17. Gre-Nal

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Oi gente! Tudo bom? Gostaria de agradecer a todos pelos comentários, pelo incentivo e tudo mais. A série está me trazendo ótimos frutos, e eu estou muito feliz. Na última semana, uma página no facebook divulgou a série e eu fiquei muito, mas muito feliz. Agora, segue abaixo mais um capítulo pra vocês. Desculpem a demora, mas eu estou tentando fazer tudo do melhor jeito possível, tudo pra vocês! Obrigado de coração. Abraços! (:

Estou na sala de aula, terminando de responder a última questão da minha última prova do ano com um sorriso de satisfação no rosto. Essa semana de provas foi exaustiva, mas agora eu vejo como valeu a pena. Nesse exato momento, eu estou terminando oficialmente meu primeiro ano na faculdade. Meu ano como calouro. Foi um ano e tanto, isso eu não posso negar. Me mudei pra Porto Alegre, algo que sempre foi meu sonho absoluto, comecei a fazer gastronomia, o que também sempre foi meu sonho absoluto. Esse foi o ano de realização de sonhos. Mas foi muito mais do que isso. Conheci Marina, minha melhor amiga de todas, ganhei o segundo lugar em um dos maiores concursos de gastronomia do país e de quebra consegui uma proposta de emprego em um restaurante renomado. Falei com Cassiano na semana passada, ele me falou que a reforma do prédio onde vai ser o restaurante já começou.

Largo a caneta na mesa e olho para o lado, para Marina, que percebe e me olha também, me perguntando com o polegar se esta tudo bem e eu confirmo com a cabeça. Depois disso o sinal toca, fazendo todos entregarem as provas para o professor e saírem da sala. Eu e Marina ficamos por último, para esperar a muvuca se acalmar.

- e aí caipira, como foi a prova?

- foi bem, eu acho. E a sua?

- só aquela última questão que me pegou de surpresa, mas de resto foi de boa.

- seus pais já chegaram?

- já, estão lá em casa. Iam no mercado com a Bárbara pra comprar as coisas que faltam pra amanhã.

- bem, eu ia te dar o presente amanhã, mas não consigo segurar a ansiedade. – pego minha mochila e começo a procurar dentro dela o pacote com seu presente de aniversário adiantado. Ela rasga o embrulho e acha um desses dados de colocar no espelho retrovisor do carro. Eu mandei fazer um customizado, onde em um dos lados do dado, está escrito “ruivas são as melhores”. Ela olha e então começa a rir.

- pra dar sorte no carro novo.

- isso é hilário. – ela ainda está sorrindo. – valeu caipira.

Ontem ela e Bárbara compraram um carro novo, trocando o de Marina por um Fiesta dos modelos novos. Agora eu sei que toda vez que ela entrar no carro ela vai rir, olhando pro meu presente.

- a gente precisa sair pra comemorar. Fim do primeiro ano letivo, né? Não acontece todo dia.

- ah Mari, hoje não vai dar. Eu marquei com o Felipe de começar a arrumar a casa pro natal. Ele ia comprar as coisas depois do trabalho. – digo ao chegarmos na calçada. Me sinto chateado de estragar os planos dela.

- ah, a gente comemora amanhã então.

- não dorme cedo, ok? Meia noite eu vou te ligar pra dar os parabéns.

- tudo bem. Quer uma carona?

- não, valeu. O Felipe já tá vindo.

- tenho certeza que ele quer a tua ajuda pra fazer o Papai Noel e te recompensar por ter sido um bom menino o ano todo.

- Marina! – digo envergonhado.

- é verdade, acho que ele quer te fazer de trenó e montar em cima de você. Cuidado hein caipira.

- meu Deus, você não é normal. – digo já encabulado. Então,vejo o carro de Felipe estacionar em nossa frente.

- e aí calourada. – ele sai do carro com aquele sorriso lindo dele, me deixando desconcertado.

- falou o veterano né? – Marina se aproxima e lhe dá um abraço. – estávamos falando de você agora mesmo.

- bem ou mal? – ele arqueia uma sobrancelha.

- isso é segredo. – ela solta um sorriso de cumplicidade para mim, e eu sacudo a cabeça em desaprovação.

- bem, eu já vou indo. A gente se vê amanhã.

- tá bom, até mais.

- até, caipira. Tchau Felipe. – ela acena pra ele, e ele retribui.

Assim que ela some do nosso campo de visão, Felipe me olha apaixonado.

- como foi a aula?

- foi ótima, passou bem rápido.

- que bom. Tá com fome?

- muita.

- então vamos passar em algum lugar antes pra pegar alguma coisa pra comer.

No meio do caminho, paramos em uma lanchonete e pedimos dois hambúrgueres e refrigerante.

- e na agência, como foi hoje?

- foi bem. O Ricardo recebeu um e-mail hoje, sendo convidado pra um evento de publicidade daqui a duas semanas, em Florianópolis.

- uou, que incrível.

- e ele me convidou pra ir junto. Eu e ele. – ele me olha com expectativa, e tudo o que eu consigo fazer é largar meu copo de refrigerante na mesa e olha-lo, surpreso.

- Felipe, isso é incrível! Caramba!

- é, eu sei! Eu quase nem acreditei quando ele me convidou também. Agora a gente vai passar todos os dias montando nossa campanha pra apresentar lá. Vai ser corrido, mas assim a gente ganha notoriedade.

- isso vai ser ótimo, Fê. Tenho certeza que vocês vão se dar muito bem lá. O Oscar deve estar pirando agora, né.

- nem me fala, ele tá bastante ansioso, mas ele sabe como controlar a situação.

- e se ele te chamou pra ir junto, é porque ele confia no teu potencial.

- eu não posso decepcionar ele.

- ei, você não vai. Olha o trabalho incrível que você fez lá até agora. Se ele te chamou pra ir junto, tem um motivo.

Ele me olha e parece estar levemente mais relaxado.

- obrigado meu amor. Meu pai me falou a mesma coisa. Parece que vocês combinaram.

- você já falou pra ele? E aí?

- ele tá superfeliz também, minha mãe nem se fala. Acho que é por isso que eu estou me colocando sob tanta pressão. Há tanta gente colocando tanta expectativa em mim. Preciso ser perfeito.

- e você vai. Só continua fazendo o que você sempre fez. – coloco minha mão em cima da dele, acariciando-a.

- obrigado meu amor. Eu não sei o que eu faria sem o teu apoio. – seus olhos cintilantes agora estão me penetrando, fazendo meu coração acelerar.

- eu te amo tanto, Felipe.

- eu te amo mais, Edu.

E assim, em meio a troca de palavras e declarações de amor, nossa noite vai passando. É tão surreal pensar em como o amor pode mudar a gente. Quando a gente ama, toma-se a coragem necessária pra enfrentar meio mundo, se for pra fazer a pessoa feliz. Colocamos muitas vezes nossos problemas de lado para amparar o outro, e não imaginamos mais nossa vida em singular. Você acaba se tornando parte da outra pessoa, e vice-versa. Com Felipe é assim. Desde que eu vi ele sentado naquela mesa 09, do restaurante, eu soube que ele era diferente. Mas eu não imaginava em como ele me afetaria. E agora eu estou aqui, mais de um ano depois, sentado na frente dele, na frente do amor da minha vida. Isso pra mim é algo tão incrível que chega a ser inexplicável. Mas acho que essa é a parte mais incrível do amor: ser inexplicável.

Em frente à casa de Marina há dois carros. Um deles julgo ser dos seus pais e o outro delas. Assim que batemos na porta, Marina nos recebe com um sorriso largo.

- até que enfim! Pensei que iam chegar só pra janta.

- não sou tão cara de pau assim. – lanço um olhar debochado pra ela, que me revida e logo após se curva pra me dar um abraço.

- feliz aniversário, minha amiga.

- valeu, caipira.

Assim que nos desvencilhamos, Felipe lhe dá as felicitações e lhe entrega o seu presente.

- bem, foi um presente meu e do Edu. Eu espero que você goste.

Ela abre e pega os ingressos na mão.

- o jogo do gre-nal? Não pode ser! – ela começa a rir, visivelmente feliz e surpresa. Há quatro ingressos, para mim, Felipe, ela e Bárbara.

- se o Grêmio perder, o Felipe e a Bárbara pagam uma rodada de cerveja depois do jogo. – eu falo seguro de que meu Internacional já está com o jogo ganho. Marina concorda, já que ela é torcedora fanática do Inter.

- já podem sacar o dinheiro então, porque meu Grêmio vai ganhar de lavada. – Felipe nos olha convencido, enquanto eu Marina rimos. Depois, nos juntamos com o resto do pessoal. Os pais de Marina são muito simpáticos, receptivos e parecem aceitar Bárbara como parte da família. Fico feliz por minha amiga, já que ela me contou que no início eles demoraram pra absorver o fato de sua orientação. Bárbara está na cozinha fazendo as saladas junto com Joana, enquanto Tiago está encarregado do churrasco. Ele me lembra muito meu pai, fazendo o churrasco, seu jeito de conversar, enfim, muitas coisas. Meu coração se aperta um pouco pois sinto sua falta, mas não quero ficar triste agora. O dia é de comemorações.

- então até que enfim eu estou conhecendo o famoso Eduardo. A Marina só fala de você, filho.

- ah Joana, é um prazer conhecer a senhora também.

- senhora não, que eu não sou velha. Pode me chamar de você. – a última frase ela fala girando em seus calcanhares e abanando as mãos, fazendo todos nós rirmos.

- é um prazer conhecer você. – digo ainda sorrindo. – espero que ela tenha falado bem de mim, porque do jeito que ela é abusada, é a cara dela sair por aí difamando as pessoas. Olha, só Deus na causa.

Marina me olha e faz uma careta e eu atiro um beijo pra ela.

- a Marina sempre foi da turma do esparro, sempre foi rebelde. Mas ela sempre falou tão bem de você. Ela tem um carinho muito grande por você, Edu. Ela te considera como um segundo irmão.

Quando Joana fala isso, meu coração amolece. Chamo Marina para um abraço, e ela vem de braços abertos.

- quando você tava no hospital, ela nem dormia de noite direito. – Tiago entra na conversa, me fazendo ainda mais revelações.

- pai... – Marina adverte ele, certamente achando que entrou em um assunto delicado.

Ela me olha e eu falo com os olhos que pode deixar. Tocar nesse assunto já não é um problema pra mim.

- ela sempre foi difícil de fazer amizades, mas com você Edu, é incrível. Ela tem uma conexão muito forte com você. – Joana complementa as palavras de Tiago.

- e eu com ela. – a olho sentimental e vejo que ela está sem jeito. – você sabe que eu te amo, né ruivona?

- eu também, caipira.

Nessa hora, um coral de “Oh” se instala no cômodo, enquanto eu e ela damos mais um abraço um no outro. Acho que Marina não tem noção do quanto ela é importante pra mim, a amizade dela é algo valioso que eu vou levar o resto da vida comigo.

Tiago está trazendo a forma com o churrasco para a mesa e Marina está trazendo o resto. Joana e Bárbara sumiram nos últimos cinco minutos, o que eu acho estranho. Mas antes que eu pudesse perguntar para Marina onde elas estão, vejo elas saindo do corredor com o notebook ligado nas mãos de Joana. Quando ela vira a tela para o nosso lado, fico muito mais do que surpreso ao ver Bernardo pela webcam. Marina, que está do meu lado, começa a sorrir e a chorar ao mesmo tempo, visivelmente emocionada.

- Bê! – ela coloca as mãos na boca, enquanto vejo algumas lágrimas caindo do olho dela. – que saudade meu irmão.

- eu também, Mari. To contando os dias pra ver vocês de novo. Mas enquanto não dá, quero te dar os parabéns por aqui. Quero te desejar tudo de melhor. Muita paz, saúde, felicidades, sorte e sucesso. Que Deus esteja sempre iluminando você.

- eu te amo, Bê.

- eu também, Mari.

Nessa hora, até eu estou chorando. Deve ser horrível pra eles estar tão longe em uma data tão especial como essa. Ainda mais os dois, que são tão unidos. É uma cena linda e triste ao mesmo tempo. Enquanto eles conversam e matam a saudade, Marina olha brevemente com um olhar de agradecimento para Bárbara e Joana, que trocam olhares confidentes. Olho para Felipe, que olha para o notebook com uma expressão já muito conhecida quando se trata de Bernardo. Ah não, Felipe. Ciúmes, agora? Seus olhos encontram os meus e sua feição se suaviza, enquanto eu tento ficar bravo com ele, mas não consigo, como sempre. Depois de alguns minutos, Tiago traz o bolo de chocolate da cozinha e coloca no centro da mesa, logo antes de todos cantaram parabéns pra Marina, inclusive Bernardo. Assim que termina, vejo ele olhando em minha direção. Então, ele acena para mim e eu aceno de volta e acho estranho esse tipo de comunicação estranha por distância. Não é como se eu nunca tivesse feito isso com minha mãe, mas sei lá, agora é diferente. Me aproximo do computador e pego-o da mesa, que não estava muito longe de mim, e coloco em meu colo.

- e aí caipira. – ele me olha com um sorriso tímido e eu vejo que senti saudade dele.

- agora até você com esse apelido? – finjo estar bravo, fazendo beicinho, mas logo nos dois estamos sorrindo. – como tá aí em Berlim?

- um pouco frio, mas tá bom. E aí em Porto?

- ah, agitado, como sempre. Final de ano sempre é uma correria né.

- e o Felipe?

- tá aqui do lado. – olho rapidamente pra ver se ele estava prestando atenção, mas é óbvio que ele estava.

- deixa eu dar oi pra ele.

Mesmo não achando uma ideia muito boa, decido virar o notebook para o lado e torcer para que Felipe seja bem educado. Para minha surpresa, ele reage bem.

- e aí Felipe, como tá? – a voz de Bernardo sai descontraída, como se eles nunca tivessem rolado no chão aos socos. Só de lembrar disso, reprimo um sorriso. Isso foi tão bobo.

- e aí cara! To bem, e a Alemanha, como tá?

- tá legal, mas to com saudade do Brasil.

- quando você vem?

- acho que só em abril. Talvez eu consiga antes, mas não sei ao certo.

Por um momento, não consigo acreditar que eles estão tão entrosados. Felipe está bem? Eu espero que sim. Depois de uma breve conversa, pego de volta o computador, não conseguindo esconder meu espanto por essa conversa. Ele digita uma mensagem e me manda.

“Parece que as coisas mudaram. Fico feliz por isso.”

“Eu também.” – sorrio de volta, enquanto Marina chega no meu lado com dois pratos de bolo, um pra mim e outro pra Felipe.

- tá, agora vai comer que eu vou aproveitar meu irmão. – Marina já vai tirando o notebook de mim, enquanto eu me levanto e vou para a mesa me servir. Após comermos, Marina se despede de Bernardo e desliga o computador, se juntando a nós para cortar o bolo que eu estava de olho à noite toda. Eu ganho o terceiro pedaço do bolo, logo após Joana e Bárbara, enquanto Tiago foi o próximo e Felipe depois. Acabo me esbaldando com um pedaço gigante desse bolo de chocolate, recheado com mais chocolate e com cereja e cobertura de ainda mais chocolate e bombons de licor. Isso é o paraíso.

Enquanto todos terminam de comer, começo a olhar Felipe, ainda sem entender bem sua reação, mas muito feliz por ela.

- o que foi? – ele me pergunta engolindo o último pedaço do bolo em seu prato.

- só to feliz que você esteja de boa com o Bernardo.

- acho que tá na hora, né? – ao soltar isso, ele me deixa ainda mais surpreso.

- se você diz, eu fico mais do que feliz.

Bárbara nos interrompe para falar algo importante. Acho engraçado o jeito que ela está nervosa e tropeçando nas palavras. O que será que houve?

- eu gostaria de aproveitar que estamos aqui juntos, todos os mais próximos de mim e da Marina, pra falar algumas palavras. – nessa hora, ela chega mais perto de Marina, ficando bem em sua frente. – Mari, eu sei que eu já falei isso muitas vezes, mas eu queria te dizer o quanto eu sou feliz por ter você do meu lado.

- eu também, meu amor. Muito. – Marina está emocionada, mas um pouco sem jeito. Acho que declarações de amor em público não são muito a praia dela.

- é nesse tempo todo que estamos juntas, eu pude aprender muito com você, pude amadurecer como pessoa, pude descobrir coisas novas, pude me tornar alguém melhor. E é por isso é por tantas outras coisas que eu não tenho dúvida que você é a pessoa certa pra mim. E aqui, na frente da tua família e dos teus amigos, eu queria te fazer uma pergunta. – ela revira o bolso de sua calça jeans e tira uma caixinha aveludada. Santo Cristo, é o que eu to pensando? Olho pra Marina, que está imóvel, apenas acompanhando com os olhos os movimentos de Bárbara.

- Marina, você quer casar comigo?

Nessa hora, eu ponho minha mão na boca, em choque. Casamento? Caramba! Marina parece não ter saído do transe, e ainda olha estática para Bárbara, que só se alivia quando uma lágrima percorre o rosto de minha amiga ruiva e em seguida balança a cabeça em sinal de positivo.

- aceito, eu aceito sim. – diz ela dando um beijo intenso e um abraço apertado em sua parceira, fazendo eu me derreter por dentro. Olho para Felipe, que assim como todos os outros, está com um sorriso bobo no rosto. Bárbara coloca a aliança de ouro no dedo direito de Marina, que faz o mesmo com Bárbara. Após darmos nossas felicitações para as mais novas noivas, Marina vem para o meu lado ainda com um sorriso de orelha a orelha.

- você sabia de alguma coisa disso?

- claro que não, eu to tão surpreso quanto você. – minha cara não me deixava enganar, eu realmente estava incrédulo.

- eu vou casar.

- vai mesmo. E eu vou ser o padrinho.

- mas não seria de outra forma, né caipira? Já vai arrumando um terno bacana e capricha no presente, você e o Felipe.

- abusada.

Ela me mostra a língua e eu a abraço em seguida. Da pra acreditar que elas vão se casar? Isso é insano.

Não demora muito até que vamos para casa. No caminho, eu e Felipe ainda conversamos sobre a noite turbulenta de hoje.

- o que você achou do pedido de casamento?

- achei lindo. Elas se combinam tanto. E você? – ele me analisa brevemente, voltando sua atenção na estrada.

- ah Fê, eu não sei. Elas se amam, isso eu não tenho dúvidas. Mas será que não é muito cedo?

- talvez. Mas por que elas esperariam? Elas já tem o principal que é o amor. Quanta gente por aí se casa com a vida estabilizada, com dinheiro, mas não tem amor.

- é, isso é fato.

Eu acabo estranhando a reação de Felipe. Ele tem a mesma linha de raciocínio das meninas. Isso me faz pensar que ele quer se casar. Mas já? Santo Cristo, não é muito cedo? Quer dizer, eu tenho apenas 18, quase 19 anos, e ele também nem chegou aos 20. Tenho medo de acabarmos apressando demais as coisas. Mas por hora, decido não pensar nisso. Afinal, são apenas suposições.

Fábio está na minha frente, conversando com Felipe sobre a sessão de fisioterapia de hoje, mas há algo de errado comigo. Apesar da sessão de hoje ter sido muito produtiva e eu ter conseguido ótimos resultados, eu estou muito impaciente. Eu digo, não tem como não ficar feliz com todo o meu avanço até aqui, mas eu quero mais. Quero o que todos os que sofrem lesão medular querem: voltar a andar. E eu não estou tendo nenhuma resposta concreta até agora, mesmo tendo toda a paciência do mundo para esperar.

- Fabio, posso te fazer uma pergunta? – eu interrompo os dois, que estavam animados em sua conversa.

- claro Edu. O que foi?

- eu não quero ser chato, mas eu estou vindo aqui há algum tempo e... – eu falho na hora de terminar a frase. Será que não estou sendo precipitado?

- fala Edu.

- eu não estou vendo um avanço significativo pra que eu possa voltar a andar.

Fábio muda sua expressão, que era leve e descontraída, para mais séria.

- olha Edu, eu sei como você se sente. A recuperação é um processo de longo prazo, com pequenas conquistas diárias. 10 de cada 10 pacientes me fazem essas indagações. Todos querem andar. Mas eu preciso ser sincero com você. As chances são muito pequenas. Você está tendo resultados incríveis, eu falo sério, não é só pra te animar. Eu já atendi muitos pacientes e você tem se saído muito bem mesmo.

- mas voltar a andar já é outra história. – afirmo isso sem precisar que ele termine, e eu já vejo essas malditas lágrimas teimosas ameaçando escorrer pelos meus olhos.

- Edu, você precisa saber que antes de mais nada, você conquistou muitas coisas até aqui. Você olha tanto pra frente, visando a recuperação completa, que acaba esquecendo de tudo o que você já venceu.

- eu sei doutor, mas eu quero muito voltar a andar.

Fábio me analisa por alguns instantes, enquanto eu limpo meu rosto úmido com as costas da minha mão.

- eu não sei se você já ouviu falar em cirurgia de célula tronco para lesão medular. – ele me olha enquanto eu nego com a cabeça. – bem, é um procedimento que é feito nos Estados Unidos e que é muito isolado. Eu conheço um homem que fez fisioterapia aqui comigo e que fez essa cirurgia no ano passado. Ela custa caro, não dá muita certeza de melhora, mas é algo que pode se tentar.

- sério? Que noticia ótima doutor! – já abro um sorriso novamente.

- as chances de melhora, eu repito, são poucas, mas se você quiser pensar a respeito, posso te passar o contato dele pra você conversar melhor a respeito disso.

De repente, meu astral se ilumina. Há uma chance, mesmo que pouca, para que eu me recupere. Eu tenho chances de voltar a andar! Santo Cristo, minha ansiedade já está me sufocando. Fábio me passa um papel pequeno com o telefone do homem, junto com seu nome e eu o guardo com um sorriso de satisfação.

Saio do consultório ainda pensando em tudo o que Fábio me disse. No caminho pra casa, estou perdido em pensamentos de como isso pode mudar minha vida.

- Edu?

- oi meu amor.

- você está pensando na cirurgia?

- sim. – falo com um sorriso no rosto.

- Edu, você viu que o doutor disse que é caro e que as chances de recuperação não são altas. Isso é um tiro no escuro.

- eu sei Fê, mas eu vou tentar.

- você já sabe quanto que custa tudo? Não só a cirurgia, mas as passagens, a hospedagem... Meu amor, eu queria tanto ter condições, mas não sei se temos como ir. – Felipe parece estar muito decepcionado. Quando ele fala isso, eu acordo pra realidade. Realmente, não há condições pra isso. Fazer uma viagem para os EUA, para uma cirurgia bancada totalmente pelo paciente, é quase surreal. E eu não posso me iludir ao pensar que eu vou sair de lá caminhando. As chances são mínimas. Preciso guardar essas palavras. Com isso, meu humor se afunda e eu viro minha casa para a paisagem urbana ao meu lado.

- Edu, eu...

- não precisa dizer nada, Lipe. Eu sei que não tem como. Eu entendo, de verdade.

- eu sei, mas você tava tão empolgado, fico triste em tirar seu ânimo, mas eu preciso ser realista.

- tá tudo bem. – lhe lanço um sorriso falso, mas convincente.

- liga pra ele e pergunta quanto é. A gente vê o que faz, tá bom?

- tudo bem. – eu falo indiferente. Uma parte de mim quer muito ligar, mas outra diz que é em vão e que eu só vou criar falsas esperanças. A euforia inicial e precoce que eu tive no consultório apenas virou em nada.

Assim que Felipe me deixa em casa, ele segue para o trabalho. Não consigo deixar de ficar triste pelo choque de realidade que ele me deu, e eu sei que ele também ficou do mesmo jeito. Passo pela sala desanimado, seguindo em direção ao banheiro e me encarando pelo espelho por alguns segundos. Esses últimos dias têm sido tão intensos, tão cheios de altos e baixos, que eu me sinto como outra pessoa. Uma pessoa cansada, querendo ter esperanças, mas que leva pancadas da vida toda hora. Sou alguém que está sinceramente cansado de criar falsas esperanças, de achar que tudo vai se resolver, quando na verdade não vai. Mas por outro lado, há uma fraca esperança lá no fundo, que me diz pra tentar. Como que em um impulso, saio do banheiro e vou até meu telefone, tirando o papel do meu bolso no meio do caminho e, ao discar o número, espero ansioso por uma resposta. No terceiro toque, alguém atende do outro lado da linha, fazendo meu coração disparar.

- alo?

- alo, Pablo?

- isso, quem fala?

- bem, você não me conhece, mas eu me chamo Eduardo. Sou paciente do doutor Fabio. Ele me contou que você fez uma cirurgia de células tronco há algum tempo atrás. Espero que você não se importe sobre isso.

- claro, não tem problema. Mas no que eu posso te ajudar?

- bem, eu gostaria de saber como eu posso fazer essa cirurgia. Se você pudesse me passar o contato do médico dos EUA que te encaminhou.

- é claro, você quer se encontrar em algum lugar pra conversar melhor?

- se não fosse incomodo, eu ia adorar.

Então, marcamos em uma cafeteria do centro para o dia seguinte. Desligo e não sei bem qual a sensação que eu estou tendo, só sei que eu estou feliz, e com um pouco mais de esperanças.

Assim que entro no estabelecimento rústico, com as paredes em tijolo à vista e mesas com acentos em couro vermelho, me sinto em uma das cafeterias tradicionais americanas. O tempo lá fora está nublado, envolvendo o céu de Porto Alegre com uma camada de nuvens cinzentas e que ameaças despencar chuva a qualquer momento. Nem o cansaço da livraria me faz ficar desmotivado quanto a essa conversa. Muito pelo contrário, estou muito ansioso por isso. Não parei de pensar nesse encontro o dia inteiro. Enquanto o garçom me traz meu café expresso, olho ansioso para todas as pessoas que cruzam a porta do lugar. Qual deles pode ser Pablo? Eu não sei nem se ele continua na cadeira de rodas. Cerca de uns cinco minutos depois que eu cheguei, avisto um homem de uns trinta e poucos anos, loiro dos cabelos ondulados e com a barba por fazer, cruzar a porta com sua cadeira de rodas. Quando ele me avista, por um momento tenho certeza que é ele. Minha certeza se confirma quando ele vem em minha direção.

- Eduardo? – ele me lança um sorriso acolhedor.

- isso. – estendo minha mão para cumprimentá-lo.

- desculpe o atraso.

- sem problemas.

Enquanto ele pede um café, eu o analiso. Ele fez a cirurgia, mas será que algo mudou? Vendo de fora, posso dizer que não. Ele é muito parecido comigo, nas questões das quais somos semelhantes. Jeito de manusear a cadeira, a funcionalidade, tudo.

- e então Edu, você ainda está fazendo fisioterapia?

- sim. O Fábio é um ótimo profissional, já conseguimos bastante avanço desde que eu comecei.

- isso e ótimo. E como foi que você ficou assim?

- acidente de carro. Você?

- o mesmo.

- há quanto tempo?

- quase três anos.

- nossa, é muito tempo.

- é, mas parece que foi ontem. – sinto um certo tom de melancolia em sua voz, se contrapondo em seu sorriso.

- como foi a cirurgia? – tento tirá-lo de seus pensamentos tristes, ao mesmo tempo em que vou direto ao assunto.

- bem, primeiro eu contatei um médico dos Estados Unidos para solicitar a cirurgia. Depois que foi aprovado, ele me pediu um monte de exames dos mais variados tipos. Depois, demorou um tempo até que estivesse tudo certo para eu ir até lá. Quando eu cheguei em Miami, tive que refazer todos os exames para eles terem certeza de que estava tudo bem. Feito isso, foi só o tempo de eles desenvolverem as células e então eu fiz a cirurgia.

- e deu algum resultado? – fico sem jeito em perguntar, mas eu preciso.

- sim. Eu voltei a ter sensibilidade. Não vou dizer que isso é tudo bom, pois a gente sente bem mais dores, mas é um bom avanço.

- e teve algo de ruim depois da cirurgia? Alguma complicação?

- na verdade não. Mas eu perdi força no tempo em que eu fiquei de recuperação, então tive que voltar a fazer algumas sessões de fisioterapia pra voltar a fazer o que eu já fazia.

- você se arrepende de ter feito?

- não, de jeito nenhum. Mas não sei se o resultado foi muito satisfatório. O meu problema, e provavelmente deve ser o seu também, é que a gente vai pra lá achando que vai sair de lá andando. Mas não é bem assim. A cirurgia de célula tronco não é um procedimento comum. Ainda não foi liberado em massa, tanto que é muita burocracia pra fazê-la, se você consegue se encaixar no que eles precisam.

Então, passamos mais algum tempo conversando sobre todas as minhas duvidas. Ele frisa a todo o momento o fato de que esse procedimento é algo muito fechado, e que só é realizado em casos específicos, já que não é algo disponível para qualquer pessoa, por estar em fase de desenvolvimento e de testes. Acho que ele tem medo que eu me iluda e que, caso não dê certo para mim, eu possa querer culpar ele de alguma forma. Pablo realmente sabe muito sobre todo esse universo da célula tronco. Acho que é um efeito da cirurgia. Fico muito animado em saber coisas que eu nem imaginava, animado até demais para alguém que provavelmente não vai fazer esse procedimento. No fim, nem sei se eu fiz a coisa certa. Após me despedir de Pablo e de receber boa sorte para a minha cirurgia, na qual eu falei que eu com certeza faria, começo a pensar que não deveria ter vindo. Quer dizer, eu tirei todas as minhas duvidas, ele me passou o contato do médico de Miami para tentar solicitar a cirurgia, mas isso me deu muitas esperanças, e eu tenho medo disso. Medo porque eu nem sei se eu tenho chances de fazer isso e se eu fizer, as chances de eu me recuperar não são altas. Além disso, o custo dessa viagem seria uma fortuna. Eu não tenho condições de bancar isso nem em sonhos. E como ele falou, eu não posso me iludir e achar que depois da cirurgia eu vou sair caminhando, mas lá no fundo eu espero por isso com todas as minhas forças. E nesse caso, eu não sei se ter esperança é algo bom ou ruim.

Assim que começamos a entrar no perímetro urbano, saindo da rodovia, a sensação de nostalgia me invade. Voltar pra São Valentim é sempre uma sensação única, mas em época de Natal, tudo parece ainda mais lindo. Está fazendo um dia lindo, com o sol se pondo no horizonte e o início da noite começando a dar as caras. As copas das árvores na beira da estrada são de um verde irreal, contrastando com o as nuvens e com o céu em tons de azul escuro e laranja. No banco de trás, os presentes para nossas famílias. O perfume de Felipe aguça meu olfato, fazendo eu olhar para aquele homem de barba desenhada, cabelos castanhos levemente bagunçados e curtos e com os olhos atentos a estrada. Ele está vestindo uma camisa jeans clara, que deixa um pouco de seu tórax a mostra, e uma calça de sarja creme.

- o que foi? – ele me olha rapidamente, com um sorriso de canto.

- você é tão lindo. – digo quase sussurrando.

- você que é.

Sinto sua mão percorrer a maçã do meu rosto, fazendo com que eu feche os olhos. Ele então pega minha mão e a beija. Passamos pela antiga estação de trem, fazendo eu me lembrar de nossos passeios pela cidade. Em seguida, a escola, onde eu fico mais emotivo em lembrar meu último ano no ensino médio ao lado dele. Ao chegar na frente da casa da minha mãe, Felipe apenas me ajuda a sentar na cadeira e segue para encontrar seus pais, que estavam provavelmente se arrumando para virem pra cá também.

- diz pra sua mãe que a gente vem daqui a pouco.

- tudo bem. Não demorem.

Dou uma boa olhada para a decoração natalina externa da casa. Há pisca-piscas nas janelas e em todo o perímetro da casa, e no gramado há um Papai Noel em miniatura sentado em um banco de madeira. Ando até a entrada de casa e toco a campainha. Logo a porta se abre e vejo minha tia abrindo-a.

- tia! Meu Deus, quanto tempo.

- Edu! – ela se curva pra me dar um abraço.

Não via minha tia desde a páscoa, há quase um ano. Só agora percebo como o tempo passou rápido. Entro na sala e vejo-a mais cheia do que nunca. Minha tia, minha mãe, até Carlos e Humberto estão aqui. Quando vejo Humberto, meu coração se aquece. Não tem como esquecer tudo o que ele fez por mim quando eu precisei. Não tenho como deixar de notar a aliança de ouro no dedo direito dos dois. Eles estão noivos! E pensar que eu quem ajudou esses dois a ficarem juntos.

O cheiro do peru no forno abre meu apetite, enquanto vejo todos com taças de vinho nas mãos. A decoração interna está tão impecável quanto a externa. O pinheiro enorme na sala, perto da janela, cheio de bolas decorativas de diversas cores, um pisca pisca de uma cor só e algumas caixas de presente decorativas embaixo dela. Apesar de estar tudo tão lindo, é impossível não sentir falta do meu pai. É meu primeiro natal sem ele. Sei que minha mãe também sente, apesar de não falar nada. Mesmo a casa estando cheia, a ausência de meu pai a torna um pouco vazia. Meus pensamentos são interrompidos quando a campainha toca novamente. Dessa vez, Felipe chega com César, Paula e Pedro. Eles estão lindos, como sempre. Paula está usando um vestido de cetim azul marinho, com alças largas e que marca sua silhueta. Para acompanhar, um cinto prata metálico deixa-a ainda mais elegante. Nos pés, um sapato de bico fino preto. Já César está usando uma camisa azul petróleo e uma calça jeans escura. Pedro está tão grande, é quase um adolescente. Fazia tanto tempo que não via ele também. Agora, com todos reunidos, parecemos uma grande família, interagindo entre si e comemorando a véspera de Natal juntos. César, Humberto e Carlos estão conversando em um dos sofás da sala, já minha mãe, minha tia e Paula estão no outro. Eu, Felipe e Pedro estamos um pouco mais perto da árvore de natal, nas outras poltronas.

- o que aconteceu com você, Edu? – Pedro ainda não havia me visto desde o acidente. Olho para Felipe, não sabendo muito bem como falar isso.

- eu tava andando de carro e aconteceu um acidente, aí eu to nessa cadeira por enquanto. Ela é como se fosse minhas pernas. – digo divertido, tentando esconder minha tristeza repentina ao fazer um movimento com ela.

- você não consegue andar?

- não. – quando falo isso, me dói. Dói admitir que não posso andar, por mais que eu seja compreensivo, isso ainda me deixa triste. Fico triste também por uma parte de mim saber que não é apenas por enquanto, mesmo eu tentando ter esperanças. E mesmo quando eu tenho esperanças, no caso da cirurgia, é algo fora do meu alcance.

- vamos lá ver se a gente pega um pedaço do pudim antes de todo mundo? – Felipe distrai Pedro, me livrando dessa conversa. Ele viu como eu fiquei sem jeito. Quando eles voltam da cozinha, Pedro senta perto de Paula e Felipe se senta do meu lado.

- me desculpa por isso. Eu sei que você ficou sem jeito.

- tá tudo bem. Ele não tem culpa.

Ele acaricia minha mão discretamente enquanto todos se reúnem perto um dos outros para revelar o amigo secreto. É a primeira vez que temos um amigo secreto tão grande, com tantas pessoas. Isso é animador. Me surpreendi bastante quando Humberto me revelou como seu amigo secreto. Seu pequeno texto foi tão lindo e terno que eu não tive palavras pra agradecê-lo. Depois de revelados todos, estava começando a ir em direção da mesa, pois o jantar já ia ser servido. Mas antes, Felipe me chama.

- Edu, onde você vai?

- vou pegar meu lugar na mesa. Por que?

- espera aí, a gente tem uma coisa pra te falar antes.

Nessa hora eu olho para todos e meu coração começa a bater acelerado. O que será que aconteceu?

- eu contei pra eles sobre a cirurgia. Na verdade, contei apenas pros meus pais e pra tua mãe.

- mas a gente encarregou de espalhar pros outros. – minha mãe me olha com um sorriso iluminado. Onde eles querem chegar com isso?

- bem, todo o custo é bastante caro, mas você sabe aquele ditado, de grão em grão a galinha enche o papo? – César pega a vez de falar, já me deixando com os olhos lacrimejando.

- todos nós aqui sabemos como você quer voltar a andar, meu amor. Então a gente vai juntar nossas economias e arranjar alguns empréstimos pra você fazer essa cirurgia. – Felipe se posiciona do meu lado, me fazendo desmoronar de felicidade. Santo Cristo, isso só pode ser um sonho.

- gente... eu... caramba. – não sei nem pra quem olhar, só sei que estou sentindo uma admiração enorme por cada pessoa dessa sala agora. O que eles estão fazendo é surreal e eu não tenho palavras pra descrever minha alegria.

- eu quero agradecer a vocês, de coração. Esse ano foi tão intenso, aconteceram tantas coisas que eu mal posso acreditar. Isso parece história de ficção às vezes, sabe? Mas cada um de vocês contribuiu na minha vida de alguma forma pra que eu sempre estivesse me sentindo bem. Seja com alguma palavra de carinho, alguma mensagem de texto, alguma visita... Pequenos gestos de amor. Pra mim, isso é tudo. Vocês são muito importantes pra mim gente, de verdade. – agora eu estou chorando e sorrindo ao mesmo tempo, enquanto vejo minha mãe e minha tia fazerem o mesmo. Chamo elas para um abraço em conjunto e me sinto com o coração aquecido.

Logo depois a mesa está arrumada, a comida está posta e estamos todos reunidos para celebrarmos a ceia de natal. A mesa chega a ser pequena pra tanta gente e a sensação de casa cheia é incrível, ainda mais quando a casa está cheia de pessoas que formam uma grande e única família.

Chegamos em frente da casa de Marina e Edu aperta a buzina para avisar que já estamos esperando elas. Sem demora elas saem devidamente vestidas com as camisetas dos times. Marina está estonteante com aquela camiseta vermelha linda e imponente do melhor time do mundo. Já Bárbara... Bem, ela é linda, mas a camiseta não é das melhores.

- tira essa camiseta Bárbara! Vai fazer feio lá quando o Inter ganhar. – grito com a cabeça inclinada levemente pra fora da janela.

- guarda essas palavras pra você Edu! O Grêmio já ganhou essa. – ela me lança um beijo com os olhos fechados, em sinal de deboche. Decidimos ir em um carro só pra facilitar a vida de todos. No caminho até o estádio, forma-se um debate saudável de títulos e colocações dos nossos amados times gaúchos. Bem, Marina, Bárbara e Felipe o fazem. Eu fico mais quieto, já que não entendo muito disso. Sou apenas um pequeno admirador e torcedor colorado, mas sem saber muito da história do meu time. Mas como aqui no RS a gente já nasce ou pro lado do Inter ou pro lado do Grêmio, como bom gaúcho eu escolhi o meu lado. Quando chegamos, já vemos a grande movimentação de carros e de pessoas na frente da arena. Esse é meu primeiro jogo que eu assisto pessoalmente. Depois de passarmos pela entrada, seguimos para nossos lugares. Devo confessar que a Arena do Grêmio é linda e enorme. Olhando aquele imenso gramado verde bem na minha frente, até me faz querer entrar no debate dos três, que ainda se estendia.

- legal esse lance de juntarem as torcidas, né?

- muito, espero que vire um hábito. Torcida saudável é a melhor coisa que há. – Bárbara me responde animada, enquanto o estádio começa a lotar. Pessoas com camisetas vermelhas e azuis agora não estão mais separadas por torcidas, como antes. Agora é uma imensidão colorida, gremistas e colorados juntos pela paz nos estádios. É uma atitude muito bonita.

O jogo começa com a torcida mista fazendo bonito na Arena. À medida que a bola rola no campo, todos estão eufóricos nas arquibancadas. Pessoas gritam palavras de incentivo aos respectivos ídolos dos dois times, fazendo toda a energia do estádio se transformar em algo muito bonito. Vejo pessoas que parecem ser da mesma família, com camisetas azuis e vermelhas, juntas, torcendo cada um para seu respectivo time, mas com muito respeito. Quando o Grêmio faz o primeiro gol da tarde, eu solto um palavrão logo em seguida. Olho para Marina, que está indignada xingando o juiz. O primeiro tempo ainda nem chegou na metade, mas estamos com os nervos à flor da pele.

- vai Fernandinho! Pega essa bola, meu! – Felipe está indignado com um drible que o jogador tomou de seu rival. Sem demora, D’Alessandro atravessa o campo e emplaca o primeiro gol do Inter, empatando com o Grêmio.

- isso, porra! Esse é meu D’Ale! – Marina está aos berros do meu lado.

Então, não demora muito até que Fernandinho se vinga da jogada do seu rival e faz o segundo gol do Grêmio, levando Bárbara e Felipe ao delírio. Em menos de cinco minutos, Luan faz o terceiro gol, deixando o Inter desfalcado. Então, o resto do primeiro tempo se resume na defesa do Inter para não tomar mais gols, enquanto os jogadores tentam reverter o placar. Assistir isso tudo pessoalmente é tão mais emocionante, que as partidas pela televisão se tornam chatas. Toda a expectativa de estar ali, olhando tudo na íntegra, é muito divertido.

O segundo tempo começa e o meu time parece estar bem mais confiante, o que me deixa com mais esperança. Mas os primeiros 15 minutos da partida são totalmente desanimadores. Eles tentam, mas não conseguem fazer nada além de se defender. Marina já está quase rouca de tanto gritar, até que, de maneira rápida, vejo Rafael Moura, um dos poucos do time que eu conheço, marcar um dos gols mais lindos que eu já vi. Driblando todo mundo que vinha em seu caminho, ele dá um chute certeiro que atravessa alguns metros até acertar a rede da goleira. Quando isso acontece, meu coração pula junto com meus braços, que sacodem enquanto eu e Marina gritamos em comemoração. Um pouco depois, outro gol do meu time, me deixando aliviado por empatar o jogo. Mas empate não é o suficiente. O Inter precisa ganhar esse jogo. Meu sangue começa a ferver e eu começo a acompanhar Marina nos xingamentos, coisa que eu nunca pensei fazer na vida. Futebol nunca foi minha paixão, mas é impossível não se envolver com esse jogo cheio de adrenalina. Nos meio do segundo tempo, o time colorado ultrapassa os gremistas, mostrando finalmente a força do Internacional que eu conheço. E mantendo a estabilidade até o final do jogo, meu time ganha o meu primeiro Gre-Nal ao vivo e a cores. A multidão vestida com a camarada do inter vai à loucura, comemorando a vitória suada e mais que merecida.

- perder em casa é foda hein Felipe! – Marina grita pra Felipe, que não fala nada. Mal consigo ouvir eles, pois a multidão colorada está em festa. Sem dúvidas foi uma tarde e tanto para ficar guardado na memória.

A volta pra casa é só festa para mim e para Marina. Barbara e Felipe estão carrancudos, ouvindo quietinhos nossas piadas e provocações.

- acho que eu tenho umas camisetas a mais lá em casa, viu Felipe? Aí da próxima você vai com uma do time ganhador, pra não passar vergonha. – Marina realmente não perdoa. Tudo o que eu faço é rir. O rádio está ligado em uma estação de notícias, e de repente eu ouço algo que me chama a atenção. O locutor noticia uma rebelião no presídio central da cidade, onde acabou de ocorrer um arrastão no pátio do prédio.

- gente, espera aí. – peço silêncio para todos, enquanto aumento o volume do rádio.

“Até agora, dois homens morreram no ocorrido. Jorge Castilho, de 35 anos e Caio Vianna, de 21, foram pisoteados e não resistiram aos ferimentos. Outros 31 detentos estão feridos e já passam por cuidados médicos. [...]”

Coloco minhas duas mãos na boca. Eu ouvi direito? O Caio morreu? Olho para Felipe, que parece tão desnorteado quanto eu. Um silêncio absoluto se instala entre a gente, e qualquer vestígio de comemoração havia ido embora. Caio morreu. Isso aconteceu tão rápido, de uma maneira tão bizarra e inesperada. E pensar que eu fui falar com ele há algumas semanas e que ele me pediu perdão. Era como se o motivo inexplicável de eu ir ver ele agora está explicado. Era uma despedida. Meu coração agora está pulando fora de controle dentro do meu peito e eu acho que eu quero chorar. Apesar de tudo, Caio não merecia isso. Não ao meu ver. Meu peito dói ao pensar nisso e eu acho que por um momento, eu sinto tanto por ele, que acho que o que está no passado não é motivo para que eu não chore pelo que aconteceu hoje. Felipe coloca a mão dele na minha e me faz carinho, sem falar nada, e eu o agradeço por isso, tanto pelo carinho quanto pelo silêncio.

Comentários

Há 6 comentários.

Por Dougglas em 2015-12-26 20:24:33
Aaaaaaaaaah *-* Marina e Bárbara. Que fofas. Adorei o pedido. Marina eh uma das personagens que mais gosto, embora você trabalhe tão bem os personagens, que é até difícil não gostar de algum. Adoro essas duas famílias juntas, e esse natal com certeza deve ter sido ótimo. É meio desanimador essa questão da cirurgia, embora eu realmente queira ter esperanças de que o Edu volte a andar, ele merece. E essa morte do Caio. Não vou dizer que fiquei sensibilizado e tal, mas foi bem triste isso acontecer.
Por Luã em 2015-11-16 23:31:18
Genteeee, tudo bom? A história tá ficando mais sentimental, e eu vim aqui avisar que daqui a pouco eu vou postar o antepenúltimo capítulo da temporada! Passa rápido, né? Parece que foi ontem que eu postei o primeiro capitulo. Espero que vocês gostem, tá meeega divertido! Abracos (:
Por diegocampos em 2015-11-14 14:01:55
O capítulo foi muito bom gostei muito da parte do Bernardo, e o pedido de casamento foi muito fofo. muito triste apenas pelo caio ele não merecia isso . Ansioso para o proximo
Por Disturbia em 2015-11-13 00:13:27
Amigo esqueci de comentar aqui kkkk, lacrando como sempre!!! Nem te conheço direito e ja considero pakaskkk, bjs de luz :*
Por luan silva em 2015-11-12 23:31:52
Esse capitulo foi muito lindo e me fez chorar muito, mas tbm foi triste o q o caio fez foi muito errado, mas nao merecia pagar dessa forma.. O pedido d casamento foi muito lindo e eu amo marina e barbara.. Enfim 98% do capitulo foi lindo e emocionante e quero o proximo.
Por Niss em 2015-11-12 00:25:27
Marinaaaaaaaaaaaaa vai casar!! Finalmente!! Lindaass!! Que bom que ao menos existe essa esperança pro Edu... E uma pena o Caio ter morrido nessa confusao toda... Muito emocionante a parte do natal, mostram ser uma família unida, espero que tudo de certo pro Edu na cirurgia. Espero pelo próximo. Kisses, Niss.