Dia ao seu lado #04
Parte da série Paixão ao desconhecido
Ah que maldita. Maldita Olivia.
Ela me pegou em um momento fraco, eu estava distraído. Não era justo ela ter me apresentado ele naquele momento.
Eu caminhei pra sala, fiquei o tempo vago pensando como tinha sido pego de surpresa e não tinha como recuar na frente dele, como iria “enfrenta-lo” depois. Na minha escola tem uma sistema chamado pré-aula, um período antes do horário normal, cada turma tem seu horário de pré-aula, 3 vezes por semana que nunca são na mesma sala. Nesse dia eu não tinha pré e por isso fiquei com esse período vago, minutos antes de começar o horário normal eu caminhei pelo corredor até minha sala, passei em frente a porta de madeira com um quadro de vidro que permitia a pessoa que esta dentro ver o espaço fora e vice-versa, joguei a mochila ao meu lado e me apoiei em uma coluna de sustentação a uns 3 metros em diagonal da porta o que permitia eu ver de modo amplo toda a sala.
Comecei a observar a sala, reconheci alguns rostos amigos e inimigos que fiz na escola anterior – quase todo mundo da escola anterior estava naquele prédio, fiz alguns acenos como forma de cumprimento, logo encontrei Olivia sentada sorrindo enquanto apontava para sua direita – ou minha esquerda do meu ponto de vista. Segui os olhos para o lado que ela apontava, passei alguns outros rostos até encontrar ele.
Ele parecia concentrado, não parecia se afetar pela bagunça e o barulho que a sala fazia. Estava com uma camisa branca de manga longa bem justa junto de uma calça jean, tinha seus cabelos castanhos ondulados coberto de gel que brilhavam na luz das lâmpadas. Acho que ele sentiu que estava sendo observado e virou os olhos para mim. Vi seu olhos brilharem me observando e se chocando com meu olhar.
Então um longínquo sinal tocou e me despertou, recuei e o vi levantar junto do material para sair e trocar de sala. Minha turma já fazia fila, como era uma escola boa que oferecia um bom estudo e a demanda de uma vaga lá já pelas poucas escolas de ensino médio na cidade, superlotação era normal e era preciso entrar na sala rapidamente para pegar um lugar ao menos. Vi ele saindo e nossos olhares se chocando, ele sorriu e acenou quando continuou para sua sala. Segui ele com os olhos até sumir de vista.
- Vocês dois sentam até no mesmo lugar – Olivia disse atrás de mim. – Que fofinhos.
Olhei para ela, tinha um pouco de raiva, mas satisfação já que se não fosse por ela, nem teria falado com ele.
- Vai se fuder – respondi enquanto entrava na sala.
Joguei a mochila no chão e me sentei na carteira. O professor de química logo entrou, falava lentamente e baixo que logo levava a turma ao sono, mesmo precisando de nota não prestei atenção. Pensava qual era a probabilidade de dar certo?
Joguei o corpo para tras até a cadeira bater na carteira seguinte, fechei os olhos e imaginava. Já era vergonhoso eu não ter reconhecido meu melhor amigo após alguns anos e ele sim, agora era mais vergonhoso ainda eu enfrentar ele.
- “Eai. Lembra de mim? Eu não lembro de você, mas gosto de tu.” – pensei no próximo momento que a gente se falasse novamente.
- Pensativo? – Laura pergunta na carteira de trás.
Abri os olhos e lá estava ela, dessa vez estava com os seus óculos de lente retangular já que havia perdido as lentes de contato e lendo um livro qualquer de Shakespeare. Desde que ela resmungou do segredinho entre eu e a Olivia, não havia me dirigido uma palavra, me surpreendia ela ter falado agora.
- Não está mais nervosa? – me endireitei na cadeira e me virei.
- Um pouco – ela fechou o livro. – Vai falar o que estão escondendo?
- Nunca.
A expressão gentil do seu rosto mudou, começou a resmungar por uns 2 minutos até se cansar, pegou a garrafa de agua que sempre trazia para encher na escola – segundo ela a agua era grátis e ela fazia o que bem entender, bebeu um longo gole e suspirou.
- Ok – ela disse já mais calma.
- Acabou a revolta?
- Sim, acabou.
- Você tá revoltada por que eu estou passando mais tempo com a Olivia do que você?
- Não – ela engoliu seco – mas tipo...
- “Surpresa” – pensei – “Qual seu argumento agora?”
Ela parou e não continuou a frase, ela pegou o livro novamente e olhou para mim. Já estava com raiva, seus olhos pareciam arder de raiva.
- Foda-se – resmungou novamente.
Foram mais duas tediosas aulas até o intervalo. Foi nessas aulas que eu comecei a escrever esse conto, eu precisava aliviar a tensão e foi quando fiz o primeiro esboço dá história, mas acho que isso não vem ao caso. Então novamente o longínquo sinal tocou mostrado a nossa libertação por 20 minutos.
Sai rapidamente da sala e corri pelo corredor, tinha que falar com a Olivia, tinha decido não falar como ele, ignorar tudo e seguir em frente. Meio improvável já que eu nunca consigo deixar nada pra trás, não consigo seguir em frente até resolver o que tenho pendente.
Vi Olivia ao fundo, ela parecia me esperar. Acho que ia falar algo, se desculpar ou algo assim, mas então o vi ao lado dela. Ele parecia me esperar também, tinha um olhar ansioso e nervoso. Parei de correr e comecei a caminhar, tinha que ganhar tempo, podia desistir e sair correndo, fingir que cai e torci o pé, ir pra enfermaria e depois embora. É podia dar certo.
Tarde de mais, já estava a uns 3 metros dele.
Me aproximei mais e mais, parei em frente dele. Éramos da mesma altura o que permitia fita-lo nos olhos. Não sei se ele estava tão nervoso quanto eu, mas garanto que eu estava mais já que ele estava revendo um antigo amigo e eu revendo meu antigo amigo e talvez futuro namorado. Se alguém pudesse ler minha mente e ver o que eu estava pensando no momento, correria sem rumo por umas 7 horas.
- Vejo que vocês tem muito que conversar – Olivia dizia sorrindo.
- Te odeio – sussurrei.
Ele ignorou o comentário e se despediu de nós dois, seguiu junto de Laura que esperava ela raivosa e outros amigos.
Eu estava muito ferrado.
Ele começou a caminhar e eu continuei ali, parado, atordoado, perdido. O que eu ia falar, como ia agir, será que dava tempo de fingir um infarto.
- Você vai? – ele disse me despertando.
“Ok” pensei “Calma. Sorria, acene e torça para que ele não pergunte nada”
- Vou sim.
Caminhamos sem rumo. Não tinha o que falar, não tinha como falar, era inútil qualquer tentativo. Então ficamos andando em círculos praticamente.
- Como você me reconheceu? – forcei uma pergunta.
“Cala boca idiota”
- Cara, sinceramente eu não sei – ele respondeu. – Foi como uma sensação de já te ter visto, de conhecer você. Ai lembrei da época do ônibus e etc e associei tudo.
- Alias – continuou – Reconheci varias pessoas do ônibus além de você
“Muito motivador de sua parte”
- Hm... – concordei – Eu lembrei de você por pouco, a Olivia me ajudo nisso.
Percebi que ele agia normalmente, sem falar dos nossos “encontros” no ônibus e etc. Acho que ele não queria relacionar aquela troca de olhares com outras coisas. Acho que entenderam.
- Como ela te “ajudou” – questionou
“Bole uma resposta cérebro, rápido, não temos muito tempo”
- Besteira, deixa pra lá.
- Você ainda mora lá perto do mercado na avenida? – continuei
- Não, me mudei. Subi um pouco mais e to morando atrás do posto de saúde lá em cima.
“Aff, perto de casa. Que maldade”
- Tu tá pegando que ônibus pra vim – perguntei inocente como se eu não soubesse.
“Eu pesquisei sua vida. Não minta para mim”
- Cara, o que passar primeiro. Mas sempre é o (...), ele é o único que dá tempo de chegar até aqui.
Era o mesmo que eu pegava, mas isso só quando tinha preguiça de andar ou tava atrasado já que o ponto era perto de casa. Pra ir pra escola eu subo até uma rodovia perto de casa e pego lá que é mais vazio e não passa no centro urbano.
- Vou pegar o (...) pra voltar – ele disse – Cê vai nele?
Assenti enquanto o agudo e estridente sinal soava no teto. Tinham se passado os 20 minutos de sua companhia.
- Me espera na saída – concluiu e encerrou nossa conversa.
Caminhamos lentamente para sala, ainda tinha outras 3 aulas para suportar.
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- Você vai esperar ele né? – Olivia disse
Assenti. Eu estava na frente da sala dela, ele ainda estava lá dentro terminado um trabalho. Olivia já teria ido embora, mas queria falar comigo desde o intervalo.
- Você sabe por que a Laura tá tão bolada daquele jeito? – perguntou
- Acho que é por que eu tô passando mais tempo com você do que ela.
- Aff, nada haver cara.
- Então por que tá tão preocupada?
- Por que ela é minha amiga pô.
Ela me disse que a Laura praticamente ignorou ela durante o intervalo, agia como se ela não estivesse ali. Notei que na sala ela também agia assim, raivosa, desprezando qualquer um.
- Não é mais fácil falar com ela – falei
- Ela vai negar tudo – disse. – Não é mais fácil a gente falar tudo pra ela?
Não, eu me recusava a fazer isso. Não que eu tivesse uma reputação a manter, mas também não quero criar uma.
- Nunca – retruquei. - Eu só contei para você por que você encheu o saco, agora xiu.
Ela fez um longo suspiro e se despediu. Ia perder o ônibus se não chegasse a tempo no ponto. Logo ela sumiu na esquina dos corredores em meio a escuridão.
Quando dei por mim, ele já estava ao meu lado. Já tinha levantado e esperava eu dizer algo. Recuei para trás um pouco surpreso.
- Que susto cara – falei abatido – Avisa da próxima vez.
- Viadinho se assustou é?
Eu ia perguntar como ele sabia, se a Olivia tinha contado algo, então percebi era um tom de deboche. Ele parecia um verdadeiro idiota.
- Anda logo – falei caminhando enquanto ele me seguia.
Saímos da escola e seguimos para o ponto, já estava escuro e caminhávamos em silencio. Não pronunciávamos uma palavra, logico que depois do susto eu estava com um pouco de raiva sim.
Quando chegamos perto do ponto pra atravessar a avenida eu vi a multidão que aguardava o ônibus. Eu não iria ficar ali, mas percebi que ele já ia atravessar a avenida.
- Você não vai pegar o ônibus ai? – perguntei.
- Claro que vou.
Cheguei perto dele e passei o braço por cima do seu ombro.
- Meu caro amigo – disse – Pense comigo.
- Todo ônibus tem um percurso certo – continuei. – E o percurso não tem só um ponto, ou no caso, só esse ponto. Pense comigo, claramente tem um ponto antes ou depois desse certo. Agora você prefere ficar nesse ponto com essa multidão e nem conseguir entrar no ônibus ao menos, isso se ele parar, ou andar um ponto antes que deve estar vazio onde você consegue entrar normalmente no ônibus e os motoristas param pra você?
- Me mostre o caminho – ele concluiu.
Seguimos caminhado pela avenida, eram uns 500 metros até o próximo ponto, ou seja, mais tempo com ele. Aquele nervosismo que eu tinha antes acabou que por passar, a companhia dele me fazia bem.
- E como você sabe tanto de ônibus assim? – ele perguntou quando chegamos no ponto vazio.
- Tenho meus segredos.
Logo o ônibus passou relativamente vazio para o horário. Entramos e nos sentamos, conversamos o trajeto todo. Aquela timidez que tivemos já não existia, agíamos com bons e velhos amigos. Logo descemos no ponto, ele ficaria de um lado da avenida e eu atravessaria para o outro.
Me despedi dele e segui para casa. Acho que ali terminava meu dia.