INTRODUÇÃO - MÍSTICA ALDEIA

Conto de Puckerman como (Seguir)

Parte da série TAWAPAYÊRA

Chamo-me Adam Kamaramphi, tenho 19 anos, tenho a pele morena, cabelos pretos, compridos e lisos, olhos cor da noite. Sou descendente dos índios que moravam no Brasil na época do descobrimento pelos portugueses.

Bem centralizado na floresta amazônica, dentro dos limites existentes do que é real e do que é imaginário, nossa mística aldeia Tawapayêra sobrevive de fé e cultura. Lendas são transmitidas por nossos antepassados sobre a origem da vida e sobre nosso destino aqui na terra. Mas não irei entrar nesse mérito, já que divide inúmeras opiniões á respeito. O importante é contar o que se passa por aqui, que as pessoas que vivem na cidade e na civilização não conhecem.

Nós raramente recebíamos visitas de pessoas que moravam na cidade, quando eles apareciam por aqui, geralmente era pra fazer exames e nos trazer informações que julgavam importantes a respeito do que se passava mundo a fora. Ao contrário do que se imagina, não andamos nus, nem mesmo nos rituais em celebração aos nossos deuses. Naquele dia algo diferente aconteceu, na verdade, foi o dia em que tudo mudou em nossa tribo. Quatro rapazes vieram até nós à procura de meu pai, pelo que entendi eles queriam a ajuda do pajé para livrar um deles de uma maldição. O grande Parikás sempre foi muito sábio, e tinha um dom muito importante da cura, não era a primeira vez que pessoas vinham atrás de seus poderes ou ensinamentos, mas aqueles eram diferentes, eles possuíam um terrível mal cravado em suas veias.

Pude perceber que se tratava de dois casais, e que um deles eu já o tinha visto quando uma historiadora veio trazendo noticias mundiais e nos entregou revistas para a escola da aldeia. Sim, eu tinha certeza que já vi aquele rosto em algumas revistas, só que sua face estava abatida, cansada, seu coração pedia sossego e paz. Meu pai não se importou com o fato de ambos serem gays, eu também sou e sempre fui aceito por ele e por toda a tribo.

Nos reunimos dentro da oca maior para um ritual de inicialização que o grande Parikás faria para saber o quão grande era de fato o carma que aquele lindo homem enfrentava. Depois que o João se deitou, meu pai começou a tocar os maracás em cima de seu corpo e pedir para Tupã lhe prover o dom para descobrir o que havia de errado com o rapaz, minutos depois Parikás começou a tremer e desmaiou. Corri de encontro a meu pai e o sacudi tentando acordá-lo, nunca aquilo havia ocorrido, foi assustador. Minha expressão era de medo e espanto, principalmente pelo mal pressentimento que surgiu quando vi um vulto negro sobrepondo o corpo de João.

Ao anoitecer, acompanhei os visitantes ao local onde eles poderiam descansar e esperar a chegada de um novo dia, enquanto o pajé se recuperava para enfim lhes dar uma luz nas trevas em que viviam. Meus olhos estavam fixos em um deles, o mais bonito em minha opinião, chamava-se Rafael. Via em seus olhos tristeza e falta de esperança, aquilo despertou algo diferente dentro de mim, um sentimento de proteção se instaurou em meu corpo, como se proteger ele de todo o mal fosse minha missão.

No dia seguinte reunimos toda a tribo para o ritual de livramento do espírito da morte que possuía o destino de João, seria um sacrifício enorme para o Parikás, esse tipo de ritual é muito forte e poderoso, e qualquer erro pode levar o seu feitor á morte. Eu estava com medo, mas não poderia demonstrar isso para não enfraquecer meu pai. Todos fizeram uma grande roda e começamos a ecoar o grito para a Serpentária guiar nossos olhos e nossa mente.

-Iussus ad bellum, Serpentárias viperarum! Vêm do ventre da tapuiaFilhas da grande boiúnaSoberanas do reino das águascaninana lampeja!Os kariwás, caboclos, negros, índiosrastejam de encontro, bívoras quimeras!-(bellum fratri libertais lumen Serpentarium)

Diz à lenda que SERPENTÁRIAS (BOIÚNA) é uma cobra gigante que tem poderes sobre o temido destino, e que pode te salvar ao leva-lo a morte. Meu pai invocou a terrível fera, somente os puros de sangue conseguiram ver quando um enorme espírito baixou no Parikás, mas todos puderam perceber quando seus olhos se tornaram amarelos e seu globo ocular ficou fino como o de um felino. João que estava no centro do circulo seminu começou a gritar de dor e se contorcer no chão. Seu namorado tentou ir ao seu encontro, mas eu o impedi! Não podíamos interromper o ritual. Foram poucos os minutos, mas quando o céu acinzentou-se e eu vi a alma de meu pai sendo levada embora junto com a maldita cobra, tudo se escureceu.

Meu pai, o pajé, o Parikás, havia sido morto tentando ajudar quem não tinha salvação. Não havia nenhuma maneira daquele homem escapar de seu destino e lá no fundo ele sabia disso. Eu estava devastado com aquilo tudo e a aldeia Tawapayêra estava de luto. Perdemos um grande líder, perdemos nosso curandeiro, nosso sábio, eu perdi o meu pai a quem amava mais que tudo nessa vida! Sem mais esperanças, os visitantes foram embora ainda mais tristes do que chegaram, eu não os culpava, mas não queria que ficassem por ali mais tempo. Doía muito vez a imagem de meu pai sendo levado por aquela cobra gigante nos olhos de cada um deles, e agora aquilo seria meu carma. A aldeia precisava de um novo líder e eu seria ele. Deveria estar forte e preparado para a grande batalha que aconteceria dali pra frente.

Só teria dois objetivos na minha vida agora, um seria caçar aquela maldita cobra e por um fim de uma vez por todas naquela lenda que ela havia se tornado, sendo finalmente um grande pajé que minha aldeia merecia e depois ir atrás do meu Nhetan, aquele que se chamava Rafael, o meu prometido por Tupã! E não importa o tempo que durasse, ou quem eu tivesse que enfrentar, minha jornada se iniciava ali!

Comentários

Há 0 comentários.