Ao completo desconhecido #2x01
Parte da série Paixão ao desconhecido
Fiquei cinco dias longe da escola. Foram três provas, dois trabalhos e sete brigas, uma entre professores. Um atestado pode resolver tudo mesmo.
Na sala eu só devia explicações para meu grupo de trabalho. Não havia visto Olivia ainda, nem mesmo Laura que devia estar ali na pré-aula, ao menos também não tinha visto ele. Uma parte de mim queria vê-lo, mas outra queria estar longe também, o jeito enfurecido que ele saiu no dia do acidente me deu medo.
Só sei que eu não vou atrás dele.
Na saída da pré-aula, no trajeto até minha sala, eu até o tinha visto. Era um dia frio, ele estava com a mesma aparência de quando o vi da primeira vez, um suéter verde sob uma camisa branca e uma calça moletom. Seus olhos negros me fitaram por alguns momentos, mas logo desviou o olhar.
Atrás dele vinha Olivia. Assim como ele, ela vinha um pouco ou muito enfurecida, mas dessa vez em minha direção. Logo me lançou a parede.
- Da próxima vez que você quiser se jogar na frente de um carro – ela disse – Deixa que eu mesmo faço isso.
- Ele falou né? – suspirei.
- Claro que falou. você é idiota? Todos nós ficamos preocupados, até ele ficou com medo também – respondeu. – Sabe o que eu acho? Que ele está aceitando isso melhor que você.
- O que ele falou nesse tempo que eu fiquei fora?
- Ele disse que só aconteceu isso. Que após o ônibus, você foi atravessar a rua e ele te empurrou e rolaram na grama. Quando não apareceu, ele perguntou sobre você, se tinha noticias ou algo a falar.
Relutei um pouco. Então provavelmente iriamos agir igual a quando nos encontramos mesmo, sem falar dos nossos desencontros no ônibus. Não iriamos mostrar ou contar o que fizemos além disso.
- Tem algo a sua defesa?
- Não.
Eu vou entrar no jogo dele. Vamos ver onde isso vai parar.
- Espero que saiba o que está fazendo.
- Só sei que a escolha é dele agora – respondi – Eu não vou até ele nem vou confronta-lo. Quero que ele decida, eu já decidi.
- Isso vai dar merda – ela disse.
- E já não deu desde o inicio.
- Garoto problemático.
Ela seguiu para sala sem antes prometer que não vai me deixar sozinho pra eu não fazer besteira de novo. O que eu estava fazendo também? Mas eu não tinha a intenção de entrar na frente de um carro, foi um acidente mesmo.
Quando encontrei Laura, ela fez o mesmo discurso que Olivia. Com uma pequena diferença que ela quase me matou na frente da sala.
- Pena que você não morreu no acidente, pois eu te mato agora.
- Obrigado pela sua consideração – respondi.
Logo comecei a contar o que havia acontecido, mas ela já sabia de tudo. Eu ia continuar do jeito que ele falava, agir normalmente.
O intervalo logo chegou. Eu meio que estava perdido, não sabia o que fazer, eu queria ir atrás dele, mas também queria estar ao seu lado. Não, eu disse que iria ser diferente e seria diferente.
Que ele venha até mim.
- Você não vai ficar ai esperando né? – Olivia perguntou.
- Vou, quero ver o que vai acontecer.
- Muito bem – ela suspirou – Então eu sei que você não contou tudo então.
- Contar o que? Ele já não falou?
- Rodrigo – ela insistiu – O que aconteceu ali.
Eu ia insistir nisso mesmo. Ia insistir nele? Eu lembrei do seu olhar naquele dia, seus olhos que emanavam raiva e instalaram o medo dentro de mim. Mas também lembrei do nosso momento descontraído no ônibus, na hora em que ele ficou meio magoado e enfurecido quando coloquei os fones e o magoei.
Os seus olhos atenciosos também, quando sentia ele me observando no ônibus. Queria ouvir sua voz de novo, queria sentir ele de novo.
Sim. Eu ia insistir nisso.
- O que aconteceu foi o que eu te falei e o que ele já falou.
Eu ia continuar. Mas de forma diferente, dessa vez era um problema meu e eu não iria envolver Olivia nisso. Eu podia lidar com isso sozinho.
- Agora isso é um problema pessoal – continuei.
- Garoto chato. Você não pode fazer tudo sozinho.
- Eu concordo com ela – Laura disse quando chegou até nós – Você sabe que isso não vai dar certo. E acho que falo por nós duas quando digo que não vamos te deixar sozinho.
- Está tudo bem – respondi – Não vou envolver vocês duas nisso, é um problema meu, somente eu e ele. Posso cuidar disso.
- Você é um idiota mesmo – Laura disse – Está recusando suas próprias amigas.
- O problema é meu. Eu que estou apaixonado, eu que estou me fudendo nessa história toda, sou eu que tenho que lidar com isso tudo então.
- Mas foi você que quase morreu por causa dessa paixão inútil. Você precisa de nós.
- Não – Olivia disse – Deixa ele, é a escolha dele e eu respeito isso.
Vi o inicio de algumas lagrimas em seus olhos. Do que adiantava mudar se eu ia perder elas, mas não vou voltar atrás. Olivia saiu calmamente, em passos singelos e simples, mas sem olhar pra trás. Laura seguiu o mesmo caminho, mas me fuzilando com os olhos.
Eu estou rejeitando minhas duas amigas. Sou um idiota mesmo.
Espero que tudo isso vá valer apena.
Esperei ele o intervalo todo. Acho que ele havia feito a escolha dele então. O resto do dia eu também não vi seus olhos, não ouvi sua voz, não tive o prazer de estar ao seu lado. Eu ia mesmo continuar?
O ônibus veio lotado como de costume. Parte de mim buscava ele em meio a multidão e tentar algo, outra parte queria ir até Olivia e Laura e me desculpar.
Eu era um idiota mesmo.
Entrei no ônibus um ponto antes como sempre. Queria chegar rápido em casa, por isso entrei no primeiro que veio e somente me acomodei naquela parte da vaga do cadeirante, coloquei os fones e tentei esquecer onde estava e por que estava.
Quando o ônibus parou no ponto da escola mesmo, ignorei o fato que agora o ônibus ia ficar barulhento e agitado, não queria ver o que estava acontecendo. Mas logo ele entrou também, pareceu não me notar, estaria me ignorando? Ele me confrontou, olhei seus olhos e encontrei o mesmo olhar daquele dia que nos vimos.
Encontrei alguém que conhecia, mas que não me lembrava. Ele estava diferente também, acho que ignorava o fato de que havia alguém apaixonado por ele e continuou sua vida. Era como se não nos conhecêssemos novamente, mas dessa vez seus olhos não pareciam tentar me decifrar e descobrir que eu era. Mas também vi desprezo em seus olhos, desprezo por mim e por tudo que acontecia. Ele seguiu reto me ignorando, não olhou para trás ou hesitou, apenas seguiu seu caminho.
E eu não podia aceitar que isso tudo iria acontecer, não ia somente assentir.
Eu baixei a cabeça e fechei os olhos, queria manter as lembranças boas que tinha dele, de quando nada disso tinha acontecido. Quando éramos amigos ainda.
De grandes amigos a completos desconhecidos.