5. A Tempestade Sem Dor
Parte da série Depois da Tempestade
Sentei-me em minha
habitual carteira, ao lado
de Karina. Ela cheirava
bem.
Karina sorriu para mim, e
eu sorri de volta. Seus
olhos eram azuis, e seu
cabelo encaracolado estava
amarrado em um cóqui
meio descabelado. Os fios
de cabelo negro davam
contraste ao batom
exageradamente vermelho,
que não combinava nem
um pouco com o lápis de
olho preto. Ela usava
roupas largas, uma calça e
uma blusa moletom, dando
a impressão de que ela era
magrela e desproporcional.
Dei de ombros. Karina era
o tipo de garota agradável,
tinha um certo ar sexy,
mas não sabia como usá-lo.
Cheirava a Pur Blanca -
meu perfume favorito - e a
shampoo.
- Como você está? -
Perguntei meio sem jeito,
sem saber como puxar
assunto.
- Eu é que pergunto. -
Sussurrou em um tom
descontraído e sutil.
Sua voz era contagiante, e
fazia com que qualquer
um que a ouvisse se
encantasse com seu tom de
voz, um pouco fino de
mais.
- Estou bem, obrigado. -
Falei.
Ficamos em silêncio, e
Karina tirou o óculos para
limpar as lentes ao mesmo
tempo em que o sol
iluminou a sala, deixando
sua luz forte e suave
passar pelos estreitos das
cortinas brancas. Pude
perceber - ou foi só uma
alucinação - seus olhos
brilhando num verde água.
- Nossa... - Falei um tanto
maravilhado, mas deixando
transparecer um leve tom
de susto, ou algo parecido
com espanto.
Karina tratou de recolocar
os óculos rapidamente. Ela
me olhou tímida, suas
bochechas sardentas em
um tom rosado.
- Desculpe. - Foi só o que
consegui dizer.
- Tudo bem, normal. -
Rebateu e fechou a cara,
voltando para seu livro
extremamente grande.
(...)
O tempo passou
rapidamente, e pude
conhecer melhor Karina:
ela era descendente de
alemão, mas sua avó era
japonesa, o que resultou
em uma garota branca de
cabelos negros e olhos
levemente puxados para a
lateral, mas nada muito
associado ao japonês. O
óculos não tinha grau, era
apenas para descanso, mas
ela gostava dele, por isso o
usava sempre, e a
justificativa para as roupas
largas foi seu peso. Ela se
achava gorda, e as roupas
disfarçavam suas
gordurinhas a mais.
O sinal tocou, anunciando a
troca de aulas para o
último turno.
Peguei meus livros. A
próxima aula eu não teria
a companhia de Karina,
pois eu optei por espanhol,
e ela por inglês no curso
de línguas. Me despedi e
saí da sala.
Uma garoa fina caía do
lado de fora, fechando o
tempo e escurecendo o
céu, outrora recheado de
nuvens claras.
Entrei na sala seguido de
Jhon, e isso já estava me
irritando. Ele mais parecia
uma sombra do que um
protetor. Sentei-me na
cadeira à esquerda da
carteira dupla vazia na
primeira fileira de
carteiras, ao lado da
parede. Jhon se sentou no
assento direito da carteira
de trás, e rezei para que
ele parasse de agir de
forma tão estranha.
A aula arrastou-se,
deixando cada ponteiro do
relógio paralisado, como se
não se movessem.
No fim do dia, a garoa se
tranformara em uma
pequena tempestade.
- Quer que eu te leve? -
Perguntou Jhon, parando
ao meu lado.
- Não obrigado. A chuva
nem está tão forte. -
Expliquei, já decidindo que
esperaria papai sair da
reunião.
Mas na verdade a
tempestade parecia ficar
mais forte e perigosa a
cada segundo.
Dez minutos, vinte, e papai
ainda estava na reunião.
Olhei para Jhon perto da
porta, com a cabeça
apoiada nos joelhos.
- Pode me levar para casa?
- Perguntei.
Jhon sorriu.
- Não. É muito longe. Vou
te levar para a casa da
minha mãe, fica à poucas
quadras daqui. - Falou.
Assenti - inseguro -, não
muito confiante em Jhon.
Não que ele não fosse
digno de confiança - ele
não era - mas era me
arriscar ou esperar não sei
mais quanto tempo por
papai.
Assenti, decidindo me
arriscar em ir com Jhon.
Não que sair com ele fosse
perigoso, afinal, que mal
poderia acontecer? E
mesmo que fosse perigoso,
um magnetismo me
obrigava a seguir Jhon. Eu
o queria por perto. Eu
queria que ele me
protegesse, e queria
protege-lo.
(...)
Chegamos molhados em
sua casa - que era grande
e bem arejada - e Jhon me
ofereceu uma toalha. Ele
ria frenéticamente por
causa de um escorregão
que eu havia levado no
meio do caminho.
- Engraçado você. -
Ironizei.aceitando a toalha.
Jhon tirou a calça na
minha frente, mas logo
corou. Suas bochechas
ficaram vermelhas, e
combinavam perfeitamente
com os cabelos negros e
molhados caídos sobre sua
testa.
Ele saiu desfilando com
sua boxer azul à mostra -
e exibindo uma bela bunda
empinadinha e durinha - e
voltou vestido com uma
regata branca e um short
de dormir azul claro. Me
entregou algumas roupas,
e eu aceitei.
Uma calça moletom branca
e uma regata vermelha.
- Tem alguma de manga
comprida? - Pergunto,
temendo que ele pudesse
ver minhas cicatrizes. -
Está frio.
- Vou ver - Falou, e saiu
novamente.
Tirei os sapatos e joguei o
cabelo para trás, pois já
atrapalhavam minha visão.
Bocejei e avistei Jhon
retornar, com algumas
camisetas de manga
comprida.
Peguei a azul com a cara
do Kurt Cobain estampada,
e a frase "Ninguém morre
virgem, a vida fode com
todos nós".
- Gosta de Rock? -
Perguntei.
- Não. - Jhon rebateu - Mas
as frases e as lições que
eles nos ensinam são
incompensáveis.
Concordei.
- "Quem um dia irá dizer
que existe razão nas coisas
feitas pelo coração?" -
recitei um pedaço da
música Eduardo e Mônica,
e Jhon aprovou com um
sorriso torto e
desconcertante.
- Às vezes o coração nos
surpreende, e às vezes
somos nós quem
surpreendemos nosso
coração Thiago. Ele escolhe
um caminho, nós
escolhemos se vamos
trilha-lo ou não. - Thiago
sorriu meio deprimido,
nostálgico - o que acha de
tirar essa roupa antes de
pegar uma pneumonia?