Capitulo II: Sessenta e sete porcento.
Parte da série O homem esguio.
Capitulo II: Sessenta e sete porcento.
Acordei de manhã com muita dor de cabeça, e com os gritos da Eduarda na porta.
- Entra! – Respondi mal humorado.
Como na noite passada cai na cama como uma pedra, acabei nem fechando a porta.
- Dorniu bem? – Ela perguntou toda animada.
E eu apenas soltei um grunhido de infelicidade.
- Que isso Cleber levanta, cadê o aluno dedicado que conheci na ong?- Duda questionou ao mesmo tempo que sentava na beirada da cama.
-Em Osasco!- Respondi em meio a um bocejo. – Pera ai que vou passar uma água no corpo.-
Levantei cambaleando bêbado de sono até o banheiro. Mesmo sendo o primeiro dia em Araras, eu sábia que algo ruim estava por vir. Agora mesmo enquanto digito percebo o quanto gostaria de nunca ter vindo pra cá, mas algo que eu deixo bem claro, é que a curiosidade realmente mata. Sinto na pele, por que sei que simplesmente o que me observa no escuro, vai me pegar. Há alguns minutos ele estava na porta do banheiro. Mas agora esta de frente para cama, me observando estático. Estou me segurando para não chorar. Infelizmente não sei até quando aguento esse jogo doentio, em fingir que não o enxergo, quando mesmo no escuro da madrugada o vejo claramente.
Continuando, depois que sai do banheiro me troquei rapidamente, em menos de trinta minutos estávamos na rua. Em direção ao prédio.
-Chegamos! – Eduarda exclamou feliz como sempre.
O prédio estava todo inacabado, estava localizado entre um mercadinho e um salão de beleza. Lembro que cheguei perto da parede, ao lado da porta e observei que tinta que recobria toda extensão era de um azul marinho, mas com manchas de mofo por toda a parte.
Fiz cara de nojo.
- Eu sei.- Duda se pronunciou diante a minha cara de descontente.- Infelizmente cortaram nossa verba, e agora temos que nos virar.-
Eduarda abriu o desbotado portão branco que rangia irritantemente. Entramos pelo pequeno corredor que possuía várias outras portas. No chão haviam muitos pedaços de madeira e lixo jogados. No final do corredor possuia uma escada que dava para um banheiro e salão. Definitivamente aquele lugar era tão diferente da sede em que participei.
- Se você quiser, não é obrigado...- Ela começou a falar mas foi interrompida pela minha mão que foi em direção ao ombro dela.
- É claro que vou ajudar.-
Na verdade não estava tão seguro, muito pelo o contrário, tinha medo de não dar nada certo.
Felizmente nossa conversa foi cortada por um homem que chegou com um carrinho de mão cheio de ferramentas.
- Oi Wendel, tudo bem? - Eduarda disse o cumprimentando e me apresentando em seguida.
Na verdade eu já o conhecia, ele dava aula na ong como dançarino de hip hop. Nos cruzamos poucas vezes e falamos menos ainda.
Apertei a mão grande dele com um sorriso torto. Wendel era pouca coisa maior que a Eduarda, possuía a pele levemente rosada, cabelo castanho claro beirando o loiro e um corpo robusto. Mas diferente do que pensam, não possuia um ar intimidador.
Ele retribuiu com sorriso marcado pelo aparelho dentário.
- Dudinha, já arrumei o salão e quase todas as salas lá dentro, porém faltam as partes administrativas, a sala de desenho, e o exterior do prédio.- O maior comentou orgulhoso.
- Hum... ok- Eduarda falou visivelmente contente. – Vamos fazer assim, Cleber você fica na sala de desenhos e eu na parte administrativa.- Eu fiz um gesto positivo para ela. – E Wendel, leve o Cleber até a sala e depois vá adiantando a parte externa, e assim que terminarmos lá dentro te ajudaremos.-
organizou Eduarda se dirigindo à sala administrativa.
E assim foi feito. Como combinado, fui guiado pelo maior que me levou até a sala, mas sem antes fazer uma piada relacionada a mosquitos, ou algo do gênero. Após me deixar em frente a porta, que era a segunda do corredor, obtive outra crise de insegurança. Nunca havia restaurado nada.
Literalmente estava, ou melhor dizendo, estou perdido. Sempre tive várias oportunidades para sair dessa cidade e agora estou preso esperando minha sentença ser dada.
Entrei na sala, o cheiro de mofo subiu pelas minhas narinas, me senti enjoado. O lugar estava pior do que imaginava. Infiltração por toda parte, as paredes estavam praticamente todas cobertas com manchas gigantescas. E assim como no corredor havia muito entulho no chão.
Respirei fundo pela boca e decidi começar pelo básico que era a limpeza. Demorou umas três horas para conseguir retirar tudo aquilo, mas finalmente estava conseguindo.
- Cleber estamos indo almoçar! - A morena gritou do lado de fora do corredor.
-Já vou. - Respondi enquanto amontoava o restante de pó que ainda sobrava no chão.
Animado deixei o montinho do entulho no canto, e decidi que recolheria depois de comer. Meu estômago estava roncando. Corri em direção a porta. Não lembro se coloquei muita força no pé, ou se a madeira do chão estava podre. E em uma questão de segundos um buraco havia sido feito.
- Eae cara tud...- Wendel parou de falar após entrar na sala e ver o estado do chão. – Nossa man, você ta bem?
- Não...- Disse meio sem jeito, ao mesmo tempo que retirava meu pé do buraco. – Eu quebrei, desculpe.
- Você fala do buraco?- Ele apontou para cratera. – Imagina a verba é pouca, mas um pouco mais e vai dar para trocar o piso. - Quando terminou falar e eu acenei positivamente mostrando que havia entendido. – Tem certeza que está tudo bem?- Novamente acenei.- Certo, então vamos que a Duda já está no carro esperando.
...
Desculpa interromper o relato mas meu notebook alertou que a bateria chegou aos cinquenta porcento. Estou suando muito e me esforçando para parecer centrado. A cada minuto verifico se a internet voltou, mas estou desistindo e ocupando toda a minha atenção para relatar e prevenir, para qualquer um que ler, evitar e fugir do destino que me aguarda. Porque sei que no momento em que o notebook desligar não terá como eu fingir e terei que encará-lo de frente...