O Principe e Eu (Parte 2: Orgulho e Preconceito)

Conto de riick como (Seguir)

Parte da série O Principe e Eu

Dois

Orgulho e Preconceito

Para muitos ter um príncipe como colega de quarto seria uma razão para ficar extasiado. Para mim aquilo significava um punhado de atenção que eu não queria. O holofote sempre me deixara desconfortável. Quando penso nisso agora vejo que se devia a maneira como eu me via naquela época, como alguém que, por ser tão sem atrativos, não merecia tal atenção.

Mesmo dormindo Thomas continuava lindo. Seu corpo atlético já era bem desenvolvido mesmo para sua pouca idade, com os músculos levemente saltados de todo o críquete que ele devia praticar. Os dentes dele eram de um branco quase sobrenatural e quando me aproximei para vê-lo melhor percebi que ele quase não tinha pelos corporáis. Desviei o olhar, tirando àquelas imagens da minha cabeça. Vesti um uniforme novo e que não estava amarrotado e sai porta a fora, em busca da cafeteria. Dei-me conta que eu não fazia ideia de onde era e fui até um aluno que passava e ele, apesar da evidente surpresa de ser abordado por um novato, me indicou a direção até o lugar.

A cafeteria, como tudo em Griffin, era ridicularmente glamorosa. O salão extenso era pintado em um vermelho escuro. Lustres gigantes de cristal decoravam o teto triangular do local, enchendo-o com uma luz branca. As lareiras ali não estavam tão fortemente abastecidas de lenha como estavam às lareiras do grande salão na noite anterior, provendo um calor agradável à cafeteria. Mesas redondas, como as quais eu havia estado na cerimônia estavam organizadas por toda a extensão do lugar, circulando a mesa do Buffet arrumada bem ao centro da cafeteria.

Ainda era cedo e não muitas pessoas haviam descido para tomar seu café, o que significava um salão não muito cheio apesar dos obrigatórios grupinhos sentados juntos, conversando e comendo. Dirigi-me ao Buffet é escolhi um prato do fundo da pilha e decidi por um café-da-manhã comum: ovos fritos, tomates assados, torradas e feijão branco doce. Tradicional. Entreguei meu cartão alimentício, cortesia do governo britânico como parte da bolsa e que cobria uma enorme quantidade de gastos com alimento por semestre, à senhora elegante que estava no caixa. Ela digitou alguma coisa no painel e passou meu cartão na maquina que respondeu com um sonoro bip ao preço absurdo que eu estava pagando por aquele café-da-manhã que normalmente custaria tão pouco no café próximo de

minha casa em Londres.

Sondei o salão e meu decidi por uma mesa mais afastada, onde eu poderia me sentar sozinho. Arrumei o prato organizadamente sobre um pano com a monograma da escola e coloquei os talheres de prata ao lado, faca na direita e garfo à esquerda, pensei. Satisfeito com a organização, comecei a comer.

Enquanto eu quebrava meu desjejum mais alunos começaram a chegar à cafeteria, pouco a pouco enchendo as mesas com animada conversação e comida. Nenhum fez menção de sentar-se comigo e eu particularmente não me importei. Parecia que ia ser uma manhã comum até que ele chegou. Thomas entrou no salão trazendo o típico silêncio de êxtase que parecia segui-lo para onde quer que ele fosse. O rosto dele estava impecável, sem um traço do amassado que eu vira antes. O cabelo loiro do príncipe estava perfeitamente penteado e seu uniforme imaculadamente passado. Aquilo me fez me perguntar se tinha algum servo escondido pelo colégio, pronto para aparecer a qualquer momento para seguir algum comando de Thomas diligentemente.

O jovem príncipe sorriu para todos para ninguém em especial e seguiu até o Buffet, servindo-se de uma grande quantidade de ovos, salsichas, bacon, iogurte e um pudim. Assim que pagou ele olhou pelo salão, como se procurasse alguém. Imagine a minha surpresa quando os olhos dele se encontraram com os meus e Thomas esboçou aquele sorriso imaculadamente branco.

O jovem caminhou até a minha mesa, seguido por diversos olhares confusos. Eu podia ler em suas expressões as perguntas “Que é esse?”, “Por que o príncipe está indo se sentar com ele?”. E podia dizer que naquele momento eu me perguntava a mesma coisa.

“Bom dia”, ele falou, puxando a cadeira e se sentando, bem a minha frente.

“Bom... dia”, eu respondi hesitantemente.

“Eu sou Thomas, não tive a chance de me apresentar propriamente na noite passada. O diretor me segurou até a noite ontem, sabe como é, me desfilando pela escola. Enfim, é um prazer”, estendeu a mão em minha direção com um sorriso dúbio em seu rosto.

Tive um pouco de medo, mas levantei a minha mão e apartei a dele. Thomas tinha um aperto forte, seguro, o tipo que se vê em seriados quando o pai da filha conhece o namorado dela e decide que o rapaz é direito baseado na pressão que a mão dele esta exercendo. Se isso dissesse alguma coisa sobre mim era que eu não seria aprovado com meu aperto fraco e hesitante. Quando Thomas me soltou massageei minha mão por debaixo da mesa sem que ele percebesse.

“John Smith... John Smith, é como me chamo”, respondi finalmente.

Thomas sorriu e comeu alguns pedaços de ovo e salsicha quando alguém o chamou em outra mesa.

“Bom, eu preciso ir. Sabe como é a vida de príncipe, sempre tendo que vestir um sorriso e fingir gostar de alguém. Até mais tarde... John Smith”. O jeito que ele disse meu nome me fez arrepiar e seu discurso antes de sair soou quase como se ele estivesse se desculpando por não ficar mais, o que era ridículo, ou pelo menos era o que eu pensava.

Quando eu voltava a minha mesa depois de me servir de mais uma porção de ovos ouvi um garoto me chamar “Ei, você, novato”. Olhei em volta, vendo se ele falava com outra pessoa e depois apontei para mim mesmo, recebendo uma resposta positiva do menino. Andei até a mesa dele sem muita certeza e me sentei como ele me pediu assim que me aproximei.

“Vou cortar de papo e perguntar de uma vez: quem é você?”

Lá se vão às delicadezas, pensei.

“Me chamo John Smith, e se você me pergunta isso do por que o príncipe se sentou comigo é porque somos colegas de quarto, só isso”, fiz menção para me levantar, mas o garoto me impediu. Foi quando dei uma boa olhada naquele grupo.

O garoto que me chamara tinha grandes olhos verdes, cabelos pretos e lábios finos. Era franzino e seus atributos físicos não eram particularmente chamativos. Ele se apresentou como Martin McDough e introduziu seus amigos: Daniel Horton, um menino levemente robusto de cabelos loiros encaracolados que mais parecia um querubim de um quadro da renascença. E Kyle Arlington, um menino muito alto e magro, de sobrancelha cheia e um nariz grande que estava sempre enfiado na tela de seu iPhone. Naquele momento eu percebi. Aquele era o grupo dos comuns, gente como eu, que passava o ano sem chamar à atenção, sem se destacar por nada em especial mas que diferentes de mim clamavam por atenção e minha repentina interação com o príncipe me tornava aos olhos deles um bem valioso.

Decidi jogar o jogo deles e começamos a conversar, descobrindo diversos traços em comum. Todos nós gostávamos de história, arte e animação japonesa. Martin amava aviões e sonhava em se tornar piloto da força aérea britânica. Daniel tinha uma estranha obsessão por zumbis e sonhava em se tornar cartunista nos EUA e Kyle, quando tirou os olhos de seu celular, disse que queria trabalhar criando jogos. Conversamos por toda a manhã e me senti confortável, feliz, tinha novos amigos, mesmo que à custa de uma inexistente ligação com um membro da família real.

O restante do dia seguiu com normalidade. Tive várias aulas durante o dia, vendo Thomas de relance em alguns momentos. No almoço me sentei com Martin e seu amigo para mais uma rodada de conversa e perguntas sobre o príncipe, que eu não soube responder. Despedimo-nos e saímos para nossas aulas, completando um dia relativamente comum.

À noite quando cheguei em meu dormitório, depois de passar na biblioteca, encontrei Thomas deitado em sua cama lendo, para minha surpresa, minha edição limitada de “Orgulho e Preconceito”, o presente mais caro que meus pais já me deram.

“O que você está fazendo?”, gritei, puxando o livro das mãos dele sem medir a tamanha grosseria que estava cometendo. Esperei que Thomas ficasse bravo, mas ao invés disso ele começou a rir.

“Desculpe, é que a sua cara ficou tão engraçada”, aquele comentário me irritou. “Desculpe, olha, eu não queria ter mexido nas suas coisas, mas você deixou o livro em cima da sua cama e então pensei que você não se importaria se eu desse uma olhada.” Era verdade, eu havia deixado o livro sobre a cama depois do susto que eu tomara aquela manhã. Senti-me corar por um momento, pela maneira como havia agido.

“A não fique assim, está todo bem.”, ele falou obviamente se referindo as minhas bochechas que entregavam a minha vergonha, o que não ajudou em nada a minha irritação.

“Não... está tudo bem. Aqui, peguei.”, entreguei o livro para ele. “Pode ler se quiser, é um livro muito bom.”

“Eu sei, eu o li há alguns anos atrás, não gostei muito. Você deve gostar o Mr. Darcy, mas eu o achei um verdadeiro cretino.”.

Eu devia ter feito uma cara brava novamente por que Thomas abafou uma risada. E como ele sabia que eu gostava do Mr. Darcy?

“Mas eu gostei do filme. A Keira Knightley é uma gata, não é?”

Fingi não escutar a pergunta, virando de costas para ele. Em parte porque esse tipo de pergunta me deixava desconfortável e em parte porque o jeito pretensioso dele me irritava.

“Me diga, Vossa Alteza, porque resolveu dormir nesse dormitório? Imagino que o diretor te daria a casa dele se você pedisse”, falei, acentuando com sarcasmo a palavra “vossa alteza”.

“Me chame de Thomas.”, ele fingiu não notar meu sarcasmo. “E eu resolvi ficar aqui por eu não te conheço e se você percebeu não tem muitas pessoas que eu não conheço por aqui. Seria legal mudar de ares um pouco.”, ele falou sem tirar os olhos do livro e senti uma pontada de desapontamento.

Resolvi ir tomar um banho, sempre gostei da água escaldante sobre meu corpo. Me fazia relaxar. Quando sai enfim do chuveiro Thomas já estava dormindo e deixara meu livro sobre a minha cama. Coloquei-o de volta na escrivaninha, vesti meu pijama e me deitei, secretamente feliz do contato, mesmo que breve, que eu havia tipo com o príncipe.

Comentários

Há 4 comentários.

Por Arcanjo em 2014-02-10 05:31:18
espero que dessa vez não abandonem!
Por Apenas um eu... em 2014-02-09 17:35:30
Serio amigo. Fico ate triste em ler novamente esse conto.. Desde 2012 eu estou esperando o autor do conto por a continuaçao e nada.... E triste pois esse conto e uma das narrativas mais bonitas que ja li.... Mais vamos la....
Por LordeDani em 2014-02-09 13:40:46
Gostei. Espero ansioso a continuação.
Por Stelvio em 2014-02-09 13:30:53
Ai mõ fofo.