07. Esquadrão de cinco

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série O garoto da mesa 09

Fala galeraaaaaa! Adivinhem só quem tá de aniversário hoje???? Isso mesmo, euzinho aqui! E adivinha o que eu tenho pra vocês? Capítulo novo quentinho do GM9! Aeeeee!

Tá bom, parei. Kkkk

Espero que vocês gostem, o titio velho aqui de 20 anos se esforçou bastante pra esse capítulo sair hoje. Abraços! (:

- Edu, o caminhão com as mercadorias acabou de chegar. Você pode ir lá conferir e receber?

- mercadorias? Ah sim, claro. To indo lá, Dani. – lhe lanço um sorriso na tentativa de camuflar o fato de que estou totalmente atrapalhado com esse lance de comandar tudo sozinho. Dani é uma das pessoas que mais simpatizo aqui, apesar de ela ser bastante quieta e tímida, parece que ela também gosta de mim.

- Murilo, você vem me ajudar a pegar as coisas lá no caminhão?

- claro, vamo lá.

Ele desliga a máquina de amaciar bifes e lava as mãos, vindo me encontrar em seguida.

- ainda to sem saber o que falar sobre a sua afronta com o Cesar ontem. Você é o meu herói agora, sério. – Murilo fala ao abrir a porta e me dar passagem, saindo do restaurante pelos fundos e indo em direção ao portão exclusivo de recebimento de mercadorias.

- eu meio que não consegui segurar. Ele estava me provocando a noite toda.

- é bom que ele vê que não é todo mundo que fica quieto para o que ele diz. Ele mereceu.

- ele também faz piadas com você?

- o tempo todo. – ele faz uma careta, mas eu sei que no fundo ele se deixa atingir.

Enquanto eu faço a conferência, Murilo vai pegando as caixas com as mercadorias e, junto com o entregador, levam tudo para dentro do restaurante. Assim que os dois voltam e eu assino o documento confirmando o número de mercadorias, o homem vai embora, me deixando aliviado por não ter feito nada estupido. Pra qualquer ser humano normal da face da terra fazer uma conferência de mercadoria é a coisa mais fácil do mundo, mas do jeito que eu estou nervoso e atrapalhado hoje, eu tinha certeza que eu ia fazer alguma coisa errada.

- Edu? – Murilo me tira dos meus pensamentos, certamente me fazendo olhar para ele com cara de tonto, sem saber se ele estava falando algo importante ou não.

- desculpa, eu to meio embananado hoje.

- relaxa. É o teu primeiro dia sozinho, isso é normal. Você vai ver que é mais fácil que parece.

Eu sorrio e finalmente respiro fundo, controlando a droga da minha ansiedade que só está me atrapalhando.

- valeu Murilo, de verdade.

- sabe o que eu acho? – ele me olha com uma sobrancelha arqueada.

- o que?

- você precisa se divertir um pouco, tirar essa tensão. Eu falei de você pros meus amigos hoje e eles querem muito te conhecer. O que você acha de sairmos, todos juntos hoje e você conhecer eles?

Eu sorrio e acho realmente uma ideia bastante animadora, já que eu preciso mesmo relaxar um pouco.

- acho que um pouco de diversão não mata ninguém. Se vocês quiserem, podemos fazer alguma coisa lá em casa, aí vocês aproveitam e conhecem a Lívia, minha cunhada.

- beleza. Depois você me passa o teu endereço. Que horas a gente pode ir lá?

- bom, meu expediente termina às 18h. Podem ir umas 19h, o que você acha?

- por mim tá fechado. Vou falar com os meninos.

Enquanto voltamos para dentro do restaurante, sinto que eu estou realmente animado em conhecer os meninos. Logo meu intervalo chega e mando uma mensagem para Livia, perguntando se tudo bem de os meninos irem pra lá hoje. Logo em seguida ela me responde que sim, que me pegaria aqui para irmos juntos no mercado comprar as coisas.

O resto do dia foi tão corrido que eu mal vi passar. Com o movimento do restaurante crescendo desde a hora que abriu, eu acabei ficando envolvido com absolutamente tudo da cozinha, desde cortar os legumes até montar os pratos.

E nas poucas vezes que me vi obrigado a ficar perto de Cesar, ele parecia se divertir ao ver que eu não estava confortável com sua presença. Claro que tínhamos que manter uma postura profissional, conversando quando necessário e fingindo que não estava havendo nada, mas por dentro eu sei que a situação era muito diferente em comparação com os sorrisos que tínhamos que manter perto dos outros funcionários. Fazia tanto tempo que eu não precisava lidar com alguém homofóbico que eu até desaprendi como ser desencanado com tudo. O único caso sério que eu tive foi com Alexandre e Gabriel no ensino médio, e depois mais algumas situações chatas com estranhos, mas agora é diferente. Cesar faz questão de mostrar que ele tem princípios diferentes dos que eu pratico e que meu estilo de vida bao é aceitável para ele, mesmo que eu não precise de sua autorização pra fazer absolutamente nada, afinal, a vida é minha. Mas há algo tão diferente nele que me causa repulsa e é capaz de ser ainda mais desagradável do que seu preconceito. Ele tem um olhar, um sorriso que me causam medo. Não é como se ele simplesmente me chamasse de viadinho ou de algo pior pelas costas. Isso eu saberia tirar de letra. Mas ele tem algo a mais em seu ódio contra homossexuais e isso é que me intriga e até me amedronta.

Aos poucos, eu começo a finalmente assumir de fato o controle das coisas. Uma das coisas que eu mais acho legal é que há a troca de pratos no cardápio de São Paulo em relação ao restaurante de Porto. Como aperitivo, por exemplo, eles servem a tão famosa coxinha paulista. Claro que com algumas modificações, deixando-a mais gourmet e requintada, mas sem perder sua essência. Nas vezes que eu recepcionava alguns clientes fixos e importantes do restaurante, assim como alguns amigos de Cassiano, eles notavam logo de cara meu sotaque com um pouco de “tus”, “bás” e “guri/guria”, e acho que eu já acabava ganhando a simpatia deles instantaneamente por isso. Descobri que o sotaque gaúcho é muito querido fora do Rio Grande do Sul, sendo até considerado um dos mais charmosos. Em suma, meu primeiro dia pilotando o restaurante foi bastante proveitosos. No fim do expediente, eu me sinto um pouco cansado, mas acima de tudo, com a sensação de dever cumprido.

Quando estou pegado minhas coisas para ir embora, vejo em meu celular uma mensagem de Livia.

“Edu, não vou poder jantar com vocês hoje. A agência me ligou e me pediu para fazer uma sessão de fotos de última hora, vou sair tarde de lá e depois vou sair com o crush. Você logo vão conhecer ele, acho que vocês vão se dar bem. Se cuida, beijocas.”

Fico um pouco desanimado em ter que fazer as compras sozinho, mas como não tem outro jeito, aproveito que há um hipermercado na outra quadra e vou para lá, comprar as bebidas e as coisas para fazer o jantar.

Assim que chego no apartamento, me encarrego de guardar as bebidas no congelador e o resto na geladeira, então como eu estou sozinho em casa, decido ligar o rádio em um volume consideravelmente normal enquanto tomo banho e me arrumo para esperar Murilo e seus amigos. Depois de uma ducha rápida, visto minha bermuda vermelho escuro, minha camiseta básica preta e minha alpargata jeans, então começo a arrumar meu cabelo e aparar a barba. Não demora muito até meu celular tocar e eu ver uma mensagem de Murilo dizendo que está me esperando na frente do prédio.

“sobe ai com eles, to terminando de me arrumar.”

Depois de alguns minutos a campainha toca e eu vou atender.

- e aí noiva! – Murilo abre os braços sorrindo, claramente se referindo ao fato de eu ainda não estar pronto.

- a pressa é inimiga da perfeição, meu caro. – eu lhe puxo para um abraço, enquanto ele abre passagem e deixa os meninos à vista para que eu possa os cumprimentar.

- bem, Edu, esses são Rômulo, Mateus e Emanuel. Rapazes, esse é o Edu.

Depois de cumprimenta-los, presto mais atenção em cada um deles. Rômulo tem a estatura mediana, pele branca e olhos e cabelos castanho claro, com o corpo forte de academia, mas nada exagerado. A coisa que mais chama atenção nele logo de cara é seu braço direito, que é coberto por tatuagens, até a ponta dos dedos. Mas as tatuagens são todas muito bonitas e bem feitas, além de que nenhuma delas é pintada, mantendo o padrão da tinta preta que contrasta com sua pele branca. Mateus é alto, tem a pele morena clara e olhos e cabelos castanho escuro. De todos, é o mais quieto e tem um sorriso realmente bonito. E por último Emanuel, que tem mais ou menos a mesma estatura de Rômulo, de pele extremamente branca, fazendo contraste com sua barba castanho escura que desenha toda a extensão de seu rosto, mas sem ser nada exagerado. Tem os olhos e os cabelos castanho escuro e usa óculos de grau com lentes quadradas. Colocando todos juntos, é notável a diferença na aparência deles, mas estranhamente, eles se combinam. Pode se ver de longe que eles são amigos próximos.

- cadê a sua cunhada? – Murilo olha discretamente em volta, sentindo falta de Livia.

- ah é, ela pediu desculpas, mas teve compromisso de última hora.

- entendo. E qual vai ser o cardápio de hoje, chef supremo?

Sorrio pelo apelido, assim como os outros.

- eu comprei as coisas, mas quem vai fazer o jantar é você. Quero ver o que você sabe fazer.

As vozes dos três amigos de Murilo se juntam em um uníssono de “oh”, fazendo Murilo rir.

- você tá me desafiando? Olha que eu posso ser melhor do que você pensa.

- por isso mesmo, quero ver o que essas mãozinhas de fada aí sabem preparar.

Então, ele coloca as mãos na massa, pedindo para que eu pegasse os ingredientes e tudo o que eu tivesse disponível para ele planejar o cardápio. Então, vejo ele sendo hábil e olhando para nós, especialmente para mim, como se ele tivesse fazendo a coisa mais fácil do mundo, quase fingindo imodéstia.

Depois de um tempo, ele nos apresenta um frango ao creme de milho que me deixa de boca aberta. Ele e realmente um ótimo cozinheiro. Usou poucos ingredientes dos que tinha disponível e mesmo assim conseguiu deixar tudo muito bem temperado. O arroz soltinho, a salada de cenoura, pimentão amarelo e ervilhas deixa tudo colorido e com um gosto ainda melhor, quando provado em conjunto com o restante.

- meus parabéns, master chef. Me surpreendeu.

- eu sei. – ele fala debochado, fazendo todos rirem.

O resto da noite, aproveito para conhecer os meninos. Parecem realmente muito legais, divertidos e sinceros. Ficaram quase o tempo todo lê perguntando como era as coisas no sul, quase como se o meu estado fosse um outro mundo. Fiz eles rirem muito ao contar que tangerina para nós se chama bergamota, assim como carne moída se chama guisado, e assim por diante. Ficaram de me levar pra comer a coxinha de 1 kg que tem na zona norte e que, segundo eles, se a pessoa consegue comer ela inteira em dez minutos, não precisa pagar e o estabelecimento ainda tira uma foto do cliente e divulga. Eu e Murilo meio que deixamos uma aposta feita pra ver qual dos dois consegue, então acho que eu me meti em uma fria, mas sei que vai ser no mínimo divertido. Em suma, vejo que consegui ótimos amigos por aqui. Os quatro já me consideram como membro do esquadrão, então eu não tenho nada que contestar. Muito pelo contrário, fico até feliz em saber que tenho amigos em São Paulo, mais rápido até do que eu achava que teria.

__

A luz que entrava pela janela do meu quarto era quase irritante de tão intensa, com os raios do sol forte da manhã atravessando as frestas da cortina e entrando por meus olhos ainda fechados. Eu queria tanto aproveitar meu dia de folga pra ficar na cama até um pouco mais tarde, mas eu tenho certeza de que se eu tiver que me levantar para fechar completamente a janela eu não vou conseguir voltar a dormir, então após várias tentativas falhas de contornar o incomodo, tampando a cara com o travesseiro ou virando pra lá e pra cá tentando achar uma posição agradável para voltar a dormir e que eu ficasse confortável, eu desisto e me sento na cama, olhando para as quatro paredes do meu novo e excessivamente vazio quarto, me deixando inquieto. Ainda está me parecendo um quarto de hóspedes, tudo muito genérico, sem nada meu a não ser minhas roupas e o porta retrato que Felipe me deu. Talvez seria legal se eu fosse comprar algumas coisas pra enfeitar e alegrar um pouco esse que vai ser meu lugar de descanso nos próximos meses. Nunca fui muito de gastar com coisas desnecessárias, mas eu meio que mereço dar uma de decorador e me alegrar um pouco em deixar meu quarto mais com a minha cara. Depois de lavar o rosto e escovar os dentes, vou até a cozinha caçar alguma coisa pra comer, encontrando Livia de costas na geladeira, pegando a jarra de suco. Assim que ela se vira e me vê, eu me certifico de estar fazendo minha cara de delegado/detetive, com um sorriso no rosto ao querer saber tudo o que aconteceu na última noite com o “crush” dela, como ela mesmo fala.

- bom dia. – ela fala reprimido o riso.

- bom dia, senhorita. Passou bem a noite?

- maravilhosamente bem.

- quando eu vou conhecer o felizardo?

- hum, se você quiser, podermos ir essa semana jantar fora os três. Eu falei de você pra ele e ele também quer te conhecer.

- por mim tá combinado. Eu também to curioso pra conhecer ele. – falo enquanto vejo ela ficar levemente ruborizada enquanto dá uma mordida em sua torrada. – mas mesmo sem conhecer, eu já fico feliz que ele esteja te fazendo feliz. Eu vejo como você está saltitante nos últimos dias.

- saltitante eu sempre fui, né bem? Só que agora eu estou mais serelepe, mais... apaixonada. Ah Edu ele é tão carinhoso, tão atencioso, além de ser um gato.

Eu a olho por alguns instantes sem falar nada, apenas observando ela ficar toda animada ao falar do seu novo ficante, até que ela percebe e fica ainda mais encabulada.

- o que foi?

- nada. – digo ainda reprimindo o riso, apoiando a cabeça com a mão e com o cotovelo em cima da mesa.

- bobo. – ela fala ao sacudir a cabeça e revirar os olhos. – mas tá, me fala o que vamos fazer hoje?

- tava pensando em comprar algumas coisas pro meu quarto. Alguns enfeites, algumas bugigangas pra deixar ele com mais cor. Ah, e um ar condicionado também.

- olha, que menino poderoso. Que horas a gente vai? – ela fala animada, me deixando feliz em dizer “a gente”, sinal de que vamos passar o dia juntos nas compras. Além de ser uma ótima companhia, ela vai ser uma ótima ajudante pra escolher as coisas, já que ela decorou a sala por conta própria e a julgar pelo resultado incrível que ficou, ela com certeza vai ser de ótima ajuda.

Então, o restante da manhã se resume a ir nas lojas dos shopping da cidade em busca das minhas coisas. No final do dia, estávamos com o porta malas do carro lotado, com um puff quadrado azul escuro, uma luminária em forma de globo de tamanho realmente generoso, onde já tem um espaço garantido na escrivaninha, o ar condicionado e vários objetos de decoração aleatórios. Assim que chegamos em casa, eu e Livia nos encarregamos de arrumar tudo no lugar, enquanto o homem que instala o ar condicionado trabalha no lado de fora da parede do apartamento, deixando a máquina funcionando perfeitamente. É realmente uma surpresa ótima que eles puderam instalar tão rápido, ainda mais sendo no mesmo dia.

__

O dia, que antes estava com o céu limpo e com a temperatura mediana, agora resolve escurecer mais cedo, deixando as nuvens carregadas e cinzas e a temperatura um pouco mais fria. Em menos de meia hora já está chovendo forte lá fora e eu acabo de sair do banho e pela primeira vez preciso vestir um moletom, o que pra mim não é ruim, pois me lembra um pouco do clima do Sul.

Com o ar condicionado do quarto ligado em 16 graus, a janela revelando a chuva cair e respingar os vidros e com uma xícara de café com leite, decido navegar um pouco na internet com meu notebook enquanto estou escorado na cabeceira da cama, até que surge uma mensagem no Skype, fazendo meus olhos correrem até a notificação e abrir um sorriso largo.

“Nem uma semana em São Paulo e já esqueceu dos amigos?”

Clico na mensagem, que me leva direto ao aplicativo, digitando mais rápido do que o necessário, pois eu estou com tanta saudades de Marina, mas estranhamente eu não havia mandando nada pra ela até agora.

“Ruivonaaaaaaa”

Então, sem esperar muito eu já lhe mando solicitação pra abrir a webcam. Poucos segundos depois ela aparece na tela, tentando fazer cara de brava com seu beicinho e os olhos semicerrados.

- já achou uma nova melhor amiga aí?

- claro né. Você acha o que? A fila anda, meu amor.

Ela faz uma cara de surpresa e me mostra o dedo do meio, fazendo eu sorrir e sentir meu peito apertado de saudades.

- aqui tá uma correria Mari, me desculpa. Hoje é meu dia de folga, agora que to tendo um tempo pra respirar..

- eu imagino, caipira. Como tá aí? Porto Alegre ainda é melhor que São Paulo?

- sempre, né. Isso é algo que não muda nunca.

- fico feliz em saber. Mas falando sério, já fez amizade ai?

- tem um garoto lá no restaurante, o Murilo.

- e ele é legal?

- muito. Ele veio jantar aqui ontem com uns amigos dele. Acho que eles meio que me adotaram pra ser o quinto integrante da turma deles.

- bom, você sabe né. Pode ter quantos amigos quiser, contanto que você continue me considerando em primeiro lugar...

Eu rio de sua confissão fofa disfarçada de brincadeira.

- você sabe que é a minha alteza, a rainha soberana de cabelos vermelhos, né?

- claro que eu sei. – ela diz, arqueando a sobrancelha.

- mas tem outra pessoa que eu também preciso te falar a respeito. Cesar.

- Cesar?

- é, um cara lá do restaurante também. Homofóbico, dissimulado é que resolveu pegar no meu pé desde o primeiro dia.

- você é premiado, hein caipira.

- claro. Eu teria que ter alguma inimizade aqui, se não não teria graça, né? – eu digo tentando ser engraçado, mas no fundo sabendo que eu me sinto mal, pois isso não vai me dar nada alem de dor de cabeça.

- e como anda as coisas aí?

- tá chovendo desde que você foi embora. Acho que Porto tá chorando a tua falta. Tá tudo tão diferente sabe?

- é, eu sei. – sinto um aperto no meu peito ao ouvir isso. Eu também estou começando a sentir falta de Porto Alegre, mais do que eu achei que sentiria no começo.

- o Felipe anda triste pelos cantos, não conversa direito, mal responde minhas mensagens. Convidei ele pra dar uma volta ontem mas ele disse que não tava se sentindo bem.

- eu tenho conversado com ele só por mensagem ate agora. Não tive coragem de entrar na webcam e ver ele de longe. Acho que é muito estranho pra mim, pelo menos agora.

- você vai estar só adiando o inevitável, Edu. E ele vai ficar ainda pior, não podendo te ver. É melhor vocês se verem a distância, do que não se verem de nenhum jeito.

- não é tão simples assim.

- mas você sabia como seria, né? Quando você fez as suas escolhas, você sabia que viria algumas consequências atrás. Agora você tem que saber lidar com isso, caipira. E fugir dos problemas não é o melhor caminho.

Enquanto tento assimilar o fato de que Marina está muito mais sábia e madura do que eu costumava saber, começo a pensar que talvez ela esteja certa. Eu venho tentado fugir de Felipe desde que eu cheguei, pra evitar ver ele por webcam. É algo que eu sempre fiz com a minha mãe e era sempre normal, mas agora é diferente, de todas as formas possíveis. É diferente porque eu não vou poder abraçar ele, não vou poder beijar ele ou lhe dar carinho quando eu estiver com muita saudade, e quando eu não aguentar mais, não vou poder pegar um ônibus e ir vê-lo, como eu fazia com minha mãe quando eu estava em Porto Alegre. Não é apenas duas horas e meia de viagem de ônibus e um pouco mais de duzentos quilômetros de distância. São quase mil e cem quilômetros de distância que me separa de Felipe agora, e mais os duzentos quilômetros que me separam de minha mãe. Sinto uma tremenda angústia de ter que pensar nisso, de ter que enfrentar meus medos e de perceber que eu estou longe demais de tudo e de todos que eu conheço, de todos que eu gostaria de ter um abraço depois de dias ruins.

- faz o seguinte, chama ele e acaba com isso. Não deixa ele sofrer mais, e não deixa você sofrer mais. Se você se afastar, tudo acaba ficando pior.

- é, eu acho que você tem razão.

Me despeço de Marina e crio coragem para mandar um SMS para Felipe.

“Ei.”

Pouco mais de um minuto depois e ainda com o telefone na mão, sinto ele vibrar e a tela se iluminar.

“Ei.”

“To com saudade. Podemos ir no Skype?”

Dessa vez, não obtenho resposta. Apenas vejo a notificação na tela do notebook me avisar que ele está on-line, então recebo sua solicitação para uma chamada de vídeo. Quando a tela se abre e mostra ele, eu sinto um misto de sensações estranhas e incrivelmente fortes que me deixam um pouco assustado. Eu estou muito, mas muito feliz de vê-lo, então eu sorrio, mas eu também me sinto péssimo em estar vendo uma espécie de holograma de Felipe, então eu me sinto triste e engulo em seco o nó na minha garganta.

- e aí, menino paulista. Curtindo a cidade nova? – ele tenta me dar um sorriso e manter a voz alegre, mas eu não sei por que ele tenta fingir, já que eu conheço ele melhor do que ninguém.

- seria melhor se você estivesse aqui. Eu to com muita saudade.

- é, eu também tava. Queria muito ter te visto antes, mas acho que você estava ocupado, então não quis atrapalhar.

- é, tem sido bem corrido pra mim nessa primeira semana, mas eu não deixei de entrar aqui pra te ver por falta de tempo.

- então por que?

- porque eu não tava preparado pra isso, Felipe. Pra isso. – eu passo minha mão na tela e na lente da webcam, mostrando que eu estou literalmente tocando em plástico e metal, ao invés de tocar nele.

- você sabia que seria assim. Por que isso agora?

- é eu sabia, mas a gente nunca sabe ao certo como é até estar vivendo na prática. Eu me preparei pra isso, mas... – eu me interrompo e dou um longo suspiro, pois não sei mais o que dizer. – eu só sei que eu sinto sua falta. O trabalho tem sido difícil e eu ainda estou muito ligado à Porto Alegre. São Paulo é linda, mas é absurdamente grande, eu não sei nenhum outro caminho a não ser o de casa pro trabalho e do trabalho pra casa. Eu espero que eu me adapte logo.

- você sabe que vai tirar de letra.

- é, eu espero que sim.

- você nem me falou direito como é lá. Fez algum amigo ou amiga?

- é, eu fiz. Tem o Murilo, ajudante lá da cozinha. Ele é bastante gente boa.

- e é bonito?

Confesso que a pergunta dele me pegou de surpresa. Por que ele quer saber isso? Seria isso um pequeno vestígio de ciúme?

- é, ele é sim, mas o que isso tem a ver?

- hum, só curiosidade.

- ah sim, curiosidade. – eu repito o que ele disse, reprimindo o riso, pois honestamente acho isso bastante fofo.

- ele é gay?

- provavelmente sim.

- e tem namorado?

- provavelmente não. Quer dizer, não que ele tenha me dito.

- bonito, provavelmente gay, se aproximando do novato do restaurante... Bem sugestivo.

- do novato do restaurante que é compromissado, diga-se de passagem. Impressão minha ou você tá com ciúmes, Felipe? – o que eu achava ser fofo agora começa a me incomodar um pouco, devido ao seu último comentário um tanto desnecessário.

- não, eu confio no meu taco.

- e em mim não?

- claro que confio.

- ah que bom, porque eu não sabia que você era ciumento assim. Se fosse hetero e feio, então tudo bem ele ser meu amigo, vir aqui em casa jantar e se tornar alguém próximo a mim?

- por que? Ele foi aí?

- foi. Ontem à noite. Ele e mais três amigos dele, que por sinal agora também são meus amigos.

- ah então agora você se encontra com outros caras sem me falar nada?

- pera aí Felipe, se encontrar com outros caras? Não, eu convidei os meus amigos – faço questão de enfatizar as duas ultimas palavras – aqui em casa, pra fazer um jantar.

- é você não me falou nada.

- teria que falar?

- acho que seria bom eu saber com quem você anda, não é?

- e que diferença isso faz?

- pra mim, muita.

- Felipe, eu sou seu noivo, não sua propriedade. Não é porque eu to longe que agora eu vou ter que pedir permissão pra ir onde eu quero ou andar com quem eu quero. A gente já passou dessa fase, estamos há quatro anos juntos.

- não existe fase pra sentir ciúmes, Eduardo. Eu só não gosto que você saia por aí com estranhos.

- saia por aí com estranhos? O que você é agora? Meu pai? – eu rio, mas rio de raiva, enquanto eu sinto meu sangue quente e meus olhos quererem ficar úmidos. E serio que ficamos dias sem nos ver pra quando finalmente nos víssemos, acabasse nisso?

- tudo bem, se você faz questão, pode ficar com seus amigos. Eu tenho algumas coisas pra fazer aqui, a gente conversa depois.

Antes mesmo de eu pensar em responder ou dar tchau, ele desliga a chamada, me deixando falando sozinho. Eu sinto tanta raiva agora que minha vontade é de encher a tela do computador de socos, mas isso seria irracional.

Como que a situação ficou assim? De uma hora pra outra, Felipe revelou seu lado ciumento e controlador, coisa que eu não sabia que existia durante todo esse tempo.

Eu fico tão aflito que desligo o notebook de qualquer jeito e saio da cama, indo para a sala tentar me distrair com alguma coisa na televisão e com um bom sanduíche.

“Talvez eu esteja mal humorado demais, pode ser fome” – penso comigo mesmo, na tentativa de justificar o fato de que eu também fui rude com ele. Mas eu nunca pensei na ideia de Felipe querer controlar meus passos, ainda mais depois de todo esse tempo.

Quando estou terminando de arrumar meu sanduíche natural de atum, Livia surge na cozinha com a cara de sono, revelando que teve um bom cochilo revigorante no final da tarde chuvosa e entediante que faz hoje.

- tá tudo bem? – ela tenta se aproximar, um pouco cautelosa demais, vendo que eu não estou com uma cara muito boa.

- você ouviu?

- desculpa, mas não deu pra evitar. Nossos quartos são colados. – ela sorri, sem jeito. – o que aconteceu?

- o Felipe tá com ciúme dos meus amigos novos, em especial do Murilo.

- eu imagino. Eu vi a foto que ele postou ontem no facebook, são todos lindos. Eu também ficaria.

Inevitavelmente ela faz eu rir, como ela sempre consegue. Nesse momento eu agradeço a ela mentalmente por ela ter esse poder de aliviar sempre o ambiente, trazendo alegria mesmo em uma situação em que eu estou extremamente chateado, como agora.

- olha Edu, eu conheço meu irmão. Ele te ama muito, mais do que qualquer coisa no mundo. Ter você longe dele deve ser difícil demais pra ele, é algo que ele deve estar assimilando aos poucos.

- eu sei Livs, mas eu não gosto da ideia de ele querer me controlar, já não estamos mais no início de namoro pra ele sentir esse tipo de insegurança poxa. Ele sabe o quanto eu amo ele e que poderia aparecer o cara mais lindo do mundo que eu mesmo assim nada mudaria.

Ela sorri, então puxa uma cadeira e senta em minha frente, me olhando cautelosa.

- eu também já tive um relacionamento à distância. Logo quando eu cheguei aqui em São Paulo, eu conheço um cara lá de Floripa. Ficamos meses se conhecendo melhor por computador, a química realmente tinha rolado, aí ele veio me conhecer. Depois que ele veio, a gente decidiu namorar. Mas a insegurança, o ciúme, tudo veio muito forte, tanto da minha parte quanto da dele, aí a gente decidiu melhor terminar. Ficamos quase um ano juntos. Então, isso que o Lipe tá sentindo é normal.

Você também vai se pegar uma hora ou outra sentindo ciúmes ou insegurança. Vai ter momentos que você vai se perguntar “onde será que ele tá?” Ou “o que será que ele tá fazendo?”

Então, vocês vão ter que reaprender o significado de confiança e de paciência. Paciência com tudo, desde essas brigas bobas e sentimentos novos até o fato de demorar mais pra vocês se verem.

- é, acho que você tá certa. Eu também peguei pesado com ele.

- deixa ele ficar um pouco quieto, vocês dois se acalmam e amanhã você tenta conversar. O que você acha?

- acho que você tá se saindo uma ótima guia, estilista, arquiteta e conselheira amorosa. Vou te levar junto pra Porto quando eu voltar, preciso de você lá.

- Awnnnn, que fofo! – ela se levanta e se curva sobre a mesa para me dar um beijo na bochecha. – agora prepara um desses aí pra mim porque tá com uma cara ótima. – ela fala apontando os olhos para o sanduíche. Eu sorrio e pego outro pão para fazer o que ela pediu, estando um pouco mais calmo agora.

__

Assim que eu atravesso a porta do restaurante, o cheiro de lavanda do produto de limpeza inunda meu nariz, enquanto Wanda passa o pano úmido no chão. Ela é uma das pessoas que eu mais simpatizo aqui também.

- bom dia, Wanda!

- bom dia, Edu! Como vai?

- bem, e você? – falo enquanto passo por ela, sem poder parar, já que estou em cima da hora pra começar a trabalhar. Depois que visto o uniforme, olho para mim através do espelho e fixo meus olhos no broche pequeno e reluzente preso no meu jaleco branco com detalhes pretos. O apetrecho é peça exclusiva dos chefs, o que me faz ficar um pouco extasiado. É uma responsabilidade enorme e que me assusta quase sempre, mas eu não me arrependo nem um pouco de ter agarrado a oportunidade. E estando aqui, vestindo o uniforme de um chef, usando um broche de um chef da rede de restaurantes, e acima de tudo me sentindo como um chef, eu vejo que as vezes as nossas decisões arriscadas nos trazem bons frutos. Sair de nossa zona de conforto é o primeiro passo para o sucesso, isso é algo que hoje é mais do que claro pra mim.

Sigo até meu armário e pego minha escova de dentes e o creme dental e volto para a pia para escovar os dentes antes de começar a trabalhar. Então, a porta se abre e a última pessoa que eu gostaria de ver agora passa por ela.

- bom dia, Eduardo.

- bom dia, Cesar.

- hoje tá calor, né? – ele fala abrindo seu armário e já tirando sua camiseta, mostrando seu corpo moreno forte e bem definido. Como se não bastasse, ele se vira de frente pra mim, para se mostrar um pouco mais, então vem até a pia do meu lado e lava as mãos. Eu me sinto totalmente sem jeito de ver isso, mas não falo nada. Apenas termino de fazer o que estava fazendo e guardo minhas coisas no armário de volta. Quando eu volto ao balcão para lavar as mãos, vejo através do espelho que ele está agora com a parte de cima do uniforme já vestida, mas agora a sua calça jeans está no chão e ele está de frente, fazendo questão que eu veja que ele está de cueca bóxer e com um volume suspeito dentro dela.

“Que porra é essa?” Eu penso ao engolir em seco. Acho que eu estou tão desconfortável com tudo isso que eu começo a sentir um pouco de enjoo.

- Cesar, você poderia por favor se trocar dentro das cabines?

- por que? Não tem nada demais dois homens se verem de cueca, Eduardo. Não concorda?

- não sei pra você, mas pra mim não.

- bom, eu já estou terminando. Pode ficar calmo, eu não vou te agarrar. Só queria que você apreciasse a vista.

Eu decido simplesmente não deixar mais ele tentar me afetar, pois se eu tentasse rebater seria em vão. Argumentos contra esse tipo de pessoa são totalmente inúteis. Termino de secar minhas mãos e saio do banheiro o mais rápido que eu posso, então sigo para a cozinha para ajudar o pessoal o máximo que eu posso para esfriar a cabeça. Após o restaurante abrir, o movimento fica consideravelmente fraco, então vou até o caixa usar o computador para mandar alguns e-mails, inclusive para Cassiano. Peço licença para Cesar e então ele fica recepcionando e atendendo os clientes enquanto isso, e eu atendo as pessoas no caixa quando necessário.

Um cliente acena pedindo a conta e Cesar vem até a mim, pega a comanda da mesa correspondente e demora um pouco para sair, mas eu não presto muita atenção, pois estou terminando de escrever o e-mail para Cassiano.

- Edu, eu vou no banheiro e já volto, se você precisar me chama.

- tudo bem. – falo o mais sério possível, sem nem olhar para ele, pois só de ouvir sua voz eu já começo a ficar extremamente irritado.

Observo pela visão periférica que ele entrega a comanda, fala algumas coisas com o cliente e então segue para o banheiro. O homem, que é um dos fregueses fiéis e está sempre aqui almoçando durante o intervalo do trabalho, vem até a mim para pagar e eu termino de mandar o e-mail bem a tempo.

- boa tarde, Fernando! – digo sorridente, mas não ganhando uma resposta muito amigável.

- você pode me explicar o que é isso? – sua voz é baixa, mas dura, e seu rosto está com as linhas tensas. Eu pego sua comanda e vejo no verso que meu número está anotado de caneta.

- seu funcionário me disse que você pediu pra ele me passar seu número e que você gostou de mim. Acho que você já deve ter me visto por aqui antes e sabe que eu tenho esposa, não é?

Nesse momento, parece que eu desaprendi a falar e meu sangue parece ter sido todo drenado do meu corpo, me deixando obviamente branco feito papel em reação ao absurdo que está acontecendo bem na minha frente.

- como assim? Eu não pedi pra te dar meu número... Eu... – vejo que não tem como me explicar, Fernando sabe que eu sou gay e ele deve estar com o pensamento bem definido sobre o tipo de gente que eu devo ser e é isso que me deixa mais triste.

- eu sou muito amigo do Cassiano, Eduardo, frequento esse lugar há anos, mas eu não volto mais aqui. Acho uma total falta de profissionalismo seu, como gerente substituto. Infelizmente, eu não ponho mais meus pés aqui.

Depois de inutilmente pedir mil desculpas para ele e terminar de atende-lo, ele sai visivelmente bravo pela porta, enquanto eu estou ainda sem saber o que fazer. Cesar surge no salao e caminha até a mim, enquanto eu honestamente estou com vontade de voar em seu pescoço e lhe encher de socos.

- já terminou aí?

- preciso falar com você em particular.

- mas e o caixa?

- vou pedir pra Dani substituir enquanto isso.

Pra mim, aquilo já tinha passado dos limites. Ele estava tentando me deixar irritado e intimidado de todas as formas desde o primeiro dia que eu cheguei, mas ainda assim era algo que não era tão grave. Mas fazer eu passar por tamanha vergonha, perdendo um cliente importante e me deixando com a pior imagem possível para os outros, isso eu não posso admitir. Acho que já está na hora de eu fazer alguma coisa.

Ele me segue até a área dos armários em silêncio, embora eu saiba que por dentro ele esteja se divertindo muito com a situação toda. Assim que eu fecho a porta, me viro pra ele e toda a paciência que eu estava tentando ter até agora cai por terra.

- que merda foi aquela?

- do que você tá falando?

- você sabe do que eu to falando Cesar, o Fernando saiu daqui bufando de raiva dizendo que eu mandei você dar meu número pra ele. O que você tem na cabeça?

- eu não fiz nada Eduardo, por que você acha que eu faria isso? – sua voz sai mais cínica do que o normal, então eu vejo que ele está segurando o riso.

- eu sempre achei que ele fosse do seu time, aquela esposa gostosa dele deve ser apenas fachada, vi ele olhando pra você algumas vezes, só pensei em facilitar as coisas.

- mas que droga, Cesar! – eu falo mais alto que o normal, deixando a raiva seguir viva nas minhas veias. – você viu o que acabou de fazer? Fez a gente perder um cliente. Olha Cesar, eu sei que você não gosta de mim. Você deixa bem claro todos os dias que detesta os homossexuais, que não admite dois homens ou duas mulheres ficarem juntos, mas eu não admito você me desrespeitar aqui dentro. Da porta do restaurante pra fora, você pode dizer o que quiser de mim, pode insinuar o que você quiser e dar suas opiniões pra quem você achar conveniente, mas da porta pra dentro eu sou seu superior, querendo você ou não, e você tem que me respeitar.

- você não é meu superior, Eduardo. Você é apenas um substituto que deve ter dormido com o Cassiano pra conseguir o que queria. Eu conheço gente da sua laia de longe. Eu sinto o faro de viadinhos, de putinhas que se fingem de santa pra todos, mas que na verdade são a pior raça que existe. Me diz, quantas vezes você teve que dar seu cu pro Cassiano pra você vir pra cá, brincar de gerente por um ano?

Sinto meu rosto queimar e todo o meu sangue ferver dentro das minhas veias, enquanto eu fecho meus punhos e me preparo para tentar machucar ele o máximo que eu puder, mas eu consigo achar um vestígio de autocontrole dentro de mim e fecho os olhos por um segundo, respiro fundo e dou um sorriso tão largo que é quase que involuntário.

- sabe Cesar, você não me conhece. Você acha que me conhece, mas não conhece. Mas eu sim, te conheço. Eu conheço pessoas como você. Já lidei com elas, tenho que lidar sempre. Pessoas que acham que intimidam com palavras, com atitudes rudes, achando que eu vou me sentir acuado e sei lá, parar de ser gay? – eu solto uma gargalhada abafada, sendo o mais sarcástico que eu posso. – mesmo que eu pudesse parar de ser gay, eu não pararia. Sabe por que? Eu me amo assim, Cesar. Eu sou gay com orgulho, e não vai ser alguém como você que vai fazer eu sentir vergonha ou me sentir como se eu estivesse fazendo algo errado. E sobre o que você falou de ter que ir pra cama com o Cassiano, eu não preciso fazer isso pra conseguir as coisas. Se eu estou aqui é porque o Cassiano confiou em mim, que eu conseguiria administrar tudo muito bem na ausência dele. Às vezes eu me pergunto, será que essa sua raiva toda é só por causa do fato de eu ser gay? Ou tem algo a mais escondido nas entrelinhas?

- o que você quer dizer com isso? – percebo que ele já perdeu sua pose de galo poderoso, com sua voz ficando nervosa.

- não sei. Você que me diz. Essa sua raiva é só homofobia mesmo?

- o que mais seria?

- bom, isso você teria que me dizer. Mas acho que não e necessário. – acabo achando melhor não falar nada sobre o que Murilo me disse, sobre ele estar ressentido por não ter sido escolhido, apesar de isso estar engatilhado na minha garganta. Porém isso prejudicaria o Murilo e soaria muito como arrogância da minha parte, então acho que isso seria demais. Acho que deixar as palavras soltas no ar é o melhor para agora. –A única coisa necessária aqui dentro é cada um fazer o seu serviço direito. Você faz o seu, eu faço o meu, então tá tudo certo. Eu fui claro?

Ele me encara como se estivesse me fuzilando, os olhos grandes e castanho escuros me fitando sem deixar transparecer nenhuma emoção, o corpo imóvel.

- eu fui claro? – repito, dessa vez um pouco mais alto, para que eu possa me fazer entendido.

- foi. – ele me lança um sorriso debochado, os dentes incrivelmente brancos a mostra como se fossem presas prestes a me atacar. – me desculpa se eu te aborreci. Não vai mais acontecer. Eu não sei onde eu tava com a cabeça.

Eu estou com tanta raiva no momento que eu simplesmente saio sem falar nada, deixando ele sozinho pra trás e querendo ir embora agora, largar tudo pro alto e voltar pra Porto Alegre. Esse cara é um idiota, um cretino, um babaca. Eu estou com tanta raiva agora que eu estou quase chorando, mas eu não vou deixar a porra das minhas lágrimas saírem agora, se não todo mundo vai ver e eu vou ter que dar explicações.

O resto do dia passa simplesmente se arrastando e eu não consigo me concentrar em nada, querendo apenas que meu turno acabe e que eu possa ir pra casa. Na hora de ir embora, eu encontro Murilo se trocando e troco meia dúzia de palavras com ele, mas tiro meu uniforme o mais rápido possível para sair desse lugar. Na hora que eu dou tchau pra ele, ele vê que eu não estou bem, mas eu não dou nem a chance de ele perguntar algo. Já na calçada, escuto ele me chamar quando ele sai pela porta, então eu me viro e espero ele chegar até a mim.

- o que aconteceu? Você saiu de lá praticamente correndo.

- não é nada, só preciso ir logo pra casa.

- quer uma carona? Eu te levo.

- não, não precisa. Eu vou de ônibus.

- ai vai demorar muito. Deixa de ser cabeça dura, eu te dou uma carona.

Eu me dou por vencido e decidi aceitar a carona, mas eu preciso tanto estar sozinho pra chorar ou pra dar alguns socos na parede sem ninguém me enchendo de perguntas que eu não acho que a boa vontade de Murilo seja algo benéfico pra mim agora.

Já dentro do carro, antes de dar a ignição ele me analisa e me faz ter que falar algo, nem que seja perguntar o motivo de ele estar me olhando.

- o que foi?

- eu que pergunto. Você saiu do restaurante correndo, tava estranho o dia todo. O que aconteceu?

- nada. Só to num dia ruim.

- eu pensei que fossemos amigos. – ele me olha com a expressão ressentida. – foi o Cesar? Fez alguma coisa?

Eu nego com a cabeça mas mordo o lábio inferior como forma de aliviar a raiva que está fervilhando dentro de mim nesse momento, então vejo que meus olhos estão lacrimejando.

- o que ele fez?

- ele anotou meu número de celular na comanda de um cliente e disse que eu tinha gostado dele.

- que filho da puta. – ele me olha atônito, enquanto eu não aguento mais segurar o choro e engulo meu orgulho de chorar na frente de alguém.

- calma, a gente resolve isso. Você tem que falar com o Cassiano sobre isso.

- é, eu sei. Mas não vai adiantar. Ele vai continuar lá, querendo me deixar acuado, inseguro. Ele tá conseguindo me tirar do sério, Murilo, que droga.

- é isso que ele quer. Que você vá embora e que ele fique no seu lugar, comandando tudo até o Cassiano voltar. Você não pode dar esse gostinho pra ele.

- ele é um babaca otario, aposto que é gay também e ainda não saiu do armário, esse ridículo.

- isso aí, gosto assim! Não quero ver você abaixando a cabeça pra ele não. Ele não é mais do que você, nem lá dentro nem aqui fora. Mostra pra ele que ele não vai conseguir te tirar do sério. Mas por hora, não é pra ficar pensando nisso. Não vale a pena. Vai pra casa, descansa, amanhã você resolve isso conversando com o Cassiano.

- é, você tem razão. – digo secando o rosto e sorrindo. –

Obrigado, Murilo, de verdade.

- não precisa agradecer. Agora me diz, qual você prefere; Taylor Swift ou Ariana? To com os dois discos delas aqui no porta luvas, então você que manda qual a gente ouve até a sua casa.

- gosto das duas, mas eu fico com a Taylor, com certeza.

- Taylor, com certeza. Me deixou orgulhoso, gauchão.

Após tomar um banho quente e esquentar a o resto da pizza que tinha na geladeira, decido seguir o conselho de Livia, que está na agência até agora, e chamo Felipe para conversar.

“Ei.”

“Ei.”

“Quero te ver. Podemos ir no Skype?”

“Entrando lá.”

Quando o vejo, meu sorriso se abre automaticamente, e toda a raiva e o orgulho que eu sentia ontem antes da briga simplesmente desaparece.

- queria te pedir desculpas por ter sido rude ontem. Deveria ter entendido o seu ponto de vista.

- eu que peço desculpas pelo meu ataque de ciúmes bobo. Eu sei que eu fui idiota e infantil.

- tá tudo bem. Eu só não consigo ficar brigado com você. Eu fiquei o dia todo mal por termos ficado sem se falar, e o meu dia foi péssimo, então eu só queria chegar em casa e te ver, mesmo que seja só por essa droga de webcam, sabe?

- eu te amo, Edu.

Sua frase inesperada sem nem ao menos eu ter terminado de despejar tudo o que eu queria falar me faz chorar novamente. Chorar de saudade, de raiva por tudo o que houve hoje, de angústia por não ter ele perto. Então eu simplesmente pego o notebook e aperto forte contra o meu peito, como se eu estivesse abraçando felipe, e depois beijo a tela, como se estivesse o beijando. É estranho fazer isso, pois eu nunca tinha sentido uma saudade tão forte dele como agora. Uma necessidade tão forte de estar perto de Felipe, de estar em Porto Alegre e de sentir seu abraço, seu beijo, sentir sua respiração e seu cheiro tão bom.

- eu também, Felipe. Muito.

Conto para ele sobre tudo o que aconteceu, sobre quem é Cesar e o que ele tem feito para me deixar tão mal nesses últimos dias. Ele fica simplesmente indignado, querendo vir até aqui e bater em Cesar, o que eu acho tão fofo e engraçado que começo a rir. Depois ele me conta como tudo está em Porto Alegre, como está os preparativos para a viagem para Salvador e dos planos de vir me ver no próximo mês. Então, eu me sinto tão cansado que vejo que preciso dormir logo. Estou exausto física e mentalmente, mas mais mentalmente, pois minha cabeça está doendo, doendo mais do que meus braços e minhas costas.

- antes de dormir, posso te pedir uma coisa?

- claro, o que você quiser.

- podemos dormir com a webcam ligada? – fico sem jeito de pedir, enquanto ele me olha sorrindo. – é que assim eu sinto como se você tivesse junto comigo.

Ele parece estar muito feliz em ouvir isso, então eu desligo a lâmpada e deixo apenas a luz da luminária e o computador no criado mudo do lado da cama, enquanto ele também se deita na cama e deixa a webcam focada em seu rosto e parte de seu corpo, como se realmente a gente estivesse dormindo juntos. Isso é tao lindo e ao mesmo tempo triste, mas ter ele dormindo comigo, de algum jeito, já me faz me sentir bem.

- boa noite Edu.

- boa noite, Lipe.

Comentários

Há 5 comentários.

Por Luã em 2016-02-09 12:05:51
Fala galera! Queria agradecer pelas felicitações e pelas palavras de carinho. Eu fico feliz pra caralho quanto vocês comentam, então é sempre algo que alegra meu dia. André, fico feliz que você acompanhe e goste dos contos, valeu pelo carinho! Sempre que quiser comentar e dar sua opinião ou sugestões, fique a vontade! Aliás, todos vocês, sempre que tiverem alguma sugestão ou opinião, se sintam mais que a vontade pra entrar em contato. Não sei se vocês já viram, mas tem capítulo novo no ar! Corre lá pra conferir (:
Por diegocampos em 2016-02-04 22:04:42
Parabéns luã muitas felicidades na sua vida e que você realize todos os seus sonhos. Adorei o capítulo o capítulo foi bem fofo pelo Felipe e pelo edu, o que estragou foi o insuportável do cesar, estou amando a Lívia, amei o final desse capítulo muito fofo ansioso pelo próximo
Por André B C em 2016-02-04 19:56:12
Parabéns!!! Muitos e muitos anos de vida! Felicidades!!! Normalmente eu acompanho os seus contos e os acho excelentes, porém acabo não comentando... Peço desculpas por esta falta de consideração por alguém que escreve tão bem!
Por Felipe Fernandes em 2016-02-04 02:34:22
Migooo parabens pelos 97 anos de vida huehuehuehue paraens por mais um capitulo incrivel. Sabe, é tão engraçado como cada capitulo que voce posta eu fico encantado de como vc me surpreende. O cesar ta sendo o antagonista perfeito. E pelo que vi ele so cresceu a raica que ele tem pelo edu. O Esquadrão de Cinco foi o titulo perfeito expressou bastante o jantar que teve com os amigos do Murilo. Só que o que me chamou mais a atençao foi o caso da Webcam... voce esta descrevendi isso de uma forma tão... espetacular que eu fico emoionado demais com isso. e não vou me aprofundar se não eu choro kkkkkk enfim........ 20 aninhos aeeeeee cuidado com as rugas migo. parece ate que nos conhecemos ontem mas ja faz uns meses ai e quero agradecer pela amizade que tenho com vc migo. Eu sinceramente nunca confiei em ninguem como confio em vc. Não sou um cara de confiança pelas mentiras e ate não acho que mereço sua amizade mas você é incrivel te conheço a pouco tempo mas pode ter certeza que ja tem um lugar marado aqui no meu coração. Vc encanta todos com quem fala e é espetacular com seus contos. Vamo que vamo. Escreva pra sempre e vlw mesmo pela parceira em Oscilação repentina e um dia nois chega la. Feliz aniversario... que Deus te abençoe... te de varios e varios anos de vida sendo esse moleque incrivel que vc é e vamo la. Flw. (Eu avisei que ia fazer textinho) (vou copiar e colar no facebook pq to com preguiça de escrever de novo huehueheueheu) ( não duvide que vou mesmo u.u ) Ailoviúú migo e ate breve.
Por Niss em 2016-02-04 01:19:08
Pohan... Que barra hein... To todo derretido por causa desse final, mas to com uma raiva imensa daquele imprestável do Cesar... Ma que porra! Ele é um infeliz mesmo, invejoso que vive pra atormentar a vida das pessoas que tentam ser felizes. Que raiva desse cara, na boa... Ptm.. Pelo menos o Murilo se mostrou ser um bom amigo até então, eu to começando a gostar dele, mas a minha diva tu sabe que é a rainha, a Marilinda! Amo! Hahaha, Elá é linda! Foda! Amo mais que chocolate(Mentira). Hahaha. Enfim. A Lívia ter sumido na noite do encontro foi bem estranho, masssss... Vamos lá. Ela está sendo uma ótima companhia pro Edu. Que bom que eles estão se aprochegando. Tchê. Mas bah, adorei o capitulo. Haha. Espero pelo proximo. Kisses, Nissan Spears. ;-*