1. Impenetrável
Parte da série Sobreviventes do Abismo
- Vamos Felippe, nós já estamos mega atrasados. - Reclamava uma apressada Diana ao pé da minha orelha.
- Não quero saber. - Falei. - Não vou sair sem colocar meus sapatos.
Diana bufou e eu dei de ombros. Tirei meus habituais All Star da sapateira e dei uma última olhada no espelho, passando a mão no meu cabelo para concluir.
Meu nome é Felippe Abrahão e tenho 16 anos. Curso o segundo ano do ensino médio no colégio Willian Shakespeare - que nome clichê não? Mas é o melhor colégio da região.
Diana é minha melhor amiga, e bolsista no colégio onde eu estudo. Infelizmente ela não teve a mesma sorte que eu de nascer numa família de classe A, mas infelizmente, eu não tive a mesma sorte que ela de ter pais tão presentes e dedicados. Mas não se pode ter tudo não é mesmo?
Mesmo sendo de uma família rica, não sou aquele tipo de playboy mimado que deseja tudo a toda hora, mas quando quero, não aceito ouvir uma resposta negativa.
Me vi sendo arrastado pelo braço até a garagem, onde Igor - o motorista - já nos esperava.
Sorri para Igor e abri a porta do Cabriolet branco que Diana apelidara de Semideus.
- Olá Igor. - Cumprimentei o motorista e entrei no carro.
- Bom dia Senhor Abrahão. - Disse Igor com uma reverência irônica em seu tom de voz. - Olá Senhora Garcia.
- Já falei para me chamar de Diana, Senhor Igor. - Disse Diana, provavelmente esquecendo o sobrenome de Igor.
Sorri e a observei entrar no carro.
- Se puder ir um pouco rápido. - Sugeri para Igor.
Ele assentiu e posicionou o retrovisor interno. O portão automático se abriu e Igor acelerou.
Chegamos na escola em pouco mais de cinco minutos. Olhei para Diana com um sorriso triunfante como quem dizia "Batemos nosso recorde". Diana sorriu com a mesma satisfação e abriu a porta do conversível.
- Obrigado Igor. - Falei.
- Obrigado mesmo Igor. - Diana enfatizou e arrumou a mochila rosa na costa.
- Não há de que. - Igor respondeu - Vejo vocês mais tarde?
- Não Igor, amanhã eu vou viajar com os meus pais. - Explicou Diana - Preciso ir direto para casa hoje. Obrigado.
- Então, acho que você vai ter que me aturar sozinho. - Falei fazendo biquinho. - Até mais Igor.
Igor assentiu e foi embora.
- Qual a primeira aula hoje Lippe? - Perguntou Diana.
- Biologia. - Falei.
- Técnico Herrera? - Diana perguntou retoricamente.
- Exatamente.
Sorrimos desanimados e seguimos em direção ao laboratório.
Entrei no laboratório de biologia e meu queixo caiu. No quadro negro estavam misteriosamente colados uma Barbie e seu namorado Ken de mãos dadas e completamente nus. A falta do genital masculino de Ken me fez rir ao mesmo tempo em que o alarme tocou anunciando o início do primeiro período.
Diana e eu nos sentamos em nossos respectivos lugares, que ficavam lado a lado em uma carteira dupla.
O Sr. Herrera com um sorriso claramente falso. Notei um pouco de desânimo em sua voz ao falar:
- Bom dia classe. - Não houve resposta - Eu sou o técnico Herrera, e atual substituto do Sr. Kille, o ex professor de biologia de vocês.
O técnico pegou um giz cor-de-rosa e escreveu acima da cabeça da Barbie e do Ken: :BEM-VINDOS À REPRODUÇÃO HUMANA (S E X O)"
- Como professor de vocês, tenho que admitir, vocês parecem fracos e sensíveis. Simplesmente vulneráveis. - Disse um misterioso Sr. Herrera. - Querem saber do que eu estou falando não é? Muito bem. Sr. Abrahão... - O técnico apontou para mim - Por que se senta ao lado de Diana?
- Por que... Ela é minha melhor amiga? - Perguntei.
- Boa resposta Felippe. Previsível, porém boa. Eu aposto que todos vocês sentam ao lado de quem sentam por que tem uma familiaridade com essa pessoa. Você conhece bem essa pessoa, e isso lhe causa segurança...
Diana chutou minha cadeira, e eu sabia muito bem o que estava pensando: o técnico não faz ideia de quanto nos conhecemos. E não estou falando de segredos que enterramos com nossos diários, estou dizendo de uma vida. Diana e eu somos gêmeos ao avesso, e podemos jurar que essa ligação já foi criada antes de nascermos e vai morrer junto conosco.
Diana é loira de longos cabelos ondulados e olhos verdes, já eu tenho os olhos cinzentos com um cabelo negro bagunçado.
- ... E essa segurança é o que os tornam vulneráveis. Por isso vamos mudar essa situação. A partir de hoje vocês não trabalharão mais juntos, por que vão precisar ser mais do que inteligentes para falar de biologia, vocês terão que ser imunes.
Eu ia protestar, mas Diana foi mais rápida:
- Por que tudo isso técnico Herrera? - indagou.
- Por que? Só por que eu quero. - Respondeu.
Muito bem classe, o aluno que está sentado à esquerda da cadeira dupla passe para a carteira de trás, e os que estão na última fileira vão para frente. E isso inclui você Diana Garcia.
Diana pegou sua mochila indignada e foi para a primeira carteira. Dei uma piscadela rápida pra place ela deu de ombros.
Eu conhecia todos os alunos da classe, exceto um. O que supostamente se sentaria ao meu lado. Iury.
Iury se levantou sem muita vontade e sentou-se ao meu lado. Ele era alto, corpo atlético, cabelos escuros e longos com um corte mais baixo nas laterais. Seus olhos eram dois buracos negros, sugando toda a minha essência, toda a minha atenção.
- Muito bem. - Disse o Sr. Herrera - Nesta aula vou querer uma redação sobre o seu novo parceiro. O investigue, descubra-o.
Voltei minha atenção à Iury, que já preenchera boa parte de uma folha. Quem foi que disse que cinco minutos ao meu lado lhe dava o direito de supor algo sobre mim?
- Meu nome é Felippe Abrahão. - Me apresentei, sentindo um enorme desconforto - E o seu?
Iury me olhou por dois segundos, e já foi o suficiente para que eu não gostasse dele. O olhar dele era frio, desafiador e impenetrável, mas havia algo a mais, eles queriam dizer encrenca, encrenca garantida.