21. Psicose

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Proibido

Os passos começam a se afastar pra fora do quarto, então eu solto a respiração de forma pesada, fechando os olhos fortemente.

"Merda, merda, merda!" – eu exclamo em pensamento, sentindo meu corpo ainda tremer, elétrico. Gustavo precisa saber disso. Mas como eu poderia contar uma coisa dessas pra ele? Isso é algo tão pesado, tão inacreditável que eu honestamente não sei o que fazer.

Me arrasto até sair de debaixo da cama e me levanto, olhando atento para a porta e torcendo para que ele não resolva voltar e conseguir me pegar no flagrante. Por fim, guardo a caixa no lugar onde ela estava e saio daquele quarto, sentindo como se eu estivesse sendo sufocado enquanto eu não saísse dali.

Descendo as escadas, penso em alguma desculpa pra explicar a minha demora, quando de repente, descendo o último degrau e andando rápido até a porta da cozinha, acabo esbarrando em Diego, que parecia estar parado, me esperando, sabendo onde eu estava e que horas eu fugiria. Com o choque eu acabo colocando as mãos em seus braços e é só então que percebi que ele ainda está com o corpo molhado, vestindo apenas a sunga e me olhando intrigado.

- Diego, que susto!

- calma, parece que tá fugindo de alguém. – ele brinca, o brilho ardente em seus olhos.

- eu só me assustei com você no meio do caminho.

- entendi. Bom, o pessoal já tava perguntando por você lá fora. Vai indo, eu tenho que fazer uma coisa.

Uma coisa? Será que ele vai verificar se eu mexi ou descobri alguma coisa? Torço para que a caixa esteja exatamente na mesma posição que ela estava antes de eu descobri-la. Sorrio um tanto forçado e então saio de perto dele, percebendo que ele não é nem um pouco bobo.

"Ele percebeu que eu não estava no banheiro. Mas será que ele me viu em seu quarto?" – as indagações não param de me rondar, fazendo eu sair pra longe, caminhando no modo automático até chegar de volta na beira da piscina, agora com a mesa posta sob o toldo branco, mais ao longe. Vejo que todos estão sentados lá e caminho mais um pouco, até chegar na tenda.

- almoço ao ar livre? – eu pergunto, tentando parecer calmo.

- é, nossos almoços de domingo costumam ser aqui. – Ester responde, simpática. – você demorou.

- ah, é que eu...

- voltei! Um almoço especial merece uma bebida especial, certo? – Diego me interrompe, trazendo uma garrafa de Martini, e mesmo que ele não saiba, isso foi a melhor coisa que ele poderia ter feito.

- de onde você tirou isso?

- do meu frigobar. – ele diz, olhando pra mim e depois para Leona.

- é disso que eu to falando! – Rodolfo brinca, já sentado na ponta da mesa.

Ele então se junta aos outros, quase ao mesmo tempo que eu, enquanto Elsa termina de trazer as duas ultimas travessas de comida em uma bandeja de prata. Todos estão tão animados que felizmente não percebem minha insatisfação de estar ali, sentando perto de alguém tão nojento como Diego. O próprio irmão, droga! Isso é doentio!

- ah, Gus, depois eu tenho que te mostrar as fotos de ontem! Eu já postei no site, ficaram muito legais. – Leona diz, me tirando dos meus devaneios.

- quero ver também! E espero ter ficado elegante, ao lado de vocês.

- ah, isso com certeza, Diego. Você tem uma habilidade especial com fotos, certo? – eu rosno, a ironia palpável. Ele me olha com cara de quem não entende muito, então eu vejo que eles captaram a tensão no ar.

"Controla essa língua, Arthur. Deixa pra falar qualquer coisa sobre esse assunto apenas com Gustavo, em particular." – advirto para mim mesmo.

O restante do tempo em que ficamos na tenda foi relativamente agradável, para os outros, é claro. Como o que eu disse foi algo que ninguém entendeu, certamente acharam que eu devo ter me expressado errado, aí deixaram passar. No entanto, eu permaneço calado, apenas sorrindo e concordando com tudo o que eles debatem calorosamente, me fazendo ver que eles quase seriam a família perfeita, se eu não tivesse escondido essa sujeira escondida debaixo dos panos.

Depois de comermos, vamos para o interior da casa, onde Rodolfo, Gustavo e Diego assistem a uma corrida de fórmula 1 e comentam sobre a próxima corrida de motos estar perto, ao mesmo tempo que Leona, Ester e eu olhamos as fotos que Leona colocara em seu site. A irmã mais velha dos Lobo mostra em seu iPad os registros separados por seções; os bastidores do desfile, com as modelos se arrumando, fazendo a prova das roupas, capturas da passarela, tapete vermelho, e por ultimo, convidados durante a festa. Uma foto de Diego e Samuel percorre a tela, o que faz meu corpo arder.

"Será que ele vai imprimir e colocar junto com a sua pequena coleção?"

- eu já volto. – digo ao me levantar, andando pela sala e percebendo que Gustavo me olha, sem entender muito, enquanto eu caminho até a porta lateral do cômodo, saindo em uma parte do quintal que eu ainda não havia conhecido.

Ali, em meio a uma sacada feita com gesso trabalhado e rodeada de flores e plantas ornamentais, busco um pouco de calma, enquanto olho para o horizonte verde da extensa propriedade.

"Gustavo precisa saber disso. Mas como?"

Minhas indagações só me angustiam mais e mais, pouco antes de eu ouvir um barulho na porta e perceber que eu havia companhia.

- tá tudo bem? – ele pergunta, cauteloso.

- tá sim, só to um pouco indisposto.

- quer ir pra casa?

- eu não sei. – finalmente olho pra ele, me culpando por querer contar e não ter a coragem suficiente. Pelo menos, até agora.

- tem certeza que tá tudo bem? Depois que você voltou do banheiro ficou quieto. – ele me analisa, o cenho franzido.

- eu só... Droga.

- o que foi?

- vem comigo. – o puxo pela mão, entrando novamente na casa e atraindo os olhares de todos. Guio Gustavo pela escada até chegarmos em frente ao quarto de Diego, então eu paro, olhando pra porta, hesitante.

- o que foi?

- tem uma coisa que eu preciso te mostrar.

- no quarto do Diego? – ele questiona, desconfiado.

- eu sei que isso provavelmente não é da minha conta, ou é, porque eu sou seu namorado, mas não tem muito a ver com a gente e sim com você e ele.

Gustavo me olha como quem obviamente não havia entendido nada, então eu decido parar de tentar explicar e apenas mostrar. Ao entrarmos, caminho direto até o guarda roupa, colocando minha mão no puxador e sentindo meu estômago doer com a adrenalina. Ao abrir, porém, a caixa não está lá.

- mas o que? – eu exclamo, atordoado.

- o que foi?

- não tá aqui.

- o que? – Gustavo pede, já impaciente.

- havia uma caixa de fotos aqui. Estava aqui agora há pouco.

- e o que tem essa caixa?

- o que vocês estão fazendo aqui? – a voz de Diego atravessa o quarto e me causa um sobressalto.

- cadê a caixa, Diego?

- que caixa?

- a caixa que tava aqui nessa gaveta! – eu grito, enfurecido. Então, começo a olhar nas outras, parecendo estar perdendo a razão, quase entrando em desespero. Gustavo precisa ver isso, ele não pode ficar sem saber do que se passa.

- Arthur, para de mexer nas minhas coisas e explica direito que história é essa!

- explicar o que? Que você é um doente psicótico?

- Arthur, calma. – Gustavo intervém, já percebendo a tensão se agravando ainda mais.

- não, Gustavo. Eu vou embora. Não quero estragar a tarde de domingo da família perfeita. – eu abro as mãos, sentindo a droga das lágrimas querendo aparecer. Caminho até a porta e paro em frente a Diego, que me olha fingindo não entender nada.

- você... – eu aponto em seu peito, sentindo a raiva quase me rasgar de dentro pra fora, então eu fecho o punho e saio pelo corredor.

- Arthur, o que aconteceu? – Leona pergunta, me olhando descer as escadas, assustada. Eu passo direto pela sala, sem nem olhar pra ninguém, saindo pela porta da frente e batendo-a com força, ao mesmo tempo que caminho aos bufos até o carro e saio dali, rápido o bastante para transparecer meu desespero. Que droga toda foi essa? Que fotos são aquelas?

Esses pensamentos me assombram durante o caminho todo até em casa. À medida que me aproximo do meu bairro, percebo que o céu vai se fechando. Será que é pra combinar com meu humor?

Assim que eu chego, me sento um pouco no sofá para refrear meus nervos, enquanto massageio minhas têmporas, com o polegar e o dedo do meio, fechando os olhos e controlando a respiração. Nesse momento, enquanto os trovões anunciam chuva a caminho, sinto que eu preciso muito conversar com alguém. Seria o momento perfeito para ter Samuel em casa, já que ele sempre me dá os melhores conselhos. Mas como falar que seu ex namorado é obcecado pelo próprio irmão? Saco o celular do bolso e então olho por dois segundos para a tela, antes de desbloquea-la e discar o número de Amanda.

- Arthur?

- oi. Você tá ocupada?

- não. Aconteceu alguma coisa?

- não, eu só... – pauso, percebendo que preciso colocar tudo isso pra fora. – eu preciso muito conversar.

- o que aconteceu?

- tá tudo uma loucura, Ams. A Duda vem me rondando, deixando bilhetes com ameaças, cada dia tem alguma coisa nova para eu me preocupar...

- pera aí, a Duda o que? – ela pergunta, embasbacada.

- pois é, parece loucura.

- desde quando isso vem acontecendo?

- faz alguns dias. – eu digo, levantando do sofá e indo em direção ao quarto.

- e você não me falou nada?

- não era algo que eu queria compartilhar com o mundo. – eu murmuro, azedo. Quando passo na porta, entretanto, toda minha concentração se esvai pelos ares.

- ah droga.

- o que foi?

- meu quarto foi arrombado.

Continuo segurando o celular no ouvido, enquanto Amanda quase surta do outro lado da linha. Eu vejo a gaveta do meu criado mudo em cima da cama, com uma lasca na madeira, deixando um sinal de que foi arrombado e retirado com força.

Me aproximo e olho dentro dela, então percebo que as cartas anônimas – que de anônimas não tem nada – não estavam mais ali.

- as cartas sumiram.

- o que?

- as cartas da Duda, sumiram! – eu repito, afoito.

Começo a olhar em volta, pra ver se mais alguma coisa havia sido mexida, mas não. Algumas gavetas do guarda roupa e da escrivaninha estavam entreabertas, mas nada fora do lugar.

- Arthur, você precisa ir até a polícia.

- não, não antes de falar com o Gustavo. Ele precisa saber.

- ele ainda não sabe?

- não. – eu digo, sem nem prestar muita atenção na conversa, enquanto já estou no corredor, indo pra sala. Então, a figura de Gustavo parado, com a porta aberta me assusta. Olho para suas mãos e vejo as cartas abertas em uma delas, enquanto ele me olha, visivelmente irritado.

"Não sabe, até agora." - penso, o humor negro me amargando por dentro.

- depois eu te ligo, Ams.

- o que? Tá tudo bem?

E então eu desligo, sem responder. Fico olhando para ele, impassível, esperando que ele fale ou faça alguma coisa.

- como você conseguiu isso?

- o que é isso, Arthur? – ele rebate com outra pergunta, ignorando a primeira.

- são cartas de amor. - eu ironizo, já impaciente. Ele me olha duramente então eu decido parar de brincar.

- são ameaças da Duda. Onde isso estava?

- no banco do carona do meu carro.

- o que? – eu grasno, me perguntando como elas foram sair da minha gaveta e parar no carro de Gustavo, em tão pouco tempo.

- você tem alguma coisa pra me dizer?

- e precisa?

- por que você escondeu isso de mim? – ele questiona, os olhos ardendo de raiva, enquanto os respingos da chuva caem de seu casaco e molham o tapete da entrada.

- eu não escondi... Só não sabia como te contar.

- desde quando você vem recebido isso?

- desde que eu voltei de Prudente.

- meu Deus Arthur, você precisa ir até a polícia!

- eu sei! – digo irritado, como se eu não soubesse disso. – fora que isso não é meu único e principal problema agora.

- é por isso que eu vim atrás de você também. Todos ficaram preocupados com a sua atitude.

- preocupados? Aposto que todos devem pensar que eu sou louco. O Diego pode ter dado a versão que ele quis, depois que vim embora.

- não, ele não fez nada. Por isso eu vim atrás de você. Fiquei preocupado.

- que generoso! – eu replico, irônico. – achei que ficaria do lado do Diego.

- como eu ficaria do lado dele, se eu nem sei nada?

- não sabe, mas está tudo debaixo do seu nariz. Depois eu que sou ingênuo. Aquele filho da puta...

- não fala assim, Arthur. Ele é meu irmão.

- ah é? Parece que ora ele isso não é empecilho pra fazer certas coisas.

- coisas? Que coisas?

- eu acho que ele é quem te deve explicação, não eu.

- mas ele não me disse. Por isso eu acho que, já que você sabe de alguma coisa que eu não sei, seria legal da sua parte me contar. O que você tava procurando no quarto dele?

Um barulho de vidro quebrando corta nossa discussão, logo depois de um barulho de alarme disparar. Ando até a janela da cozinha e vejo que o barulho vem do Elantra, então corro até as escadas, rápido o bastante para tropeçar em meus pés e quase cair. Gustavo vem logo atrás de mim, então saímos os dois para a chuva, onde eu vejo os faróis do Elantra piscando. Meu coração parece estar trancado no meio da minha garganta enquanto eu caminho até o veículo, para depois eu ver que além do vidro quebrado, os pneus estavam furados e a lataria toda arranhada.

- mas que droga! Que merda!

Gustavo anda até a porta com o vidro quebrado e parece ver alguma coisa lá dentro. Vejo-o abrir a porta e então surge com outro bilhete. Ele lê, então parece se zangar e acaba amassando-o, fechando firme o pedaço de papel em seu punho.

- o que tá escrito?

- nada.

- Gustavo, deixa eu ver o que tá escrito. – repito, dessa vez com a voz mais firme. Ele não fala nada, me obrigando a ir até ele e pegar o pedaço de papel. Abro-o e leio a frase, escrita com recortes de revista, assim como as outras.

"O Gustavo está ciente de que ele irá perder o namorado? Tenha cuidado, Arthur."

Nesse momento, minhas pupilas se dilatam e eu sinto uma corrente elétrica percorrer minhas costas. Eu sabia que Duda era desequilibrada, mas ela está me ameaçando? De verdade? Mas que droga!

Nessa hora, Jair aparece, correndo até nos. Ele vinha do sentido oposto ao da guarita, olhando para o carro e parecendo bastante assustado.

- o que aconteceu?

- o que aconteceu? Onde você estava? – Gustavo intervém, irritado.

- estava fazendo a ronda, quando vi uma mulher correndo para o fundo do condomínio. Logo depois ouvi o barulho do alarme, então corri atrás dela, mas ela pulou o muro.

- que maravilha! – Gustavo exclama, não parecendo claro o suficiente pra eu perceber se ele estava mais bravo com Jair ou com Duda. Provavelmente, estava com os dois.

- me desculpa, Arthur.

- tá tudo bem, Jair. – eu falo, tentando me acalmar. Não é ele quem precisa pedir desculpas. Sou eu quem estou atraindo uma louca desequilibrada até aqui.

- vem Arthur! - Gustavo grita, alterado, enquanto anda novamente para a chuva.

- pra onde?

- pra delegacia. Vamos caçar essa desgraçada até acharmos ela!

Comentários

Há 3 comentários.

Por Guerra21 em 2017-06-13 19:17:25
Genteeeee, a louca e o Louco estão fora da casinha.
Por Diva em 2017-06-12 21:10:15
Nossa quem foi que invadiu o apartamento sera que foi Duda não creio que foi ela pois pra que escreveria aquela ultima carta se tivesse colocado todas as cartas no carro de Gustavo😕😕 sera que foi Diego mas como o Diego fez isso se ele estava na sua casa 😐😐😐😕😕😕 enfim esta confuso mas ha de vum uma explicação... A historia esta de parabéns me surpreendeu com a revelação do Diego eu tinha pensando que Diego gostava do irmão e tals mas pensei que pelo fato de ser irmão eu estava exegerando 😐. Você esta de parabéns 👏👏👏👏
Por edward em 2017-06-12 17:39:14
Tô em pânico