02. Primeira má impressão

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Proibido

A imensidão cinza de carros na Paulista faz eu revirar os olhos, logo quando eu viro a esquina e me encontro em um engarrafamento monstruoso. Com o carro totalmente parado, começo a bater as pontas dos dedos no volante, em sinal de impaciência, enquanto olho pra frente e presumo que irei gastar um bom tempo aqui. Como não me resta muitas opções do que fazer, ligo o rádio e procuro alguma estação que esteja passando alguma música legal. Nada de interessante. Resolvo então selecionar o modo USB e ficar com as minhas musicas usuais, mas agora no modo aleatório, na esperança de que mistura-las me distraia e eu não me aborreça por causa do tráfego. Quando End of The World, do A Great Big World começa a tocar, já sinto meu astral se levantar. Logo me vejo assobiando ao ritmo da música, então o engarrafamento já não é mais um problema tão ruim. Começo então a repensar sobre o misterioso Gustavo. Por que será que as pessoas têm tanto medo dele? Será que ele é tão ruim assim? Ainda acho isso um tanto insano. 3 pessoas transferidas para outras agências por causa dele? Besteira. Não pode ser tão ruim assim. Mas a minha teoria do velho de 40 anos ainda atenta minha mente, mesmo que eu não queira pensar assim. Meu telefone começa a tocar e me tira dos meus pensamentos; é Samuel.

"Hey bundão, perdeu o caminho de casa? Vem logo, tenho planos pra hoje à noite."

Sorrio pelo jeito carinhoso habitual do meu melhor amigo em me tratar. O que será que ele está aprontando? Bem, é sexta feira e tudo o que precisamos fazer é ir até a faculdade levar nossos trabalhos de conclusão e depois estamos livres, pelo menos por hoje.

"To preso num engarrafamento, não sei que horas vou chegar. Obrigado pela simpatia de sempre. O que você está planejando? Com medo desde agora. Até depois, bunda mole."

Largo o celular no banco do carona e piso levemente no acelerador, preenchendo o pequeno espaço que se formou quando a fila começou a andar. Depois de mais alguns minutos o transito realmente começa a cooperar e então consigo ver o ponteiro do velocímetro subir um pouco.

__

Abro a porta do apartamento e já sinto o perfume intenso de Samuel espalhado por todo o canto, enquanto ele caminha abotoando a camisa em direção ao banheiro.

- achei que não ia mais vir pra casa. - ele fala às pressas, o cabelo loiro ainda úmido do banho.

- oi pra você também. Onde a gente vai?

- bem, primeiro a gente vai se livrar desse carma de quase 40 páginas. Depois, vamos comemorar o fim da faculdade. - ele levanta levemente a sobrancelha, fazendo aquele olhar de quem está prestes a fazer algo que poderia se arrepender depois.

- qual boate? - falo balançando a cabeça, em sinal de reprovação, ao mesmo tempo que sorrio. Tem como ser mais previsível?

- pensando em ir na Yacht.

- nossa...

- que foi?

- subindo de nível, pra cima e pra cima, sempre. - digo enquanto jogo a mochila no sofá e caminho em direção à cozinha.

- pra mim não é novidade, mas acho que você precisa conhecer lá.

- pra que? Um bando de gays convencidos, que só vao pra lá por status e pra ficarem em seus círculos de caras sarados, querendo exibir seus músculos e seus dentes perfeitos e sua beleza descomunal?

- bem, pode chamar do que quiser, eu chamo de balada, de diversão noturna, de vida social...

Me viro pra ele enquanto termino de encher meu copo com água do filtro e o encaro com a expressão dura. Mas Samuel é daqueles tipos de amigo que são tenazes demais pra dizer não.

- e aí, bora?

- eu tenho escolha?

- você sabe que não.

Eu sorrio e ele vem até a mim, me puxando pelo braço e me levando para o quarto para escolhermos alguma roupa legal para entrarmos no ninho de cobras.

Depois de tomar um banho sem muita demora, volto para o quarto e paro em frente ao guarda roupa, observando o que eu tenho para vestir. Pesco minha camiseta verde musgo, a jaqueta jeans branca, uma calça e um tênis casual. Acho que isso deve servir. Samuel e eu descemos até a garagem e pegamos o carro dele para irmos, pois embora eu não ligue muito pra status, chegar com meu Chevette causaria muitos olhares de repugnância, e isso com certeza estragaria a minha noite.

Logo ao chegarmos na fila, já consigo ouvir as batidas abafadas da música lá dentro, muitas pessoas na fila já entrando no clima, inclusive Samuel já parece ter encontrado o primeiro amor da vida dele da noite, logo na nossa frente. E como sempre, o outro menino também olhava pra ele. Samuel é um homem que atrai muitos olhares, disso eu não tenho dúvidas. Além de muito inteligente, ele é muito bonito, forte, rosto angelical, mas com traços bem marcados, sem contar os olhos azuis que já lhe dão uma certa vantagem logo de cara. Mas o que ele tem de bonito, ele tem de galinha. Perdi as contas de quantas vezes tive que amparar ele e seu coração partido por paixões rápidas e mal resolvidas, mesmo que a gente se conheça a apenas alguns anos. E lá vai ele praticar sua galinhagem de sempre. Saindo dos meus devaneios, vejo os dois teclando em seus celulares, provavelmente passando seus números um para o outro. Balanço a cabeça e penso que ele realmente não tem jeito.

- e então, animado? - ele diz quando volta pro meu lado, fazendo cara de desentendido.

- não tanto quanto você, né?

- hum, não sei. Será?

- debochado.

- eu sei. - ele abre seu sorriso largo e despretensioso, olhando pra trás, para o moreno alto que também o olha, então vejo ele piscando para Samuel. Uou, as coisas estão mesmo boas por aqui.

Entramos dentro do salão e já sinto um calor desconfortável, as vibrações das ondas da música fazem meu corpo tremer levemente e eu não consigo nem imaginar quantas centenas de pessoas tem aqui dentro, só sei que é muita gente.

- eu vou buscar alguma coisa pra beber. Quer também?

- quero sim, valeu.

Enquanto ele se afasta em direção ao bar, eu começo a entrar no ritmo da música, que se eu não me engano é Open Wide, do Calvin Harris. As batidas começam a penetrar no meu corpo e me fazem querer dançar, relaxar e finalmente curtir a noite. Sinto o suor começar a descer no meu rosto e de uma forma estranha, isso deixa tudo ainda mais animado pra mim. Essa é uma das poucas vezes em que eu vou em uma balada, mas agora eu estou realmente pegando a graça da coisa. Tiro a jaqueta e sinto o calor cessar um pouco, quando amarro-a na cintura, sem deixar de dançar. Ainda de olhos fechados, sinto alguém esbarrar em mim e de repente minha camiseta está molhada com algo muito gelado. Logo penso que é Samuel que conseguiu essa façanha e estou pronto pra xingar, mas quando abro os olhos e consigo ver direito, percebo que não é ele. É um homem alto, suado como eu e estupidamente bonito, talvez o mais bonito de todos os que eu vi aqui.

- me desculpa, foi sem querer! - ele se adianta, sua voz aveludada saindo de sua boca sexy, que me parece ser sexy demais pra um ser humano normal. Não sei se e apenas eu ou o calor aumentou demais de uma hora pra outra aqui dentro.

- não foi nada, relaxa. - eu digo olhando rapidamente pra minha camiseta, desviando meu olhar do seu, para não dar na cara que eu estava lhe encarando feito um idiota.

- se você quiser eu te empresto uma camiseta minha, eu tenho lá no meu carro, rapidão e eu trago pra você.

- magina, não precisa se preocupar com isso. Tá tranquilo. - a essa altura, eu não estou nem aí com a minha camiseta, pra ser sincero.

- tudo bem então. A gente se vê por aí.

- legal. - lhe lanço um sorriso amistoso, torcendo para que não pareça que eu estou dando mole, pois apesar de eu querer muito, não é muito meu estilo sair beijando o primeiro cara bonito que derruba bebida em mim em uma festa.

Então ele se afasta e vai até um pequeno grupo de outros caras, igualmente bonitos como ele, mas não tanto quanto. Será que eu estou pagando a língua e tendo uma paixão de balada, assim como Samuel? Bem, se tiver ou não, isso não é algo que eu queira pensar agora.

- e aí, demorei?

- ah, não, nem vi o tempo passar. Fiquei aqui dançando de boa.

- hum. E aí, já encontrou algum cara bonito por aí?

- bom, só o que tem por aqui são caras bonitos, ne Samuca.

- algum em especial?

- bem, só esse que derrubou bebida em mim. - aponto para minha camiseta, que agora está mais seca, mas a mancha ainda é visível.

- que inteligente ele. O truque da bebida ainda cola muito bem.

- não foi truque.

- ah não? - ele pende a cabeça levemente pro lado, me analisando.

- bom, eu não sei. Eu tava dançando de olhos fechados e aí ele esbarrou em mim.

- hum. - sua boca se contorce, prendendo um sorriso, então eu reviro os olhos.

- tanto faz, Samuel. Cadê o meu copo

- aqui. - ele me alcança, então eu logo tomo um longo gole da minha vodka com refrigerante de limão, fazendo minha garganta gelar em segundos.

A música continua muito boa, sem deixar eu perder meu pique um segundo sequer, mas com certeza Samuel está mais animado. Ele consegue dançar, beber e ainda examinar todos em volta, procurando por alguma presa.

- Arthur, você tá muito bem mesmo, hein?

- hã?

- tem um carinha ali que não para de te olhar faz tempo.

Eu acompanho seu olhar e meu coração gela quando vejo que é o cara de antes. Ele me olha com aquele mesmo sorriso provocante, e assim que eu vejo que estou olhando demais, desvio o olhar novamente para Arthur.

- ele é gato pra caralho.

- foi ele quem me derrubou bebida.

- tá brincando? Arthur, seu filho da mae! Nem eu tenho uma sorte dessas. Você falou alguma coisa pra ele? Trocaram telefone?

- lógico que não, eu nem sei o nome do cara. A gente só se esbarrou, ele me pediu desculpas e eu aceitei. Fim da história.

- bom, parece que pra ele não foi fim da história. Ele tá afim de você. - ele volta a olhar para o lado onde o homem está, e eu sei que agora estou ruborizado.

- para de olhar pra lá, Samuel.

- por que?

- por que ele vai ver que a gente tá falando dele.

- você não tá afim de falar com ele?

- to, mas...

- mas?

- não sei. Melhor não. Eu não vim pra caçar homem, eu vim pra comemorar com você.

- não pode fazer os dois?

- não.

Ele para pra me olhar uns segundos e eu mantenho meu olhar duro, então ele percebe que não há negociação. Mas assim que ele volta a dançar e esquece o assunto, eu não consigo me conter e acabo olhando pro lado, para me certificar se o cara estava realmente me olhando o tempo todo ou se foi apenas uma coincidência idiota. Mas não, ele estava realmente me olhando novamente, os mesmos olhos intrigantes, acessos como fogo no escuro e atravessando o espaço entre nós como uma bola de canhão, fazendo os músculos do meu estômago se contraírem.

Nossos copos começam a se esvaziar cada vez mais rápido, e eu sinto que estou ficando com o rosto quente e os reflexos atrasados. Francamente, ficar bêbado é algo muito bom. Depois de passar por algumas semanas tão turbulentas com o final do curso, o início do emprego novo, todas as pressões possíveis me jogando contra a parede. Eu precisava mesmo estar aqui, dançando um pouco, bebendo e de quebra flertando de longe com o homem mais bonito que já me deu bola na vida. É, eu realmente não estou mal.

A noite passa voando, e quando vemos a festa vai acabando. Agora eu estou apenas tomando água, pois Samuel não está em condições de dirigir, então eu vou ser o motorista responsável da rodada. Falar nele, agora ele reencontrou sua paixão avassaladora da fila e estão aos beijos do meu lado, enquanto eu, obviamente, estou de vela. Para fugir dessa situação um pouco embaraçosa e também para esvaziar minha bexiga, decido ir ao banheiro. Vou costurando as pessoas pela frente até chegar na fila, que não está tão grande assim, mas vai me ocupar um pouco de tempo. Ao fundo está tocando Go Hard or Go Home, ainda na onda rap que o DJ engatou há algum tempo. Eu estou um pouco cansado demais para bancar o rapper e fazer o lance das mãos e a jogadinha com as pernas, mesmo que internamente eu esteja o fazendo, mas agora eu não quero me mexer muito pois minha bexiga está quase estourando. Quando estou na minha vez na fila, a porta se abre e eu estou para entrar quando o homem da bebida sai por ela, quase fazendo com que nos esbarrássemos de novo. Ele me vê e sorri pra mim.

- dessa vez, sem topadas, nem bebidas.

- é, acho que assim é mais legal. - eu tento ser engraçado, mas sem sucesso. - aquele carinha loiro é seu namorado? - o Samuel? Não, ele é meu melhor amigo.

- hum, legal. E você tem namorado?

- tenho, na verdade.

Que droga, por que eu menti? Não sei ao certo, mas o rosto dele murchou instantaneamente depois que eu abri minha boca. Mas que merda. Eu tenho namorado? Nao, não tenho. Então por que eu falei que tenho, caralho? Acho que fiquei intimidado. Ele é bonito demais. Talvez eu não seja desse tipo de gente que fica só por causa da beleza, por uma noite só e depois tchau. - é uma pena. A gente se vê por aí então.

- tudo bem. - aceno um pouco sem jeito e então percebo que as pessoas atrás de mim estão no mínimo incomodadas por eu estar trancando a fila. Entro desnorteado no banheiro e ainda tento entender a minha atitude estranha. Será que só uma vez na vida eu não podia ficar com alguém sem compromisso, sem pensar no depois?

"Você é um pé no saco mesmo, Arthur"

Entro na cabine e enquanto esvazio a bexiga, olho para os rabiscos da parede acima da privada, com diversos números de telefones e frases baixas e até engraçadas. Vou até a pia e lavo o rosto, tentando diminuir a tensão que ainda está me angustiando por dentro.

"É uma pena."

Caramba. Naquela hora eu senti meu coração na garganta. Pensar nisso só me deixa ainda mais tenso e como eu sei que não vou conseguir esquecer, penso que já está realmente na hora de ir embora. Saio para o barulho novamente e caminho ate Samuel, que agora está dançando com o peguete dele, muito mais colados do que eu pensei que fosse possível.

- Samuel, vamos embora?

- mas por que? Aconteceu alguma coisa?

- não, mas já tá tarde, eu to um pouco cansado.

- tudo bem então.

Ele fecha a cara e cochicha no ouvido do moreno alto, então logo depois eles se beijam pelo que me pareceu quase um minuto, até que finalmente eles se despedem, antes do homem finalmente se lembrar da minha presença e também me dar boa noite.

Já do lado de fora da boate, o frio da rua faz eu pegar minha jaqueta novamente e vesti-la para tentar afastar os calafrios. Agora caminhamos até o carro comentando sobre a festa, enquanto eu não consigo parar de pensar em toda aquela situação de antes.

- ele é o máximo, ne?

- ele quem?

- o Jeferson.

- ah então esse é o nome dele? Eu nem sabia.

- sim, e ele disse que amanhã vai me ligar pra gente combinar de sair de novo. - seus olhos azuis cintilantes brilham ao falar isso, enquanto eu fico num impasse sobre falar ou não pra ele que as possibilidades do cara não ligar são altas.

Quebrar o coração dele ou esperar pra ver se o cara pode ser diferente de todas as centenas que o Samuel já ficou? Bem, a segunda opção me parece ser um pouco melhor, então chegamos no carro, eu assumo o volante e abaixo os vidros para o vento entrar e refrescar o ar abafado de carro fechado que ficou aqui dentro, mas também para ver se a corrente de ar refresca meus pensamentos, que agora andam muito mais rápido que o carro.

__

A cama parece tão mais aconchegante agora de manhã, e eu tenho certeza que é pelo fato de eu poder dormir até mais tarde. Me reviro um pouco dentro do edredom e então desperto pra vida, quando ainda são 10:30. Indo em direção à cozinha, passo pela porta do quarto de Samuel, que está aberta e me dando a visão de ele dormido todo desajeitado na cama dele, com os braços enroscados em um travesseiro e a boca aberta. Tenho certeza que assim que ele acordar, vai desejar não ter bebido tanto ontem. As ressacas dele são indiscutivelmente tensas. Eu, por sorte, não tive uma ressaca de verdade. Apenas estou sentindo um pouco de dor de cabeça muito leve, mas acho que é suportável. Para o café da manhã, preparo algumas torradas com nutella é um copo de leite com achocolatado. Depois de reabastecer, lembro da existência do meu carro e de como ele está precisando de um banho. Pego os produtos de limpeza, o aspirador, uma esponja velha e um balde vazio e desço até a garagem coberta, quase não conseguindo levar tudo de uma vez só, onde a lata velha mais linda do mundo me espera para ficar reluzente. Encho o balde com água na torneira perto da garagem e então começo o trabalho duro. Água, sabão, cera para os pneus, tudo vai deixando minha caranga quase como nova. Sempre tive um carinho muito grande pelo meu carro. Foi a primeira conquista que eu tive depois que eu cheguei aqui em São Paulo. Meus pais me ajudaram e, junto com as minhas economias, conseguimos algo bom, bonito e barato para eu me locomover nessa cidade imensa sem que seja ônibus ou metrô. Claro que antes de eu trabalhar na loja de peças de carro eu não entendia quase nada sobre o assunto, mas depois que eu estava lá eu realmente virei um especialista, então pude cuidar muito melhor do que era meu. Troquei peças, cuidei da lataria, pintura, fiz tudo com muita exigência até que o carro ficasse do meu jeito. O branco reluzente, agora limpo, e os pneus pretos impecavelmente limpos com as rodas esportivas prateadas me fazem suspirar orgulhoso.

Depois que a parte de fora fica pronta, me dedico ao interior do carro. Tiro os tapetes, limpo-os, depois limpo tudo com o aspirador e por fim passo um pano com produto no painel e na parte de dentro das portas. Por fim, está pronto. Estou jogando a água suja fora quando Samuel aparece de pé do lado do carro, com a cara amassada e sonolenta. Eu já posso até prever o que ele vai dizer em seguida.

- não quero beber assim nunca mais na vida.

Exatamente como eu pensei.

- você bebeu ontem? Sério, eu nem percebi.

- dissimulado. - ele fala me fuzilando com os olhos. - minha cabeça parece que vai explodir.

- dizem que se cura uma ressaca bebendo mais. O que acha?

- você tá louco? Agora só água e suco. Falar nisso, não quero fazer comida ainda. Vamos almoçar fora?

- você quem manda, chefe. - digo jogando o pano úmido no meu ombro e pegando as coisas no chão.

- vai, faz algo de útil na vida e me ajuda com isso. Pega o aspirador.

Estou voltando do meu almoço, na minha segunda feira tranquila e quase monótona de rotina na agência, mesmo sendo apenas meu segundo dia. Passo pelas portas giratórias do térreo, indo em direção aos elevadores quando Amanda acena para mim de sua bancada.

- Arthur, você faz um favor pra mim?

- claro, o que foi?

- tem uns documentos aqui pra entregar para o Gustavo, você leva lá pra ele?

- claro. - eu sorrio e estendo a mão para alcançar a pequena pilha com envelopes de papel pardo e algum documentos soltos que estavam ao lado do computador de Duda.

- ele tá aí hoje?

- chegou faz uns 10 minutos, junto com uns outros caras.

- hum. Entendi. Eu vou indo nessa então.

Tomo meu caminho de volta para os elevadores com um pouco de ansiedade e apreensão. Depois de alguns segundos as portas se abrem e eu comemoro internamente por estar vazio. Após chegar ao último andar, caminho a passos largos para levar logo esses documentos, pois eu não sei o quão importantes eles são, e com quão urgência são esperados. Ao me aproximar da sala dele, avisto um grupo de uns 5 homens, sentados na mesa de reuniões, um pouco menor do que aquela que há na parte de fora, mas mesmo assim consideravelmente grande. Suspiro fundo, tomando uma grande quantidade de ar para me acalmar e passar confiança na minha apresentação ao meu chefe, que está no meio de uma reunião e eu preciso não parecer um intruso. Ao bater na porta, vejo que todos param de conversar e olham pra mim. Eu sinto que vou ficar corado nas bochechas e me xingo internamente por isso.

- pode entrar.

Quando ouço essa voz, parece que eu levei um soco no estômago. Meus olhos procuram entre os homens a pessoa que eu estou pensando que seja, e lá está ele.

Puta que pariu. É o homem da festa. É ele o gerente? Bem, a julgar por ele ter tomado a frente e falado algo, com certeza é ele. Eu começo a piscar rapidamente, sem saber o que fazer ou falar, então, como se tudo isso já não fosse constrangedor o suficiente, eu deixo tudo o que eu tinha em minhas mãos cair no chão, formando um amontoado de papéis ao redor dos meus pes. Mais que rapidamente, eu me abaixo para juntar tudo, sem nem olhar para cima, pois eu sei que eu já estou ruborizado o suficiente sem ter que encarar ninguém nos olhos. Mas que merda é essa? Ele é o gerente geral dessa droga? Ele não é novo demais pra isso? Eu não dou nem 30 anos pra ele. Com certeza não é um cara de quarenta e tantos anos, careca, carrancudo e com barriga saliente. Depois de perceber que minhas previsões falharam miseravelmente, me lembro de levantar do chão e encarar a todos com o mínimo de dignidade que ainda me resta.

- tá tudo bem? - ele me pergunta assim que eu o olho, e ele é um baita filho da mae debochado. Ele sabe quem eu sou, ele sabe que eu sei quem ele é, e ele age normalmente em relação a isso, com aquele mesmo sorriso daquela noite, só que agora mais discreto.

- desculpe incomodar, mas eu tenho alguns documentos importantes aqui. - minha voz sai o mais formal e confiante possível, ao mesmo tempo que cordial e educada, então acho que eu estou no caminho certo. Nem parece que eu fui idiota o suficiente para deixar tudo cair alguns segundos atrás.

- tudo bem, pode deixar em cima da minha mesa, por favor.

Eu engulo em seco depois que ouço sua voz rouca e sexy, aceno com a cabeça e sigo até sua mesa larga de madeira branca, combinando com todo o resto de sua sala clara e arejada, deixando destacado apenas um quadro de mosaico com cores vibrantes na parede atrás de sua mesa e um vaso com folhagens ornamentais perto da janela. Depois de colocar os documentos em um canto vazio de sua mesa lotada de coisas, eu aceno com a cabeça, agradecendo pela pequena pausa que todos fizeram, e então praticamente corro pra fora daquela sala.

Droga, droga, droga. Ele é o meu gerente. Ele é a merda do meu gerente, o cara pelo qual eu estava caindo de amores na balada, o cara que tentou dar em cima de mim depois da desculpa esfarrapada da bebida e que eu neguei, e como se não bastasse isso, eu me arrependi de ter negado segundos depois de te-lo feito. Droga de novo.

Comentários

Há 2 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-04-03 14:05:44
Muito bom estou amando.😘😘😘
Por J.D. Ross em 2017-01-25 15:34:51
Continuo gostando da história, está conduzindo ela de forma muito inteligente!