1 - MALDITA SENSAÇÃO

Conto de lunaluasoares como (Seguir)

Parte da série Série Desafios

Nunca fui um cara muito romântico, muito pelo contrário, sempre achei isso de romantismo meio ”ARGH”. Não sou do tipo grudento ou ciumento controlador, prezo a liberdade e o respeito acima de tudo. Acredito que as pessoas não precisam de outras pessoas para serem felizes, não me entenda mal, digo não precisar de uma forma dependente, acho que nós devemos ser o bastante para nós mesmos.

Tenho fama de “sem coração” entre meus amigos, mesmo namorando uma mulher incrível há alguns anos e sendo louco por ela, eles costumam dizer que não a mereço ou que deveria dar mais valor a ela. Segundo eles, não sou romântico o bastante, mas eu nunca fui.

- Ei Nando, rola aquele babinha hoje depois do trampo? – Enrico me pergunta, entrando na minha sala, estava de bobeira com os pés em cima da mesa.

- Claro cara, preciso relaxar um pouco. – Disse coçando a cabeça. Enrico é meu sócio e meu melhor amigo. Ele sabe quando tem algo errado.

- Qual é cara, aconteceu alguma coisa?

- Nada demais Rico, só o de sempre. – Me levantei da cadeira e fui até a janela do escritório observar a vista. Que por sinal é incrível, do 21º andar, você consegue ver a cidade do Rio de Janeiro como um espetáculo, principalmente ao pôr do sol.

- Já te disse para procurar ajuda cara. – Enrico andou até mim, repousando sua mão em meu ombro e me olhando com cara de preocupado.

- Não sou doido Rico, só sinto que fala alguma coisa.

- Você que sabe cara, mas isso já durou tempo demais. – Ele me olha com cara de decepção.

- Sei que psicólogo não é para quem é doido, mas não acho que eu tenha algum problema a ponto de precisar de um. – Eu falava mais para mim mesmo, do que para ele. Talvez tentando me convencer disso.

- Temos uma psicóloga na empresa, você mesmo a contratou...

- Eu sei Enrico. – Andei de volta para minha cadeira e fiquei mexendo nas canetas, pensando um pouco, enquanto Enrico continuava na janela. – Acredito que eu só precise de tempo... mais tempo.

- Já dei minha opinião de amigo. Talvez conversar com um profissional que entenda dessas coisas de “confusão” te ajude, porque eu e o Davi falhamos em te ajudar como amigos. – Ele dizia indo na direção da porta. – Pensa nisso. – Apenas afirmei com a cabeça.

Quando Enrico fica preocupado comigo sai alardeando e preocupando as pessoas ao redor. Daqui a pouco a Dani estaria preocupada, o Davi estaria preocupado e também a Lourdes, que é como minha segunda mãe.

●●●●

Fomos para o baba depois do expediente, era uma das minhas terapias, estar no campo, descontraído, livre de qualquer responsabilidade... mas não era meu dia bom, fico meio perdido quando sinto essa sensação estranha.

- Fernando porra, presta atenção na merda do jogo. – Davi chamava minha atenção, depois de ter perdido um gol praticamente dado. – Se não ajuda não atrapalha. – Era quase palpável sua raiva por mim.

- Foi mal cara, minha cabeça tá flutuando. – Disse enquanto passava a mão na cabeça. Sempre fazia isso quando ficava nervoso.

- Tô percebendo, melhor você ir pro banco.

- Davi... é só um jogo, pra relaxar cara. – Nós dois temos um certo problema temperamental. – Mas parece que pra você não está resolvendo muito, temos uma psicóloga na empresa... – Eu disse dando um leve tapinha em seu ombro, só pra provocar. Ele só me ignorou e saiu andando para o outro lado do campo. Enquanto Enrico me olhava tentando segurar o riso, ele dizia se divertir com nossas discussões.

O jogo continuou, mas eu realmente não estava bem.

Eu corria na direção da bola, minha atenção era só dela, queria chutá-la pro gol, mas acabei chutando a perna de um dos jogadores do time adversário, não me dei conta da proximidade do rapaz.

- Aaaai cacete. – O cara estava caído no chão, rolando de dor com a mão sobre a perna machucada.

- Cara me desculpa, não percebi que você estava tão perto. – Disse enquanto me abaixava para saber a gravidade da pancada.

- É Fernando, hoje não é seu dia... – Dizia Davi me provocando. – Eu disse para você ir pro banco. – Ele tinha um sorriso cínico nos lábios e era o que mais me irritava.

- Cala a boca Davi. – Me virei novamente pro cara caído. – Consegue ficar de pé? – Ele negou com a cabeça. – Vou te levar para o hospital.

- Véi, ele é nosso melhor jogador. – Dizia um dos seus colegas do time. – Você fez de propósito não foi? – Ele perguntou furioso.

- Tá maluco cara?! Não o percebi tão perto de mim... – Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Enrico se pôs entre a gente.

- Hoje a cabeça dele tá flutuando, da um desconto... – Davi continuava me enchendo. Às vezes eu acho que ele implica comigo de propósito, porque não tem condições.

- Ei gente, vamos relaxar. O campeonato está chegando, mas o Nando não estava bem desde cedo. – Enrico falava enquanto olhava pro cara. – Tenho certeza que não foi de propósito e o Davi também sabe... – Ele lançava um olhar reprovador na direção de Davi, que ainda tinha aquele sorriso cínico.

Esse campeonato era uma forma de arrecadar doações para ONG Lar Doce Lar, que cuidava de crianças abandonadas. Era uma competição entre algumas empresas do Rio e São Paulo. Eu jogava por esporte e para ajudar às crianças, mas alguns como esse cara que partiu pra cima de mim, eram bem competitivos e ignorantes.

- Será que vocês podem parar de discutir e me ajudar? – O cara chamava nossa atenção. – E João, está tudo bem. Só quero ir logo pra esse hospital, estou sentindo muita dor cara. – Reclamava o cara machucado. – Pode deixar que ele me leva para o hospital. – Ele disse olhando para mim.

- Não cara, vou me sentir melhor se te acompanhar. – Insisti. Ele negou. Insisti mais um pouco. Ele continuou negando, mas consigo ser bem convincente quando quero.

Peguei o cara no colo e fomos para o hospital no meu carro. Passamos o caminho todo em silêncio. Chegando logo na entrada providenciei uma cadeira de rodas, porque o cara não era tão leve assim.

Enquanto preenchia a ficha de atendimento na recepção, ele já esperava na emergência. Com toda essa confusão, me esqueci completamente da Dani, minha namorada, havia várias mensagens e chamadas perdidas, já devia estar louca comigo.

- Ei, aqui a ficha. Vou fazer uma ligação e já volto. – Lhe entreguei a ficha e fui ligar para a Dani, que com certeza estaria preocupada.

”- Amor, pensei que estivesse morto! – Disse gritando assim que atendeu a ligação.

- Nossa Dani, calma.

- Te liguei várias vezes, deixei umas mil mensagens e nada, até essa hora. Estou aqui no ap te esperando. – Ela falava sem interrupções. Brigando comigo. Quando ela ficava preocupada, soltava palavras sem respirar.

- Ei amor, respira... isso... estou bem, vou demorar um pouco para chegar em casa. Tive que trazer um colega no hospital, acabei machucando ele no baba... – Antes que pudesse continuar ela me interrompe.

- Mas você está bem? Quer que eu vá ficar com você?

- Não precisa querida, estou bem. Só vou ficar aqui até ele ser atendido, já, já, volto pra casa. Beijos...

- Tá bom, se cuida. Beijos”

Voltei para a emergência assim que terminei a ligação. Hugo ainda estava esperando. É... Hugo o nome dele.

- E aí nada? – Perguntei enquanto me sentava ao seu lado.

- O médico disse que vai me atender daqui uns 10 minutos. – Eu apontei para sua perna, que estava inchada, como se perguntasse se estava “tudo bem” e ele entendeu o gesto. – Uma enfermeira me deu um remédio para amenizar a dor. E você não precisa ficar aqui me esperando, sério.

- Claro que preciso. Vou me sentir mais culpado se não ficar.

O médico logo chamou seu nome. Fez alguns exames, raio-x e um monte de perguntas, parecia até o padre. Passamos várias horas naquele hospital, arquei com todas as despesas, é claro e fomos conversando enquanto o deixava em casa, que não era muito longe do hospital. Ficamos um tempo em silencia até ele começar a falar.

- Você não precisava ter pago por tudo. – Ele dizia. Ele sempre dizia que eu não precisava ter feito nada.

- Precisava sim. Foi minha culpa e eu não deveria ter jogado hoje. Me desculpa mais uma vez.

- Se você me pedir desculpa mais uma vez, juro que quebro sua perna para ficarmos quites. – Ele ria enquanto falava, confirmei com a cabeça e não tive como não rir junto. – Mas você...

– O interrompi antes que terminasse a frase.

- E se você falar que eu não precisava ter feito nada, te mato agora mesmo. – Pelo menos o cara tinha bom humor.

- Mas é sério... olha a hora, tarde pra caramba. – Ele falava apontando para o relógio que usava.

- Belo relógio. – Falei fazendo com que ele sorisse.

- Ha ha... Mas e aí, qual era o problema no jogo? – Fiquei em silêncio por alguns segundos. – Se quiser falar é claro. – Ele falava com ar curioso.

- Não sei. – Na verdade, eu acho que sei. – Esse é o problema. – Disse parecendo confuso, sem desviar o olhar da estrada. E ele fez que não entendeu, então tentei explicar de forma simples. – É que às vezes eu tenho a sensação de que falta alguma coisa na minha vida, que eu não sei o que é... e isso já dura anos... – Minha expressão era confusa, um misto de raiva e desespero. – E acaba me atrapalhando algumas vezes, como hoje, fico com a cabeça nas nuvens.

– Isso porque eu sou um covarde. Isso sim.

- É... não fui capaz de compreender. – Ele deu uma gargalhada e eu fechei a cara. – Desculpa... mas então, todo mundo tem suas confusões e dúvidas às vezes. – Ele tentava fazer com que eu me sentisse melhor.

- Tudo bem. Mas é diferente, sabe?! Não é qualquer coisa, essa sensação vem e vai quando ela quer... – Ele assentiu com a cabeça, talvez sem saber o que mais dizer ou por não ter me entendido. – Meu amigo acha que eu devo procurar a ajuda de um profissional. – Ficamos em silêncio por alguns segundos e voltei a falar. – Você já teve a sensação de sentir falta de algo ou não entender o que sente ou qualquer coisa do tipo?

- Sim. Mas consegui me resolver sozinho. – Ele falou pensativo. – Minha questão era só aceitar o que eu já sabia. – Ele falava olhando pela janela e eu só escutei tentando assimilar o que ele me dizia. – Mas esse amigo te conhece bem?

- Sim. Segundo ele... ele falhou em me ajudar como amigo.

- É, talvez não seja uma má ideia procurar ajuda. – Ele apontava para sua perna, achando graça de alguma coisa. – Eu que o diga... – Levei alguns segundos para entender, mas acabei rindo também.

- Me desculpa mais uma vez... – Ele me interrompeu antes que eu pudesse terminar.

- Ainda bem que já chegamos. Não suportaria mais suas desculpas – Ele disse rindo.

- Toma aqui meu cartão. Me liga se precisar de mais alguma coisa ou tiver mais despesas com os remédios. – Eu disse entregando meu cartão, enquanto ele saía do carro.

- Sabe que eu não vou te ligar... não sabe?! – Ele disse sorrindo. Ele sempre sorria.

- É, eu sei. Tchau e me desculpa mais uma vez.

- Tchau. E vai logo antes que eu quebre seu carro ao invés de quebrar sua perna. – Ele continuava sorrindo.

Assim que ele cruzou o portão, fui para casa. Já era madrugada, Dani com certeza já deveria estar dormindo.

●●●●

- Amooor... – Ela pulou em cima de mim assim que abri a porta, com um sorriso no rosto.

- Pensei que te encontraria dormindo. – Disse enquanto a abraçava. Sentir seu cheiro era tão bom e reconfortante.

- Não consegui, fiquei preocupada. – Ela dizia me beijando, ainda nos meus braços, com as pernas em volta da minha cintura.

- Estou morto e eu te disse que estava bem. – Ela desceu dos meus braços e me conduziu até o sofá.

- Fiz uma comidinha bem gostosa pra você. – Ela falava enquanto massageava meus ombros, me relaxando.

- Dani, você tem mãos maravilhosas... – Eu disse inclinando a cabeça para trás, para observar seu rosto. – Não só as mãos... – Dei uma piscada pra ela.

- Vai tomar um banho, enquanto esquento sua comida. – Ela dizia ao pé do meu ouvido, me causando arrepios. – Posso te fazer uma massagem... e depois a gente conversa sobre o que você está sentindo, tudo bem?! – Só assenti com a cabeça.

Me levantei do sofá e saí puxando-a comigo. – Vem comigo, só você sabe me dar um banho relaxante e estou sem fome... – Entramos na banheira e ficamos lá um bom tempo, que para mim pareceram horas, ela sabia fazer uma massagem como ninguém. Acabei dormindo como uma pedra naquela noite.

A Dani era realmente uma mulher incrível. Linda, parecia uma índia, olhos verdes e um sorriso encantador, que me deixava bobo, além de ser muito inteligente, criativa em todos os sentidos e o melhor, ela não me cobrava muita coisa, sabia que poderia confiar em mim, assim como eu confiava nela.

Nos conhecemos na faculdade. Ela fazia administração e eu fazia engenharia civil, turmas totalmente diferentes, mas a faculdade era a mesma e tínhamos colegas, que tinham amigos em comum, então às vezes nos encontrávamos durante os intervalos das aulas ou quando saíamos.

Nos tornamos amigos, ela dizia que queria um parceiro de festa, que topasse qualquer parada e era exatamente o que eu queria, alguém para ser parceiro. O Enrico estava namorando naquela época e o Davi era meio tímido, careta na verdade, então me restava ela e nos demos bem logo de cara.

De acordo o tempo foi passando, fomos ganhando a confiança um do outro, a intimidade, as pessoas começaram a nos ver como um casal e acabamos ficando. Estamos juntos há quase três anos, ela resistiu no começo, me conhecia muito bem, sabia da minha fama de “coração de gelo” e tinha medo de entrar nessa relação comigo, mas consegui conquistá-la e sempre fui sincero durante esses anos, sobre qualquer coisa. Não sei mentir e odeio guardar o que eu sinto para mim, talvez por isso essa sensação me persiga, estou mentindo para mim mesmo, tenho plena consciência disso ou não...

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