CAPÍTULO 1

Conto de Natanael como (Seguir)

Parte da série Deus Americano

CAPÍTULO 1

Estava ansioso. Pedi tanto que esse momento chegasse logo e agora que estou aqui eu me arrependo de ter apressado tanto as coisas. O departamento de trânsito era como uma arena de gladiadores, mas não era com outros homens que iria batalhar. Era comigo mesmo. Essa era a última chance de tirar minha carta e eu mal conseguia esperar por minha vez. Minhas pernas sacodiam de cima pra baixo e minhas mãos tinham os dedos entrelaçados. Qualquer pessoa a dez metros de distância veria que eu estava ansioso pra caralho.

- Griffin Goldwin? – falou um homem de óculos com uma prancheta na mão.

- sou eu – falei levantando a mão e me levantando apressado indo até ele.

- boa tarde, sou Richard Clowes e serei o seu avaliador.

O homem disse aquelas palavras e caminhou por um corredor que pareceu mais longo do que realmente era. Segui ele ansioso e finalmente chegamos ao meu grande pesadelo. Um carro branco me aguardava no fim desse corredor. Fechei os olhos e tentei não surtar.

Entrei no carro e o avaliador entrou logo em seguida. Por alguns instantes fiquei com medo de esquecer algo e me atentei aos procedimentos de que me lembrava e mais uma vez fechei os olhos tentando não surtar.

Engatei a primeira marcha e pisei no acelerador. O carro começou a se mover e de repente uma lembrança de quando tinha nove anos de idade passou pela minha cabeça. Tinha nove anos e estava no carro com meus pais. Não lembrava de muita coisa só de que a estrada estava escura e eu brincava com dois bonecos que tinha quando criança.

Por alguns instantes me perdi com aqueles bonecos que tinha e não percebi que uma discussão acontecia na parte da frente. Meu pai e minha mãe brigavam e gritavam. Eu aprendi a ignorar os gritos. Depois de um tempo você aprende a ignorar.

Meu pai costumava dirigir muito rápido e só percebi que isso se tornou um problema quando senti que estava flutuando. Por alguns instantes meus bonecos começaram a girar e meus cabelos a se levantar. Senti um arrepio como se estivesse girando no ar. Comecei a rir e levantei os braços. Meus bonecos bateram de um lado para o outro. Não entendi que estávamos capotando. Tudo parecia divertido pra mim. Tudo parecia brincadeira em minha mente.

Quando tudo voltou ao normal eu percebi que apesar de estar bem preso ao cinto de segurança algo escorria na minha testa. Era sangue. Lembro que no banco da frente minha mãe estava imóvel.

- Griffin! – exclamou meu pai no banco da frente procurando por mim desesperadamente – você está bem Griffin? – perguntou meu pai outra vez.

- eu estou bem papai – falou colocando a mão na testa – mamãe? – falei me inclinando para frente tentando tocá-la, mas ela continuava imóvel.

- vamos ficar bem – falou meu pai tirando o cinto de segurança. Ele olhou para trás e vi que ele tinha cortes no rosto que sangravam. Ele se inclinou para trás esticando os braços, mas não conseguiu alcançar – não se preocupe filho, vou te tirar dai – falou meu pai saindo do carro. Ele percebeu que para me tirar teria que abrir a porta de trás e me tirar.

Quando meu pai saiu do carro abrindo com dificuldade a porta amassada.

- eu consigo me soltar sozinho pai – falei tirando meu cinto de segurança e indo para a frente do carro ver mamãe.

- não Griffin! Não se mexa – falou meu pai abrindo a porta de trás, mas foi tarde demais. Eu fui para o banco da frente e vi minha mãe caída para a frente.

Minha mãe estava deitava no painel do carro de olhos abertos. Serena, como se estivesse dormi do de olhos abertos. O vidro do para-brisa estava quebrado e um galho de árvore estava enfiado na cabeça dela.

Meu pai rapidamente colocou a mão cobrindo meus olhos e me puxou para fora do carro. Nunca vou esquecer da última vez que a vi. Não vou me esquecer de como me senti quando a vi daquele jeito. Levou anos para que eu criasse coragem de tirar a carta. Diabos, levou anos para que conseguisse entrar em um carro novamente depois daquele dia.

Do mesmo jeito que invadiu rapidamente minha mente essa lembrança se foi, mas não da forma que eu queria. Eu mal tinha andado alguns metros e feito algumas curvas e eu bati em um poste no meio do caminho. O carro começou a sair fumaça e eu sai rapidamente de dentro dele. O avaliador saiu e nós ficamos encarando o carro todo amassado no post. O barulho da buzina era ensurdecedor e algumas pessoas corriam ao longe tentando ver o que tinha acontecido.

- se te serve de consolo, você não passou desde que ligou o carro. Você esqueceu de colocar o cinto de segurança – falou o avaliador.

- ótimo – falei me afastando do carro. Chega. Nunca mais tentaria tirar a carta.

Assim que voltei para o departamento de transito liguei para meu pai. O telefone chamou algumas vezes, mas ninguém atendeu. Liguei então no escritório dele. A secretária atendeu no segundo toque.

- Griffin Publicidade – falou a recepcionista.

- boa tarde eu gostaria de falar com o meu pai.

- Griffin? – falou a recepcionista – Leon está em uma reunião agora.

- ótimo, mas eu preciso dele. Urgente.

- eu não posso interrompe-lo.

- diga pra ele que eu sofri um acidente de carro.

- só um segundo – falou a recepcionista se afastando do telefone. Quase que no mesmo instante meu celular deu sinal de que tinha outra chamada. Era meu pai me ligando. Finalizei a chamada do escritório e atendi a ligação de meu pai.

- Griffin, você está bem? Está machucado? – falou ele preocupado.

- eu estou bem pai.

- você não passou na prova?

- não. E eu não vou tentar outra vez. Eu desisto. Foi um avanço grande ter chegado até aqui, mas eu claramente não fui feito para dirigir.

- qual o problema?

- as lembranças – falei respirando fundo – preciso de dinheiro pra pagar o estrago que fiz aqui.

- não se preocupe com isso. Estarei chegando ai em alguns minutos.

- tudo bem.

- até daqui a pouco – falou meu pai desligando o telefone.

Dez minutos depois meu pai chegou ao Departamento de Transito de Chicago. Meu pai veio até mim assim que chegou ver se eu estava realmente bem. Meu pai tem olhos azuis e cabelos castanhos escuros que ele usava bem penteados em um topete. Sua cara era preocupada. Diferente de mim que tenho os cabelos pretos da minha mãe. Meus olhos eram castanhos assim como os da minha mãe.

Depois de checar se eu estava bem, em seguida ele foi conversar com o gerente e o avaliador e mesmo que eles não tenham cobrado pelos danos meu pai fez questão de pagar. Ele deu um cheque e em seguida veio novamente até mim.

- vamos embora – falou ele com um sorriso.

- foi mal pai – falei me levantando e seguindo-o.

- não precisa se desculpar.

- não sei o que deu em mim, eu entrei no carro e as lembranças vieram. Fiquei nervoso e só me lembro de bater o carro.

- quando você tem tentar novamente? – perguntou meu pai quando entramos em seu carro.

- tentar novamente? Sem chance.

- você não pode desistir só por causa de um erro que cometeu. Eu só consegui minha carta depois da quarta tentativa – falou meu pai dando partida no carro.

- sei que não devo desistir, mas sinto que não devo tentar novamente. É melhor deixar do jeito que está.

- você que sabe – falou meu pai virando a esquerda – você quer ir pra casa agora?

- porque?

- eu tenho que voltar pra reunião e se você não estiver com pressa nós vamos agora pra empresa e você espera a reunião terminar.

- pode ser pai – falei pegando o meu celular.

- vai ligar pra quem?

- deixe de ser tão controlador – falei discando o número de uma amiga.

- não sou controlador, só quero saber com quem você anda.

Meu pai acabou sendo muito protetor comigo desde o acidente quando criança. Por um tempo fomos só nós dois e isso nos aproximou. Ele acabou me mimando muito e eu tento me livrar dessa corrente que ele colocou em mim. Por um tempo ele foi apenas o viúvo triste, mas ele conheceu uma mulher que se tornou sua nova esposa. Eles estão casados á seis anos e eu fiquei feliz por ver ele seguir em frente.

- eu tenho vinte e três anos pai. Não precisa se preocupar comigo como se fosse um bebê.

- você é meu bebê – falou ele rindo.

- sério pai? – não achei a menor graça.

- só me diga pra quem está ligando.

- Violet.

- Ok – falou ele voltando a dirigir.

Violet é uma amiga do meu trabalho. Trabalho como atendente em um bar que fica localizado em frente a uma delegacia de policia. Violet é uma grande amiga que é garçonete e ela estava ansiosa pelo resultado. Eu estava ligando para dar a péssima noticia.

- ela deve estar dormindo. Nós trabalhamos no turno de hoje – falei para meu pai desligando o celular.

Nós chegamos a sua empresa e ele estacionou o carro.

- eu pensei que você estava ligando pra algum namoradinho.

- Eu não tenho ‘namoradinho’ – falei saindo do carro – Não tenho 14 anos de idade.

- você se irrita fácil – falou meu pai brincando comigo quando entramos pelas portas de vidro da empresa do meu pai. Meu pai tinha criado uma empresa de publicidade.

- não. Você é que gosta de me irritar.

Meu pai e eu entramos no elevador e descemos no quarto andar.

- fica lá no meu escritório, só vou finalizar a reunião e eu te levo em casa.

- OK – falei indo ate o escritório do meu pai.

Assim que entrei me sentei na cadeira atrás de sua mesa e liguei seu computador. Entrei em um site de noticias e comecei a descer a página lendo os títulos das noticias procurando por alguma que me interessasse.

No meio desse processo meu celular tocou. Era Violet.

- você me ligou? – perguntou ela assim que atendi.

- sim.

- e ai? Como foi o resultado? Conseguiu a carta?

- não. Consegui foi bater o carro em um poste.

- sério Griffin? Sinto muito – falou Violet.

- veja pelo lado positivo.

- qual é?

- não sei – falei rindo.

- você vai tentar de novo né?

- até você Violet? Já não basta meu pai ficar no meu pé pra tentar de novo?

- você não pode desistir de primeira.

- eu já desisti. Não adianta eu fazer algo que não quero.

- sei que é difícil pra você devido ao que aconteceu quando era criança.

- então sabe porque não vou tentar de novo, certo? Não quero pegar medo de carros novamente. Eu custei desconstruir essa fobia. Não quero ter que passar por tudo aquilo de novo. Os remédios as consultas com psiquiatras…

- eu te entendo – falou Violet. Ela me compreendia melhor do que meu pai.

Enquanto falava com Violet continuei descendo a página lendo o título das noticias e uma delas chamou minha atenção.

MILITAR CONDECORADO QUE SALVOU MAIS DE TRINTA CRIANÇAS DE HOMEM BOMBA NO IRÃ VOLTA PARA CASA.

- Violet, você viu que aquele militar condecorado vai voltar pra casa depois de cinco anos no exterior lutando contra os terroristas?

- Fala do ‘Deus Americano’ – falou Violet.

- o que? – perguntei confuso.

- Ele é conhecido por ‘Deus Americano’, depois que ele salvou aquela crianças ele ganhou esse apelido. Ele chega em Chicago amanhã de manhã. Eu irei até o aeroporto pra ver a chegada dele. Lá vai estar lotado de gente.

- que bom, depois me diz como foi.

- Vamos comigo. A gente sai do bar e vai direto para o aeroporto. O voo dele está programado pra chegar ás oito da manhã. Vamos Griffin, por favor!

- tudo bem, eu vou.

- A gente sai do bar amanhã e já vai para o aeroporto. Temos que chegar cedo pra não ficar no fundo da multidão. Ocara é um herói americano. Merece ser recepcionado.

Nesse momento meu pai entrou no escritório.

- meu pai chegou, te vejo no trabalho.

- até.

Finalizei a ligação e meu pai veio até a mesa do escritório e pegou uma pasta com alguns papéis.

- a reunião terminou, vamos embora.

Me levantei da mesa e somos embora. Assim que entramos no carro e meu pai deu partida decidi tocar no assunto.

- pai, o senhor viu aquele militar que vai chegar em Chicago amanhã?

- Claro.

- só eu que não tinha ouvido falar disso antes de ler a noticia?

- sério? a mídia não para de noticiar sobre isso a semanas e até apelidou ele de “Deus Americano”.

- sim, Violet me falou isso mesmo. Ela quer que eu vá no aeroporto amanhã ver a chegada dele.

- e você vai?

- vou sim.

- Vai mesmo – incentivou meu pai parecendo animado – Nós estamos orgulhosos por um herói ter saído aqui de Chicago. Eu também iria se não tivesse um dia cheio amanhã. A Charlotte quer chegar cedo na casa dos pais. Vamos sair de madrugada.

Charlotte é a esposa do meu pai. Eles iriam viajar o fim de semana porque era o aniversário de casamento de 25 anos dos pais dela. Quando chegamos em casa Charlotte não estava, ela estava no trabalho. Subi para meu quarto para descansar um pouco antes de ir para o trabalho. Era sexta e eu começava o turno ás sete da noite, tinha mais ou menos três horas de descanso até lá.

Desde criança vivi em Chicago. Depois do acidente eu meio que fiquei com um enorme trauma. Depois que terminei o colegial cursei Jornalismo durante quatro anos e no ano passado terminei com um diploma na mão, mas sem o ânimo de atuar na área. Acabei trabalhando em um bar qualquer na minha cidade, mas por escolha minha mesmo.

Quero me tornar independente e comecei a construir a minha casa a dois anos e ela anda está inacabada. Meu pai me ajuda nesse sentido. Ele me fornece cama, mesa e banho e eu posso usar todo o dinheiro que ganho para construir minha casa.

Estava deitado na cama ouvindo música nos fones de ouvido e decidi descer as escadas para comer algo, estava faminto a agora que o nervosismo tinha passado a fome bateu.

Assim que desci as escadas vi que a casa estava vazia. Senti algo estranho foi como um extinto. Tirei os fones de ouvido e agora que não ouvia mais a música percebi o quão silencioso estava. Silencioso até demais. Desci as escadas devagar e avistei a cozinha. Vi que meu pai conversava com um amigo. Kenny, um vizinho que se mudou mais ou menos na mesma época em que meu pai e minha mãe se mudaram depois que casaram. Kenny estava de terno e provavelmente tinha vindo do trabalho direto para minha casa. Ao contrário do meu pai, Kenny usava barba e era um pouco mais alto.

Olhando para eles por alguns instantes percebi que havia algo estranho acontecendo, mas o mais estranho de tudo é que eles cochichavam um com o outro como se não quisessem que eu ouvisse a conversa. Me aproximei devagar e fiquei escondido tentando ouvir o que eles diziam.

- ele está bem – falou meu pai para Kenny.

- tem certeza? Ele não se machucou no acidente? – perguntou Kenny.

- tenho certeza. Ele está ótimo – falou meu pai.

- posso vê-lo? Diga que estou preocupado.

- não Kenny – falou meu pai parecendo nervoso – ele está descansando, vai trabalhar hoje a noite.

- você sempre tem uma desculpa – falou Kenny – nunca me deixa ver como ele está.

- você já fez demais. Você o ajudou em uma fase horrível e eu te agradeço por isso – falou meu pai para Kenny – você o ajudou e eu o agradeço, mas Griffin está estressado e assustado pelo o que aconteceu.

Kenny é psicólogo e foi ele quem me ajudou a passar pelo trauma do acidente. Durante anos eu visitava seu escritório três vezes por semana.

- o que sua esposa pensaria disso? – falou meu pai provocando Kenny.

- me diga você o que a Melissa diria – falou Kenny para meu pai se referindo a minha mãe.

Os dois ficaram em silêncio por um longo tempo. Queria ouvir o que eles diriam, mas eles não disseram mais nada. Subi as escadas para não ser pego espionando. Confesso que fiquei abismado com aquela conversa. O que estava acontecendo que eu não sabia? Tentei esquecer esse assunto por hora. Tinha que me arrumar para ir ao trabalho.

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