18. Vamos dançar? (Antepenúltimo capítulo)

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Atravesso uma porta grande de ferro e me deparo com um corredor imenso, escuro e vazio. Um frio repentino me faz colocar os braços em volta do meu corpo, para me aquecer. Olho para baixo e olho minhas pernas. Mas o que? Eu estou andando? Como? Minhas indagações são interrompidas com um barulho estrondoso na outra porta, no final do corredor. Agora eu estou parado, estático, sem saber o que fazer. O que está acontecendo aqui? Eu conheço esse corredor. Eu já estive aqui. Espera, esse é o presídio central. Mas que droga, o que está acontecendo? Outro barulho no outro cômodo me faz dar um pulo. Preciso ver o que está acontecendo. Onde estão os outros presos? Passo a passo começo a caminhar pelo corredor, tentando ao máximo enfrentar meu medo e descobrir o que está acontecendo aqui. Quando minha não toca o aço gelado da porta enorme com a pintura descascada, meu corpo treme em protesto. Mas eu sei que meu corpo não treme de frio. Ele treme de medo. A porta se abre, me revelando uma sala enorme, com dezenas de cadeiras, parecido com a sala do julgamento de Caio. Quando meus olhos correm o cômodo, eu o vejo sentado em um canto, com medo. Eu engulo em seco e tento controlar as batidas frenéticas do meu coração.

- Caio?

- Edu? Edu! Me ajuda! Eles querem me matar!

- eles quem?

- os outros presos Edu. Eles estão atrás de mim.

- calma Caio, por que eles querem fazer isso?

- eu não sei, mas eles querem. Me ajuda a sair daqui, por favor.

Caio está desesperado. Eu não sei o que fazer, não sei para onde levá-lo. Mas não posso deixar ele aqui. O puxo pela mão e coloco-o de pé, tentando achar alguma outra saída para a gente nessa sala. Então, ouço barulho de muitas pessoas caminhado em direção a nós, vindo de trás da porta pela qual eu entrei. Eu e Caio nos olhamos, e eu vejo o medo transbordando em seus olhos. Percebo que bem no canto da sala há uma porta estreita, e é lá que enxergo nossa escapatória.

- vem Caio. – o puxo, trazendo-o junto comigo, andando depressa até a porta, e quando atravessamos ela, estamos em um longo corredor novamente, muito parecido com aquele que eu estava antes. Mas esse me causa arrepios. É extremamente sujo, há duas fileiras de celas abandonadas, com as grades enferrujadas e os vidros das janelas altas quebrados. À distância entre nós e a porta é de uns 15 metros.

- vamos Caio.

- não Edu, por aí não.

- por que não?

- não Edu, não. Por aí não. – Caio já está desesperado novamente.

- calma, Caio. Vamos sair daqui. Vem.

- eu o puxo pela mão e ouço os mesmos passos vindo pelo caminho que fizemos. Puxo Caio pelo braço e começo a correr pelo corredor. Mas quando estou quase na metade do caminho, sinto meus pés afundando. Mas que droga. Olho para baixo e vejo o chão mole, em uma espécie de areia movediça, só que de cimento. Eu tento com todas as forças me mover e tirar meus pés daquilo, mas é em vão. Caio está logo atrás de mim, tentando sair daquela emboscada.

- eu te falei pra não irmos por aqui!

- o que tá acontecendo, Caio? Por que eles querem te pegar?

- eu não sei!

Então, a porta atrás de nós se abre e eu vejo dezenas de homens, com facas, toras de madeira, barras de ferro. Caio me olha como se tivéssemos perdido a luta.

- lá está ele! – grita um dos homens.

- deixem ele em paz! – eu rebato, tentando ainda me livrar daquele chão movediço. Então, quando eles estão a dois passos de nós, o chão se abre, engolindo a gente e nos jogando em uma piscina olímpica em uma sala com vegetação no chão, nas paredes e no teto.

- onde nós estamos? – pergunto depois de voltar à superfície, me recuperando do choque térmico devido à água gelada.

- eu não sei! – grita Caio um pouco mais longe de mim. Ele sai primeiro do que eu da piscina, me estendendo a mão e me ajudando a sair também. Quando encontramos a saída, damos de cara com um ferro velho abandonado, com pilhas e mais pilhas de carros depenados e enferrujados, que se destacam no céu noturno sem estrelas.

- acho que estamos quase conseguindo! – Caio parece finalmente estar aliviado.

- vamos procurar algum carro que esteja funcionando para sairmos daqui. – grito já saindo pelo pátio, a procura de não apenas algum carro, mas de algum jeito de sair daqui, já que todo o lugar é fechado com cercas altas.

- Edu, aqui!

Olho para trás e vejo Caio correndo em direção de um carro praticamente novo. Começo a andar depressa e já sorrindo, por estar finalmente achando a saída desse lugar horrível. Entramos no carro, eu no lado do motorista e Caio do lado do carona. Dou a ignição, mas o carro não liga. Droga. Tento novamente, sem sucesso.

- o que foi, Edu?

- não tá ligando.

- mas que merda!

Continuo tentando, desesperadamente, até que sinto a chave quebrar dentro da ignição. Então, um barulho estrondoso surge ao lado de Caio. Eles nos acharam. Um dos homens quebrou o vidro e agora tenta puxa-lo pra fora. Eu tento segura-lo, mas não tenho tanta força. Quando tento me mexer pra ficar de joelhos no banco e tentar aumentar a força nos braços, não sinto minhas pernas. Mas o que? Tento novamente, mas minhas pernas continuam imóveis. Que droga! Que porra! Vamos! Vocês estavam se mexendo até agora! Então, olho para Caio, que já estava com mais da metade do corpo pra fora, enquanto os outros homens se aproximavam. Já não conseguindo mais segura-lo, deixo-o escapar das minhas mãos. A raiva e a indignação tomam conta do meu sangue, pois eu não quero deixar Caio morrer. Mas agora, ele já não está mais no meu campo de visão.

- Edu, Edu!

Abro os olhos e sinto que estou suando frio. Minha garganta está seca e meu coração está batendo descompassado.

- Felipe, graças a Deus.

- você estava tendo um pesadelo, meu amor. Tá tudo bem?

- agora tá. – digo sentindo a mão de Felipe em minha testa, secando meu suor e depois ele coloca a mão em meu peito.

- olha seu coração. Eu vou pegar um copo de água pra você.

Enquanto Felipe vai até a cozinha, eu pego meu celular e olho as horas. Caramba, não são nem 06 horas da manhã. Como já sei que não vou conseguir mais dormir, acabo me deixando levar por meus pensamentos. Desde que Caio morreu, não paro de pensar nele. Nessas semanas que se passaram, fico imaginando como eu poderia ter evitado o que aconteceu, mas nada me vem em mente. Eu sinto muito por ele. Não queria que as coisas tivessem acabado assim. Felipe entra novamente no quarto, com meu copo d'Água e me encara com preocupação. Seus olhos, pequenos por causa do sono agora me fitam apreensivo, e eu sei que ele não vai me livrar das perguntas.

- você tá melhor? – diz ele me alcançando o copo.

- to sim, foi só um pesadelo.

- mas você está tendo pesadelos a semana toda, meu amor.

- eu sei, mas não é nada demais.

- é com o Caio?

Eu não quero dizer que é, mas ele me conhece apenas pelo olhar.

- Edu, o que aconteceu com o Caio foi uma fatalidade, mas você não pode ficar se martirizando. Você sabe que o que aconteceu não tem nada a ver com você, não sabe?

- é, sei sim. – respondo fitando o vazio. No fundo eu sei que não, mas algo me diz que eu poderia ter evitado isso, de alguma forma.

- Edu, ele tava lá dentro pagando pelos atos dele. Ele fez coisas erradas, tava acertando as contas com a lei.

- eu sei Felipe, mas era um ser humano, poxa. Mesmo ele tendo feito essas merdas, não merecia ter morrido.

Ele então me analisa por uns instantes, enquanto eu tento me acalmar.

- eu amo esse seu lado sentimental, sabia? O fato de você se importar com as pessoas. Isso te faz uma pessoa ainda melhor, Edu.

Antes que eu pudesse falar algo, ele me beija. Me beija e parece tirar com as próprias mãos toda a angústia que eu estou sentindo agora. Um beijo intenso, demorado e cheio de sentimento.

- eu queria muito ficar com você o dia todo e distrair a tua cabeça, mas... – o despertador toca, mais cedo que o habitual, me causando estranheza. – eu preciso arrumar minha mala.

- mala? – eu o olho curioso, mas logo me lembro que sua viagem com Oscar é hoje. – ah sim, a viagem. Tinha me esquecido.

Vejo ele se levantado e indo em direção ao guarda roupa, vestindo apenas uma cueca, deixando todo o resto a mostra, e eu acho que eu nunca vou me acostumar com a sua beleza. O modo distraído que ele analisa suas roupas, escolhendo cada uma com cuidado, claramente ansioso para sua primeira viagem de negócios, isso soa tão encantador pra mim. Felipe está se tornando um homem incrível. Saiu da casa dos pais, onde sempre teve tudo nas mãos, e veio morar sozinho comigo, aprendendo a como se virar sozinho, trabalhando e estudando e ainda por cima me ajudando a cuidar da casa. Agora ele está crescendo como profissional e eu fico muito orgulhoso dele. Quando ele sai do quarto, indo em direção do banheiro, eu tento aproveitar e dormir um pouco mais. Meu dia vai ser cheio, não posso ficar caindo de sono pelos cantos na loja e preciso estar bem pra primeira prova do vestido de noiva de Marina. Ela está tão ansiosa pra isso. Mas, como eu esperava, o tempo em que eu pude cochilar passou voando, e logo meu celular despertou. Começo a tatear-lo no criado mudo e, quando consigo abrir totalmente meus olhos, vejo Felipe, com sua cara angelical ao lado da cama, terminando de fechar sua mala.

- que horas é o seu voo? – pergunto ao me espreguiçar.

- 08:45. Estou quase atrasado. – ele me fala com um sorriso de canto.

- bom, já que não tem outro jeito, vou ter que ficar alguns dias dormindo agarrado no travesseiro.

- eu também, e isso é um saco.

- mas eu sei como isso é importante pra você, eu to muito feliz, meu amor. Vai lá e faz o seu melhor.

- pode deixar, meu guri. Quando eu chegar lá eu te aviso. Vou ficar te mandando mensagem o tempo todo.

- ta bom. – digo depois de receber um beijo.

Quando ele sai pela porta, meu coração se aperta. Eu espero que esses dias passem correndo e que ele esteja logo em casa.

A muito contragosto, me levanto e começo a me arrumar para trabalhar. Quero tanto ficar na minha cama, tive uma noite de sono tão ruim que parece que eu não preguei o olho um segundo sequer. Depois de estar pronto, como uma torrada com geleia de morango e tomo um copo de café com leite, já estranhando o fato de estar fazendo minha refeição sozinho na mesa.

O caminho para o trabalho é tranquilo. Coloco meus fones de ouvido e me deixo guiar pelas minhas musicas, enquanto Porto Alegre passa rápida do lado de fora da janela do ônibus. Ao chegar na livraria, dou bom dia para Ricardo e para meus outros colegas e vou me trocar.

O dia passa lento, eu estou com muito sono e por causa disso acabo ficando um pouco mal humorado. Tento me concentrar ao máximo em meu trabalho, mas Felipe não me sai da cabeça. Ele já chegou em Florianópolis, já está hospedado no hotel e agora provavelmente deve estar se arrumando para a primeira noite do evento. Eu não queria ser assim tão dependente dele. Dependente de tudo. Estar com Felipe é a minha realização, na mesma medida que estar longe dele é agonizante. Essa hora, fico feliz que vou passar um tempo hoje com Marina, assim eu me distraio um pouco. Decido me dedicar a alguns documentos que eu preciso assinar e algumas anotações que precisam ser passadas a limpo enquanto não há nenhum cliente no caixa. Felizmente, a parte da tarde passa bem mais rápido e logo eu estou indo embora.

Agora eu estou na frente de Marina, que está provando o vestido de noiva mais lindo que eu já vi na vida. Ele é sem alças, com várias pedrarias na parte de cima e liso embaixo, na saia. Marina está deslumbrante nele, com seu cabelo ruivo todo para um lado, pendendo em ondas pelo busto. A costureira está fazendo alguns ajustes nele, e minha melhor amiga está parecendo uma princesa de conto de fadas. Acho muito legal que, mesmo sem a cerimônia religiosa, as duas usem vestido de noiva na festa. Isso é tão simbólico, elas vão ficar ainda mais lindas. Os olhos de Marina brilham enquanto ela faz a prova do vestido, e eu sei o quanto ela está feliz com isso.

Ficamos um bom tempo no ateliê, até que o vestido estivesse com a maioria dos ajustes feitos. São quase 20h quando estamos indo embora, e assim que passamos pela porta em direção a calçada, meu celular toca dentro da mochila. Pego-o e vejo que é uma mensagem de Felipe, me perguntando como eu estou. Abro um sorriso automático quando vou respondê-lo.

- era o Felipe? – Marina me indaga quando eu guardo o telefone no bolso.

- era. Me perguntando como eu tava.

- ele ja foi?

- foi, hoje de manhã. Ele vai ficar quase uma semana fora, isso é uma droga.

- calma, eu vou ficar te enchendo o saco o tempo todo.

- bem que você podia ir lá pra casa né? Vamos pedir pizza, assistir algum filme, sei lá.

- claro, assim eu também me distraio. A Bárbara foi pra viagem de formatura dela, volta só na terça.

- então estamos os dois largados, abandonados pelos namorados. Que triste. – eu digo fazendo biquinho, e ela começa a rir.

- seu dissimulado.

Atravessamos a rua, indo em direção ao carro dela, estacionado quase na esquina.

- aí Eduardo, tá bom, só porque você insistiu demais, eu vou pra lá com você.

- olha quem é a dissimulada agora!

- mas eu vou só se metade da pizza for de chocolate. Hoje eu quero me esbaldar.

- podemos comprar uma inteira de chocolate se você quiser.

- então fechou.

Estamos com o notebook conectado à televisão da sala, escolhendo quais filmes vamos assistir na nossa maratona Netflix. Eu estou navegando pela vasta opção de títulos enquanto Marina está enchendo minha cadeira de adesivos. O metal vermelho escuro dela quase não está mais visível, mas eu gosto da customização. Percebo que ela está bastante quieta, parecendo pensativa, então decido quebrar o silêncio.

- pensando em que, ruivona?

- ah, nada não.

- então temos segredos um com o outro agora? – minha voz sai ressentida.

- ah Edu, não é nada demais, só pensando em algumas coisas bobas.

- se são bobas, você pode me contar então.

Ela hesita por uns instantes, mas logo começa a falar.

- você acha que eu fiz a coisa certa em aceitar o pedido da Barbara?

Essa pergunta me pega de surpresa. O que eu vou falar pra ela? Eu acho muito cedo, mas elas se gostam. Não quero deixar ela confusa. Que droga.

- ah Mari, vocês duas se amam, por que você teria feito a coisa errada em aceitar?

- não, não é isso. Você não acha que é muito cedo?

- ah Mari... Eu não vou mentir, eu acho sim. Casamento é algo pra ser pensado em longo prazo. Eu acho lindo o sentimento que vocês duas tem uma pela outra, mas... Sei lá. – eu tenho medo de falar algo demais. Não quero confundir a cabeça dela.

- eu também penso a mesma coisa, mas não quero magoar ela. O que eu faço, Edu?

Eu respiro fundo, tentando achar as palavras mais sinceras e transmiti-las da melhor maneira possível.

- Mari, você ama ela?

- amo.

- então fecha os olhos.

Ela sorri e faz o que eu peço.

- agora imagina a tua vida daqui a dez anos. – eu espero alguns segundos. – o que você vê?

- eu formada, dona do meu próprio restaurante, com especialização na França, morando com a Barb... Ela abre os olhos, um pouco surpresa.

- viu? Você tem ela nos seus planos daqui a dez anos. Você sabe que ela é a pessoa certa.

Ela ainda me encara com a expressão bagunçada, mas acho que tudo está mais claro pra ela.

- nossa Edu, isso é... sei lá. Eu sei que eu estou com muitas dúvidas, mas eu amo ela, isso é a minha única certeza.

- faz o que o teu coração manda, minha amiga.

- meu coração é dela, sempre foi. Eu soube desde o primeiro momento que eu vi ela, e o momento que ela me pediu pra se casar comigo foi como se ela confiasse de olhos fechados em mim, pra dividir a vida dela comigo o resto dos nossos dias. Isso é intenso, sabe? E me assusta eu saber tão cedo que eu já tenho a pessoa certa pra ficar sempre do meu lado.

- eu sei. – de repente, é quase que automaticamente, eu faço o mesmo teste comigo mesmo. Como eu acho que estarei daqui a dez anos? Bem, eu acho que estarei formado na faculdade, com minha própria casa, trabalhando em um restaurante renomado e ajudando minha mãe a administrar de longe o restaurante da família. E sabe o mais incrível? Eu vejo Felipe em cada parte disso. Eu não consigo me ver mais sem ele. E eu sei que a ideia de casamento tão cedo me assusta, mas ele me transmite uma paz imensa, uma segurança absoluta, e eu sei que ele é a pessoa certa. Não teria como ser de outro jeito.

Logo nossas pizzas chegam e enquanto Marina pega os pratos e os copos na cozinha, eu coloco o filme Pânico pra carregar. Decidimos que faremos uma maratona da franquia, antes de começarmos a assistir a série baseada nos filmes. Quando ela chega na sala novamente com as coisas, abrimos as pizzas e logo o cheiro faz meu estômago protestar. Estamos com duas pizzas tamanho família em cima da mesinha de centro. Uma inteira de chocolate, como Marina queria, e outra metade portuguesa e metade de calabresa. Colocamos o filme pra rodar e eu, apesar de ter assistido umas mil vezes, nunca me canso. E eu quero muito ver a cara da Marina ao descobrir os assassinos, no final. Se ela ficar tão surpresa quanto eu fiquei na primeira vez, vai ser bastante engraçado.

Já são quase 05 da manhã quando a gente termina de assistir o terceiro filme. Estamos com muito sono, então o outro vai ficar pra depois. Começamos a pegar as bagunças da sala e levar pra cozinha, ainda debatendo sobre todos os assassinos, sobre qual filme foi o melhor e qual foi o mais fraquinho. Depois de escovar os dentes e ir pro quarto, nos deitamos na cama e começamos a conversar sobre coisas aleatórias, sobre coisas da vida.

- e você, Edu? Com quantos anos você acha que vai se casar com o Felipe?

- ah Mari, eu não sei. Eu vejo que ele quer muito, mas eu também tenho receio.

- receio de que?

- ah, são tantas coisas. Receio de apressar as coisas, receio de prender o Felipe a mim e a minha condição, e quando ele ver que as coisas não são tão fáceis assim, ele se cansar de estar comigo.

- você fala isso por causa da sua condição, né?

Eu confirmo com a cabeça.

- Edu, você não vê que o maior preconceituoso nessa história toda é você? Cara, o Felipe te ama, o sentimento que ele tem por você é maior do que qualquer sentimento que eu já vi dois namorados terem na vida. Ele sabe a tua condição, e o amor dele por ti não diminuiu nem um pouco sequer, Edu.

- eu sei Marina, mas é complicado.

- não é não, Edu. Quando a pessoa ama de verdade, ela não se importa em absolutamente nada. O amor sempre prevalece, meu amigo. E eu sei que o Felipe tem a certeza absoluta que quer ficar com você, eu vejo isso toda vez que ele te olha, os olhos dele brilham, da mesma forma que os seus também brilham quando enxergam ele.

Marina tem razão. Eu não consigo debater contra isso. Eu e Felipe nos amamos genuinamente. E meu único medo é de não conseguir fazer ele feliz. E não só meus olhos que brilham quando eu vejo Felipe. Toda vez é como se eu me apaixonasse pela primeira vez por ele. É algo que eu não consigo explicar.

- bom, eu espero que você pare de ser cabeça dura. E agora eu preciso dormir, e você também deveria.

- claro, eu vou. – digo tentando me soltar dos meus pensamentos e me acalmar. Marina me planta um beijo na bochecha e se vira para o lado, e eu apago a luz da luminária e me afundo no travesseiro, pensando em como seria um pedido de casamento oficial do Felipe pra mim. Como será que eu reagiria? Bem, eu não sei.

_________________________________________

- eu queria sair pra dançar. – Marina dispara enquanto coloca a vasilha com creme de morango no congelador e depois volta para mexer o brigadeiro de panela no fogão.

- sair? Dançar? Sério? – eu a olho curioso, enquanto aproveito a rapa do creme de morango no liquidificador.

- por que não?

- Marina, por favor... – eu não acho que ela esteja falando sério.

- foi só uma ideia.

- podemos dançar aqui em casa, tenho um rádio, uma boa seleção de músicas no pen drive. Isso é suficiente.

- você tem vergonha de sair pra dançar em outros lugares?

- não vergonha, mas sei lá, é estranho.

- então por que você é cadeirante, não pode frequentar uma balada?

- posso, mas... ah Marina, é complicado.

- só porque você complica, Eduardo. Sua condição física não te impede de fazer isso.

Eu fico olhando pra ela por alguns instantes, mas sem pensar em muita coisa. Eu quero fazer essa loucura. Eu sei que eu quero. E no fundo, eu preciso.

- onde que a gente vai? Tem que ter música boa.

Ela parece não acreditar no que ouve, então começa a sorrir boba. Logo eu vou tomar banho. Não demora muito para eu estar arrumado, vestindo minha camiseta degrade em tons de cinza, minha calça cáqui e meu coturno. Vamos até a casa de Marina para ela se arrumar, e eu fico feliz por ela não demorar muito para o fazer. Quando ela sai do quarto vestindo uma camiseta azul marinho, uma jaqueta de couro preta, uma bermuda de algodao preta e duas listras laterais em couro sintético, e um coturno de couro da mesma cor, vejo ela em seu melhor lado de mulher fatal.

- uau. – digo enquanto ela se aproxima de mim e pega as chaves em cima do sofá.

- to bonita?

- tá maravilhosa. – digo batendo palmas teatralmente, com a ponta dos dedos.

- então vamos?

- bora lá.

Assim que passamos pela entrada da boate, How Deep Is Your Love me faz querer dançar. Eu e Marina estamos realmente empolgados, nos sentindo como dois adolescentes que estão saindo sozinhos pela primeira vez. E de fato, essa é a primeira vez que saímos pra balada só nós dois. Ela se encarrega de ir direto para o bar pegar algumas bebidas para a gente, enquanto eu sustento os olhares curiosos das pessoas. Eu já sabia que isso ia acontecer, mas o mais incrível é que eu já me acostumei com isso. Vou apenas me divertir essa noite, esquecendo todos os problemas e todas as limitações. Aliás, foda-se elas. Eu vou dançar por conta própria, do meu jeito.

- um brinde à nossa noite! – Marina está trazendo dois copos, um em cada mão, erguendo-os pra cima e desviando das pessoas perto da gente.

- a nossa noite! – digo batendo meu copo no dela. Então, não falamos mais nada. Apenas nos deixamos levar pelo ritmo das ótimas musicas que tocam no lugar. O Dj é ótimo, sabe muito bem escolher os sons, alternando sucessos recentes com antigos, fazendo com que todas as faixas se encaixem em sintonia. Eu sei todas, canto todas, mexo tudo o que posso mexer e me divirto horrores com Marina. As luzes coloridas batem em mim, em meu rosto, fazendo eu fechar os olhos e sentir o ritmo das batidas pulsando em minhas veias. Quando começa o instrumental poderoso, cheio de sintetizadores de Timebomb, da Kylie Minogue, sinto que é o ápice da noite. Marina dança sem receio do meu lado, com movimentos certeiros e confiantes, arrancando alguns olhares de meninas que estão do meu lado. Agora ela está indo no bar novamente, pegar mais alguns drinks, e eu continuo dançando. A noite vai passando, a gente prova quase todos os drinks que estão disponíveis pra gente, dança o máximo que podemos e eu já me sinto um pouco bêbado. O drink de vodka, suco de morango e pimenta é até agora o meu preferido. Minha garganta ainda está com uma ardência leve e gostosa. Mas o que me deixou realmente alto foi o shot de tequila. Quando eu a tomo, sinto que é melhor eu dar um tempo e tomar um pouco de água. A última experiência não foi muito legal, mas eu não vou fazer a mesma coisa. Agora eu sei o meu limite. Eu estou feliz, leve e me sinto tão bem aqui, com minha melhor amiga, sem pensar muito, apenas uma noite de festa e arruaça. Eu e Marina estamos um na frente do outro, ao som de um remix incrível de On My Mind, da Ellie Goulding, quando eu sinto alguém cutucar meu ombro. Me viro para ver quem é e vejo uma garota linda, com cabelos castanhos escuros e com uns 1,80 de altura me olhando com expectativa.

- oi, desculpa incomodar, mas... a sua amiga é solteira?

Eu olho para Marina, que está dançando sem nem ao menos notar a presença da garota, então eu decido salvar ela dessa.

- na verdade, ela é minha namorada. Por que?

- ah... Desculpa, eu achei que... Bom, esquece. – ela parece realmente constrangida, enquanto ela se mistura na multidão novamente. Então, eu começo a rir. Começo a realmente rir. Não sei se é o efeito do álcool, mas eu sinto minha barriga doer de tanto rir, lembrando da reação da garota.

- o que foi Edu?

- eu acabei de te salvar de uma garota te querendo.

- aí Jesus, e como você fez isso?

- disse que era seu namorado. – digo isso fazendo a cara mais máscula que eu consigo, fazendo ela cair risada também.

- você é uma peça, caipira. Mas valeu, mesmo assim.

Então, eu sinto que preciso muito ir no banheiro. Depois de ingerir tanto líquido, não era pra menos. Mas eu não estou confiando no meu senso de equilíbrio, não estando muito sóbrio.

- Marina, eu preciso ir no banheiro.

- tá bom, vai lá.

- não, mas eu preciso de ajuda. Não sei se eu consigo ir sozinho, to bêbado.

- é sério? Eu vou ver teu bilau de fora?

- Marina! – falo encabulado.

- tá bom, vamos lá.

Então, mesmo Marina não estando totalmente limpa do álcool no corpo, ela é a única pessoa aqui que eu conheço e confio o suficiente para me levar até lá. E assim, vamos em direção aos sanitários. Quando entramos, agradeço que esteja vazio. Vamos direto para a cabine de deficiente físico, o que eu acho bastante conveniente, já que não vi muitos clubes noturnos que tivessem isso. Marina me ajuda a me transferir para a privada, então eu começo a abaixar minhas calças. Demoro um pouco para começar a esvaziar em si. Quando a gente ouve o barulho da urina caindo dentro da privada, temos outro ataque de riso. Acho que é porque estava tudo quieto dentro do banheiro, apenas o barulho abafado da música do lado de fora. Já percebi que eu e ela somos do tipo de bêbado que ri por tudo. Depois de esvaziado, ela me ajuda a voltar para a cadeira, então saímos da cabine e há um homem lavando as mãos na pia. Ele olha para nós através do espelho e até imagino o que ele deve estar pensando que a gente fez, e isso acaba tornando tudo ainda mais engraçado. Mas dessa vez, eu e ela seguramos o riso.

Assim que a gente volta pra pista, nos esbaldamos ao som de outro remix incrível, dessa vez de Style. Então, enquanto eu sinto levemente o álcool sair do meu sangue, eu prefiro ficar apenas na água dessa vez. Não demora muito até que chega a hora de irmos embora. Agora eu só quero minha cama, mas minha noite valeu muito a pena, vai entrar pra história da minha amizade com a Marina.

Acabei de sair do banho e estou aproveitando meu domingo preguiçoso na cama, com o mini system ligado ao som do álbum 1989. Agora eu estou navegando na internet pelo notebook, fuçando em minhas redes sociais e fazendo o download de algumas musicas novas. Quando abro uma nova guia, vejo o meu e-mail como um dos mais acessados e isso me faz lembrar do médico dos EUA. Confesso que eu estou um pouco receoso quanto a cirurgia, mas a vontade de tentar é maior que qualquer medo. Me estico até o criado mudo e pego o pedaço de papel que continua o endereço eletrônico do doutor, então pouso ele do meu lado e entro no meu e-mail. Começo a pensar no que escrever e como o fazer, escolhendo as palavras certas para minhas chances serem maiores. Depois de escrever um pouco mais do que eu acho necessário, mas escolhendo muito bem o que deixar, acabo achando que está bom. Conto com a sorte e aperto “enviar”, com meu coração batendo acelerado. Esse e-mail pode ser um divisor de águas na minha vida e eu tenho bons pressentimentos em relação a isso. Agora é tudo ou nada.

Comentários

Há 7 comentários.

Por Dougglas em 2015-12-26 21:17:31
Amo de paixão a amizade do Edu e da Marina. Adorei a cena da Boate, ficou muito boa hahaha. Ela falando do Edu sobre a condição dele. Eles falando sobre amores. Apertou o coração aqui rsrsrs. Ain, até eu tô ansioso por essa cirurgia. ..
Por Luã em 2015-12-02 21:41:35
Niss, disturbia, luan, Diego e sirferrow, obrigado galera!
Por Sirferrow em 2015-11-17 17:05:45
Ótima série!!! Ansioso pelo próximo capítulo.
Por diegocampos em 2015-11-17 02:03:47
A marina e muito fofa e o edu e o Felipe também o episódio foi ótimo, estou ansioso para o próximo capítulo e para a nova temporada.
Por luan silva em 2015-11-17 01:25:46
Marina <3 <3 <3 eu a amo e muito, personagem malavilosa... Edu e fê são tão perfeitos, lindos e fofos, muita perfeição. Muito ansioso pelo casamento e pelo proximo capitulo.
Por Disturbia em 2015-11-17 01:22:32
Séries que citam a Tay é outro nível né migo?!?! Kkkkkkk... Arrasou como sempre, quero ver o final de temporada lacrando como sempre
Por Niss em 2015-11-17 00:44:54
Nossa senhora!!! Espero que o Edu consiga a cirurgia, e que ele volte logo a andar. Achei linda a parte da Marina conversando com o Edu sobre a condição física dele. Gostei também da parte em que eles falam sobre os seus amores, realmente são lindos. Mal posso esperar pra esse casamento da Marina. E o do Edu??? Quando vem?? Hahah vai ser tão lindo!!! Esses dois doidos na parte da boate kkkkkkkk muito bom Luã. Espero pelo próximo. Kisses, Niss.