Capítulo 09 - O meu trauma de infância
Parte da série O amor é passageiro de ônibus
Cheguei em casa e minha vó estava na sala, me esperando. Quando entrei, ela se levantou e foi até mim. Ela indagou como foi a minha primeira vez numa boate. Eu não iria contar o acontecimento com Bira, senão ela nunca iria me deixar sair de novo. Contei a ela os outros detalhes da festa.
VÓ: Mas aonde você dormiu, Paulo?
EU: Dormi na casa de Hellen, vó. A gente saiu da balada bem tarde, então ela sugeriu que dormisse na casa dela para não voltar pra casa de madrugada.
VÓ: Ela fez bem! Gostei de sua amiga. Eu fiquei ansiosa por você, com medo de algo de ruim acontecesse com você.
EU: Ah vó! Fico feliz que se preocupa tanto comigo. Mas agora preciso ir dormir, pois estou cansado ainda. Amanhã eu recupero o conteúdo da aula de hoje.
VÓ: Vai dormir netinho, mas não tô gostando que você perça suas aulas por causa de balada. Não torne isso uma rotina, viu?!
EU: Vi, vó!
Então fui pro meu quarto e deitei na cama após ter tirado a roupa toda. Não sei quanto aos outros, mas pra mim não há lugar melhor do que o lar. Deitado de barriga pra cima, eu comecei a meditar em tudo o que aconteceu ontem na boate.
Meu coração foi pisado e humilhado pela atitude de Bira no bar. Aquele linguajar foi deplorável. Eu sei que, no momento mais íntimo, talvez nem ligaria pra isso e até me excitaria. Mas a gente não tinha intimidade o suficiente para esse tipo de conversa. E mais: ele me fez sentir como uma puta ou boneca inflável, que pode ser pegável para o sexo. Era isso que ele pensava de mim quando me conheceu dentro daquele ônibus?
Aquelas palavras dele me machucaram tanto porque eu tenho um trauma de infância com isso. Um horror! Eu fui estuprado quando tinha 12 anos pelo tio por parte de pai. Eu estava em casa assistindo desenho. Até que o meu tio chegou na casa de minha vó bêbado. Tinha o mesmo olhar profundo que o Bira tinha naquela festa. Ele me pegou a força, tampou a minha boca, me levou para o quarto dela e arrancou a minha roupa. Me fez pagar um boquete pra ele. Eu tava com medo dele. Eu achei que ele iria me matar tamanha a força que ele metia seu mastro na minha boca.
Depois de longos minutos fazendo isso, ele coloca de quatro na cama e enfia seu pau no meu cu sem dó! Senti uma dor muito intensa. Pela primeira vez que eu vi tanto sangue sair de mim. Eu chorava, eu gritava, eu pedia para parar, que tava me machucando, mas sem sucesso. Ele fazia isso sem camisinha. Ele ficou quase meia hora me torturando, mas dei graças a Deus que ele não gozou dentro de mim. Talvez porque ele estava sob o efeito da bebida e a coisa não saiu dele.
Logo após aquilo eu tirei aquele instrumento de tortura dentro de mim (eu já chorava copiosamente, tanto no momento presente, tanto no momento que o estupro aconteceu), e vi os lençóis da cama banhados de sangue - do meu sangue.
Mesmo dolorido, fui ao banheiro e limpei o sangue que saia de mim. Eu não tive outro sensação a não ser dor e puro ódio por meu tio.
Eu tirei os lençóis da cama e separei em um canto. Tinha meu sangue pelo corpo dele. Eu saí de casa e levei os lençóis comigo e um frasco de álcool líquido. Antes eu coloquei uma roupa de cama similar. Fui a um terreno baldio e banhei os panos com o inflamável e quemei-o. Queria queimar junto a minha dor, meu ódio e o estupro que nunca mais sairia da minha mente.
Quando voltei para casa, o meu tio não estava mais lá. Agradeci por isso e tentei arrumar a casa para que ninguém, especialmente minha vó querida, imaginasse que ali foi o local da minha experiência tenebrosa.
E essa sensação horrível voltou quando vi o Bira agir comigo ontem na boate. Olhava para ele e via esse meu tio; eu escutava aquelas palavras que falou na boate com a voz do meu tio. Eu sou homem e não entendo o porquê de nós tratarmos a pessoa que gosta como objeto sexual.
Decidi que não vou deixar que isso me abale mais. Ele quer se comportar comigo assim, ele irá me perder pra sempre. Mas não irei me afastar dele porque eu gosto do Bira cobrador, aquele que conheci, não aquele Bira bêbado, que queria me usar. Foi a bebida que fez ele agir assim ou foi apenas um desejo dele que foi extravasado pelo álcool? Não sei, mas acho melhor ser formal com ele, para não permitir outro ato dele que eu venha a me arrepender.
Acabei dormindo, um sono pesado! Acordei no final da tarde. Cuidei da casa, jantei, comecei a pesquisar sobre o surrealismo e fui dormir.