Ando
trabalhando demais. Preciso tirar umas férias.
Ele se voltou para o espelho do quarto, a fim de observar a si
própria. Viu a imagem de um jovem de dezenove anos beirando os vinte,
esbelto, corpo malhado e em forma por natureza, bem vestido, de traços aristocráticos e olhos castanhos,
inteligentes e ansiosos, provido de uma discreta elegância e
atrativos surtis. Os cabelos escuros suava um brilho. Odeio a minha aparência, pensou Maicon. Sou
muito magro. Preciso começar a comer mais. Foi até a cozinha e
pôs-se a preparar a refeição matinal, esforçando-se para esquecer
aqueles pesadelos apavorantes que estava tendo e concentrando-se
no preparo de uma omelete bem fofa. Ligou a cafeteira e colocou
uma fatia de pão na torradeira. Dez minutos depois, a refeição
estava pronta. Maicon pôs os pratos sobre a mesa e sentou-se.
Pegou um garfo, olhou para a comida durante alguns instantes e
balançou a cabeça, em desespero. O medo roubara-lhe o apetite.
Isso não pode continuar assim, pensou, nervoso. Seja quem for,
não vou deixar que faça isso comigo. Não vou mesmo.
Maicon olhou rapidamente para o relógio. Era hora de sair para o
trabalho. Olhou ao redor do apartamento familiar, como se
estivesse buscando algum tipo de reafirmação. Situado no terceiro
andar de um prédio na vila Via Caminho, o apartamento era
decorado com bom gosto, tinha uma sala intima e outra de estar,
com lavabo, quarto de dormir, banheiro e cozinha. Ele morava em
Cupertino, Califórnia, fazia três anos. Até há duas semanas
atrás, Maico o considerara tão confortável quanto um ninho, um
refúgio. Agora, ele se transformara numa fortaleza, um lugar onde
ninguém poderia entrar para prejudicá-lo. Ele foi até à porta da
frente e examinou a fechadura. Vou mandar botar uma tranca,
pensou. Amanhã. Apagou todas as luzes, verificou se a porta
estava bem trancada ao sair e pegou o elevador até a garagem do
subsolo.
Não havia ninguém lá. Seu carro estava a sete metros do elevador.
Ele examinou bem as redondezas e correu até ele, entrou e trancou
as portas, com o coração palpitando. Rumou para o centro da
cidade, sob um céu com a cor da malícia, escuro e agourento. O
serviço meteorológico tinha previsto chuva. Mas não vai chover,
pensou Maico, vai fazer sol. Faço um trato com você, Deus. Se
não chover quer dizer que está tudo bem, que tenho imaginado
coisas.
Dez minutos depois, Maicon Collins guiava pelo centro de
Cupertino. Ainda se maravilhava com o milagre em que se
transformara este outrora adormecido cantinho do vale de Santa
Clara. Localizado oitenta quilómetros ao sul de São Francisco,
era onde a revolução do computador tivera início e foi
adequadamente apelidado de Vale do Silício.
Maicon trabalhava na Corporação Global de Computação Gráfica, uma
empresa nova, de sucesso e crescimento rápido, com duzentos
funcionários. Quando dobrou na Silverado Street, teve a incómoda
sensação de que ele vinha logo atrás, de que a estava seguindo.
Mas quem? E por quê? Olhou pelo espelho retrovisor. Tudo parecia
normal. Todos os seus instintos lhe diziam o contrário.
Logo à sua frente, encontrava-se a edificação espraiada e moderna
onde se localizava a Global de Computação Gráfica. Maicon entrou
no estacionamento, mostrou o cartão de identificação ao guarda e
parou em sua vaga. Sentiu-se seguro ali. Quando ele saiu do
carro, começou a chover
às nove horas da manhã, a Global já pululava de atividade. Havia
oitenta cubículos modulares, ocupados por peritos em informática,
todos jovens e ativamente empenhados em criar sites na Internet
e logotipos para novas empresas, fazer artes-finais para editoras
e gravadoras e preparar ilustrações para revistas. O conjunto de
escritórios ficava num andar corrido, onde se viam várias
divisórias: administração, vendas, marketing e suporte técnico. O
ambiente era informal. Os funcionários andavam de jeans,
camisetas sem mangas ou agasalhos de ginástica.
Quando Maicon se encaminhava para sua mesa, seu supervisor, Luc Anderson, a abordou.
- Bom dia, Maicon!
Luc Anderson vinte nove anos, era um homem forte e
sério, de personalidade agradável. No início, tentou persuadi-lo
a ir para a cama com ele, mas finalmente desistiu, e os dois se
tornaram bons amigos.
Ele lhe entregou o último exemplar da revista Time.
- Viu isso?
Maicon olhou para a capa, que trazia a figura de um homem de
aparência distinta, com cerca de quarenta anos e cabelos
grisalhos. A manchete dizia: "Dr. Jhonatan Collins”, Pai da
Microcirurgia Cardíaca".
- Vi, sim.
- Como você se sente tendo um pai famoso?
Maicon sorriu.
- Maravilhosamente bem.
- Ele é um grande homem.
- Vou dizer isso a ele. Nós vamos almoçar juntos hoje.
- Que bom! A propósito... – Luc Anderson lhe mostrou a fotografia
de uma estrela do cinema que seria usada como a cliente de um
anúncio. - Tem um probleminha aqui. Desiree engordou uns cinco
quilos, e dá para perceber. Veja só que olheiras! E, mesmo com a
maquilhagem, a pele dela está cheia de manchas. Será que você
consegue dar um jeito? Maicon analisou a fotografia.
- Posso melhorar os olhos aplicando um difusor. Também tentar
afinar o rosto com o blur, mas... não! Provavelmente acabaria
ficando com um aspecto meio estranho. - Ele voltou a estudar a
fotografia. - Vai ficar bom se eu usar uma ferramenta tipo
pairbrush ou clone em algumas áreas.
- Obrigado! Está tudo certo para sábado à noite?
- Está.
Luc Anderson apontou para a fotografia com um gesto da cabeça.
- Isso aí não tem pressa. Eles querem para o mês passado.
Maicon sorriu.
- E qual é a novidade?
Ele pós as mãos à obra. Maicon era um especialista em propaganda e
design gráfico, na criação de Lay-out com texto e imagens e photoshop.
Meia hora mais tarde, enquanto trabalhava na fotografia, Maicon
sentiu que alguém a estava observando. Levantou o rosto e viu.
Era Carlos grey.
- Bom dia, doçura!
A voz dele lhe dava nos nervos. Grey era o génio da informática
na empresa. Conhecido no trabalho como "O Consertador", sempre
que um computador travava, mandavam chamá-lo. Estava com pouco
mais de trinta anos, era magro, calvo e tinha uma atitude
desagradável, arrogante. Em suma, era um indivíduo de
personalidade obsessiva, que todos diziam ter uma fixação por
Maicon.
- Precisa de uma ajudinha?
- Não, obrigado!
- Ei, que tal sairmos para jantar no sábado?
- Obrigado! Já tenho compromisso.
- Vai sair com o chefe de novo?
Maicon se virou e olhou para ele, zangado.
- Escuta aqui, isso não é da sua...
- Seja como for, eu não faço idéia do que você viu nele! O cara é
um almofadinha, um quadradão. Você pode se divertir muito mais
comigo. - Ele deu uma piscadela. - Você sabe o que eu quero
dizer, não sabe?
Maicon estava tentando se controlar
- Eu tenho mais o que fazer, Grey.
Grey se inclinou para perto dele e sussurrou:
- Tem uma coisa que você vai aprender a meu respeito, doçura. Eu
não desisto. Nunca.
Ele ficou olhando, enquanto ele se afastava, e imaginou: Seria
ele?
às 12 e 30, Maicon colocou seu computador em standby e foi para o
Margherita Di Roma, encontrar-se com o pai para almoçar.
Ele estava sentada a uma mesa no canto do restaurante lotado,
observando o pai vir em sua direção. Teve de admitir que ele era
um homem atraente. As pessoas voltavam-se para admirá-lo,
enquanto ele se encaminhava para a mesa de Maicon. "Como você se
sente tendo um pai famoso?"
Anos antes, o Dr. Jhonatan Collins fora o pioneiro das cirurgias
Cardíacas minimamente invasivas. Era sempre convidado a dar
palestras nos principais hospitais do mundo inteiro. Maicon tinha
doze anos quando a mãe morreu, de modo que ficou sem ninguém,
além do pai.
- Desculpe o atraso, Maicon! - Ele se inclinou sobre ele e
deu-lhe um beijo na testa.
- Tudo bem. Acabei de chegar
Ele se sentou.
- Você viu a Time?
- Vi. Luc me mostrou.
Ele franziu o cenho.
- Luc? Seu chefe?
- Ele não é meu chefe. Ele é... ele é um dos supervisores.
- Nunca é bom misturar negócios com prazer, Maicon, você está
saindo com ele fora do ambiente de trabalho, não está? Isso é um
erro.
- Pai, nós somos só bons...
Um garçom se aproximou da mesa.
- Gostariam de ver o menu?
O Dr. Jhonatan Collins se virou para ele e rosnou:
- Não dá para ver que estamos no meio de uma conversa? Vá embora;
e só volte quando for chamado.
- Des... desculpe! - O garçom deu meia-volta e afastou-se
ligeiro.
Maicon encolheu-se de constrangimento. Tinha se esquecido de quão
feroz era o temperamento do pai. Ele uma vez, durante uma
cirurgia, chegou a dar um soco num residente que cometeu um erro
de julgamento. Maicon lembrava-se das discussões que o pai e a
mãe travavam aos berros quando ele era pequeno. Eles a deixavam
aterrorizado com aquilo. Sempre brigavam pela mesma coisa;
entretanto, por mais que se esforçasse, ele não conseguia se
lembrar sobre o que discutiam. Bloqueara o fato na memória.
O pai continuou, como se não tivesse havido qualquer interrupção.
- Onde estávamos? Ah, sim! Sair com Luc Anderson é um erro, um
grande erro.
E suas palavras trouxeram à tona outra terrível lembrança.
Ele chegou a ouvir a voz do pai dizendo:
- Sair com Josh Miller é um erro. um grande erro...
Maicon mal tinha completado 18 anos e estava morando em Belford,
Pensilvânia, onde nasceu. Josh Miller era o rapaz mais disputado
da Escola Secundária da Região Administrativa de Belford. Jogava
no time de futebol americano, era bonitão, engraçado e tinha um
sorriso arrasador. Maicon tinha a impressão de que todas as
meninas e até os meninos que sentiam atraído, do colégio queriam dormir com ele. E a maioria
provavelmente dormiu, pensou na época, com desgosto.
Quando Josh começou a convidá-la para sair, ele estava
determinado a não ir parar na cama com ele. Tinha certeza de que
só estava interessado em sexo; no entanto, passado algum tempo,
mudou de idéia. Gostava de estar com ele, que parecia apreciar
genuinamente sua companhia.
Naquele inverno, a turma de formandos do segundo grau foi passar
um fim de semana esquiando nas montanhas. Josh adorava
esquiar.
- Vai ser muito legal - garantiu ele.
- Eu não vou.
Ele olhou espantado para Maicon.
- Por quê?
- Detesto o frio. Mesmo de luvas, meus dedos ficam enregelados.
- Mas vai ser legal a gente poder...
- Eu não vou.
E ele ficou em Belford, para passar o fim de semana com ele.
Os dois compartilhavam os mesmos interesses, tinham as mesmas
idéias e sempre se divertiam muito juntos.
Quando Josh lhe perguntou:
- Alguém quis saber hoje de manhã se você é meu namorado. O que
devo responder?
Maicon sorriu e disse:
- Responda que sim.
O Dr. Jhonatan estava preocupado.
- Você anda saindo demais com esse tal de Josh
- Pai, ele é um sujeito decente, e eu o amo.
- Como é que você pode amar esse sujeito? Ele não passa de um
jogador de futebol americano. Eu não vou deixar você se relacionar com
um jogadorzinho qualquer. Ele não serve para você, Maicon.
Ele havia dito a mesma coisa sobre todos os rapazes com quem ele
saiu.
O pai continuou fazendo comentários desabonadores sobre Josh
Miller, mas a explosão se deu na noite da formatura. O rapaz iria ao baile com ele. Quando chegou para apanhá-lo, ele estava aos
prantos.
- Mas o que é isso? O que aconteceu?
- Meu pai... meu pai me disse que vai me levar para Londres. Ele
me matriculou numa... faculdade de lá.
Josh olhou para ele, atónito.
- Ele está fazendo isso por causa de nós dois, não é?
Maicon assentiu apenas com um gesto da cabeça, contrariadíssimo.
- Quando você vai partir?
- Amanhã.
- Não! Maicon, pelo amor de Deus, não deixe que ele faça isso
conosco. Sabe, eu quero me casar com você. O meu tio me ofereceu
um emprego muito bom em Chicago, na agência de publicidade dele.
Vamos fugir. A gente se encontra na estação ferroviária. Tem um
comboio que sai para Chicago às sete da manhã. Você topa?
Ele olhou para ele por um longo momento e disse baixinho:
- Topo.
Repensando o assunto mais tarde, Maicon não conseguia se lembrar
de como tinha visto o baile de formatura. Ele e Josh haviam
passado a noite inteira discutindo animadamente os seus planos.
- Por que não vamos de avião para Chicago? - perguntou Maicon
- Porque teríamos de informar os nossos nomes à companhia aérea.
Se formos de comboio, ninguém vai ficar sabendo para onde fomos.
Quando eles estavam saindo da festa, Josh perguntou
baixinho:
- Você toparia dar uma parada lá na minha casa antes? Meus pais
foram passar o fim de semana fora.
Maicon titubeou, dividido.
- Josh... a gente já esperou tanto tempo! Uns dias a mais não vão
fazer diferença.
- Você tem razão. - Ele abriu um amplo sorriso. - Acho que vou
ser o único homem neste continente a se casar com um virgem.
Quando Josh Miller levou Maicon para casa, depois da festa, o Dr.
Jhonatan estava esperando, enfurecido.
- Vocês fazem alguma idéia da hora?
- Sr. Jhonatan, desculpe! É que a festa...
- Não me venha com essas suas desculpas esfarrapadas, Miller. A
quem você acha que está enganando?
- Eu não estou...
- De agora em diante, mantenha as mãos longe do meu filho,
entendeu bem?
- Pai...
- Você, fique fora disto. - Ele agora estava gritando. - Josh,
eu quero que você suma daqui e não me apareça mais.
- Mas, Sr. Jhonatan, seu filho e eu...
- Josh...
- Suba já para o seu quarto.
- Sr. Jhonatan...
- Se eu vir você por aqui outra vez, vou quebrar todos os ossos
do seu corpo.
Maicon jamais o vira tão furioso. A noite acabou com todos aos
berros. Depois de encerrado o assunto, Josh foi embora, e Maicon
desatou a chorar.
Não vou deixar papai fazer isso comigo, pensou Maicon,
determinado. Ele está tentando arruinar a minha vida. Ele ficou
sentado na cama por um longo tempo. O meu futuro é com Josh. Eu
quero ficar com ele. Isto aqui não é mais o meu lar. Levantou-se,
então, e começou a arrumar uma maleta de viagem. Trinta minutos
depois, saiu pela porta dos fundos e partiu em direção à casa de
Josh Miller, a dez quarteirões de distância. Vou passar a noite
com ele e nós dois vamos pegar o comboio para Chicago de manhã.
Mas, à medida que foi se aproximando, pensou: Não! Dessa forma
está errado. Eu não quero estragar tudo. Vou encontrá-lo na
estação.
Ele deu meia-volta e tomou o rumo de casa novamente.
Maicon passou o resto da noite acordado, pensando em sua vida com
Josh, na maravilha que seria. às 5 e 30, pegou sua maleta e passou
silenciosamente diante da porta do quarto do pai. Esgueirou-se
para fora de casa e tomou um autocarro para a estação
ferroviária. Ao chegar à estação, não encontrou Josh. Ele estava
adiantado. O comboio só sairia dentro de mais uma hora. Maicon
foi esperar sentada num banco, ansioso. Pensou no pai acordando e
notando que ele havia partido. Ficaria furioso. Mas não posso
deixar que ele controle a minha vida. um dia ele vai chegar a
conhecer Josh mais de perto e vai ver a sorte que eu tenho.
6 e 30... 6 e 40... 6 e 45... 6 e 50... Nem sinal de Josh! Maicon
estava começando a entrar em pânico. O que teria acontecido?
Resolveu telefonar para ele. Ninguém atendeu. 6 e 55... Ele vai
chegar a qualquer momento. Ele ouviu o apito do comboio à
distância e olhou para o relógio. 6 e 59. O comboio estava
entrando na estação. Ele se levantou e olhou ao redor
freneticamente. Alguma coisa terrível aconteceu a ele. Sofreu um
acidente. Está no hospital. Alguns minutos depois, Maicon estava
plantado na plataforma, vendo o comboio partir para Chicago,
levando com ele todos os seus sonhos. Esperou mais meia hora e
tentou ligar de novo. Quando novamente ninguém atendeu ao seu
telefonema, ele voltou para casa, vagarosamente, desolado.
Ao meio-dia, Maicon e seu pai pegaram um avião para Londres...
Ele frequentou uma faculdade em Londres durante dois anos e,
quando decidiu que queria trabalhar com computadores,
candidatou-se à prestigiada bolsa de estudos para jovens MEI
Wang, no Curso de Engenharia da Universidade da Califórnia, em
Santa Cruz. Seu pedido foi aceite e, três anos depois, fora
recrutado pela Corporação Global de Computação Gráfica.
No início, Maicon escreveu meia dúzia de cartas para Josh Miller,
mas rasgou-as todas. Os atos e o silêncio dele haviam lhe dito
com toda a clareza como ele se sentia em relação a ele.
A voz do pai arremessou-a de volta ao presente.
- Você está a um milhão de quilómetros de distância daqui. Em que
está pensando?
Maicon analisou o pai do outro lado da mesa.
- Em nada.
O Dr. Jhonatan chamou o garçom com um gesto e exibiu um sorriso
simpático.
- Agora nós queremos ver o menu - disse.
Só no caminho de volta para o trabalho Maicon se lembrou de que
não havia parabenizado o pai por ter saído na capa da Time.
Quando chegou à sua mesa, Carlos Grey estava à sua espera.
- Fiquei sabendo que você almoçou com seu pai.
Que sujeitinho enxerido! Ele acha que é da sua conta saber de
tudo que acontece por aqui.
- Almocei, sim.
- Não deve ter sido muito divertido. - Ele baixou a voz. - Por
que você nunca almoça comigo?
- Dennis... eu já lhe disse. Não estou interessado.
Ele sorriu.
- Mas vai ficar. Aguarde.
Havia algo estranho nele, algo assustador. Maicon tornou a se
perguntar se não poderia ser ele quem... Ele balançou a cabeça.
Não. Precisava esquecer essa coisa, tinha de seguir em frente.
A caminho de casa, Maicon estacionou o carro em frente à Editora
Apple Tree. Antes de entrar, olhou para a imagem refletida no
espelho da vitrine da loja, para ver se havia alguém atrás dele
que pudesse reconhecer. Ninguém. Entrou na loja.
Um rapaz veio atendê-lo.
- Deseja alguma coisa?
- Eu gostaria... Vocês têm algum livro sobre maníacos que
perseguem pessoas?
Ele olhava para ele com estranheza.
- Maníacos?
Maicon sentiu-se uma idiota.
- isso mesmo. E também quero um livro sobre... ahn... jardinagem
e... e animais da África - disse ele, rapidamente.
- Maníacos e jardinagem e animais da África?
- Isso - falou ele com firmeza.
Quem sabe? Talvez um dia eu venha a ter um jardim e fazer uma
viagem para África!
Quando Maicon voltou para o carro, começou a chover outra vez.
Enquanto ele guiava, a chuva batia contra o pára-brisa,
fragmentando o espaço e transformando as ruas à sua frente em
imagens pontilhastes surreais. Maicon acionou os limpadores.
Eles começaram a deslizar sobre o vidro, dizendo em voz
sibilante: Ele vai pegar você... vai pegar você... vai pegar
você... Mais que depressa, ele os desligou. Não, pensou. Eles
estão dizendo: Que nada! que nada! que nada!
Ele tornou a ligar os limpadores de pára-brisa. Ele vai pegar
você... vai pegar você... vai pegar você...
Maicon estacionou o carro na garagem e apertou o botão para
chamar o elevador. Dois minutos depois, estava chegando ao seu
apartamento. Parou diante da entrada social, enfiou a chave na
fechadura, abriu a porta e congelou.
Todas as luzes do apartamento estavam acesas.