4 - DESABAFO

Conto de lunaluasoares como (Seguir)

Parte da série Série Desafios

A Dani está me dando um gelo há três dias. Não responde minhas mensagens, não atende minhas ligações e não as retorna, no prédio dela, não tenho mais permissão para entrar. Me sinto como se houvesse uma ordem de restrição a ela, como se eu fosse um criminoso, não precisava disso tudo, só queria conversar com calma.

Nesses três dias, refleti bastante sobre tudo que ando sentindo e resolvi me consultar com a psicóloga da empresa. Pedi a Júlia que marcasse uma hora com ela e hoje é o dia, mas não contei a meus amigos sobre minha decisão, nem contei sobre o término com Dani. Talvez eu conte depois da consulta... então vamos descobrir o que é isso tudo, como se eu não soubesse o que isso tudo é. Talvez eu precise de uma confirmação que o que eu sinto não é coisa da minha cabeça, mas do coração.

“Quando eu fiquei tão piegas?”

Cheguei meio acanhado em seu escritório, Dr. Luiza não gosta que chame de consultório.

- Boa tarde Fernando. Não se sinta intimidado, entre e sinta-se em casa! – Ela disse sorrindo.

- Bom dia Dr. Luiza... – Sorri sem mostrar os dentes. - Vai ser meio difícil me sentir em casa.

- Me chame de Luiza ou só de Lu... o "doutora" me envelhece. – Ela era nova, aparentemente bem nova e seu consultório, não parece um consultório, era como um escritório qualquer.

- Tudo bem Luiza. – Respirei fundo e me sentei em uma poltrona extremamente confortável e grande. – Não tem um divã? – Perguntei analisando a sala.

- Nada de divã... assim fica mais informal.

- Ok.. – Sorri. Estava muito nervoso. – Como isso vai funcionar?

- Bem... nós vamos conversar, conversar bastante, mas um papo descontraído. – Acho que ela percebeu minha tensão. – Vamos conversar sobre tudo, não precisa ter vergonha e nada do que você me disser, sairá daqui. Será nosso segredo ou nossos segredos. – Ela disse piscando um olho.

- Então eu me abro pra você, conto todos os meus segredos mais ocultos, tudo que sinto e... – Pensei um pouco... – e você me fala o que há de errado comigo e o que fazer... e pronto?

- Não Fernando. – Ela disse com um sorriso largo. – Você já tem todas as respostas... só devem estar escondidas em algum lugar dentro de você... – Ela se ajeitou na poltrona, parecendo me analisar. – Não gosto de induzir meus pacientes, prefiro que eles se "entendam" sozinhos. Eu só estabeleço uma relação de confiança...

- Entendi... mas sabe, eu só quero a confirmação ou não sobre uma coisa... sobre um sentimento na verdade. – Disse meio apreensivo.

- Como eu disse, as respostas você já tem. Mas me conte o que te aflige.

- Bom, para início de conversa, eu me sinto meio inseguro e esse sentimento está me sufocando, está me deixando louco. Nesses últimos dias ele tem gritado, não consigo mais guardar dentro de mim, mas não sei se é real ou se é coisa da minha cabeça, tipo uma fixação [...]

A conversa com Luiza foi longa, nem percebi o tempo passar. Luiza me escutou atentamente, fazendo algumas perguntas em meio ao meu desabafo. Quando falei que guardava esse sentimento por mais de cinco anos, ela se assustou, mas confessou que já ouviu casos parecidos, com mais tempo inclusive.

- Você acha que um sentimento de anos pode não ser real? – Neguei com a cabeça. – Então, fale sobre essa pessoa, como tudo começou, como se conheceram e essas coisas... mas fale principalmente sobre o que você sente, tente expor seus sentimentos em relação a ela.

- Bom, crescemos juntos, nossos pais eram amigos e até fundaram essa empresa juntos, seu pai também faleceu, pouco antes dos meus pais. Quando éramos crianças eu o tinha como um irmão, éramos cúmplices, sempre protegendo um ao outro, sempre nos ajudando. – Pude sentir um nó na minha garganta se formar ao lembrar dessa fase da infância. – Não nos víamos todos os dias, mas não fazia diferença, só que seus pais resolveram se mudar para o interior da Bahia e acabamos nos afastando muito, ainda nos falávamos, mas não era a mesma coisa, ele estava diferente, eu só não sabia muito bem como, quando ele retornou para entrar na faculdade, eu dei a ideia de ele ir morar comigo, já que eu morava sozinho e ele foi, então fui percebendo aos poucos como ele havia mudado, não era mais tão tímido como antes, mas era bem fechado, principalmente com sua vida pessoal. Nossa amizade mudou, ele não era mais meu irmão, era meu amigo. – Pensei por alguns minutos, sobre esse tempo e Luiza me escutava pacientemente. – Depois de quase dois anos, percebi que o que eu sentia não era mais só amizade. Eu me pegava pensando nele ou observando suas atitudes, memorizei cada paranoia dele, cada mania e isso era involuntário. – Limpei minha garganta antes de continuar, ainda estava meio incomodado. – Mas eu não queria sentir isso, eu achava que era só uma admiração por ele ser tão forte, ainda acho ou sei lá... enfim, ele é uma pessoa maravilha, irritante às vezes, mas ainda assim bom. É generoso, leal, possui uma confiança em si mesmo que eu admiro muito. Ele é simples, não se importa muito com essas coisas materiais, vez ou outra ele dá uma escapada da cidade, curte essas coisas de natureza, sabe?! – Ela fez que sim, não que fosse uma pergunta que precisasse de resposta. – Às vezes nos desentendemos, temos uma personalidade difícil e ele também não facilita nada, sempre diz estar certo, nunca vi um cara mais cabeça dura, além de adorar fazer provocações é dono de um humor ácido, mas por mais implicante que seja, ele é aquele tipo de pessoa que sempre estará lá para te ajudar, independente da situação, mas dirá: “eu te avisei”, odeia injustiça, por isso resolveu fazer direito, ele é advogado, e assim como eu, gosta de observar suas coisas de perto, de modo que tudo saia como ele planejou. Consegue ser intenso e calmo ao mesmo tempo. É meio misterioso, sinto que não sei tudo a seu respeito... – Fiquei procurando o que mais dizer, mas palavras não eram mais suficiente. – Sabe Luiza, eu não tenho mais o que dizer, além de sua beleza. – Ela sorriu. – Porque cara, a beleza dele é absurda, assim como seu humor... se bem que esse humor dele, faz ser quem ele é.

Eu precisava falar tudo isso sobre ele?

- ELE... – Ela disse pensativa e foi aí que eu percebi que eu disse ELE. – Sabia que seus olhos brilham quando fala dele? – Balancei a cabeça negando, mas não pude deixar de sorrir. – Você acha que reprime tudo que sente por ser ELE?

- Não... – Disse balançando a cabeça, meio nervoso. – Não por ser ele, homem, mas por ser ELE. – Ela balançou a cabeça positivamente, parecendo me entender. – É uma amizade de anos Luiza...

- Sabe Fernando, não sou tão velha, mas tenho uma boa experiência e já vi pessoas serem correspondidas por seus melhores amigos ou amigas. – Ela parecia feliz.

- É complicado... – Disse coçando a cabeça.

- Às vezes, nós é que complicamos. E como eu disse, você primeiro precisa aceitar o que você sente e do modo que você falou dele agora, seus olhos, suas expressões, eram puro sentimento, paixão ou amor... esse sentimento não vai sumir e você sabe. – Concordei com a cabeça. – Além disso, se você continuar se sufocando, não vai conseguir se relacionar com outra pessoa.

- É... eu estava em um relacionamento, que acabou há poucos dias, justamente por isso. – Ela pareceu surpresa e falei sobre o meu namoro com a Dani, sobre meus sentimentos por ela, como era nossa relação e tudo mais.

Então ela reafirmou que meus relacionamentos futuros estariam fadados ao fracasso e que eu não poderia ser sincero em relação aos meus sentimentos por outra pessoa, se não fosse sincero comigo mesmo.

Fiquei perplexo, sem reação, Luiza tinha razão. Como eu poderia ser sincero com alguém, se nem conseguia ser sincero comigo mesmo? Ficamos em silêncio constrangedor por algum tempo, eu estava meio envergonhado por isso.

- Olha, acredito que nossa conversa irá te ajudar, percebi que o fato da pessoa por quem você sente tudo isso ser homem, para você não é relevante e sim por ser um amigo muito próximo e isso é muito bom, você não tem nenhum tipo de preconceito, então repito mais uma vez, aceite seus sentimentos... por hoje já foi muita informação. Se dê o luxo de sentir tudo isso, se permita Fernando e não se martirize. – Ela veio em minha direção, me estendendo a mão. Me levantei e ela me abraçou, minhas lágrimas não me obedeceram e caíram. – Não me veja como sua médica, pode me ver como uma amiga, venha conversar quando quiser. – Seu abraço era tão acolhedor e me passou um certo conforto.

- Obrigado Luiza. Primeira vez que consigo falar sobre isso com alguém. – Nos despedimos e sai de sua sala.

O tempo pareceu passar tão rápido enquanto estive com Luiza, que não me dei conta que foram horas conversando, quer dizer, alguns minutos de silêncio também. Mas me sinto leve, ainda não sei bem o que vou fazer, mas me sinto leve e preciso definitivamente conversar com a Dani, pedir desculpas por tudo.

Ao chegar no elevador, peguei meu celular para conferir se havia alguma coisa importante. Havia algumas mensagens e chamadas perdidas do Enrico e do Davi, me convidando para ir em um barzinho, então retornei à ligação.

“- Fala Fernandão...

- E aí Rico, ainda estão no barzinho?

- Claro irmão. Vem pra cá!

- Quinze minutos chego aí. Valeu!

- Beleza cara. O Davi disse pra você não se perder no meio do caminho, com sua cabeça flutuando. – Pude ouvi as risadas dele ao fundo.

- Claro, o Davi tinha que falar alguma coisa. Estou indo.”

Seria um atentado se Davi não fizesse nenhuma piadinha, ele nunca perdia a chance.

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Cheguei no barzinho em menos de quinze minutos, eles já haviam bebido algumas cervejas. Ver ele ali, me fez sentir um frio na barriga. Parece que depois que desabafei meus sentimentos afloraram.

- Onde você estava cara? – Davi perguntou assim que me aproximei da mesa em que estavam. – Te ligamos algumas vezes e nada... – Ele fez uma expressão estranha ao me olhar nos olhos.

“Ele sempre foi bonito desse jeito?”

- Estava resolvendo alguns assuntos.

- Quais assuntos? – Enrico perguntou curioso, mas antes que eu pudesse responder, Davi falou algo.

- Você está bem? – Fiz que sim. – Parece que estava chorando... seus olhos estão vermelhos. – Ele era um ótimo observador.

- Fui conversar com a Luiza... – Não respondi sobre meus olhos vermelhos.

- Você está traindo a Dani? – Davi perguntou surpreso.

- Claro que não cabeção. – Eu ri e me sentei. – Mas não estamos mais juntos... – Os dois me olharam de olhos arregalados.

- Como não? – Perguntaram quase ao mesmo tempo.

Então contei sobre nossa conversa há três dias atrás. Sobre como uma coisa levou a outra. Davi parecia aliviado, não sei se aliviado é a palavra, mas estava com uma expressão leve, enquanto Enrico parecia irritado, mas os dois me passaram um sermão.

- E quem é Luiza? – Eles perguntaram juntos e eu ri.

- Luiza é a psicóloga da empresa. Fui conversar com ela hoje sobre o que anda acontecendo comigo.

- E como foi lá? – Davi perguntou, parecendo preocupado.

- Foi bom, eu acho. Ela procurou me deixar a vontade e também concordou que o melhor foi a Dani terminar comigo...

Antes que eu pudesse concluir meus pensamentos, eles já faziam outra pergunta.

- Como assim?

- Ela disse que estou me engando demais e que devo aceitar meus sentimentos. Que não posso ser sincero em relação ao que sinto por outra pessoa, sem ser sincero comigo mesmo... mas não quero falar sobre meus sentimentos, não agora pelo menos.

- Ok... mas quando quiser falar sobre o que sente, estarei aqui para ouvir. – Disse Davi, me olhando nos olhos em um tom calmo e meu coração deu um salto, era como se ele soubesse sobre meus sentimentos.

- ESTAREMOS aqui. – Corrigiu Enrico. – Somos seus melhores amigos Fernando, pode confiar na gente. E não entendo esse seu medo em relação aos sentimentos. Amar é bom demais cara... – Comecei a sorrir.

- Falou o cara que foi largado pela mulher que amava. – Dei uma alfinetada.

- Cala a boca Fernando, agora você também é um largado. – Enrico sorria. – E eu esperava uma piadinha vindo do Davi, não de você.

- Nossa Enrico, que consideração cara... – Disse Davi sério. – Mas você é mais trouxa, você vivia dizendo que amava a Luana, pelo menos o Fernando não amava a Dani.

- Você pediu uma piadinha do Davi... receba. – Eu disse sorrindo.

- Ha, ha... que graça você dois. – Ele apontou pra mim. – E você Fernando, anda passando muito tempo com o Davi, tá pegando a doença dele.

- Não sou dente, sou bem-humorado. – Davi deu soco de leve em seu braço. – Admita que seus dias são sem graça quando não faço uma piadinha... – Davi provocava.

- Você não é assim tão engraçado Davi. Me erra. – Enrico disse sério. – Mas mudando de assunto, depois a gente retorna de onde paramos... estava pensando no meu aniversário, queria fazer uma festa.

- Então faz. – Disse Davi. – Mas seu aniversário é daqui a quase dois meses. Pra que essa pressa?

- Gosto de planejar as coisas Davi. Pode ser na sua casa? – Ele disse olhando pra mim. – Quer dizer, na casa dos seus pais?

- Claro que pode. – Respondi.

- Ahhh vai ser um festão. – Ele disse animado. – Mas só para os amigos.

- Você é a pessoa mais cheia de amigos que eu conheço. – Davi brincou. – Vai ser no mínimo umas mil pessoas...

- Exagerado você. – Enrico respondeu. – Se encher muito meu saco, não coloco seu nome na lista.

- Sou convidado vip Enrico. Minha presença é crucial. – Davi disse sorrindo.

- A propósito senhor crucial, você e Fernando me ajudarão na organização. – Protestamos sobre isso, mas não deu em nada. A organização é nossa.

Estava com um certo receio em me abrir para os dois, mesmo sendo meus melhores amigos, pensei que fossem me julgar, tá que eles me julgaram um pouco, mas me deram apoio e era o que eu estava precisando. E tá que não contei toda a verdade, mas não poderia fazer isso, principalmente para o Davi... porque né?! Enfim...

O resto da semana passou tranquilamente, ainda sem notícias da Dani, isso me deixava aflito. Queria saber como ela estava, mas ela ainda me ignorava. Talvez ela só precisasse de tempo.

Passei o fim de semana em casa, tentando por meus pensamentos em ordem.

A Luiza tinha razão, quando disse eu estava com medo dos meus sentimentos... eu realmente estava. Mas como eu iria coloca-los para fora assim do nada?! Não era uma boa ideia e eles poderiam ser só coisa da minha cabeça, aqui estou eu novamente negando tudo o que sinto. Apesar de que, uma coisa de anos não poderia ser coisa da minha cabeça e sempre que penso sobre isso sinto um frio na barriga, como quando você está prestes a fazer algo estúpido ou errado ou quando você gosta de alguém. E era esse o meu medo, gostar de alguém, gostar desse alguém... porque não parecia o certo. Não por ser ELE, mas pela pessoa em si.

Na terça-feira por volta das 16:00 horas, ao chegar em casa, me deparo com a Dani, sentada no sofá. Fiquei com um certo medo, ela aparecer aqui depois de dias sem se manifestar, era um tanto assustador.

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