2. Insuportável
Parte da série Soul Rebel
DUAS SEMANAS DEPOIS (SEGUNDA-FEIRA)
Eu me sentia completamente vazio. A ausência do meu motorista era torturante e incompreensível. Eu ainda tentava descobrir porque Igor havia me deixado.
Respirei fundo e me despedi dos funcionários da casa. Lá fora, papai e Clarice me esperavam ao lado do carro. Andei até eles e deixei papai me abraçar com força.
- Boa sorte filhão. - Disse papai com voz de choro. - Estou orgulhoso.
- Obrigado pai. - Agradeci, me desfazendo do abraço dele.
Clarice ficou sem saber o que fazer e estendeu o braço para um aperto de mão. Segurei seu pulso e a puxei para um abraço.
- Boa sorte Sr. Fitzgerald.
- Obrigado Clarice, mas por favor, sem formalidades.
Me separei de Clarice e entrei no carro. Papai tinha me oferecido um novo motorista mas eu havia recusado. Igor era insubstituível.
Buzinei para papai e Clarice e dirigi até a faculdade. No rádio passava algo do tipo reggae, mas não identifiquei nem a música, muito menos o cantor.
Estacionei o carro em frente à faculdade e acompanhei alguns alunos que subiam as escadas. Eram três lances de escadas que davam para um enorme hall. Os alunos se apresentavam e faziam novas amizades. Me senti perdido no meio tantas pessoas, já que eu sempre fui educado com professores particulares.
Procurei o menor grupo de alunos visível para poder me enturmar, mas não achei nada interessante. Haviam vários grupos de alunos, e identifiquei fácil o do time de futebol e o das líderes de torcida. Era ridículo saber que isso ainda existia.
Avistei dois garotos, no qual pude reconhecer um. Fernando Vittiello, filho do atual maior acionista da empresa de papai, com 10% das nossas ações. Dez por cento pode até parecer pouco, mas considerando o fato de que papai se mantém com 80% das ações, e o segundo maior acionista tem 4%, 10 não é um número tão pequeno.
Fernando também me reconheceu. Ele sorriu e veio em minha direção, seu amigo o seguindo.
<flashback on>
- Oi. - Disse um tímido Fernando.
- Oi. - respondo sem demonstrar interesse.
Já com 16 anos de idade eu era um tanto apático e metido. Fernando sorria nervoso para mim, e eu devolvi o sorriso.
- Podemos conversar? - Disse Fernando - Digo, em outro lugar.
Estávamos numa festa na mansão dos Vittiello, comemorando as boas-vindas ao novo acionista da CPC Fitzgerald. A mansão estava cheia, e entendi que Fernando queria ir para um lugar mais vazio.
O segui até o segundo andar, um corredor cheio de portas que presumi ser os dormitórios.
- Espero que seja importante. - Falei. - Eu estava tomando uma bela taça de champanhe.
Fernando se aproximou e tocou meu rosto.
- Eu sempre te achei bonitinho. - disse um tímido Fernando.
- Você também não é de se jogar fora. - Falei, deixando-o completamente envergonhado.
Eu não estava mentindo. Fernando era um tradicional alemão de olhos verdes, cabelos dourados e pele pálida. Seu corpo dava indícios de academia, mas seu rosto era suave, com traços finos e delicados.
- Posso te beijar? - Fernando pediu.
<Flashback off>
Fernando não mudara nada. Seu rosto ainda era delicado e seu cabelo com a mesma franja cobrindo a testa.
- Como vai Fitzgerald? - Disse Fernando.
- Vou bem e vocês? - Perguntei.
O amigo de Fernando assentiu e deu um sorriso nervoso.
- Bem também. Deixe-me te apresentar, esse aqui é o meu irmão mais novo, Thiago. - Disse Fernando.
- Irmão mais novo? - Perguntei surpreso.
Eles não se pareciam em nada. Thiago tinha uma expressão madura apesar de seu estilo e aparência. Tinha olhos e cabelos negros quase até o pescoço com a frente jogada para o lado mas sem formar uma franja. Sua pele era pálida também, mas seu corpo era definido na medida e sua barba por fazer e seu sorriso o fazia parecer perigoso. Sexy.
- Ele foi adotado a alguns anos. - Explicou Fernando. - O que faz por aqui?
- Só estou passeando. - ironizei.
Fernando sorriu, mas Thiago permaneceu inexpressivo. Fitei o irmão de Fernando, não pude perceber nenhum sinal na expressão dele, mas os braços cruzados à frente do corpo indicavam que ele estava querendo se defender de algo - eu é claro. Ele podia até esconder sua insegurança, mas eu era impecável na arte de decifrar, conseguiria saber o que ele estava pensando somente ao olhar para o corpo dele, e seu pé batucando o chão dizia que ele queria sair dali o mais rápido possível.
- Aluno de qual área? - Perguntou Fernando.
- Direito. - falei - e vocês?
- Sou de Biologia, e Thiago também vai iniciar com direito.
Thiago revirou os olhos ao descobrir a infeliz coincidência. Ele já estava me dando raiva.
- Legal. - falei - Agora tenho que ir. A gente se esbarra Nando.
Fernando assentiu.
Me virei sem olhar a cara de alívio que Thiago provavelmente fez, mas pude ouvir seu suspiro. Eu não o culpava pela aversão, não era culpa dele. Afinal, se as pessoas acreditam em amor à primeira vista, por que não ódio?
Dei de ombros, o que Thiago pensava de mim pouco me importava. Andei lentamente em direção à sala de aula. Eu só queria que o dia acabasse logo para poder ir para a minha casa e sentir a falta de Igor sozinho.
Fui um dos primeiros a chegar na sala, e com isso, pude escolher uma carteira dupla que ficava perto da janela. Sentei-me do lado esquerdo da carteira, tendo visão à quadra de esportes onde o time de futebol estava reunido, provavelmente discutindo uma nova estratégia.
O professor entrou na classe alegre, provavelmente era a primeira vez que dava aula para universitários. Seus olhos mel brilhavam de alegria, ele tinha um belo sorriso e uma barba bem feita. Podia ver por cima.da camisa um peitoral definido, mas não haviam músculos visíveis em seus braços, apenas quando o professor os flexionava. Ele usava uma camisa rosa desbotada e um jeans não muito apertado acompanhado por um sapato baixo. Ele passava a mão no cabelo regularmente, e isso era um sinal de nervosismo, mas as garotas presentes suspiravam a cada palavra que ele dizia.
Thiago entrou na sala e olhou para os lugares disponíveis. Nenhuma carteira dupla vazia. Ele sentou-se à minha frente, ao lado de uma garota ruiva.
- Muito bem classe. - O professor falou quando todos já estavam na sala - Meu nome é Gustavo, e não confundam minha aparência jovial com idiotice, isso é algo sério, e por isso vou exigir sempre o melhor de vocês.
Sorri, e o observei conduzir a turma a uma dinâmica, onde cada um deveria levantar e falar de si mesmo.
- Meu nome é Larissa Philips, herdeira da maior rede de Eletrônicas do Brasil. Tenho 25 anos e sou solteira. - disse uma loira bonita, e sorriu ao falar do seu estado civil.
- Sou Jean Marques, futuro presidente da rede de construção Marques Arquitetura. Tenho 22 anos. - Foi um roqueiro com cara de mal humorado que falou.
- Sou Diana Parnell, bolsista e caloura da faculdade. - Disse a ruiva ao lado de Thiago, chamando a atenção de todos. - Tenho 20 anos.
- Thiago Summers, adotado recentemente pelo grande empresário Leonardo Vittiello. 20 anos. - Thiago nem mesmo se levantou para falar.
Era a minha vez. Me levantei, atraindo os olhares para mim.
- Sou Ethan, tenho 19 anos e pretendo ser um grande homem futuramente. Meu objetivo é ser lembrado, eternizado mesmo depois da minha morte. - me apresentei.
As outras apresentações foram iguais as demais, e sinceramente me irritavam. Os alunos falavam de seus patrimônios herdados, como se estivessem na faculdade somente para agradar os pais. Eram uma cópia mal valorizada dos seus responsáveis. Deplorável.
- Sou Gustavo Saoud. Professor de Direito e promotor nas horas vagas. Meus pais são os donos do centro de pesquisas T-rex Corporation, que procura e estuda fósseis. É claro que eles queriam que eu fosse o herdeiro da empresa, ou no mínimo me formasse em paleontologia. Mas aqui estou eu.
A classe aplaudiu e Gustavo se curvou em agradecimento.
(...)
A aula passou rápida, e eu me identifiquei muito com o professor. Ao contrário de muitos ali, ele foi contra a vontade dos pais para fazer o que gosta, e ele fazia muito bem.
- Então você não assumiu os negócios da família? - Perguntei.
Eu e mais alguns alunos rodeavamos o professor, não o deixando sair.
- Gente eu prometo responder depois, mas agora vão se divertir ok? Aproveitem o tempo de intervalo que vocês têm.
O grupo de alunos se dispersou, e eu fiquei sem ter o que fazer. Eu poderia tentar me enturmar, mas eu não tinha experiência com isso. Geralmente eram as pessoas quem vinham até mim, e assim aconteceu. Fernando me avistou e acenou. Droga.
Acenei de volta e procurei uma saída. Diana estava próxima de mim, mas estava comendo. Me aproximei da ruiva e fingi esbarrar nela.
- Mil desculpas. - Falei desesperado.
- Tudo bem, tudo bem. - Disse Diana atrapalhada. - Somos da mesma classe não somos?
- É, acho que somos. Diana não é?
- Isso mesmo. Ethan?
Assenti. Fernando chegou até nós e me cumprimentou com um aperto de mão.
- E aí? Como estão? - Perguntou.
- Atrasados. - falei. - Eu e Diana estavamos pensando em ir falar com o nosso professor.
- É? - Diana parecia confusa.
- É lindinha. Ficamos com dúvida naquele negócio. - Falei entredentes.
Arrastei Diana para longe e acenei. Eu não tinha nada contra Fernando, mas estar perto deve era correr o risco de encontrar Thiago.
- Desculpa. - Falei para Diana.
- Não gosta dele?
- É uma longa história.
Me virei para andar, e acabei esbarrando em alguém. Thiago.
<CONTINUA>