08. Encurralado

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

- eu... eu...

Caio balbucia e se perde entre palavras não ditas, e eu não sei o que vai acontecer a seguir.

- fala, Caio. O que aconteceu aquela noite?

- eu não quis te fazer mal, Fê. Acho que eu me exaltei, eu queria tanto ter você pra mim que...

- ah, então você confessa que armou tudo aquilo? Que foi por sua culpa que o Eduardo me deixou?

Nesse momento, ele se levanta do sofá e tenta tocar sua mão no braço de Felipe, que desvia. Felipe está furioso. E eu também, mas espero que ele não perca o controle.

- Fê, calma. Você tá exaltado.

- não me chama de Fê, cara! Meu nome é Felipe. Eu só quero que você esclareça o que aconteceu aquela noite.

- não aconteceu nada, eu juro! Eu só queria te ter sozinho por uns minutos, te aproveitar. Eu te amo, Felipe! Eu não quero você com o Eduardo, eu não sei o que você quer com ele. Sou eu que posso te fazer feliz, só eu!

Caio está transtornado. De repente, me bate um arrepio. Eu estou com medo dele.

- não fique bravo comigo Fê, eu só queria ficar com você. Por favor!

Ele tenta pegar o braço de Felipe novamente, mas dessa vez Felipe o segura e joga no sofá.

- eu quero que você vá embora, agora. E nunca mais chegue perto de mim. Não quero que você me olhe, ou fale comigo, ou fale de mim pra ninguém.

- não antes de eu falar algumas coisas. – eu crio coragem e saio do meu esconderijo, caminhando lentamente e cheio de atitude e raiva até a sala, de encontro com os dois. Caio parece estar perplexo com minha presença. Que bela surpresa, não?

- No começo, eu me sentia tão inseguro por me comparar a você e ver que você é tão mais bonito, rico ou confiante do que eu. Eu via você como uma ameaça, e sentia ciúmes. Mas agora Caio, tudo o que eu sinto e pena de você. Uma pessoa vazia, amarga, que não consegue achar outra pessoa, e fica tentando separar duas pessoas que se amam. Porque sim, eu e o Felipe nos amamos. E eu espero de coração que você consiga achar alguém que te proporcione isso algum dia. Mas não vai ser com Felipe. Nunca.

Eu dou ênfase em minha última palavra. Me sinto outra pessoa falando assim, cheio de atitude. Ele nos olha sem saber o que fazer ou falar. Felipe lhe aponta a direção da porta de entrada, perto de mim, quase me abraçando pela cintura, e ele se levanta com o rosto cheio de ódio, e sai sem dizer absolutamente nada. Assim que ele desaparece de nosso campo de visão, um arrepio me percorre o corpo novamente. Esse cara é assustador. É insano. Acho que eu e Felipe temos que tomar muito cuidado com ele.

- que merda foi essa?

Eu estou pasmo com tudo, tentando assimilar as informações.

- a verdade demora, mas aparece.

Eu o olho, e em questão de segundos ele está me beijando. Ele vem até meu encontro com tanta força que me derruba no sofá. Eu tomo um susto, agarrando-o nas costas, mas me jogo totalmente no calor do momento. Eu não consigo mais me controlar.

- Será. Que. Você. Acredita. Em. Mim. Agora?

Ele fala isso intercalado os beijos, e eu não respondo. Meu Deus, me sinto péssimo por ter duvidado dele esse tempo todo. O Felipe que eu conheço nunca faria isso que eu achei que ele fez. Seu corpo está pressionando o meu no sofá, e sua ereção está firme e forte, quase explodindo dentro de sua calça. Posso senti-la na minha, que não está muito diferente. Ele me puxa com força pra cima pela camiseta, me levantando rapidamente e não tirando sua boca da minha. Sua língua briga com a minha enquanto subimos escada acima em direção ao quarto. Estamos em fúria um com o outro, matando a saudade de cada detalhe de nosso corpo ao mesmo tempo. Eu sou todo mãos e dedos por todo seu corpo. Ah, como eu senti saudade desse corpo. De cada minúsculo detalhe, que vai sendo revelado a medida que ele vai tirando sua roupa.

- como eu senti saudade.

- eu também.

Ele está de cueca na minha frente, uma linda cueca bóxer vermelha que me atiça ainda mais. Santo Cristo, esse homem é demais pra mim. Eu estou com meu corpo frenético, querendo ele mais e mais. Ele começa a tirar minha roupa com tanta afobação, que quase rasga minha camiseta. Nunca havia visto ele assim, selvagem. E eu estou adorando isso. Agora estamos os dois apenas de cueca, e sua língua percorre meu pescoço, me provocando arrepios. Ele me joga na cama, e eu fico com as mãos atrás da cabeça, me apoiando, enquanto assisto aquele espetáculo de homem tirar aquele mastro pra fora da cueca, que pula pra vida e me faz soltar um gemido abafado. É uma vista maravilhosa daqui de cima da cama. Ele sobe em cima de mim e sinto o calor de seu corpo nu no meu, esfregando pele com pele, duplicando nosso desejo incontrolável. Eu estou em êxtase. Passo minhas unhas por suas costas, enquanto ele morde minha orelha, passando por meus mamilos e descendo até chegar em minha cueca, pequena demais para minha ereção.

- vamos nos livrar disso.

Ele termina de falar e abaixa minha cueca, libertando meu pênis ereto e sedento, que bate direto na minha barriga, duro feito rocha. Há muita lubrificação saindo. Seu toque me faz fechar os olhos, com puro desejo. Ele o agarra com vontade e começa a me masturbar, e reprimo um gemido. A sensação me faz me contorcer em cima da cama. Em seguida, Felipe se estica até sua mão alcançar a gaveta do criado-mudo, tirando um preservativo. Ah sim, eu achava que nunca chegaria essa hora. Eu estou ansioso por isso. Ele rasga a embalagem e desenrola a camisinha em seu pênis que lateja a todo o momento, me fazendo delirar. Em um movimento rápido, ele se deita e me coloca em cima dele, e quando menos espero ele está brincando com a ponta de seu membro na entrada do meu ânus. Eu forço a sua penetrarão, indo de encontro dele. Ele me olha e solta um sorriso safado.

- vai com calma, apressadinho.

Eu começo a passear minha língua por seu corpo também. Mordisco sua orelha, lambo seu pescoço, fazendo-o inalar forte, e eu vou descendo mordendo seu peito, sua barriga, seus braços... Eu estou fora de mim. Estou fervendo por dentro. A falta que senti dele, de seu toque, de seu corpo, de nosso sexo, de seus beijos, de tudo. Estou tendo tudo isso ao mesmo tempo agora, e é uma sensação única e complexa demais para mim. Minha espera finalmente acaba e ele me penetra, passando sem muita dificuldade até o fundo com aquele mastro profissional. Isso me faz soltar um gemido alto, quase um grito de prazer. Com isso eu me agarro firme nele, passo minhas maos em volta de sua cabeça, e afundo meu rosto em seu ombro, enquanto eu sinto aquilo duas, três vezes, aumentando a velocidade, abrindo caminho dentro de mim, me dando tudo o que eu quero e mais um pouco. Posso ver quanto ele está sentindo prazer também. Nunca tinha visto nós dois desse jeito antes, nessa intensidade, quase como dois animais. Tudo o que eu sei é que eu o amo. Amo muito, e a saudade me doeu muito esse tempo todo. Por mais que eu tentava esquecê-lo, mais eu lembrava. Eu estou muito ofegante, assim como ele. O barulho que seu pênis faz quando bate em mim, suas pernas nas minhas, é alto. Ele está feroz, me redescobrindo, e eu estou sentindo tudo com vontade. De repente ele para e me deita com a cabeça nos pés da cama, e cai de boca em mim, me fazendo um oral de perder o fôlego. Sua língua faz seu caminho pela glande, vindo pra lá e pra cá, forçando a ponta no buraquinho da uretra, fazendo sair ainda mais lubrificação. Eu empurro meus quadris pra cima, colocando meu pênis ainda mais pra dentro de sua boca, e ele recebe com gosto. Em seguida eu recebo seu beijo, sentindo o gosto de mim mesmo. O cheiro, o gosto de sexo nesse quarto está impregnado. Está muito calor agora, e as coisas estão esquentando cada vez mais. Então ele me vira e me coloca de bunda pra cima e logo eu o sinto novamente dentro de mim, cada vez mais fundo. Ele está de joelhos na cama, me penetrando com força e puxando levemente meu cabelo pra trás. A sensação é tão gostosa. Ele se aproxima do meu pescoço e vira minha cabeça para o lado para beija-lo. Ficamos assim por um bom tempo, eu me apoiando com as mãos na parede acima da cabeceira, já começando a suar, e minha realização cada vez mais irregular. Felipe retira seu mastro ainda duro e reluzente e me deita na cama com as pernas dobradas pra cima, me deixando em posição de frango assado. E lá vamos nós novamente. A sensação quando ele enfia em mim é tão boa, que eu poderia ficar aqui por dias. Ele tira e coloca, tira e coloca, cada vez mais forte, e meus gemidos ficam mais altos, já não consigo os abafar. Ele gosta do que vê. Seus olhos ardentes de desejo estão querendo me ver no meu ápice. É o vai e vem começa novamente. Seu suor está ficando impregnado em suas costas, onde eu firmo minhas mãos, enquanto as suas me presenteiam com uma punheta alucinante.

- Felipe, assim eu vou gozar.

- ah, mas é exatamente isso que eu quero. Me dá esse presente Edu, vai.

E as estocadas ficam mais fortes, suas mãos ficam mais firmes pra cima e pra baixo em meu pênis. Eu já não aguento segurar, é demais pra mim. E então, eu gozo. Gozo violentamente, jogando jatos de esperma pra cima, acertando meu peito, chegando até meu pescoço, e depois diminuindo, até melecar toda minha barriga e a região acima do pênis. Felipe vê sua brecha para atingir seu limite também, e o vejo entrando em erupção. Seu rosto se contrai, ficando avermelhado, e jogando a cabeça pra trás, enquanto libera seu esperma dentro da camisinha, lá dentro, fundo em mim. Sua respiração está muito rápida, e ele vai diminuindo a intensidade dos gemidos abafados até cessar. Então ele se apoia em mim, com sua cabeça pousada em meu peito, e percebo seu cabelo molhado de suor. Faço carinho nele enquanto recuperamos as energias. Estou exausto. Essa foi uma das nossas noites de sexo mais intensa que tivemos. Ele retira seu pênis de mim, deixando as coisas mais ventiladas e geladas lá embaixo. É uma sensação estranha. Estou tão cansado, que não consigo mais lutar contra o sono. Acabo dormindo sem roupa e sem banho mesmo, no meio dos lençóis bagunçados e cheirando a sexo carregado de saudade.

Me mexo na cama e sinto o braço de Felipe por cima de mim. Me viro com cuidado e vejo ele dormindo atrás de mim, a expressão tranquila, respiração calma, boca entreaberta. As lembranças de ontem à noite vêm na minha mente, e automaticamente eu olho meu corpo. Há arranhões e marcas por todo o lado. Isso me faz escapar um sorriso involuntário. Tiro seu braço de cima de mim com cuidado e pego minha roupa espalhada pelo chão e levando-as até o banheiro para tomar uma ducha rápida. Logo o despertador de Felipe toca, e em pouco tempo ele surge na porta do banheiro, com um sorriso iluminado ao me ver.

- bom dia.

- bom dia.

Seu corpo também está todo marcado, e isso me faz me sentir como um adolescente. Ele percebe do que estou rindo e balança a cabeça, fingindo desaprovação.

- temos que parar com isso.

- tem certeza?

- não. – ele se aproxima de mim, com um sorriso de canto e me da um beijo de bom dia. Saio do banho e vou preparar nosso café. Eu sentia falta disso. Temos que nos apressar, pois estamos quase atrasados. Eu começo a trabalhar um pouco depois que ele, mas aproveito sua carona para poupar tempo.

É uma segunda feira típica na loja. Recebemos mercadoria nova, e hoje eu fiquei encarregado de colocá-la em ordem no estoque. Isso dura a minha manhã inteira. O movimento está relativamente baixo, e eu estou na minha seção, repondo alguns livros novos que chegaram e reorganizando outros, trocando as coisas de lugar para ficar mais pratico. Olho por cima da estante para observar o movimento da loja, e minhas pupilas se dilatam. Acho que vi caio na rua, pela grande janela da frente. Com isso eu deixo cair alguns livros no chão, o que me faz dar um pulo. Me ajoelho para pega-los, e quando me levanto de novo, ele não está mais lá. Será que era ele? Era muito parecido, mas é difícil dizer com certeza. Meu coração está batendo acelerado. Por que estou com tanto medo? Logo chega a hora de fazer meu intervalo, e eu vou na mesma lancheria da quadra debaixo. Dessa vez eu estou aflito, olhando para os lados o tempo todo. Eu ainda não sei se era Caio. Fico buscando a memória nítida em minha mente, mas foi tudo tão rápido. Não consegui ver claramente. Se era ele, o que ele estava fazendo lá? Me observando? Começo a ficar ainda mais aflito.

O resto da tarde se passa tranquilamente, e o movimento da loja aumenta um pouco, o que me ocupa a cabeça e acaba me acalmando sobre o episódio estranho de hoje de manhã. Talvez tenha sido coisa da minha cabeça. E mesmo que não tenha sido, não tenho motivos pra me preocupar. Ele não pode fazer nada comigo. Se ele tentar, eu enfrento.

Chego na faculdade com meu estômago cheio de borboletas. A seleção é hoje. Na verdade, é agora, na primeira aula. Não vou negar, estou com um pouco de esperança. Quero muito ter essa chance de representar a minha universidade, fora o fato de que isso seria uma adição incrível no meu currículo como chef mais tarde. Me dirijo até a sala pratica do segundo andar, onde a prova começa daqui a pouco. Assim que chego já avisto um dos alunos que vão competir comigo. Tento ser amigável e lhe dou oi, mas ele não parece estar muito afim de conversa. Acho que ele é mais competitivo do que eu. Decido ficar na minha até a prova começar. O sinal fica, e em poucos minutos nosso time está completo. Os professores são os últimos a chegar. Serão 3, que farão o papel de jurados. Eles explicam como será a prova, e em seguida começamos a nos colocar em nossos lugares. A avaliação será totalmente pratica, e teremos que fazer algum prato que seja bom o suficiente para demonstrar nossa capacidade de competir na etapa regional. Bem, eu já tinha algo em mente, mas de repente me bate a insegurança. Há alunos aparentemente tão seguros e competentes. Eu sou apenas um caipira que atendia mesas no restaurante da família e segurava as pontas de vez em quando na cozinha, o que me fez criar a paixão por gastronomia. Eu espero que isso seja suficiente. Temos pouco tempo para escolher os ingredientes. Há bastante coisa para ser pegar, mas eu tento ser falis para poder ficar com tudo o que eu tenho em mente. Esse prato tem que ser o meu melhor até hoje. Depois de pegar tudo o que preciso, volto para meu lugar e tento não olhar para os outros. Isso com certeza tiraria meu foco. A prova se inicia, e eu tenho uma hora e meia para fazer um salmão recheado. Isso tudo parece tão profissional que me assusta. Eu nunca havia feito isso antes, mas eu vou seguir meus instintos. Depois de limpar e descamar o peixe, eu separo os temperos e bato no liquidificador para formar uma pasta homogênea e passar por fora para temperá-lo. Feito isso, começo a preparar o recheio. Pico tomate, pimentão amarelo, cebola roxa e junto com as azeitonas pretas já descaroçadas, a ervilha, o champignon e o camarão já preparado. Coloco tudo misturado dentro do salmão, e fico maravilhado com o colorido do prato. Enrolo-o em papel alumínio e levo ao forno para assar. Enquanto isso, preparo o arroz, que é um desafio à parte. O acompanhamento já é bastante completo, o que me faz pensar que o arroz não pode ser muito pesado, o que resulta em excesso de informação. Mas não posso apresentar um arroz branco simples e sem nenhum adicional. Preciso pensar. Pecar pela falta ou pelo excesso? Acho que se eu fazê-lo bem temperado e escolher bem os condimentos, apesar de poucos, serão suficientes. Pico cheiro verde e deixo perto para finalizar mais tarde, enquanto coloco um pouco de alho na panela até ficar no ponto certo, e depois misturo com o arroz. Acho que vai ficar bom. Checo o forno, mas não consigo ver o peixe por conta do alumínio. Estou ansioso. Mas não posso deixar isso me atrapalhar. Enquanto a água age na janela do arroz, preparo a salada pra finalizar. Decido fazer a minha salada preferida, como uma forma de me dar boa sorte: repolho roxo e manga. É uma mistura exótica, e acho que posso ganhar um ponto positivo por ousadia. Tiro o personagem principal do meu prato do forno, e retiro o alumínio angustiado para ver como ficou. Respirou aliviado.

Está perfeito. Termino tudo bem em tempo de decorar o prato. Uma boa apresentação é uma das principais coisas nesse ramo. A primeira impressão é a que fica. Ajeito tudo de forma harmoniosa e em questão de minutos o tempo acaba. As caras dos professores parecem animadoras. Isso me deixa um pouco aliviado. Eu sou um dos últimos a ser avaliado. No meio tempo que eu esperava, eu estava quase tendo um ataque de ansiedade. Penso em qual vai ser a reação deles ao experimentar meu prato. Será que ficou realmente bom? Será que eu tenho mesmo boas chances de ganhar? Eu não sei. Eu espero que sim. À medida que eles comiam meu salmão recheado, ficava mais difícil ler suas reações. Droga, me deem uma pista!

Cerca de dez minutos depois de avaliarem o último prato, eles se reúnem para discutir. Estou com as mãos suando. Só agora que eu olho para os lados e vejo as outras criações de meus adversários. Há doces, pratos super coloridos, outros mais discretos e sem muita variação de cor, outros com pratos únicos, sem acompanhamentos, outros com diversos componentes no mesmo prato, assim como o meu. Todos estão visivelmente aflitos e ansiosos por uma resposta. Logo em seguida os professores começam a nos falar o motivo pelo qual escolheram o prato vencedor, e consequentemente o aluno que vai ir para a competição. Falaram que todos ali foram ótimos e que escolher apenas um foi uma tarefa bastante difícil, mas que teve um que se sobressaiu pelo conjunto impecável. Tempero na medida certa, prato bem apresentado, bem executado, com escolha certeira de ingredientes e alguns elementos excêntricos. Por fim, eu ouço meu nome. Todos se viram para mim, e eu estou paralisado. Eu consegui? Meu Deus, eu consegui! Não consigo acreditar. Eu levo minhas mãos até a boca, atônito. Alguns vem até a mim me parabenizar. Outros estão visivelmente decepcionados. Mas eu entendo. Todos queriam muito isso, e eu até agora não acredito que eu consegui. Isso é uma honra imensa, e eu sei que é uma grande responsabilidade também. Caramba, eu vou representar a minha universidade, a minha cidade, na etapa regional. Os professores vem me dar os parabéns, mas eu não estou totalmente em mim ainda. Estou extasiado.

Quando olho no relógio, percebo que já havia se passado mais da metade da aula. Agora certamente eles deveriam estar tendo aula com a professora Gilda, de Química Culinária. É uma das poucas aulas que eu não gosto. Seu método de ensino é muito cansativo. Sigo pelos corredores quase dando pulos de alegria. Imagina a cara de Marina quando ela souber? Assim que entro na sala, todos me olham curiosos. Havia até esquecido que eu estava representando eles, o que deve ter os deixado ansiosos pelo resultado.

- e aí Edu? Como foi? – um dos meus colegas do fundo grita, não aguentando a ansiedade.

- eu consegui. – falo quase sorrindo ao mesmo tempo. Todos vão ao delírio. É incrível ver a reação deles. Marina se levanta e vem correndo em minha direção, me dando um abraço. Isso é tão raro, essas demonstrações de afeto, que me deixa surpreso.

- parabéns caipira! Eu disse, eu sabia que você ia conseguir!

- obrigado Mari!

Nesse momento até a professora não consegue voltar para a explicação. Todos me ouvem contar detalhadamente como tinha sido a prova. Eu ainda não sei muito sobre a segunda etapa, mas estou com tanto gás. Acabo de ganhar um pouco mais de autoconfiança.

No final da aula, estamos eu e Marina indo em direção ao carro, quando me lembro de falar o que aconteceu ontem.

- Mari.

- fala caipira.

- eu preciso te contar uma coisa.

Ela me olha de lado, arqueando a sobrancelha.

- ih, o que houve?

- bem, eu passei a noite lá no Felipe, e... rolou.

Ela parece não estar surpresa. Acho que isso me deixa aliviado.

- a gente sabia que isso ia acontecer né amigo?

Dou de ombros. Acho que sim. No fundo eu sabia.

- é, talvez.

- você tá feliz?

Eu concordo com a cabeça, reprimindo um sorriso.

- então é isso o que importa.

Isso faz meu coração se aquecer. Acho que é isso que significa amizade sincera. Lhe dou um sorriso de gratidão enquanto entramos no carro.

- Caio confessou tudo ontem também.

Dessa vez eu a pego de surpresa.

- o que?

- é, o Felipe armou um encontro falso com ele enquanto eu estava escondido escutando. Ele foi tão persuasivo que deixou Caio sem reação. Não deu outra. Ele falou e se desculpou, mas não adiantou nada. Felipe o escorraçou de lá.

- bem feito.

- é, totalmente. Só assim acho que ele nos deixa em paz.

- caso ele não deixar, pode deixar que eu resolvo.

Isso me faz rir. Imaginar Marina dando uma surra em Caio é no mínimo intrigante. Estamos a caminho de casa quando meu telefone toca. Número restrito. Eu não gosto disso. Geralmente não atendo, mas desde que vim morar aqui eu não deixo de atender nenhuma ligação. Tenho preocupação com minha família, ainda mais depois do que aconteceu com meu pai.

- alô?

Não obtenho resposta. Ouço uma respiração leve e quase inaudível do outro lado, mas ninguém fala nada.

- alô? – tento de novo. Mas ainda não ouço ninguém. – quem tá falando?

Então, a pessoa do outro lado desliga.

- quem era?

- não sei. Não falou nada e depois desligou.

- ué. Deve ter sido engano.

- é, provavelmente.

Tento pensar racionalmente e não ficar com paranoia, mas o fato de hoje de manhã, somado ao que aconteceu agora, me faz achar que Caio está envolvido em alguma coisa. Isso me causa um arrepio. Mas o que está acontecendo?

Chego em casa ainda tenso e pensativo. Marina me dá boa noite e segue para o quarto, enquanto eu vou até a cozinha tomar um copo de água. Meu celular toca novamente, e eu estremeço. Mas quando olho a tela, sinto um alívio. É Felipe.

- ei.

- ei. Como foi seu dia?

- foi bom. Bastante corrido. Tenho uma novidade pra te contar.

- sério? Qual?

- eu fui escolhido pela universidade pra participar de uma competição de gastronomia.

- meu Deus Edu, isso é maravilhoso!

- é, eu sei! Eu ainda estou sem acreditar.

- precisamos sair pra comemorar.

- claro, mas vamos esperar até sexta. Essa semana vai ser corrida pra mim, e eu não vou ter muito tempo e nem disposição.

- por mim sexta tá ótimo.

Ele pausa por uns segundos.

- senti sua falta.

Meu coração se aquece.

- eu também senti sua falta.

- quero que você volte pra cá.

- vamos com calma. Estamos voltando aos eixos aos poucos. Uma coisa de cada vez.

Ouço ele suspirar do outro lado.

- tudo bem. Como você quiser.

- e então, como foi no trabalho? Caio falou alguma coisa?

- na verdade, ele não apareceu. O Oscar estava bastante irritado, tentava contato mas não conseguia. Também não o vi durante a noite na faculdade.

- isso é estranho.

- talvez ele deve estar com vergonha pelo que aconteceu.

- é, talvez.

Um mal pressentimento me vem à cabeça. Esse sumiço repentino é um pouco estranho. Nem no trabalho, nem na faculdade? Isso me faz achar que esses fatos estranhos de hoje realmente tem alguma ligação com ele. Não sei se devo contar para Felipe. Do jeito que ele é, chamaria a polícia e contrataria seguranças para me levar pra cima e pra baixo. Isso é ridículo. Acho que não devo preocupar ele com besteira. Nem sei se era ele de fato. Se eu tiver certeza, eu o falo.

- o que você acha da gente se encontrar amanhã? Só um jantar simples aqui em casa, sem nenhum exagero. Como você diz, aos poucos, com calma.

- isso me parece ótimo.

- perfeito. Eu vou ficar esperando ansioso.

- olha, eu preciso ir agora.

- tudo bem. Se cuida. Tenha uma boa noite.

- você também.

Desligo o telefone e sinto a falta do nosso “eu te amo”’logo antes de terminar uma ligação. Mas a ocasião não era a melhor pra isso. Soaria estranho. Estamos praticamente começando do zero. Me viro e vejo que Bernardo está na porta da cozinha, o que me assusta.

- caramba, que susto.

- atrapalhei alguma coisa?

- não, por que?

- você tava falando com ele, né?

Suspiro fundo. Não sei como falar isso pra ele.

- sim, Bê.

- vocês voltaram?

Não consigo pensar em uma resposta clara. Não há nada claro. Acho que sim, mas também acho que ainda não. É difícil saber. Ainda é cedo. Ele me olha decepcionado.

- não precisa responder.

- Bernardo, eu...

- não Edu, não precisa falar nada. Fico feliz por vocês.

Dito isso, ele não me deixa tentar explicar, e vai em direção ao quarto. Caramba, eu me sinto péssimo. Não queria que ele tivesse esse tipo de reação. Vou para o banheiro e entro embaixo do chuveiro, tentando acalmar meus pensamentos. Meu dia foi tão estranho. Tiveram momentos ótimos e péssimos. Isso me deixa confuso. Fico sentindo a água morna descendo por meu corpo pelo que me parece muito tempo. Saio dali e me enrolo na toalha e vou para o quarto. Quando entro, Bernardo ainda está acordado. Sua reação ao me ver de toalha é desconcertante. Ele fica totalmente sem jeito, o rosto vermelho de vergonha, não sabendo para onde olhar. Eu acho que ruborizo. Pela hora, eu achava que ele já estaria dormindo. É quase uma da manhã, e ele não está mais dormindo tão tarde ultimamente. Pego uma roupa pra dormir e volto para o banheiro para me trocar. Em seguida retorno ao quarto e o encontro deitado, virado pro canto. Desligo a luz e me deito, ainda me sentindo péssimo por ele. Eu vejo o quanto ele se esforça para não sofrer e tentar demonstrar indiferença, mas sei que não é desse jeito que as coisas funcionam de verdade.

Os dias passam, e Felipe não me traz nada de novidade sobre Caio. Ele continua não aparecendo no trabalho. Oscar já providenciou sua demissão, mas acho que isso não seja algo que ele se importe. Na faculdade, a mesma coisa. Isso me deixa aflito. Não sei se é impressão minha, ou paranoia, mas as vezes sinto que estou sendo seguido. Estou tendo cuidado redobrado no meu trajeto todos os dias, evitando ao máximo ficar sozinho por aí. Não sei se estou exagerando, mas prefiro não arriscar. As chamadas de número desconhecido não terminaram. Muito pelo contrário, se tornaram mais seguidas. Isso está mexendo muito comigo. Bernardo não está mais falando comigo. Parecemos dois estranhos. Isso me deixa muito triste. Tínhamos uma amizade tão forte, e eu desde o inicio disse pra ele não apressar as coisas. Sei que na pratica não é tão fácil de cumprir, mas sei que sempre fui claro com ele sobre isso. Mas não insisto. Se é essa a vontade dele, eu vou respeitar. Agora eu estou terminando de colocar minhas coisas de volta no lugar. Me mudei novamente ontem para o apartamento. Marina demonstrou seu lado sentimental em uma das poucas vezes que eu já tinha visto. Me abraçou forte e disse que se precisasse era só voltar. Bernardo não foi de muitas palavras, mas pelo menos me deu um abraço. Me sinto mal por ele. Espero que pelo menos possa contar com sua amizade, depois que ele esfriar a cabeça. Mas de uma coisa eu tenho certeza: vou sentir falta da república. Foi um tempo muito importante pra mim, que me rendeu muitas lembranças boas.

O despertador toca, ecoando pelo quarto, mas eu já estava acordado. Mais uma noite mal dormida por causa da ansiedade e do nervosismo. Eu não consigo controlar essa parte de mim. Mas agora é diferente. É quase inevitável não ficar nervoso, há muitas esperanças depositadas em mim agora. Preciso dar o meu melhor hoje de noite. Felipe se mexe do meu lado, e sei que agora ele acordou. Ele se mexeu muito durante a noite. Deve ter tido sonhos. Ele sempre fica agitado quando sonha. Talvez ele também esteja nervoso por hoje.

- bom dia, meu amor.

- bom dia, dorminhoco.

Lhe dou um beijo breve nos lábios, e ele me dá um sorriso de canto.

- ansioso pra hoje?

- não dormi direito.

- você precisa parar com isso.

- eu sei. Mas eu acho que hoje seria difícil controlar, mesmo se eu quisesse.

- tenta não pensar muito nisso. Eu sei que é difícil, mas se você ficar com a cabeça na competição vai te deixar nervoso e te atrapalhar na hora.

- eu vou tentar.

Ele sorri e encosta a ponta de seu nariz no meu, e em seguida se levanta, seguindo em direção ao banheiro. Fico aliviado pela prova ser durante a noite assim não vai ser tão corrido para mim. Olho pela janela e avisto um sábado chuvoso. Torço o nariz. A chuva não veio em uma boa hora. Me levanto sem embromar muito e me arrumo para ir trabalhar. Meu dia corre sem nada demais. Tento seguir o conselho de Felipe e tento me concentrar apenas nas coisas da loja. Apesar de ser difícil, eu consigo na maior parte do tempo. Quando chega a hora de ir embora, eu ja volto a ficar inquieto. Felipe está me esperando para irmos juntos pra casa e nos arrumarmos rapidamente para seguir para o centro de eventos do Plaza São Rafael. Ao chegarmos já vejo uma grande movimentação de pessoas e carros em frente ao prédio. Sigo o caminho até o interior do prédio e já há a estrutura toda montada. Eu estou aflito por não saber qual será o prato que teremos que fazer. Tudo será revelado na hora da prova, pra piorar ainda mais. Vejo alguns jovens que eu tenho certeza que estão competindo também. É óbvio, olhando seus rostos nervosos. A prova está marcada pra começar as 20h, e agora são 19:49. Já vejo alguns homens e mulheres se sentando na mesa que provavelmente é a bancada de jurados. Há 5 lugares.

- ei. – Felipe me tira de meus pensamentos. – tá tudo bem?

- é, claro. Eu só estou um pouco nervoso.

- lembra que eu te falei? Tenta ficar calmo, nervosismo só vai te atrapalhar. Se você tá aqui é porque confiaram em você. Isso significa que você tem potencial.

Ele me acaricia o rosto discretamente. Me certifico de que ninguém viu. Eu lhe lanço um sorriso de gratidão.

Logo é anunciado no alto falante para os competidores se apresentarem em frente à bancada de jurados. Meu coração está ao pulos.

- boa sorte.

- obrigado.

Caminho em direção aos outros, que estão indo na mesma direção. Acho que há uns 13 ou 15 universitários, junto comigo. Todos de cidades diferentes. Um homem simpático nos explica detalhadamente as regras da prova, e em seguida somos apresentador aos jurados. São todos da elite da cidade. Todos com grande poder, a maioria do ramo gastronômico, ou com algo envolvido. Por último, é revelado o prato a ser desenvolvido: culinária asiática. Eu não sei como reagir. Já preparei isso antes, no ano novo com Felipe, mas era diferente.

Era algo casual, despreocupado. Agora é algo que depende de muitas coisas para eu ganhar essa prova e passar para a etapa estadual. Seguimos até nossas bancadas, onde foi montado para cada um um fogão, uma pia e um balcão com panelas e utensílios que poderíamos eventualmente precisar. Os ingredientes e condimentos estão separados para cada um, em quantidades e variedades iguais, com muitas opções por sinal, em uma cesta em cima dos balcões. Procuro Felipe pela multidão curiosa que nos encara. Ele está logo na segunda fileira, me olhando com animação. Sei que ele está nervoso também, mas está tentando me passar segurança. Queria que minha mãe estivesse aqui, mas entendo que as coisas no restaurante estão corridas agora, o que a impossibilita de se ausentar. Olho para a cesta com tantos condimentos e fico assustado. A maioria das coisas eu conheço, outras eu nunca usei, mas já vi sendo usado, enquanto outras eu nunca vi na vida. O relógio começa a contar, e a prova se inicia. Preciso ser rápido para pensar no que fazer. Não posso ser muito tradicional e nem ser tão ousado e acabar estragando tudo. Primeiro começo a preparar o arroz para sushi, enquanto separo os ingredientes em partes pelo que vou fazer. Aos poucos, meu prato vai tomando forma. Preparo dois tipos de molho para colocar em alguns dos sushis; um levemente apimentado, e outro mais refrescante, a base de mostarda e mel. Cerca de uma hora depois, eu estava com quase tudo pronto. Havia feito cinco sushis tradicionais, cinco temakis com salmão, cebolinha, cream cheese e pimentão vermelho, cinco hossamakis com morango e atum, cinco hossamakis com linguicinha, salmão, pepino e cream cheese, cinco hot holls, pelos quais eu fiquei com medo de não ficarem crocantes por fora, e cinco sashimis. Pra acompanhar, decidi arriscar um pouco pela comida chinesa e preparar frango ao molho de laranja. No final, o prato ficou muito bonito e colorido, além de muito variado. Na hora de decorar, optei por colocar uma porção pequena do frango, e ajeitar artesanalmente os outros componentes de forma que sobrasse um pequeno espaço para decorar o fundo do prato com molho shoyu, dando um contraste do molho escuro ao prato branco. Junto coloquei dois pequenos recipientes de porcelana com uma amostra dos dois molhos, é um pouco dos dois nos sushis mais tradicionais, para não ficar tão simples. Consigo terminar tudo restando um pouco menos que dez minutos de prova. Suspiro aliviado. Olho para os lados e vejo que a maioria ainda está fazendo tudo. Alguns ainda estão preparando, outros já decorando o prato, mas quase todos ainda estão trabalhando em suas criações. Será que eu me apressei demais? Será que ficaram bons? Será que eu deveria ousar mais? Não sei. Preferi não me arriscar tanto nos componentes, e sim nos temperos. A prova acaba, e todos, um a um, levam os pratos para cada um dos jurados avaliarem. Eu sou um dos últimos. É inevitável tentar adivinhar a reação deles julgando sua expressão ao experimentar os pratos. Mas eles não deixam escapar nada, nem no olhar, nem na expressão corporal. Logo após eles experimentarem e avaliarem todos os pratos, eles demoram cerca de vinte minutos decidindo. Esse tempo parece se arrastar pra mim. Só agora olho para a plateia e vejo que minha turma está ali. Caramba, eu tenho uma torcida. Marina está lá, e quando eu a vejo, ela está acenando para mim. Meu sorri ao vê-la é inevitável. Isso me faz relaxar um pouco. Até alguns alunos de outras turmas estão junto. Muitos que eu nem tenho contato, mas que não são da minha turma. Bem, quanto mais pensamento positivo ao meu favor, melhor. Os jurados entregam um envelope para o homem que está conduzindo a prova. Ali deve estar o resultado. Será que meu nome está ali? O homem pigarreia no microfone, convocando a atenção e o silêncio de todos. Há um pequeno texto introdutório, junto com agradecimento aos patrocinadores do evento e aos jurados, antes de começarem a parabenizar todos presentes. A cada palavra dita, meu coração acelera. No final, eu ouço ele dizer.

- mas agora vamos anunciar o vencedor da etapa regional do Concurso Gastronômico Nacional Espátula de Ouro. – ele abre o envelope, percorrendo os olhos para a plateia e depois para nós. – uma salva de palmas para...

Eduardo Cardoso.

Minha. Nossa. O que? Meu Deus! É o meu nome! É o meu nome! Eu não consigo nem me mexer no lugar. Todos da minha sala vibram ao fundo, e vejo Felipe emocionado aplaudindo. Todos os outros começam uma salva de palmas, e eu não sei o que falar ou fazer. Alguns dos competidores vem até a mim me parabenizar, e eu respondo no modo automático. Quando finalmente consigo falar algo em meu estado normal, eu solto um “caralho” baixinho, para que ninguém ouvisse. Eu estou com os olhos lacrimejando. É muita emoção para mim. Recebo o charmoso troféu e poso para fotos ao lado dos realizadores do evento, dos jurados e dos competidores. Por último, minha turma me pega de surpresa e também posamos para uma foto. Eu estou com as bochechas doendo de tanto sorrir, mas é automático. No fim, Felipe está de pé do meu lado me dando um abraço apertado.

- meus parabéns meu amor. Eu estou tão orgulhoso de você nesse momento.

- acho que minha ficha vai demorar pra cair.

- com licença, Eduardo?

Ouço uma voz masculina grossa ao nosso lado, e me viro para ver quem é. Caramba, um dos jurados. O que ele quer?

- oi, senhor...

- Douglas Souza. Sou proprietário da rede de restaurantes franceses Chapelure aqui na região sul. Eu posso deixar meu cartão com você? Gostei da sua técnica na cozinha. Acho que você tem um futuro promissor. Estou abrindo mais uma filial aqui na cidade, e precisamos de gente pra trabalhar lá. Seria um prazer te-lo na minha equipe.

Eu o olho incrédulo. Isso só pode ser brincadeira. O Chapelure? Caramba!

- claro, Dr. Douglas! Eu ia adorar. Eu posso ligar pro senhor amanhã mesmo, se puder.

- por mim está perfeito. Eu espero sua ligação. Até mais.

- até mais.

Eu quase gaguejo na hora de me despedir, e depois olho para Felipe, que está tão abismado quanto eu.

- isso foi de verdade?

- meu amor, você acabou de receber uma proposta de trabalho no Chapelure. Caramba! Você tem ideia do que isso significa?

- eu sei, e eu ainda não consigo acreditar!

Eu lhe abraço forte, e sinto que estou quase explodindo de alegria. A emoção quase não cabe no meu peito. Logo Marina vem até a mim me parabenizar.

- caipira!

- oi minha amiga!

Lhe dou um abraço forte.

- minha intuição não me engana. Eu sabia que estávamos sendo bem representados. Você arrasou!

- obrigado Mari. Eu ainda estou tonto, foi muita informação. Ainda nem acredito.

- agora é foco e determinação total pra etapa estadual hein?

- com certeza.

Terminamos de conversar enquanto seguimos para o estacionamento. Ela e Felipe ainda estão um pouco quietos um com o outro devido ao episódio do outro dia no apartamento, em que ela foi rude com ele ao pegar minhas coisas, mas isso está no passado. Acho que estamos todos tão eufóricos pelo resultado que ninguém lembra disso agora. Me despeço dela e sigo para casa, pensando em tudo o que aconteceu hoje, enquanto olho para meu troféu. Preciso mostrar isso para minha mãe amanhã mesmo. Ela vai ficar tão orgulhosa. Isso me faz ficar tão satisfeito. Esse era um dos meus principais objetivos de vir pra cá, deixar todos da minha família orgulhosos.

No outro dia, na faculdade, sou recebido com uma comemoração simbólica de todos, me parabenizando pela vitória, com direito a faixa, alguns balões na sala e foto com colegas, professores e equipe diretiva para o jornal da escola. A noite toda se reuniu em comentários sobre a noite anterior. Estão todos muito animados para a próxima etapa, o que me deixa com mais responsabilidade ainda. Eu vou tentar o melhor de mim, ainda mais nessa segunda parte, e tentar a sorte na etapa final, em São Paulo. A noite passa rápido, e a noite não é muito produtiva, mas passamos um tempo agradável comemorando a vitória da nossa universidade.

Estou saindo pelo portão da universidade quando Felipe me liga.

- Edu?

- oi Lipe. Tudo bem?

- tá tudo bem sim, mas eu só te liguei pra avisar que o pneu do carro furou. Vou me atrasar um pouco até trocar o step.

- tudo bem, eu te espero. Se cuida.

- você também. Te amo.

- eu também.

Logo o movimento de estudantes diminui, e a entrada da UFCSPA fica praticamente vazia. Não quero ficar aqui. Está muito deserto. Felipe está demorando mais tempo que eu esperava. Decido ir até o ponto de ônibus, onde geralmente tem mais gente por mais tempo. Estou caminhando pela rua calma e pouco iluminada, já que um dos postes está com a lâmpada quebrada. Ainda faltam duas quadras pra chegar no ponto, e o silêncio está me perturbando. Os últimos acontecimentos vem me deixando paranoico demais. Estou na metade da quadra quando ouço um carro se aproximando pelas minhas costas. É um dos poucos que está passando nessa rua agora. Em seguida, ele diminui a velocidade quando me alcança, e ouço sua buzina, me fazendo quase pular de susto. Eu paro automaticamente, e consigo reconhecer esse carro. Droga. O vidro do passageiro abaixa, e vejo Caio do lado do motorista, sozinho. Ele está diferente. Parece mais... desequilibrado. Seus olhos estão sobressaltamos, com olheiras, a barba não está tão desenhada e arrumada como de costume.

- Edu?

- Caio.

- tudo bem?

- tudo ótimo. Você precisa de alguma coisa?

- na verdade, preciso sim. Quero conversar com você.

Meu estômago se embrulha. Estou ficando tenso, e espero que ele não perceba.

- na verdade agora não e uma boa hora. Eu estou com pressa.

- não vai demorar muito, eu prometo. Entra aí. Se precisar eu te levo pra casa.

- não é necessário. A gente conversa numa outra hora, Caio. Se cuida.

Sem deixar ele tentar responder, eu começo a caminhar novamente, com meu coração batendo violentamente rápido. Ouço o carro arrancar devagar atrás de mim, e logo ele está andando no mesmo ritmo que eu, ao meu lado. Caralho. O que esse cara quer? Eu estou sozinho aqui, não sei pra onde ir, e acho que correr seria exagero.

- Eduardo, na verdade eu preciso muito conversar com você, agora.

Ele enfatiza a última palavra, e pisa no acelerador, fazendo o carro fazer um barulho alto. Eu engulo em seco. Ele parece estar brincando comigo. Eu o ignoro.

- Edu? Você tá me ouvindo?

- Caio, eu não vou conversar agora. Eu já falei.

- não acho que você esteja sendo muito bem educado, Edu.

- que se foda, Caio! Eu não vou conversar.

De repente, estou com meu sangue quente correndo mais rápido nas miuás veias. A coragem repentina me faz gritar. Ele faz uma cara falsa de perplexidade. Cínico.

- não precisa falar assim, Edu. Estamos falando de homem a homem, de forma pacífica.

Eu tento apressar meu passo, e ele me acompanha. Não tenho chance de correr contra ele, estando a pé enquanto ele está de carro. Mas eu estou sentindo que estou em perigo. Sem pensar muito, começo a correr, tentando alcançar a esquina e virar para a rua do ponto, onde eu já consigo ver o fluxo de carros. Mas eu tento atravessar a rua para o outro lado da calçada, para ficar longe do sentido que o carro de Caio está, mas ele fecha meu caminho, me encurralando e fazendo eu entrar em outra rua a minha direita. Não é nem bem uma rua. É uma ruela sem saída, que serve de espaço para algumas saídas de emergência de estabelecimentos do local. O carro agora está trancando a passagem. Que droga, que droga, que droga. A porta do motorista se abre, e Caio sai lentamente, vindo para a frente do carro, atrapalhado a luz dos faróis que me iluminavam. De repente, eu vejo ele mexer no bolso de trás da calça, e meu corpo estremece. Uma silhueta de uma pistola em sua mão. Acho que todo o sangue do meu rosto desaparece.

- entra no carro.

- Caio, eu não...

- entra na porra do carro!

Seu berro me faz estremecer, enquanto meus olhos não saem daquela arma. Eu não tenho opção. Começo a caminhar relutante, tentando pensar em alguma maneira de escapar. Mas não há nenhuma. Eu estou ferrado. Esse psicopata maldito me tem em suas mãos, e não há nada que eu possa fazer.

Comentários

Há 6 comentários.

Por Dougglas em 2015-12-25 23:47:35
Eu estava feliz por Caio assumir a culpa, por às coisas entre Lipe e Edu se acertarem, pela prova do Edu que foi incrível e fiquei feliz dele ter vencido, aí acontece isso. Luã, meus nervos não aguentam kkkkkk. Correndo pra ver o desfecho.
Por Luã em 2015-09-21 00:17:52
Oi gente! Tudo bom? A história tá ficando cada vez mais eletrizante né? Ate eu fico ansioso pra ver como tudo vai se desenrolar, porque a história ainda está sendo projetada e escrita e cada capítulo pronto é uma novidade pra mim. Falar nisso, acabou de sair outro capitulo! Já posso adiantar que está cheio de emoções. Abraço!
Por BielRock em 2015-09-19 19:28:33
Oqueeeeeeeeee ? Não acredito nisso, meu Deus, espero que nada aconteça com Edu, tadinho dele gente. Cara, eu estou amando sua escrita e o tamanha dos capítulos. Anisoso para o próximo capítulo. Bejios 😘
Por Niss em 2015-09-19 00:12:50
Como assim??? Poxa as coisas ficaram tão boas e agora esse puto já está estragando tudo de novo???? Não pode ser, o Lipe tem que chegar logo e impedir esse demo... Espero pelo proximo, Kisses, Niss.
Por Juju em 2015-09-18 20:43:07
Caio filho da puta!!!!!! Coitado do Edu!!!! Cade Felipe??? Vc me deixou nervosa!!!!"
Por diegocampos em 2015-09-18 14:23:28
O caio e uma praga espero que ele não machuque o Eduardo , as provas de culinária que o Eduardo fez me lembraram Master chef rsrs .