1. Lembranças Imperiais
Parte da série Uma Aflição Imperial
"Quando está escuro e ninguém te ouve, quando chega a noite e você pode chorar há uma luz no túnel dos desesperados, há um cais de porto pra quem precisa chegar"
As lágrimas corriam pelo meu rosto inchado sem pausas para intervalo, nascidas no canto dos olhos, desfalecidas nos meus lábios rosados. Eu olhava frio e analiticamente para o meu passado, ainda tentando identificar o erro.
(...)
— O que foi aquilo na classe? — Leonardo bradou me olhando furiosamente, a possessão e o ódio alastrando-se pelo olhar negro e implacável do meu namorado. Ele estava possesso de raiva, de ciúme.
—Não sei... — Falei da forma mais cínica que eu pude — Aquilo o que?
— Não brinque comigo, Eduardo! — A voz do meu namorado soou ainda mais furiosa, e eu soube que não era um bom momento para começar com as provocações — Não quero que você dê liberdade para aquele bastardo filho da puta!
Eu e Leonardo namorávamos a três meses. Nós frequentamos a mesma faculdade, e por isso o nosso namoro era mantido em segredo. Ele não queria perder o emprego de professor na melhor faculdade do país, e eu não queria perder a minha bolsa de estudos integral que a minha excelência acadêmica me proporcionou.
Hoje pela manhã um aluno transferido de outra unidade entrou na minha classe, e claramente deu em cima de mim, para que toda a classe pudesse ver. Leonardo ficou furioso e se transformou em um ser impiedoso. Logo meu namorado arranjou um jeito de fazer com que o novato saísse da sala durante aquela aula.
— Não dei liberdade alguma a ele! — Me defendi — Ele se atirou em mim sem escrúpulos nem sequer vergonhaz. Eu não tive culpa, e você sabe disso.
Leonardo andava pela sala de um lado para o outro, mas parou para me olhar por uns poucos e torturantes minutos. Seu olhar deixou que a ira se esvair, dissipando-se lentamente dos seus olhos e da sua respiração pesada. Ele sabia que eu tinha razão, e como professor de filosofia, Leonardo se condenava à cadeira elétrica sempre que agia de acordo com os seus sentimentos momentâneos e instintos, "como um animal", ele costumava dizer.
— Eu odeio esse seu dom. — Leonardo disse respirando fundo e umedecendo os lábios — Sério, odeio de verdade.
— Que dom? — Fiz minha melhor cara de santo, que teria saído perfeita se eu não estivesse rindo da minha capacidade ridícula de não saber atuar.
— Você me faz perder o controle, faz eu me sentir um animal irracional. — Houve uma pausa bem sugestiva — E você sabe que só tem um lugar onde eu gosto de agir como um animal.
Eu corei e sorri.
— Eu quase perdi o meu emprego por sua causa, o meu consciente tava apanhando feio do meu lado predador, eu queria atacar aquele garoto, queria o crucificar e depois queimar o corpo junto com o lixo hospitalar da faculdade.
Abri um sorriso largo que desapareceu segundos depois ao ver a raiva consumir os olhos do meu namorado novamente. Ele andou ferozmente em minha direção e agarrou a minha cintura com força e me puxou para mais perto, fazendo com que os nossos corpos se chocassem. Eu já podia sentir as faíscas saindo de nossos corpos e nos incendiando.
— Você é meu. — Leonardo declarou com clareza possessiva na voz, e ele tinha razão — Meu e de mais ninguém.
— Seu, só seu. — Concordei segundos antes dos lábios de Leonardo se chocarem agressivamente com os meus, me tirando aos todo o oxigênio dos meus pulmões.
— Eu amo você... — Leonardo sussurrou entre os beijos selvagens e tirou a minha jaqueta de couro.
— Eu também te amo. — Falei ofegante ao separar nossos lábios para retomar o fôlego — Eu te amo muito.
Leonardo agarrou o meu cabelo e inclinou minha cabeça para trás, deixando meu pescoço exposto e indefeso. Eu amava quando ele fazia isso.
Senti os beijos desesperados de Leonardo no meu pescoço, descendo até a garganta e subindo até a boca, mordendo os meus lábios e a minha orelha, e novamente o meu pescoço, ora com beijos, ora com mordidas, ora com chupões.
Deixei que ele tirasse a minha camisa e virei de costas, deixando a minha nuca e as costas à disposição de Leonardo, que soube aproveitar os tributos que eu havia lhe dado. Ele beijava o meu pescoço e passava a mão no meu peito, corria até a minha barriga, apertava os meus quadris e ia vagarosamente com os dedos até a linha das minhas costas. Gemi ao sentir os dedos frios de Leonardo descerem pela linha das costas até o meu traseiro.
Era claro que aquilo acabaria na cama. Leonardo era insaciável e tinha um vício compulsivo por sexo. Eu também era insaciável, e tinha um vício ainda mais compulsivo por aquele homem.
(...)
"É uma noite longa pra uma vida curta, mas já não me importa, basta poder te ajudar. E são tantas marcas que já fazem parte do que eu sou agora, mais ainda sei me virar"
A voz melancólica, deprimente e perfeita da Maria Gadu cantava ao fundo enquanto a tv reprisava pela milésima vez o mesmo romance.
Meu nome é Eduardo Eduardo Bueno, tenho 19 anos e moro em São Paulo a pouco mais de um ano e meio. Eu morava em Alagoas, mas graças às minhas notas excelentes do ensino médio, eu fui convidado para cursar o ensino superior na melhor faculdade do país e de toda a América Latina.
Comecei minha graduação em Direitos no começo do ano passado, e desde então Leonardo leciona filosofia para a minha classe.
Leonardo sempre dizia que me paquerava desde o ano passado, mas na verdade ele só me chamou para sair nas férias de janeiro deste ano. Eu vim para São Paulo com plena certeza da escolha que eu fiz, de ser homossexual, e sair com o professor mais bonito da escola era uma tentação.
Olhei para a TV observei o casal de apaixonados se beijando. Apesar do filme ser reprisado sempre, aquela era a primera vez que eu senti medo desde os doze anos de idade.
(...)
— Você tem olhos lindos. — Leonardo disse com um sorriso maravilhoso estampado na cara, e mesmo depois de vários encontros dizendo essa mesma frase, eu corava, a ouvia como se fosse a primera vez e me derretia diante do seu doce falar e do seu leve sotaque paulista.
Leonardo era maravilhoso. Olhos negros e cabelo da mesma cor, boca avermelhada, não muito afastada do rosa e uma pele bronzeada, de quem frequentava a praia toda semana.
— Obrigado... - Falei tímido com o elogio proferido e olhei para o relógio de parede na torre da praça.
Era o segundo mês seguido que Leonardo e eu nos víamos. Nós nos encontrávamos toda sexta-feira e todos os finais de semana, isso quando não combinavamos de ir caminhar no parque ou tomar um sorvete no campus da universidade, como estávamos fazendo naquele momento.
— O qu vai fazer essa noite? — Leonardo sorriu tímido, mordendo os lábios delicadamente. Foi a primeira vez que ele sugeriu ou insinuou que queria passar a noite comigo.
— Vou estudar. — Respondi desanimado — Esta é a última semana de férias, e os professores são bem maldosos. Não quero ter nenhuma surpresa desagradável na semana que vem, preciso manter a média.
— Por isso eu gosto de você. — Leonardo declarou orgulhoso,me fazendo corar — Você é um gênio, é um ótimo aluno! Mas não vai fazer falta uma noite, e se fizer, podemos estudar juntos depois.
— Depois do que? — Perguntei rindo — Calma, eu e você? Estudarmos juntos? Não vejo motivo para você estudar.
— Sim, só porque eu sou professor não quer dizer que eu não tenho mais nada a aprender. Mas só depois do filme. — Ele disse rindo — É que eu já aluguei, e não queria ver sozinho.
— Tem medo de ver filmes de terror sozinho? — Zombei com um sorriso presunçoso no rosto.
— Tenho medo de ver filmes de romance sozinho.
(...)
Desliguei a TV ainda chorando, encerrando o filme romântico e idiota que passava nela. Agora eu entendia perfeitamente como era o medo de ver filmes de terror sem ninguém para vê-lo com você e para te abraçar enquanto a parte triste te faz chorar, e, ainda pior, não ter alguém que te protegesse das lágrimas, pois a única pessoa capaz de cessá-las, é justamente aquela quem as causou.
Sentei-me na cama encolhido e abracei as pernas com frio. Eu procurava no meu passado qualquer vestígio, qualquer coisa que possa explicar o por que do fim de algo tão bom.
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Espero que tenham gostado. Sei que ficou um pouco complicado de entender, mas só pra esclarecer, as cenas que o Eduardo está com o Leonardo são memórias, apenas lembranças. O namoro teve fim, e é sobre isso que vai falar essa série. É possível recomeçar quando a pessoa que você ama está presente em sua vida?
Cometem, obrigado por tudo.
Contato para email: lucbienutt@gmail.com